Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
431/22.5T8VCD.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUELA MACHADO
Descritores: DELIBERAÇÃO DE ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
AÇÃO DE ANULAÇÃO DA DELIBERAÇÃO
Nº do Documento: RP20240321431/22.5T8VCD.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O nº 4 do art. 1433.º do CC, prevê que o direito de propor a ação de anulação da deliberação tomada em assembleia de condóminos, caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação primitiva.
II - Solicitada a convocação da assembleia extraordinária, a qual, contudo, não veio a ser convocada pelo Condomínio, estamos perante uma lacuna que tem vindo a ser decidida de forma unânime pela Jurisprudência, no sentido de que, no caso de ser solicitada a realização de uma assembleia extraordinária, mas esta não venha a ser convocada e a ter lugar no prazo de 20 dias, se aplica o prazo de 60 dias a contar da deliberação primitiva.
III - Tal prazo para interpor a ação de anulação da deliberação, não depende da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

(da responsabilidade da Relatora)
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 431/22.5T8VCD.P1




Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:




I - RELATÓRIO

AA, casado, advogado, com domicílio profissional na Rua ..., ..., Porto, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum, contra A... – Unipessoal, Lda., com o NIPC ...07, com sede na Avenida ..., ..., ..., ..., Póvoa de Varzim, enquanto administradora do condomínio dos prédios que constituem a Urbanização ..., ré que veio, entretanto, a ser substituída pelo Condomínio do prédio sito na Urbanização ..., ..., ..., ... Porto, pretendendo, o Autor, no essencial, a declaração da nulidade da ata da Assembleia Geral do Condomínio ..., realizada no dia 15-01-2022; a anulação dessa mesma Assembleia Geral do Condomínio, bem como a condenação da ré a reconhecer a nulidade e a convocar nova assembleia.

Devidamente citado, o réu Condomínio apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, arguindo, nomeadamente, a caducidade do direito do autor, de propor a respetiva ação, ao que o autor respondeu, pugnando pela improcedência da exceção.

