Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9898/21.8T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MENDES COELHO
Descritores: CONTA BANCÁRIA SOLIDÁRIA
LEVANTAMENTO DE DINHEIRO POR COTITULAR
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
Nº do Documento: RP202404089898/21.8T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Em sede de exceção de caso julgado, verificando-se que na ação anterior, julgada improcedente, o autor alegou que todo o dinheiro depositado em conta bancária solidária era da sua exclusiva propriedade e que os ali réus apoderaram-se dele apesar de saberem que o mesmo lhe pertencia em exclusivo, e que na ação atual o autor já não alega a sua propriedade exclusiva sobre todo o dinheiro depositado e antes alega que sendo cotitular daquela conta solidária à data dos levantamentos é presumível titular do direito de propriedade de 1/3 do dinheiro que ali estava depositado, é de concluir que a causa de pedir desta ação é diferente da causa de pedir da ação anterior.
II – Para o autor, não existe nenhum ónus de invocar todos os factos constitutivos, pois que, mesmo que perca a ação, pode utilizar quaisquer outros factos constitutivos como causa de pedir numa ação posterior; os diferentes factos constitutivos constroem um concurso de pretensões, pelo que, como não há nenhum ónus de concentrar a alegação dessas causa de pedir num único processo, a exceção de caso julgado não obsta à propositura de uma nova ação com um novo facto constitutivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº9898/21.8T8PRT-A.P1
(Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 4)

Relator: António Mendes Coelho
1º Adjunto: José Eusébio Almeida
2º Adjunto: Ana Paula Amorim

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório

AA, por si e em representação, na qualidade de cabeça-de-casal, da herança indivisa por óbito de seu pai BB, e CC, propuseram ação declarativa comum contra DD pedindo que se declare “parcialmente nula a doação de que a Ré foi donatária pelo valor de € 342.238,14 sendo doador seu falecido Pai, BB, correspondente à parte em que tal doação excedeu o montante de € 109.480,00 e, por força de tal nulidade, ser a Ré condenada:
1. A restituir ao 1º Autor o valor de € 177.649,00, acrescida dos juros legais de mora a contar da citação;
2. A restituir à 2ª Autora o valor de € 177.649,00, acrescida dos juros legais de mora a contar da citação;
3. A restituir ao 1º Autor a quantia de € 16.643,00 em complemento do valor do seu quinhão já auferido na partilha realizada por óbito de EE, acrescida dos juros legais de mora a contar da citação.
4. A reconhecer a obrigação de proceder à colação da doação pelo valor de € 109.531,00 para efeitos de igualação dos herdeiros legitimários na herança indivisa por óbito de BB, que o 1º Autor representa como cabeça de casal, a conferir e a imputar no valor da quota hereditária da Ré ou a restituir para efeitos de partilha”.
A ré deduziu contestação e nesta, além do mais, invocou a exceção de caso julgado em relação ao autor AA formado com a sentença proferida numa anterior ação com o nº215/10.3TVPRT, que correu termos no Juízo Central Cível do Porto.
Defende a existência de caso julgado nos termos seguintes:
“In casu, na primeira ação, o Autor AA, invocando ser o único dono e proprietário do dinheiro depositado na conta bancária por ele alegada (art.º 2 da P.I. da acção anterior), pediu a condenação da Ré na restituição de toda a quantia depositada no banco.
Agora, faz exatamente o mesmo pedido, mas em menor quantidade, pois vem alegar, muito convenientemente, que parte do dinheiro era da sua filha CC que também seria titular da conta bancária e traz para a ação a Herança do seu pai, prevalecendo-se do facto de ser o seu cabeça-de casal (!!!).
Ora, se quanto à Autora CC e à Herança não há caso julgado, já quanto ao Autor AA ele formou-se pois que verificamos que a causa de pedir na ação judicial anterior (processo 215/10.0TVPRT) era a conta bancária n.º ... – artigo 2.º da Petição Inicial.
Verificamos também que, na alínea a) dos factos provados, não ficou a constar que o Autor AA tivesse aberto essa conta, pelo que, objetivamente, tal não se provou.
Está, portanto, consolidado que o pedido naquela ação reportava-se ao saldo existente naquela conta bancária n.º ... e que não ficou provado que o Autor AA tivesse qualquer direito sobre essa conta.
Acontece que, nesta nova ação, o mesmo Autor interpõe contra a mesma Ré, uma nova ação onde se propõe fazer prova da propriedade do mesmo dinheiro depositado na mesma conta.
Ou seja, o mesmo Autor, que na primeira ação tinha o ónus da prova, por se tratar de facto constitutivo do direito que se arroga, viu o Tribunal a não dar por provado esse direito, pretende reabrir a mesma discussão, agora, através de uma nova via, reconfigurando a ação, alegando que a doação feita pelo seu pai à Ré incidiu sobre um “bem alheio”, o que reconduz a questão novamente à prova da propriedade do dinheiro depositado na conta bancária.
Ora, essa discussão já ocorreu entre a Autora e a Ré na primitiva ação de reivindicação e nela não foi dado por provado o facto constitutivo alegado pelo Autor, isto é, que era o dono e legitimo possuidor da quantia de USD 523.916,58 que se encontrava depositada na conta bancária n.º ... do Banco 1... de ... – artigo 2.º da Petição Inicial que alicerçou o pedido na ação judicial 215/10.0TVPRT.
Mas mais, à data em que ocorreu a entrega dos cheques à Ré – 5 de Maio de 2004 – não há um único facto provado acerca da titularidade da conta bancária ou da propriedade do dinheiro nela depositada.
Esse ónus da prova pertencia ao Autor e, tratando-se de uma ação de reivindicação, não tendo o Impetrante logrado fazer essa prova ela tem-se definitivamente por não feita.
Resulta do exposto que,
Esta nova ação não se traduz na alegação de factos genuínos, factos supervenientes e realmente novos, por não ocorridos na altura da propositura e tramitação daquela primeira ação; antes assenta em factos anteriores ou contemporâneos do litígio ali em discussão, que a parte (o Autor AA) não equacionou e ponderou devidamente, na altura, e, nessa medida, não alegou e provou, pelo que é manifesto que não o pode vir agora fazer, em ação complementar daquela e com vista a sanar a referida omissão e a lograr o deferimento dos pedidos em que decaiu na dita ação porque o efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer indagação anterior sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.
Sustentar uma tese diferente era consentir que as partes, que por conduta processual a elas somente imputáveis (ainda que sem culpa na sua verificação) tivessem decaído em pretensões por elas deduzidas, pudessem reincidir, com a instauração de novas ações, reconfiguradas, em que colmatavam as anteriores falhas, até que, de tentativa em tentativa, conseguissem, finalmente, atingir aquele objetivo, tudo com os inerentes reflexos negativos no plano da segurança e confiança da sociedade em geral e do comércio jurídico em particular nas decisões judiciais.
O caso julgado cobre, por conseguinte, a causa de pedir concretamente aduzida na ação anterior e também aquela que virtualmente o poderia ter sido e, por qualquer motivo, o não foi.

