Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22142/23.4T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA OLÍVIA LOUREIRO
Descritores: PROCEDIMENTO ESPECIAL DE DESPEJO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO LOCADO
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Nº do Documento: RP2024040822142/23.4T8PRT.P1
Data do Acordão: 04/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A redação da alínea a) do número 2 do artigo 864º do Código de Processo Civil traduz uma opção legislativa, deliberada, de restringir o recurso ao diferimento da desocupação do locado por razões de carência de meios económicos aos casos em que o contrato tenha cessado por resolução decorrente da falta de pagamento de rendas;
II - Tal norma tem natureza excecional, não comporta aplicação analógica e nem é suscetível de interpretação extensiva aos casos em que a cessação do contrato de arredamento tenha decorrido de oposição à renovação do contrato pelo senhorio, caso em que a comunicação dessa oposição é já feita com antecedência legal prevista em função da duração do contrato.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo número 22142/23.4T8PRT.P1, Juízo Local Cível do Porto, Juiz 6

Relatora: Ana Olívia Loureiro

Primeiro adjunto: António Mendes Coelho

Segundo adjunto: José Eusébio Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:
1. Em 3/10/2023 AA e BB instauraram processo especial de despejo contra CC indicando como fundamento do pedido a cessação do contrato de arrendamento por oposição à renovação.
2. A requerida foi regularmente citada e não deduziu oposição à pretensão das requerentes.
3. A 29/12/2023 a Requerida deu entrada a pedido de deferimento da desocupação do locado, por cinco meses, alegando que o locado constitui a casa de morada de família em que reside com o seu agregado familiar, constituído pela sua companheira e pela sua filha nascida a ../../2007, bem como que diligenciou prontamente pela atribuição de habitação social após a oposição à renovação do contrato, o que ainda não logrou obter. Invocou dificuldades económicas que não lhe permitiram, ainda, encontrar outra habitação para arrendar por preço que possa custear e juntou documento comprovativo de que o seu agregado familiar vem sendo apoiado pelo ... e que o rendimento do agregado familiar é de 5 508 € anuais.
4. As Requerentes não responderam a tal requerimento depois de notificadas para, querendo, exercerem contraditório.
5. A 20-02-2024 foi proferida sentença que julgou improcedente o pedido de diferimento da desocupação.

II - O recurso:

É desta sentença que recorre a Requerida pretendendo a sua revogação.

Formula, para o efeito, as seguintes conclusões de recurso:

“A) A ora recorrente foi notificada pelo BNA para desocupação do imóvel sito à Rua ..., ..., no Porto.
B) Constituindo, o aludido imóvel o centro da vida quotidiana da recorrente, e por isso sua casa de morada de família, a mesma apresentou requerimento com vista ao diferimento de desocupação.
C) Requerimento que o Tribunal “a quo”, através da sentença em crise, veio a indeferir.
D) O tribunal “a quo” cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto elencada, sendo que, na modesta opinião da recorrente, os elementos aí apresentados impunham decisão diversa, violando o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 864º do Código de Processo Civil.
E) Andou mal o tribunal “a quo” ao concluir que o presente incidente não tem fundamento legal.
F) Impunha-se que, ao abrigo do princípio do inquisitório, se tivesse feito prosseguir os autos para o apuramento da verdade material, nos termos do artigo 411.º do Código de Processo Civil.
G) O diferimento da desocupação de imóvel constitui um meio de tutela excecional concedido ao arrendatário habitacional, não lhe restando qualquer outro meio tutelar para defesa do seu direito à habitação.
H) A vontade do legislador, aquando da introdução daquele meio de tutela concedido ao arrendatário habitacional, tem que ser entendida como uma concretização da defesa do direito à habitação, constitucionalmente plasmado ao artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa.

Pelo exposto, e pelo mais que será doutamente suprido por V. Excias., deverá ser dado provimento ao recurso, ordenando-se a revogação da sentença recorrida, por outra que defira, sempre atento o prudente e livre arbítrio do julgador, o diferimento da desocupação do locado.”