Realizada a audiência prévia, foi elaborado o despacho saneador, no âmbito do qual foi proferida decisão que decidiu julgar procedente a exceção de caducidade invocada pelo réu e, em consequência, absolver o mesmo do pedido formulado pelo autor.
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Não se conformando com o assim decidido, veio o Autor interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
O apelante formulou as seguintes conclusões:
“I. O Recorrente não se conforma com a sentença do "tribunal a quo" que julgou procedente a exceção perentória da caducidade e, em consequência absolveu o Recorrido do pedido formulado nos autos.
II. Segundo o artigo 1432º, nº 6, do Código Civil, as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de receção, no prazo de 30 dias.
III. Após a receção da referida carta, nos termos dos artigos 1432.º, n.º 7 e 1433.º, n.ºs 2 a 4 do Código Civil, os condóminos têm, ao seu dispor, os seguintes meios de reação: 90 dias para comunicar, por escrito, o seu assentimento ou discordância; 10 dias para exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação de deliberações inválidas ou ineficazes; 30 dias para sujeitar a deliberação (inválida ou ineficaz) a um centro de arbitragem; 20 dias, a contar da deliberação da assembleia extraordinária para propor a ação de anulação, sob pena de caducidade; 60 dias sobre a data da deliberação, para propor a ação de anulação (no caso de não ter sido solicitada a realização da assembleia extraordinária), sob pena de caducidade.
IV. Sendo a comunicação das deliberações aos condóminos ausentes uma obrigação (art. 1432.º, n.º 6).
V. Tal formalidade destina-se a fixar a data em que foi efetivamente comunicada a deliberação e o início do prazo da caducidade.
VI. Segundo o artigo 329º do Código Civil o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido, momento que ocorre precisamente quando a comunicação, que a lei obriga a fazer, chega ao alcance do condómino ausente.
VII. As deliberações tomadas na Assembleia Geral que teve lugar no dia 15/01/2022 foram comunicadas ao Recorrente por carta registada, datada de 07/02/2022, só tendo sido recebida pelo recorrente no dia 8 ou 9 de Fevereiro.
VIII. Sendo assim, o Recorrente ficou com 60 dias após 08/02 ou, pelo menos 07/02/2022 para propor a ação de anulação. Tendo esta sido proposta em 17/03/2022, ainda não teriam decorrido os 60 dias e como tal, a ação foi interposta em tempo.
IX. Caso assim não se entenda, sempre se diga que o Recorrente privilegiou a via extrajudicial e impugnou a deliberação tomada no dia 15/01/2022 - por carta registada com aviso de receção, datada de 15/02/2022, solicitando o agendamento e convocatória de assembleia extraordinária a ter lugar no prazo de 20 dias.
X. O Recorrido, respondeu por e-mail à carta do Recorrente, questionando sobre se este mantinha o interesse no agendamento da Assembleia Extraordinária, sendo que o Recorrido ignorou deliberadamente esse facto e nunca marcou qualquer assembleia.
XI. Estamos perante a omissão da prática de um ato, cuja prática se aguardava, até porque o Recorrente reiterou o seu pedido de agendamento da Assembleia.
XII. O artigo 1443.º, n.º 4 do Código Civil refere que o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação". Deste modo,
XIII. O prazo de 20 dias de que dispõe o Recorrente para interpor ação de impugnação das deliberações ainda não se iniciou, porquanto o mesmo se conta sobre a data da deliberação da Assembleia Extraordinária, se esta tiver sido requerida tempestivamente, como de facto aconteceu.
XIV. Mais se diga que o Recorrente não reunia as condições necessárias para se substituir ao Recorrido, na qualidade de Administrador, porque o mesmo, e não obstante o pedido do Recorrente, não lhe remeteu a listagem de condóminos e respetivas moradas, para que este, por sua iniciativa, pudesse convocar a Assembleia nos termos do previsto no artigo 1438.° do Código Civil; Mais uma vez ignorou e não forneceu os elementos, propositadamente... Claro.
XV. Ora, tendo o Recorrente lançado mão de um dos meios de impugnação previstos legalmente, não pode ser necessário nem exigível ter de recorrer a mais nenhum outro.
XVI. Certo é que os critérios fixados por lei para a contagem do prazo não se verificam - o primeiro tem por base a deliberação da assembleia extraordinária e o segundo pressupõe que o recorrente não tenha solicitado a marcação da assembleia extraordinária.
XVII. Ou seja, o prazo dos 60 dias só teria razão de ser, se o Recorrente não tivesse solicitado a marcação de uma Assembleia extraordinária, o que não sucedeu.
XVIII. Como se não bastasse, parece-nos lógico que as impugnações extrajudiciais não podem ter os seus efeitos limitados pelo comportamento do condomínio.
XIX. O comportamento do administrador do condomínio que, perante a receção da impugnação da ata com solicitação de agendamento e convocatória para uma assembleia extraordinária, nada disse e nada fez, é nesta lógica, premiado, deixando qualquer condómino numa posição de fragilidade no exercício dos seus direitos, o que não se concebe nem aceita.
XX. Pois bem, não estando respeitados os critérios fixados na lei e havendo omissão da mesma quanto a esta questão, não poderá, salvo melhor opinião, considerar-se que o direito do Recorrente já caducou, premiando-se desta forma quem prevaricou em manifesto e inaceitável benefício para o infrator.
XXI. Posto isto, mal andou o "Tribunal a quo", ao fazer uma errada interpretação e aplicação da lei. Deste modo, atento o exposto supra, pugna-se pela alteração da decisão de procedência da exceção de caducidade deduzida pelo Recorrido porque tal exceção não se verifica.”.
Pede, assim, que admitido e considerado procedente por provado, o recurso, deve ser revogada a Sentença Recorrida, que deve ser substituída por outra que considere improcedente a exceção perentória de caducidade invocada pelo Recorrido.