Por despacho de 14/2/2022 foi ordenada a notificação dos autores para, querendo, se pronunciarem sobre a matéria de exceção apresentada na contestação.
Os autores vieram a pronunciar-se por requerimento de 22/2/2022, defendendo a não existência da exceção de caso julgado nos seguintes termos:
“Reafirma-se que o que esteve em causa na ação nº 215/10.3TVRT foi a reivindicação pelo A. AA, demandando a Ré sua irmã DD, de que o saldo da conta bancária conjunta solidária em causa, no valor de USD 526.916, 58, lhe pertencia por inteiro e, como tal, reclamando da Ré a sua restituição, por a considerar única responsável pelo esbulho.
O que – repete-se – não ficou efetivamente provado nas circunstâncias relatadas no antecedente artigo 5º desta resposta.
Contudo, ao contrário do que falsamente alega a Ré na parte final do artigo 46º da contestação, não é verdade que tivesse resultado da decisão que nessa ação viria a transitar em julgado, que “não ficou provado que o Autor tivesse qualquer direito sobre essa conta”.
O que apenas não ficou provado foi – isso sim – que o A não era, como peticionara, o único dono do saldo dessa conta, como também não foi provado que o fosse BB, pelo que prevaleceu, como fez constar o STJ, o regime da presunção legal que está na base da presente ação.
Não estão assim verificados os pressupostos do caso julgado negativo, ocorrendo, aliás, o seu oposto, na medida em que os AA apresentam-se na presente ação a dar sequência, com distintas causas de pedir e de pedidos e sem qualquer risco de contradição do tribunal, na linha da fundamentação da decisão transitada em julgado.”
O processo seguiu os seus ulteriores trâmites, tendo a 10/5/2023 sido proferido despacho saneador.
Em sede do mesmo, depois de se dar conta das posições das partes quanto à exceção de caso julgado em discussão e depois de se tecerem diversas considerações sobre tal figura jurídica, proferiu-se a seguinte decisão:
(…)
Feitas estas considerações, analisemos a situação dos autos.
Sustenta a Ré, que o pedido em ambas as acções são em essência, o mesmo e que, como tal, deverá aqui operar o caso julgado no que tange ao A. AA.
E afigura-se-nos que lhe assiste razão.
Relembra-se as palavras assertivas da Ré sobre esta matéria escritas na contestação:
“In casu, na primeira ação, o Autor AA, invocando ser o único dono e proprietário do dinheiro depositado na conta bancária por ele alegada (art.º 2 da P.I. da acção anterior), pediu a condenação da Ré na restituição de toda a quantia depositada no banco.
Agora, faz exatamente o mesmo pedido, mas em menor quantidade, pois vem alegar, muito convenientemente, que parte do dinheiro era da sua filha CC que também seria titular da conta bancária e traz para a ação a Herança do seu pai, prevalecendo-se do facto de ser o seu cabeça-de casal (!!!).
Ora, se quanto à Autora CC e à Herança não há caso julgado, já quanto ao Autor AA ele formou-se pois que verificamos que a causa de pedir na ação judicial anterior (processo 215/10.0TVPRT) era a conta bancária n.º ... – artigo 2.º da Petição Inicial.
Verificamos também que, na alínea a) dos factos provados, não ficou a constar que o Autor AA tivesse aberto essa conta, pelo que, objetivamente, tal não se provou.
Está, portanto, consolidado que o pedido naquela ação reportava-se ao saldo existente naquela conta bancária n.º ... e que não ficou provado que o Autor AA tivesse qualquer direito sobre essa conta.
Acontece que, nesta nova ação, o mesmo Autor interpõe contra a mesma Ré, uma nova ação onde se propõe fazer prova da propriedade do mesmo dinheiro.
Ou seja, o mesmo Autor, que na primeira ação tinha o ónus da prova, por se tratar de facto constitutivo do direito que se arroga, viu o Tribunal a não dar por provado esse direito, pretende reabrir a mesma discussão, agora, através de uma nova via, reconfigurando a ação, alegando que a doação feita pelo seu pai à Ré incidiu sobre um “bem alheio”, o que reconduz a questão novamente à prova da propriedade do dinheiro depositado na conta bancária.
Ora, essa discussão já ocorreu entre a Autora e a Ré na primitiva ação de reivindicação e nela não foi dado por provado o facto constitutivo alegado pelo Autor, isto é, que era o dono e legitimo possuidor da quantia de USD 523.916,58 que se encontrava depositada na conta bancária n.º ... do Banco 1... de ... – artigo 2.º da Petição Inicial que alicerçou o pedido na ação judicial 215/10.0TVPRT.
Mas mais, à data em que ocorreu a entrega dos cheques à Ré – 5 de Maio de 2004 – não há um único facto provado acerca da titularidade da conta bancária ou da propriedade do dinheiro nela depositada.
Esse ónus da prova pertencia ao Autor e, tratando-se de uma ação de reivindicação, não tendo o Impetrante logrado fazer essa prova ela tem-se definitivamente por não feita.
Esta nova ação não se traduz na alegação de factos genuínos, factos supervenientes e realmente novos, por não ocorridos na altura da propositura e tramitação daquela primeira ação; antes assenta em factos anteriores ou contemporâneos do litígio ali em discussão, que a parte (o Autor AA) não equacionou e ponderou devidamente, na altura, e, nessa medida, não alegou e provou, pelo que é manifesto que não o pode vir agora fazer, em ação complementar daquela e com vista a sanar a referida omissão e a lograr o deferimento dos pedidos em que decaiu na dita ação porque o efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer indagação anterior sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva.
Sustentar uma tese diferente era consentir que as partes, que por conduta processual a elas somente imputáveis (ainda que sem culpa na sua verificação) tivessem decaído em pretensões por elas deduzidas, pudessem reincidir, com a instauração de novas ações, reconfiguradas, em que colmatavam as anteriores falhas, até que, de tentativa em tentativa, conseguissem, finalmente, atingir aquele objetivo, tudo com os inerentes reflexos negativos no plano da segurança e confiança da sociedade em geral e do comércio jurídico em particular nas decisões judiciais.
O caso julgado cobre, por conseguinte, a causa de pedir concretamente aduzida na ação anterior e também aquela que virtualmente o poderia ter sido e por, qualquer motivo, o não foi”.
No fundo, o A. AA continua a vir a juízo arrogar-se de ser proprietário de determinada quantia em dinheiro ( menor quantia é certo) e continua a pedir à Ré a sua entrega, sendo a “reconfiguração “dada á acção indiferente para a decisão a proferir sobre a matéria de excepção, pois a estrutura das acções é idêntica - o direito de propriedade.
Assim sendo, resta concluir pela procedência da excepção de caso julgado no que tange ao A. AA e em consequência absolve-se a Ré da instância relativa ao A. AA (artº 577º e 578º, ambos do CPC).