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As Requeridas contra-alegaram, sustentando a confirmação da sentença.

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O Recurso foi admitido, decisão que se acompanha já que o diferimento da desocupação do locado foi indeferido sem que a decisão proferida tenha assentando no “prudente arbítrio do julgador”, caso em que não seria recorrível nos termos das disposições conjugadas dos artigos  630º, número 1, 152º, número 4 e 864º, número 2 do Código de Processo Civil.

III – Questões a resolver:
Em face das conclusões do Recorrente nas suas alegações – que fixam o objeto do recurso nos termos do previsto nos artigos 635º, números 4 e 5 e 639º, números 1 e 2, do Código de Processo Civil -, são as seguintes as questões a resolver:
1- Aferir se ocorreu o invocado “erro de julgamento” sobre a matéria de facto;
2- Apurar se os factos provados são fundamento do diferimento da desocupação do locado.

IV – Fundamentação:

Foram os seguintes os factos selecionados pelo tribunal recorrido como relevantes para a decisão da causa:

“1. DD e AA, em 18/7/2017, declararam dar de arrendamento e CC declarou tomar de arrendamento o imóvel correspondente à casa ... do prédio situado na Rua ..., no ..., Porto, pelo período de 1 ano, com início no dia 1/8/2017, prorrogável por iguais períodos, mediante a entrega a mensal da quantia 150,00 euros.

2. DD faleceu 17/12/2022 e deixou como suas únicas herdeiras a requerentes.

3. Por carta datada de 11/1/2022, remetida pelas requerentes à requerida e por esta recebida em 17/1/2022, aquelas comunicaram a esta que não pretendiam a “renovação do contrato de arrendamento em causa, nos termos do artigo 1097º, do Código Civil, pelo que denunciamos o mesmo com efeitos para o último dia do mês de julho de 2022.”

4. A requerida não procedeu à entrega do imóvel e, em 3/10/2023, as requerentes instauraram o presente PED, indicando como fundamento a “cessação por oposição à renovação”.

5. A requerida regularmente citada, no prazo de que dispunha para o efeito, não deduziu oposição à pretensão das requerentes, apresentando, em 29/12/2023, um pedido de deferimento da desocupação.

6. A requerida reside no imóvel com a sua filha, menor, e a sua companheira.

7. A requerida, em 12/3/2021, apresentou junto da CM... um pedido de atribuição de habitação.

8. Em novembro/2018 e pelo período de 12 meses foi atribuído à requerida, pela CM..., através do programa ..., um apoio à renda, mensal, no valor de 112,50 euros.

9. O rendimento global anual do agregado familiar da requerida é de 5.508,00 euros.”


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1. Do alegado “erro de julgamento da matéria de facto”:

A Recorrente alega que o Tribunal cometeu erro de apreciação da matéria de facto e, no âmbito dessa alegação, defende ainda que deveria, ao abrigo do princípio do inquisitório, ter feito prosseguir os autos “com vista ao apuramento da verdade”, bem como afirma que a produção de prova lhe foi negada com a imediata prolação da sentença.

Não indica qualquer facto a alterar, nem nenhum meio de prova a reapreciar. Todos os factos que alegou com eventual relevância para a decisão foram, aliás, julgados provados.

A afirmação de que ocorreu erro de julgamento da matéria de facto foi feita com o fito de sustentar que os factos impunham decisão diversa, como resulta da alínea D) das conclusões.

Donde, é manifesto concluir que a Recorrente não pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640º do Código de Processo Civil.

Também a alegação de que o Tribunal devia ter feito prosseguir os autos para produção de prova não tem fundamento, já que foram julgados provados todos os factos alegados pela Requerente com vista a sustentar a sua alegada situação económica e familiar.