O Recorrido Condomínio do Prédio sito na Urbanização ..., por sua vez, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil.
Atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelo Apelante, a única questão a apreciar consiste em decidir se deve ser alterada a análise jurídica que foi feita na sentença da 1.ª instância, concluindo-se pela improcedência da exceção de caducidade.
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2. Da caducidade
2.1. Com interesse para a decisão, temos como assente que:
- A Assembleia Geral de Condóminos teve lugar no dia 15/01/2022.
- O Recorrente, por carta registada com aviso de receção, datada de 15/02/2022, solicitou o agendamento e convocatória de assembleia extraordinária a ter lugar no prazo de 20 dias, referindo nessa carta que as deliberações tomadas na Assembleia Geral que teve lugar no dia 15/01/2022, lhe foram comunicadas por carta registada, datada de 07/02/2022.
- A Assembleia Extraordinária não veio a ser convocada.
- O Autor propôs a ação em 17/03/2022.
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2.2. Decisão recorrida
É a seguinte a decisão recorrida, na parte que para o recurso interessa:
“(…)
Questão prévia – da caducidade
Em sede da contestação, veio a Ré invocar a excepção peremptória de caducidade para a propositura, pelo Autor, da presente acção.
Para o efeito, referiu que a Assembleia de Condomínio cuja impugnação se pretende foi realizada em 15/01/2022 e a presente acção apenas foi intentada em 17/03/2022.
Em resposta, veio o Autor referir que a acção foi intentada em tempo, porquanto desde logo solicitou a realização de Assembleia Extraordinária, sem que o Réu alguma vez a tenha convocado, motivo pelo qual o prazo de caducidade não se iniciou.
Mais salientou que, ainda que não haja tal entendimento, foi depositada a multa devida pela apresentação da acção no primeiro dia útil após o termo do prazo para o efeito.
Salientou, ainda, que as cartas remetidas aos condóminos a informar da Assembleia realizada não foram todas remetidas no mesmo dia, motivo pelo qual o prazo de caducidade apenas se iniciaria com a última notificação de um dos condóminos de tal Assembleia.
Vejamos.
Na sua petição inicial, o Autor termina pedindo a nulidade da acta, a anulação da Assembleia Geral e o reconhecimento, pelo Réu, de tal nulidade, sendo determinada nova realização de tal Assembleia.
Resulta claramente do exposto – tal nem é questionado pelo próprio Autor – que o mesmo pretende impugnar a Assembleia realizada pelo Réu, nos termos do art.º 1433.º do Cód. Civil.
Tal artigo estabelece o seguinte:
“1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4 - O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5. Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”
Da análise de tal normativo merece particular relevância, para o presente caso, o citado n.º 4.
O mesmo determina que o prazo para propor a acção caduca em vinte dias, caso tenha ocorrido a Assembleia Extraordinária referida no n.º 2, ou em sessenta dias, caso tal Assembleia não tenha sido solicitada.
A lei, efectivamente, não se pronuncia sobre os casos em que a Assembleia Extraordinária é solicitada, mas não vem a ser realizada, como sucede no caso em análise.
Não obstante a existência de tal lacuna legal, a verdade é que a jurisprudência vem dando, de forma unânime, resposta a tal questão, no sentido de considerar que, em tal caso, o prazo de caducidade é o de sessenta dias contados desde a data da Assembleia. Em tal sentido vd., a título de exemplo, o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 23 de Novembro de 2020, proc. n.º 18299/19.7T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt, que refere:
“I - O condómino, perante uma deliberação inválida ou ineficaz, que não mereça a sua aprovação, pode exercer três faculdades, ou seja, exigir do administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, no prazo de dez dias, sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem, no prazo de trinta dias, ou propor uma acção judicial de anulação da deliberação, no prazo de sessenta dias, a partir da data da deliberação primitiva.
II - A caducidade do direito de propositura da acção de anulação de deliberação, ocorre, no prazo de vinte dias contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, no caso de a mesma não ter sido solicitada, no prazo de sessenta dias (art.º 1433.º, n.º 4, do Cód. Civil), indistintamente, quer para os condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da respectiva comunicação ao condómino não presente.
III - Tendo o condómino, que não se conformou com alguma deliberação da assembleia de condóminos, e solicitou a realização de uma assembleia extraordinária tendente à revogação das deliberações produzidas na assembleia primitiva, visto desatendido o seu pedido pelo administrador do condomínio que não a convocou no prazo de vinte dias, devia aquele condómino ter interposto recurso desse acto do administrador para a assembleia de condóminos (cfr. 1438.º do CCivil) por forma a ver atendido o seu pedido, abrindo-se depois o prazo de 20 dias para impugnar judicialmente a deliberação que seja confirmatória da anterior.
IV - Não o tendo feito e tendo já sido ultrapassado o prazo de 60 dias estatuído no artigo 1433.º, nº 4 caducou o direito de propor a acção de anulação da deliberação, pois que não se pode retirar que do acto omissivo da não convocação da assembleia geral extraordinária houve uma confirmação tácita da deliberação anterior, dispondo o condómino a partir desse momento do prazo de 20 dias para impugnar judicialmente essa confirmação tácita.”
Em idêntico sentido, vd. ainda o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2023, proc. n.º 23757/19.0T8PRT-A.L1-8, igualmente disponível em www.dgsi.pt, que refere: “Se um condómino que esteja presente ou ausente tiver requerido a realização de uma assembleia extraordinária destinada a revogar as deliberações votadas na assembleia, e o administrador do condomínio a não convocou, como devia, no prazo de 20 dias, facto que ocorreu no caso em discussão nos presentes autos, em anos sucessivos, sem que o condómino/embargante/recorrido tenha interposto recurso desse acto negativo para a assembleia ou tenha optado pela via da arbitragem, devia então propor a acção anulatória, dentro do prazo legal de 60 dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de caducidade”.
Compreende-se o sentido da jurisprudência. De facto, caso o prazo de caducidade não ocorresse por falta de realização da Assembleia Extraordinária, a possibilidade de impugnação das deliberações protelar-se-ia no tempo até à eventual realização da Assembleia Extraordinária, em detrimento da estabilidade jurídica dos demais condóminos.
Por via disso, resulta que, não havendo lugar à realização de Assembleia Extraordinária, o prazo de caducidade para impugnar é de sessenta dias.
Não obstante, o Autor mais refere que tal prazo apenas se iniciaria com a última das notificações a cada um dos condóminos.
Porém, não é assim.
Num primeiro momento, desde logo, como se referiu no despacho proferido em 28/02/2023, não são aplicáveis à notificação da Assembleia de Condomínio as regras processuais civis, porquanto estas têm natureza adjectiva e aquelas natureza substantiva.
No mais, é jurisprudência uniforme que o prazo para impugnar a Assembleia se inicia com a data da deliberação, e não com a respectiva notificação.
Neste sentido, vd., entre vários outros, o acima citado Acórdão n.º 18299/19.7T8PRT.P1, e ainda o do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2019, proc. n.º 3125/17.0T8VIS.C1.S1, e do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022, proc. n.º 1615/19.0T8STS.P2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Por último, impõe-se apreciar se o Autor poderia, como fez, colmatar a sua reconhecida propositura da acção no primeiro dia útil após o prazo de sessenta dias mediante o pagamento da respectiva multa.
A resposta não pode deixar de ser negativa.
De facto, o prazo de caducidade previsto no art.º 1433.º, n.º 4, do Cód. Civil, é um prazo substantivo, enquanto o regime previsto no art.º 139.º, n.º 5, do Cód. Proc. Civil, diz respeito somente aos autos processuais.
Conforme se refere no já antigo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 1998, proc. n.º 98A1149, disponível em www.dgsi.pt, “O prazo de prescrição é um prazo substantivo e, como tal, não está sujeito às regras de contagem dos prazos processuais”.
De facto, a caducidade encontra-se prevista nos art.ºs 328.º e seguintes do Cód. Proc. Civil, sendo-lhe aplicável as regras constantes do art.º 279.º do mesmo diploma legal, e não as do 139.º do Cód. Proc. Civil.
Deste modo, e para o efeito, é totalmente inócuo que o Autor tenha pago qualquer multa por apresentação tardia, uma vez que tal pagamento não influi minimamente com o decurso do prazo de caducidade.
Deste modo, considerando que a Assembleia Geral teve lugar a 15/01/2022, o último dia para impugnar as respectivas deliberações ocorreu a 16/03/2022. Tendo a acção sido apresentada somente em 17/03/2022, é manifesto, face ao acima expendido, que o direito do Autor já tinha caducado.