De tal decisão veio o autor AA interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. A questão em apreço cinge-se à reapreciação da exceção de caso julgado invocada pela Ré em relação ao pedido formulado pelo Autor, a título pessoal, que foi julgada como procedente no despacho saneador/sentença, determinando, consequentemente, a absolvição da Ré da instância relativa ao recorrente AA com base nos artigos 577º i) e 578º do CPC e ordenando o prosseguimento da ação para conhecimento dos demais pedidos formulados pelo restantes Autores (herança indivisa representada pelo mesmo AA e sua filha CC).

2. Estamos, pois, no domínio da verificação ou não dos requisitos do caso julgado, tal como estabelecidos nos artigos 580º e 581º do CPC, considerando o Autor/recorrente que o entendimento perfilhado na 1ª Instância faz uma errada aplicação destas normas, porquanto, não estamos confrontados com a repetição de uma mesma causa, antes decidida.

3. Bem pelo contrário, o que se verifica é uma nova causa admitida e até mesmo de alguma forma imposta, com base no entendimento acolhido na 1ª causa, não existindo qualquer repetição ou risco de contradição entre ambas.

4. O 1º Autor propôs uma ação de condenação em processo ordinário, que correu termos sob o nº 215/10.3TVPRT, pela 2ª Secção da 4ª Vara Cível do Porto, (posteriormente pelo Juiz 2 do Juízo Central Cível do Porto), contra sua irmã DD e seu Pai, posteriormente falecido, BB.

5. Nessa ação de reivindicação peticionou a condenação de ambos a reconhecerem-no como sendo o único dono e legítimo possuidor da quanta de 526.916,58 USD, que se encontrava depositada no Banco 1.../... e, consequentemente, a restituírem-lhe essa quantia, convertida em Euros, e a pagarem-lhe uma indemnização a liquidar em execução de sentença, correspondente aos juros perdidos desde 05-05-2004 até à data da restituição.

6. Esta ação, foi julgada totalmente procedente em 1ª Instância por sentença de 07.12.2017 do Juiz 2 do Juízo Central Cível do Porto, mas viria a ser revogada no Tribunal da Relação do Porto por acórdão de 22.10.2020 com base em substancial alteração da matéria de facto, posteriormente confirmado no Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 23.03. 2021, que transitou em julgado.

7. Com base na factualidade assente no Tribunal da Relação do Porto, que subsistiu inalterada até final, o Supremo Tribunal de Justiça, no seu 3º e último aresto de 23.03.2021, que decidiu definitivamente a causa, lavrou acórdão fundamentado, basicamente, na qualificação da conta de depósito em causa como sendo uma conta coletiva solidária, que assim, podia ser movimentada por cada um dos seus titulares isoladamente, pelo que o levantamento da totalidade do depósito poderia ser feito por cada um deles, sem que isso signifique que a quantia depositada lhe pertence por inteiro,

8. Tendo concluído que “apesar de se tratar de conta coletiva solidária e, na falta de outros elementos, se presumir que os montantes dos depósitos pertencem aos cotitulares em partes iguais, nada impedia o cotitular de proceder como procedeu e, levantar toda a quantia depositada e dar-lhe o destino que entendesse”.

9. Ou seja, que BB, como cotitular da conta, teria poderes legais para movimentar a conta, mas já não deveria movimentar e dar destino ao dinheiro que estava nessa conta para além do que nessa conta fosse legitimamente seu, em prejuízo dos direitos dos demais cotitulares dessa mesma conta.

10. O que determinou a improcedência dessa 1ª ação, porque nela o Autor assumiu e proclamou como causa de pedir, que de tal importância era o único e exclusivo dono e reivindicava a sua devolução por inteiro, como lhe foi reconhecido em 1ª Instância e negado em 2ª Instância, tendo, todavia, prevalecido que, à falta de melhor prova, se presumia que a todos os cotitulares pertencia em partes iguais.

11. E daqui partiu o 1ª Autor e os demais cotitulares, que não intervieram na 1ª ação, para esta 2ª ação, agora assente nesta presunção legal e, como tal, com base em causa de pedir manifestamente distinta e de acordo com o entendimento perfilhado no Supremo Tribunal de Justiça.

12. Admitindo-se por respeito ao caso julgado, que o levantamento da quantia depositada de 526.916,58 USD saiu de uma conta coletiva solidária “por via legal” e que tal quantia não lhe pertencia por inteiro, mas também aceitando, como resultou da anterior ação, que essa mesma quantia não pertencia por inteiro a seu pai e cotitular da mesma conta, BB prevalece, para todos os efeitos legais, a presunção de cotitularidade do dinheiro depositado nessa conta, tal como vem acolhida nos artigos 512º e 516º do Código Civil, aplicáveis às contas coletivas solidárias.

13. Presunção essa que, não tendo sido ilidida por qualquer das Partes, se aceitou como pressuposto e pilar da presente ação.

14. Pois uma coisa será ter de aceitar que o levantamento terá ocorrido “por via legal” outra será aceitar, no plano substantivo, que a Ré, ao fazer sua tal quantia pela totalidade, o fez legitimamente, podendo continuar a manter-se na sua posse sem obrigação de a restituir, no todo eu em parte, aos lesados cotitulares da mesma conta.
15. Tem assim o 1º Autor agora legitimidade e fundamento legal, já não para reclamar a restituição da totalidade do valor em causa na qualidade de seu integral proprietário, porque tal não logrou ser provado na 1ª ação, mas apenas a parte que lhe cabia nesse mesmo valor numa conta solidária coletiva, onde se presume legalmente que nela possuía uma terça parte do valor depositado, já que desta era cotitular indiscutível, não se tendo provado, pelo contrário, que desse mesmo valor algum dos demais cotitulares fosse único dono.

16. Consequentemente, não se pode aceitar como razoável que se tenha entendido no saneador/sentença recorrido que, citamos, “no fundo, o A. AA continua a vir a juízo arrogar-se de ser proprietário de determinada quantia em dinheiro (menos quantia é certo) e continua a pedir à Ré a sua entrega, sendo a “reconfiguração” dada à ação indiferente para a decisão a proferir sobre a matéria de exceção, pois a estrutura das ações é idêntica – o direito de propriedade.”

17. Na verdade, pelo contrário, a estrutura das ações é claramente bem distinta, as causas de pedir são manifestamente diversas, como o são os pedidos concretamente formulados, para além de outro serem os intervenientes constituídos.