O artigo 292º determina que em qualquer incidente inserido na tramitação de uma causa se observam as regras do subsequente capítulo. Do número 3 do artigo 293º de que decorre que “A falta de oposição no prazo legal determina, quanto à matéria do incidente, a produção do efeito cominatório que vigore na causa em que o incidente se insere” e o número 2 do artigo 574º prevê que: “Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.”

Em face do previsto no artigo 865º, números 1 e 2 do Código de Processo Civil: “1 - A petição de diferimento da desocupação assume caráter de urgência e é indeferida liminarmente quando:

a) Tiver sido deduzida fora do prazo;

b) O fundamento não se ajustar a algum dos referidos no artigo anterior;

c) For manifestamente improcedente.

2 - Se a petição for recebida, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 10 dias, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.”

Da conjugação dos acima referidos preceitos legais resulta que a tramitação do pedido de diferimento da desocupação do locado que a Recorrente formulou nos autos segue os termos previstos para os incidentes da instância, pelo que a não impugnação dos factos por si alegados deu lugar a que os mesmos se considerassem admitidos por acordo.

Nesses termos, não havia que produzir prova e nem havia qualquer facto a averiguar oficiosamente pelo Tribunal, que podia decidir de imediato do mérito da pretensão da Requerente, como fez.


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2. É dos fundamentos de direito dessa decisão de mérito que discorda a Apelante que, em suma, pretende que a sua situação familiar e económica é bastante ao diferimento da desocupação.

Foi afirmado na decisão recorrida que o fundamento da resolução do contrato de arrendamento que serviu de base ao pedido de despejo foi a oposição à renovação do mesmo, nos termos do artigo 1097º do Código Civil, razão pela qual não tem aplicação o previsto no artigo 864º, número 2 a) do Código de Processo Civil.

O diferimento da desocupação do locado está previsto no artigo 15º D, número 1 b) do Novo Regime do Arrendamento Urbano onde se estabelece que, no prazo de quinze dias desde a citação do requerido no procedimento especial de despejo, o mesmo pode deduzir oposição à pretensão do requerente ou pedir o diferimento da desocupação nos termos do no artigo 15º M do mesmo Diploma. Neste preceito, por sua vez, prevê-se que “À suspensão e diferimento da desocupação do locado aplicam-se, com as devidas adaptações, o regime previsto nos artigos 863.º a 865.º do Código de Processo Civil.

Nos termos do artigo 864º, número 2 do Código de Processo Civil “O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:

a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) Que o arrendatário é portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %.” (sublinhados nossos).

O diferimento de desocupação do locado está, assim, previsto como forma de suspensão da execução para prestação de facto quando o objeto da mesma seja imóvel arrendado para habitação. Muito embora a natureza adjetiva que os artigos 863º a 865º do Código de Processo Civil têm (ou deveriam ter atenta a sua inserção), o legislador prevê nelas os requisitos previstos substantivos para a procedência do diferimento da desocupação, apelando ao conceito de “necessidade social imperiosa”.

O número do artigo 864º manda concretamente atender às exigências de boa-fé, à circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, ao número de pessoas que com ele habitam, à sua idade e estado de saúde e, “em geral, a situação económica das pessoas envolvidas”.

Depois do apelo a estes conceitos gerais que o legislador manda considerar de acordo com o “prudente arbítrio do tribunal”, impõe, ainda, que tal pretensão só seja concedida se se verificar algum dos fundamentos previstos nas duas alíneas do número 2 do artigo 864º.

Não estando em causa nos autos o pressuposto da transcrita alínea b), que não foi alegado, debrucemo-nos sobre os requisitos previstos na alínea a) do referido preceito.

Fazendo-o é manifesto concluir pela insuficiência dos factos para que se conclua pelo preenchimento da estatuição normativa.

Senão vejamos:

A opção do legislador ao regular o diferimento da desocupação é de constituição de um meio de tutela excecional que visa salvaguardar os interesses de inquilino em situação de grave carência económica que o impeça de pagar as rendas da sua habitação, evitando um despejo sumário e inesperado do mesmo em situações de dificuldade económica.