Decisão
Perante tudo o que se expôs, impõe-se ao Tribunal julgar procedente a excepção peremptória de caducidade invocada pelo Réu e, em consequência, absolver o mesmo do pedido formulado pelo Autor. (…)”.
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2.3. Apreciando a exceção de caducidade:
Considerando o pedido formulado pelo Recorrente na sua petição inicial, onde, como referido supra, pede a nulidade da ata da assembleia de condóminos de 15-01-2022, a anulação da respetiva Assembleia Geral, e o reconhecimento, pelo Réu, de tal nulidade, com a realização de nova Assembleia, afigura-se evidente que o mesmo pretende impugnar as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, nos termos do art. 1433.º do Código Civil.
Dispõe tal preceito, quanto à impugnação das deliberações, que:
“1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4 - O direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
(…)”.
Do preceito citado resulta que, perante uma deliberação inválida ou ineficaz, que o condómino não aprovou, este tem três faculdades ao seu dispor para reagir contra a deliberação que não aprova, podendo exigir do administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, no prazo de dez dias; sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem, no prazo de trinta dias; ou propor uma ação judicial de anulação da deliberação, no prazo de sessenta dias, a contar da data da deliberação primitiva.
Quanto à ação de anulação, o nº 4 do referido art. 1433.º do CC, prevê que o direito de propor a ação de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação primitiva.
O certo é que, no caso, foi solicitada a convocação da assembleia extraordinária, a qual, contudo, não veio a ser convocada pelo Condomínio, situação que não está expressamente prevista na lei.
Trata-se de uma lacuna que, contudo, e tal como se diz na decisão recorrida, tem vindo a ser decidida de forma unânime pela Jurisprudência, no sentido de que, no caso de ser solicitada a realização de uma assembleia extraordinária, mas esta não venha a ser convocada e a ter lugar no prazo de 20 dias, se aplica o prazo de 60 dias a contar da deliberação primitiva, como, aliás, resultas dos acórdãos citados na decisão recorrida e que se dão por reproduzidos.
E nem podia ser de outra forma.
Efetivamente, o condómino que não se conformou com alguma deliberação da assembleia e solicitou a realização de uma assembleia extraordinária com vista à revogação das deliberações produzidas na assembleia primitiva, vendo o seu pedido desatendido pelo administrador do condomínio que não convocou a assembleia extraordinária no prazo de vinte dias, decorrido esse prazo, não pode eternamente ficar a aguardar que a assembleia seja convocada, devendo, antes, usar da ação de anulação, dentro do prazo legal de 60 dias, contados da data da deliberação primitiva, sob pena de não haver estabilidade jurídica para os demais condóminos, como se diz na decisão recorrida.
Ver neste sentido, ainda, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 23757/19.0T8PRT-A.L1-8, de 22-04-2021, no qual se diz: “(…) a inércia do condómino impugnante que não vê a assembleia extraordinária marcada após a ter exigido nos 20 dias seguintes à sua impugnação, faz caducar o direito de propor a ação de anulação se no prazo de 60 dias após a data da deliberação, não o fizer. (…).
Aliás, esta solução nem sequer prejudica o condómino que não se conforme com a deliberação, já que, no caso de solicitar a convocação de uma assembleia extraordinária, o deve fazer em 10 dias, devendo tal assembleia ter lugar em 20 dias e dispondo de mais 20 dias para impugnar a deliberação da assembleia extraordinária, caso mantenha a primitiva, o prazo não é superior aos 60 dias a contar da assembleia primitiva.