18. O pedido concretamente formulado na presente ação no que direta ou indiretamente respeita ao 1º Autor não se confunde nem contraria a decisão transitada em julgado na 1ª ação, sendo antes dela coerente sequência e corolário.

19. O que esteve em causa na ação nº 215/10.3TVPRT foi a reivindicação pelo A. AA, demandando a Ré DD, de que o saldo da conta bancária conjunta solidária em causa, no valor de USD 526.916,58, lhe pertencia por inteiro e, como tal, reclamando da Ré a sua restituição, por a considerar única responsável pelo esbulho.

20. Esta ação improcedeu, mas nela não ficou provado nem muito menos decidido que o Autor não tivesse qualquer direito sobre essa mesma conta, como também não foi provado que o valor pertencesse por interior ao cotitular BB.

21. Ficou, porém, nela provado que o Autor era cotitular dessa conta coletiva solidária à data em que o seu saldo foi totalmente levantado e transferido para a Ré e foi reconhecido, como fundamento da decisão que, á falta de melhor prova, se presumia que o saldo pertencia aos seus cotitulares em partes iguais.

22. A presente ação não tem, pois, idêntica causa de pedir nem o mesmo pedido, em relação ao 1º Autor, verificando-se, pelo contrário, que a sua estrutura se alicerça diversamente na presunção legal que prevaleceu na 1ª ação, sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, determinando um pedido distinto do que foi consignado na 1ª ação.

23. Não estão verificados os requisitos do caso julgado negativo, configurando-se a presente ação como não sendo geradora de qualquer risco de contradição do tribunal.

24. O despacho saneador/sentença, nos termos em que foi proferido, violou o disposto nos artigos 577º i) e 578º do CPC.


A ré apresentou contra-alegações, defendendo que deve ser negado provimento ao recurso.

Foram dispensados os vistos ao abrigo do art. 657 nº4 do CPC.
Considerando que o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas suas conclusões (arts. 635º nº4 e 639º nº1 do CPC), há apenas uma questão a tratar: apurar se se verifica a exceção de caso julgado pela qual se concluiu na decisão recorrida.
**
II – Fundamentação