Tal opção contende com a natureza tendencialmente plena e voraz do direito de propriedade, que confere ao proprietário, nos termos previstos no artigo 1305º do Código Civil o gozo de “(…) modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.”

A regra geral da desocupação dos locados em caso de cessação do contrato de arrendamento é a que resulta do artigo 1081º, número 1 do Código Civil: “A cessação do contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário”. Norma esta que comporta algumas exceções legalmente previstas, como seja a do artigo 1087º do mesmo Diploma de que decorre que, em caso de cessação do arrendamento por resolução do contrato pelo senhorio a entrega do locado só é exigível após o decurso de um mês sobre a resolução.

Também o artigo 864º, número 2 prevê uma exceção legal à regra da entrega imediata do locado. Do que resulta afastada qualquer possibilidade de aplicação analógica da norma em apreço – o artigo 864º, número 2 a) do Código de Processo Civil – à situação dos autos, em que o contrato não se extinguiu como consequência de resolução por falta de pagamento de rendas. A norma cuja análise a presente decisão convoca tem natureza excecional e, como tal, é insuscetível de interpretação analógica nos termos do artigo 11º do Código Civil.

Acresce que para que ocorresse o recurso à analogia teria de se identificar uma lacuna legal – cfr. artigo 10º do Código Civil. Ora, não há qualquer razão para afirmar que o legislador não curou de regular a execução da entrega do locado no caso de cessação do contrato por oposição à sua renovação ou que nestes casos tenha omitido norma destinada à proteção do locatário com dificuldades económicas. Apenas ocorre uma lacuna quando não se possa afirmar que foi deliberada a intenção do legislador de deixar de fora de certas soluções legais algumas situações de facto.

Ora redação do citado 864º número 2 do Código de Processo Civil, não deixa qualquer dúvida sobre a obrigatória verificação de um dos requisitos taxativamente previstos. Ali se pode ler: podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos (…)” (sublinhado nosso). Também não suscita qualquer dúvida o facto de apenas na alínea a) desse preceito se ter restringido a possibilidade de diferimento a uma causa de resolução do contrato – a fundada na falta de pagamento de rendas. Restrição que não se verifica na alínea seguinte. Salvo se se fizer letra morta do previsto no artigo 9º, números 2 e 3  do Código Civil - que impedem que se considere um sentido interpretativo que não tenham na lei um mínimo de correspondência verbal e que obrigam a presumir que o legislador se sabe exprimir nos termos mais adequados -, não pode afirmar-se que a opção legal em apreço não foi deliberada, como claramente foi.

Só assim se explica que mesma limitação do mecanismo do diferimento da desocupação já não seja prevista no caso de arrendatário portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %. Neste caso a possibilidade de diferimento aplica-se seja qual for a causa da cessação do contrato de arrendamento. É, assim, para nós manifesto que esta foi uma opção do legislador, não cabendo ao intérprete alterar opções legislativas, mas, apenas, buscar no texto da lei a intenção daquele, que se deve presumir corretamente expressa – cfr. 9º, números 1 e 3 do Código Civil.

Também a interpretação extensiva - que mesmo as normas excecionais permitem, nos termos do artigo 11º do Código Civil -, apenas pode ser usada quando haja razões para concluir que a mesma teria sido querida pelo legislador que, todavia, não a exprimiu da forma mais clara.

Nas palavras de Antunes Varela e Pires de Lima[1]O recurso à analogia pressupõe a existência de uma lacuna da lei, isto é, pressupõe que determinada situação não está compreendida nem na letra nem no espírito da lei. Esgotou-se todo o poder interpretativo dos textos sem se ter encontrado nenhum que contemplasse o caso cuja regulamentação se pretende, ao passo que na interpretação extensiva, encontra-se um texto, embora para tanto haja necessidade de estender as palavras da lei, reconhecendo que elas atraiçoaram o pensamento do legislador que, ao formular a norma, disse menos do que efetivamente pretendia dizer”.