Acresce que, na decisão recorrida foram também apreciadas as questões levantadas pelo Recorrente, nomeadamente relacionadas com a contagem dos prazos, aí se referindo que “o Autor mais refere que tal prazo apenas se iniciaria com a última das notificações a cada um dos condóminos.
Porém, não é assim.
Num primeiro momento, desde logo, como se referiu no despacho proferido em 28/02/2023, não são aplicáveis à notificação da Assembleia de Condomínio as regras processuais civis, porquanto estas têm natureza adjetiva e aquelas, natureza substantiva.
No mais, é jurisprudência uniforme que o prazo para impugnar a Assembleia se inicia com a data da deliberação, e não com a respetiva notificação.
Neste sentido, vd., entre vários outros, o acima citado Acórdão n.º 18299/19.7T8PRT.P1, e ainda o do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 19/06/2019, proc. n.º 3125/17.0T8VIS.C1.S1, e do Venerando Tribunal da Relação do Porto de 10/10/2022, proc. n.º 1615/19.0T8STS.P2, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.”.
Concordamos com esta posição, refletida nos acórdãos citados e muitos outros.
Designadamente, também no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo 9684/22.8T8LSB.L1-6, de 28-09-2023, se decidiu que: “Conta-se desde a data da deliberação, tanto para os condóminos presentes na assembleia quanto para os ausentes, o prazo de caducidade do direito de ação de anulação da mesma deliberação.”.
E, ainda, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo 3528/20.2T8GDM.P1, de 15-09-2022, Relatora: Judite Pires, onde, pronunciando-se sobre os prazos para os condóminos impugnarem as deliberações da respetiva assembleia, se decidiu que os prazos em causa se aplicam independentemente de os condóminos terem estado presentes ou não na assembleia onde foi votada a deliberação, e que o prazo para interpor ação de anulação da deliberação não depende da comunicação da deliberação ao condómino ausente.
Assim, também por esta via, não assiste razão ao apelante.

Posto isto, considerando que a Assembleia Geral teve lugar no dia 15/01/2022, o último dia para impugnar as respetivas deliberações ocorreu a 16/03/2022, pelo que, tendo a ação sido apresentada no dia 17/03/2022, o direito do Apelante já tinha caducado, como se decidiu na decisão recorrida.

*
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III - DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos.

Custas a cargo do apelante (art. 527.º, nºs 1 e 2 do CPC).





Porto, 2024-03-21.
Manuela Machado
Isoleta de Almeida Costa
Ernesto Nascimento