Os dados a ter em conta para apurarmos da questão enunciada são os que se passam a referir de seguida.
Na ação nº nº215/10.3TVPRT, que correu termos no Juízo Central Cível do Porto e que foi proposta pelo autor AA contra a ora ré e também contra BB, pai de ambos – que foi declarado incapaz por interdição por anomalia psíquica por sentença de 17/7/2009, que lhe nomeu tutora a ré, mas a quem foi nomeado curador especial para o representar naquela referida ação –, foi por aquele formulado o seguinte pedido:
“Termos em que deve a acção vir a ser julgada provada e procedente, condenando-se ambos os Réus:
Alegou ali o seguinte:
- em 29/6/1984 abriu uma conta bancária, à qual foi atribuído o nº...10, na sucursal do Banco 1... (Banco 1...), em ..., nos Estados Unidos da América, na qual procedeu ao depósito de dois cheques bancários, em nome do próprio, no valor de 100.000,00 USD cada um, sendo o primeiro em 29/6/1984 e o segundo a 17/1/1985, num total de 200.000,00 USD;
- este montante respeitava a poupanças feitas por si e naquela conta por si aberta figurava ele como primeiro titular e ainda como contitulares, numa fase inicial, o seu pai (BB) e sua mãe (EE, falecida em 9/9/2003);
- a conta manteve-se inalterada até ao ano 2000, altura em que na sua contitularidade foi substituído o nome da mãe do autor pelo da sua filha CC, que entretanto atingiria a maioridade;
- após ter efetuado o segundo depósito em 17/1/1985, nunca mais a referida conta foi por si movimentada, pelo que nela apenas foram sendo creditados os juros que se foram vencendo;
- em 5/5/2004, o saldo da conta era de 526.916,58 USD, a que correspondia o valor em euros de € 440.197,64;
- a partir de 5/5/2004 deixou de receber correspondência do banco;
- estranhando a situação, em 23/12/2004 contactou a entidade bancária depositária, vindo a saber então, com enorme surpresa e perplexidade, que a quantia de dinheiro correspondente ao saldo da conta tinha sido levantada na totalidade;
- solicitou então de imediato à entidade bancária, via fax, cópia do documento que serviu de suporte ao referido movimento e nesse mesmo dia recebeu tal documento, o qual integra uma carta elaborada pelos réus e subscrita pelo réu BB em que este solicita a emissão de 4 cheques no valor total de 526.916,58 USD a favor da ré DD e que os mesmos fossem remetidos para a residência desta, que ali indicou, ainda o pedido de mudança de morada do titular da conta para o domicílio daquela ré;
- na sequência daquele pedido subscrito pelo réu BB, em 5/5/2004 o Banco 1... debitou naquela referida conta 4 parcelas correspondentes aos cheques discriminados, tudo perfazendo 526.916,58 USD;
- os réus apoderaram-se da quantia depositada apesar de saberem que a mesma única e exclusivamente lhe pertencia;
- tal quantia chegou às mãos da ré DD, que a fez sua.
A ré DD, na contestação que ali deduziu, com relevância para os presentes autos, alegou, em síntese:
- que a referida quantia em dinheiro pertencia na totalidade a seu pai BB (artigo 16º e 31º da contestação);
- que, no mês de maio de 2004, seu pai BB pediu ao Banco 1... de ... a emissão de 4 cheques no valor de USD 526.916,598, a seu favor e que fez sua essa quantia (artigo 46º da contestação);
- tal ocorreu porque assim queria beneficiar sua filha contestante, o que fez de forma livre, deliberada e consciente (artigo 47º da contestação);
- e que assim estava na posse desse dinheiro por doação de seu pai e que a aceitou, o que fora do conhecimento de todos os membros da família (artigos 58º, 59º e 60º da contestação).
Em tal ação veio a ocorrer a desistência da instância em relação ao réu BB e veio depois a ser proferida sentença pelo tribunal de primeira instância que a julgou procedente em relação à ré DD.
Na sequência de recurso, tal sentença veio a ser revogada por acórdão do Tribunal da Relação de 22/10/2020, que absolveu a ré dos pedidos formulados pelo autor, vindo tal aresto, na sequência de impugnação da matéria de facto, a dar como provada apenas a factualidade que se vai referir e como não provada toda a restante alegada pelo autor em vista do pedido que ali deduziu:
a) Dá-se por integralmente reproduzida a certidão de fls. 163 a 184, extraída dos autos de interdição nº 590/09.0TJPRT, em especial a decisão final (sentença), que decretou a interdição de BB, nomeando sua tutora a Ré DD, sentença transitada em julgado em 30 de julho de 2009.
b) A data de início da incapacidade do interdito foi fixada na data da efetivação da perícia médica (9 de outubro de 2008) à falta de outros elementos para o efeito.
c) O Autor AA é irmão de DD, sendo ambos filhos de BB.
d) Na sequência de pedido efetuado e subscrito por BB e no tocante à conta bancária nº ..., aberta em data não apurada na sucursal do Banco 1..., sita em ... - ..., ... ..., nos Estados Unidos da América, em 5 de maio de 2004, o Banco 1... debitou 4 parcelas correspondentes aos cheques constantes dos documentos de fls. 27 e 28, tudo perfazendo 526.916,58 USD, correspondente à totalidade do saldo existente na conta e, por esta via, tal quantia chegou às mãos da Ré DD, que a fez sua.