Não há, sem quebra do devido respeito pela opinião contrária, qualquer razão em que se possa sustentar a defesa da aplicação extensiva da norma à situação dos autos, em que o contrato de arrendamento cessou por comunicação das senhorias de oposição à renovação do contrato nos termos do artigo 1097º do Código Civil.

A resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas difere totalmente da cessação do mesmo contrato por oposição à sua renovação. A primeira pode decorrer por involuntária e até súbita incapacidade económica do locatário que, por isso, pode, num curto prazo de três meses, ver o contrato resolvido nos termos do artigo 1083º, número 3 do Código Civil sem qualquer possibilidade económica de custear outra habitação. E só nesse caso – de falta de meios económicos para o pagamento de renda -, se admite o diferimento da desocupação.

Já no caso de cessação do contrato de arrendamento por oposição à sua renovação, entre o momento da comunicação da oposição à renovação e o da cessação do arrendamento decorre sempre um prazo que é fixado no artigo 1097º do Código Civil entre 240 dias (máximo) e um terço da duração inicial do contrato (mínimo).

No caso dos autos, a comunicação das senhorias foi feita – em 11-01-2022 -, com a antecedência de mais de seis meses em relação ao termo do contrato – a 31 de julho de 2022.

Acresce que o contrato de arredamento que assim pode cessar – por oposição à renovação -, é já um contrato com prazo certo, pelo que a possibilidade da sua não renovação é já do conhecimento do locatário.

Assim, não há qualquer razão para defender que a possibilidade de diferimento da desocupação por motivos de insuficiência económica deva estender-se a situação como a dos autos, em que o fim do contrato – celebrado com prazo certo e denunciado com a antecedência legal -, é já possível de ser previsto e é comunicado com dilação bastante a que o locatário possa diligenciar por outra solução de habitação.

A diversa causa de cessação do contrato de arrendamento é bastante para que se justifique e compreenda o também diverso tratamento das possibilidades de diferimento da desocupação, tendo o legislador optado por uma proteção do locatário no caso de resolução por falta de pagamento de rendas – caso único em que a sua situação económica pode justificar tal diferimento -, diversa da aplicável a outras causas de cessação do contrato.

Pelo que não há qualquer fundamento para sustentar a aplicação extensiva da alínea a) do número 2 do artigo 864º do Código de Processo Civil à situação dos autos.


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Quanto ao apelo que a Recorrente faz à apreciação da sua situação concreta é de sublinhar que no caso dos autos, além do prazo, superior a seis meses, decorrido entre a comunicação da não renovação pelas senhorias e o final do contrato passaram, ainda, mais de catorze meses entre a data da cessação do contrato de arrendamento e a entrada do procedimento especial de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento em 3-10-2023. Com a demora do processado subsequente - essencialmente decorrente do pedido e concessão do benefício do apoio judiciário à Requerida -, decorreram já mais de vinte meses desde a data em que cessou o contrato de arrendamento e mais de vinte e seis desde que à locatária foi comunicada a oposição à renovação.

Donde, o diferimento da desocupação, que é já, na prática, muito superior ao máximo legalmente previsto, seria sempre também absolutamente infundado à luz das exigências de boa fé a que o legislador alude no artigo 864º, número 2 do Código de Processo Civil.

Assim, deve manter-se a decisão recorrida, pelos mesmos fundamentos que lhe serviram de base.

V – Decisão:

Julga-se a apelação improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente nos termos do previsto no artigo 527º, número 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.


Porto, 8 de abril de 2024.
Ana Olívia Loureiro
Mendes Coelho
José Eusébio Almeida
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[1] Código Civil Anotado, Coimbra Editora, Volume I, anotação ao artigo 11º (página 60 da 4ª edição).