e) Em 8.12.2002 o Autor, juntamente com seu pai, BB e com sua filha, CC eram cotitulares da conta bancária nº ..., aberta em data não apurada na sucursal do Banco 1..., sita em ... – ..., ... ..., nos Estados Unidos da América.
f) O Autor recebeu nos anos de 2003, 2004 e 2005 correspondência referente à referida conta bancária nº ....
g) Com referência a esta conta bancária, a partir de 29.05.2004 o Autor deixou de receber correspondência do banco e estranhando a situação, em 23.12.2004, contactou a entidade bancária depositária, vindo a saber então que a quantia de dinheiro depositada correspondente ao saldo da conta n.º ... (...) tinha sido levantada na totalidade.
h) O Autor solicitou nessa data de 23.12.2004 à entidade bancária cópia do documento que serviu de suporte ao referido movimento bancário, recebendo nesse mesmo dia o documento solicitado, do qual consta o pedido de emissão de 4 cheques no valor total de 526.916,58 USD, a favor da Ré DD, resultando ainda desse documento o pedido de mudança de morada do titular da conta para o domicílio da Ré DD.
i) Com os acontecimentos vividos em Angola no ano de 1975, o BB regressou a Portugal com toda a família (incluindo a Ré, sua filha), com exceção do Autor, que continuou naquele país, gerindo os seus bens e os dos seus pais em Angola.
j) E foi nessa sequência e também em consequência da instabilidade social e politica que no dia 13 de outubro de 1977, no 5º Cartório Notarial do Porto, BB e a sua então esposa, EE, outorgaram a favor do autor seu filho a procuração de fls. 2154 a 216, bem como, na mesma data e cartório, o autor outorgou a procuração de fls. 750 a 752, a favor do BB, seu pai.
l) O BB tinha pelo menos uma conta bancária fora do país, em Espanha.
Na análise da factualidade provada e não provada, em sede de mérito do recurso, diz-se, designadamente, naquele acórdão:
- “(…) o conflito que está desenhado na petição ocorre entre o autor, na qualidade de co-titular de uma conta bancária colectiva, de um lado, e primitivamente, a 1ª Ré, terceiro a quem o primitivo 2º Réu entregou o dinheiro levantado da conta, e o 2º Réu, co-titular da referida conta bancária, do outro lado” (pág. 43);
- “Assim, o autor imputou à ré uma conduta susceptível de a fazer incorrer em responsabilidade civil extra-contratual por alegada violação do direito de propriedade exclusiva do autor-recorrido sobre as disponibilidades monetárias depositadas na conta bancária nº... da referida sucursal do Banco 1....
Todavia, não logrou o autor provar o alegado direito de propriedade exclusivo sobre aquelas quantias monetárias, pelo que não logrou provar o alegado direito de propriedade exclusiva sobre o dinheiro que foi entregue à ré por seu pai, outro dos co-titulares da conta bancária” (pág. 46);
- “E tratando-se de contas solidárias, sabido que a titularidade destas não predetermina a propriedade dos fundos nela contidos, resulta que a propriedade dos fundos ou valores pode pertencer a algum ou a alguns dos seus co-titulares ou mesmo porventura a um terceiro, a implicar que o substrato factual que logrou demonstração não permite afirmar a ocorrência de uma conduta ilícita da ré, alegadamente traduzida em levar o pai da partes a subscrever cheques da conta colectiva e entregar à ré elevada quantia monetária da exclusiva propriedade do autor (…)” (pág. 47).
Daquele acórdão do Tribunal da Relação foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tribunal este que por acórdão de 23/3/2021 manteve o julgamento da matéria de facto efetuado por aquele e confirmou a decisão de mérito ali proferida, tendo-se no mesmo, em sede de aplicação do direito, dito, designadamente, o seguinte:
- “No caso presente, temos que, a conta em análise é uma conta coletiva solidária, pois que foi (podia ser) movimentada apenas por um dos seus titulares isoladamente.
Numa conta bancária solidária, cada titular pode proceder ao levantamento da totalidade do depósito, sem que isso signifique que a quantia depositada lhe pertence, nem que lhe pertence por inteiro.
E se cada cotitular pode proceder ao levantamento da totalidade do depósito, temos que a quantia em dinheiro que constituía o depósito em conta bancária saiu da instituição depositária por “via legal””;
- “Mas, não se tendo provado qualquer facto revelador de conduta inidónea da ré no levantamento dos cheques e depósito dos mesmos em conta sua, nenhuma responsabilidade lhe pode ser assacada:
Apesar de se tratar de conta coletiva solidária e, na falta de outros elementos, se presumir que os montantes dos depósitos pertencem aos cotitulares em partes iguais, nada impedia o cotitular de proceder como procedeu e, levantar toda a quantia depositada e, dar-lhe o destino que bem entendesse, já que não se provou que esse seu comportamento fosse resultante de qualquer incapacidade, que na altura sofresse, ou sob influência da ré”.

Na presente ação, em que está invocada a exceção sob a análise, os autores alegam, em síntese, o seguinte (artigos 30 a 39 e 55 a 57 da petição inicial): a presunção de cotitularidade do dinheiro que estava depositado na conta bancária solidária em referência (da qual decorre, como se referiu no acórdão do STJ, que os montantes dos depósitos pertencem aos cotitulares em partes iguais); que da factualidade dada como provada na ação anterior, que dão por reproduzida, resulta, com base na referida presunção, que o valor de 526.916,58 USD do saldo de tal conta transferido na íntegra para a Ré por ordem do cotitular BB pertencia em comum e partes iguais a este e ao autor AA e à autora, sua filha, CC; que o levantamento de tal dinheiro ocorreu porque o cotitular BB quis beneficiar a Ré; que, assim, a Ré ficou na posse desse dinheiro por doação de seu pai, doação essa que aceitou e que fora do conhecimento de todos os membros da família; que, porém, tal doação, para ser válida, implicava que o doador fosse dono da totalidade da quantia em dinheiro que foi objeto da doação, o que não se verifica, pois, em virtude da presunção de solidariedade, que não foi ilidida, o doador e cotitular da conta BB era apenas dono e possuidor de uma parte do valor depositado, cabendo uma terça parte ao autor AA e outra terça parte à autora CC, cada uma no montante de 175.638,86 USD; que em maio de 2004 BB apenas tinha o poder de disposição para doar, com base na presunção legal da cotitularidade da conta coletiva solidária e do quinhão que lhe pertencia por óbito de sua mulher, 5/8 de 1/3 sobre a quantia de 526.916,58 USD, o que corresponde a 109.774,28 USD.

Face a tais dados, apuremos então da exceção em análise.
A mesma, como se vê da decisão recorrida, está apenas referenciada ao autor AA, pois só este foi autor na ação anterior.
Na análise dos requisitos do caso julgado previstos no art. 581º do CPC (identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir), além da óbvia identidade de sujeitos entre o autor AA e a ré DD nas duas ações, é de reconhecer que o pedido formulado nesta ação por tal autor (vide petitório referido no início do relatório desta peça), analisado sob o prisma do efeito jurídico pretendido (nº 3 do art. 581º), acaba por se reconduzir ao pedido de reconhecimento da sua propriedade sobre dinheiro que existia na conta bancária em referência nos autos (pois a nulidade da doação cuja declaração pede e a consequente restituição a si das quantias que indica pressupõem tal reconhecimento).
Assim, não obstante o quantitativo de dinheiro que nesta ação reivindica como seu ser inferior à totalidade desse dinheiro que reivindicou na ação anterior, e porque “o mais” abrange “o menos”, haveria caso julgado se houvesse identidade de causa de pedir.
Ora – desde já se adianta – tal não se verifica.
Na ação anterior, o autor alegou como causa de pedir que todo o dinheiro que tinha sido depositado na conta bancária era da sua exclusiva propriedade, pois teria sido ele quem efetuou o depósito das quantias que o originaram, e que os ali réus apoderaram-se dele apesar de saberem que o mesmo lhe pertencia em exclusivo.
Como se vê do acórdão da Relação e do acórdão do STJ nela proferidos, não se provou aquela propriedade exclusiva do autor em relação a todo o dinheiro, assim como não se provou qualquer conduta ilícita da ré DD em relação ao seu recebimento – por via do levantamento do mesmo pelo pai de ambos, também cotitular da respetiva conta – e, com base na não prova de tal factualidade, tal ação veio a improceder, referindo-se a propósito no acórdão do STJ que “[a]pesar de se tratar de conta coletiva solidária e, na falta de outros elementos, se presumir que os montantes dos depósitos pertencem aos cotitulares em partes iguais, nada impedia o cotitular de proceder como procedeu e, levantar toda a quantia depositada e, dar-lhe o destino que bem entendesse”.
Na presente ação, o autor já não alega como causa de pedir a sua propriedade exclusiva sobre todo o dinheiro depositado e antes alega que sendo cotitular daquela conta solidária à data dos levantamentos – o que, ao contrário do referido em sentido contrário no despacho recorrido, resulta das alíneas d) e e) do elenco de factos dados como provados pelo acórdão da Relação (dado como reproduzido sob o artigo 34 da petição inicial) – é presumível titular do direito de propriedade de 1/3 do dinheiro que ali estava depositado, presunção esta que decorre dos arts. 512º e 516º do C. Civil e que entende não se mostrar ilidida (o que, dizemos nós, até se conclui pelo decidido nos acórdãos proferidos na anterior ação).
Como se vê, a causa de pedir desta ação é diferente da causa de pedir da ação anterior.
Afastado que está, pelo decidido na ação anterior, que o autor AA seja dono exclusivo da totalidade do dinheiro depositado naquela conta e que tenha havido uma qualquer conduta ilícita da ré DD em relação ao seu recebimento, tal não obsta, naturalmente, a que o autor, com base em causa de pedir estribada na sua cotitularidade de tal conta solidária e na presunção que daí resulta de que o montante nela depositado pertence aos cotitulares em partes iguais, impugne a doação de tal dinheiro, que alegou ter sido efetuada à ré pelo pai de ambos, na parte em que a mesma excede a quota do cotitular doador e atinge a sua própria quota.
Assim, o tribunal, nesta ação, não fica colocado na posição de contradizer a decisão proferida na ação anterior (art. 580º nº2 do CPC): na ação anterior decidiu-se pela improcedência dos pedidos formulados pelo autor com fundamento em não se ter provado que o dinheiro depositado na conta fosse todo da sua propriedade e que tenha havido uma qualquer conduta ilícita da ré DD em relação ao seu recebimento e, a par de tal não prova, na consideração de que tal dinheiro pôde ter sido todo levantado pelo seu pai, como cotitular daquela conta, por a mesma ser uma conta solidária; nesta ação, cabe decidir se, não sendo do autor todo o dinheiro depositado (como já decidido na primeira ação), o é, quanto a ele, na proporção de 1/3 por via da sua cotitularidade da conta e, nessa decorrência, se é nula a doação na parte em que atinge aquela sua quota.
Como se refere no “Manual de Processo Civil” de João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, vol. I, AAFDL Editora, Lisboa, 2022, pág. 648, a propósito da preclusão factual no âmbito do caso julgado material e diferenciando a posição do autor e do réu perante a alegação de factos em juízo, “Para o autor, não existe nenhum ónus de invocar todos os factos constitutivos, pois que, mesmo que perca a acção, pode utilizar quaisquer outros factos constitutivos como causa de pedir numa acção posterior (portanto, mesmo factos ocorridos e conhecidos do autor antes do encerramento da discussão em 1ª instância). (…). Os diferentes factos constitutivos constroem um concurso de pretensões, pelo que, como não há nenhum ónus de concentrar a alegação dessas causas de pedir num único processo, a excepção de caso julgado não obsta à propositura de uma nova acção com um novo facto constitutivo”.
É assim de concluir que, por falta de identidade de causa de pedir entre a anterior ação e esta, não se verifica a exceção de caso julgado invocada nos autos.
Como tal, há que, julgando procedente o recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar que a ação prossiga com os pedidos nela formulados pelo autor AA.

As custas do recurso ficam a cargo da recorrida, que nele decaiu (art. 527º nºs 1 e 2 do CPC).
*
Sumário (da exclusiva responsabilidade do relator – art. 663 º nº7 do CPC):
………………………………
………………………………
………………………………
**
III – Decisão

Por tudo o exposto, acordando-se em julgar procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se que a ação prossiga com os pedidos nela formulados pelo autor AA.
Custas pela recorrida.
***
Porto, 8/4/2024
Mendes Coelho
José Eusébio Almeida
Ana Paula Amorim