Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
14778/23.0T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALBERTO TAVEIRA
Descritores: UNIÃO DE FACTO
RECONHECIMENTO
NACIONALIDADE
ATRIBUIÇÃO
PACTO DE COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP2024031914778/23.0T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O reconhecimento duma união de facto para atribuição da nacionalidade portuguesa, de acordo com a Lei da Nacionalidade Portuguesa (Lei n.º 37/81, de 3/10), resulta necessário que a ação seja proposta em tribunal nacional.
II - A Lei ao impor a existência de acção para reconhecimento da situação de união de facto em tribunal cível (o artigo 3.º, da Lei n.º 37/81 de 03.10), está a fixar competência aos tribunais portugueses para conhecer e decidir de tal causa.
III - O pacto de competência deve especificar as questões que abarca, embora esta especificação possa ser feita através da enunciação do facto jurídico de que podem emergir; deve designar o tribunal a que é atribuída a competência ou, ao menos, enunciar o critério para a sua determinação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º[1] 14778/23.0T8PRT.P1

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Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível do Porto - Juiz 5

RELAÇÃO N.º 122

Relator: Alberto Taveira

Adjuntos: Maria da Luz Seabra

                Maria Eiró


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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

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I - RELATÓRIO.

AS PARTES


Demandantes: AA e

                   BB

Demandado: Estado Português


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A) Os AA vieram, em litisconsórcio voluntário, propor Ação Declarativa de Reconhecimento de União de Facto contra o R. nos termos do artigo 24.º do Código de Processo Civil, formulando o seguinte pedido:

O reconhecimento da união de facto dos AA. nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e da Lei n.º 37/81.

Alegam para o efeito, haverem realizado convenção de foro do Tribunal de Comarca do Porto “como competente para julgamento da Ação Declarativa de Reconhecimento de União de Facto, sob a forma de processo ordinário, nos termos do artigo 95º, n.º 1, do Código de Processo Civil”.

Que vivem em união de facto desde 27.07.2014, tendo “Em 05 de setembro de 2017, lavraram em cartório brasileiro competente a Escritura Pública de União Estável, optando pelo regime de separação total de bens”.

B) O Ministério Público deduziu contestação, defendendo-se por excepção de incompetência em razão da matéria do Juízo Local Cível, pugnando pela competência Juízo de Família e Menores, pedindo a sua absolvição da instância.

No mais, apresentou defesa por impugnação.

C) É proferido despacho a ordenar a notificação dos AA. da defesa por excepção e bem como da eventual “da (in)validade da “Convenção de Eleição de Foro”, à luz do regime do artigo 95º, nº 2 do Código de Processo Civil, na medida em que não se designou o critério que presidiu à determinação deste Juízo Local Cível do Porto como o competente.”

D) Os AA. apresentaram resposta, pugnar pela improcedência das citadas excepções. Mais alegaram a realização de uma adenda à “convenção de eleição do foro”, acabando por pedir “o reconhecimento da validade da Convenção de Eleição de Foro aditada.”


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DA DECISÃO RECORRIDA

Após, foi proferida SANEADOR SENTENÇA, nos seguintes termos:

1.

Está em causa saber se a fixação da competência territorial convencional levada a cabo pelos Autores obedece aos requisitos legais.

Vejamos o que nos diz o artigo 95º do Código de Processo Civil

[“Competência Convencional”]:

“1 - As regras de competência em razão da matéria, da hierarquia e do valor da causa não podem ser afastadas por vontade das partes; mas é permitido a estas afastar, por convenção expressa, a aplicação das regras de competência em razão do território, salvo nos casos a que se refere o artigo 104.º.

2 - O acordo deve satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja reduzido a escrito, nos termos do n.º 4 do artigo anterior, e deve designar as questões a que se refere e o critério de determinação do tribunal que fica sendo competente.

3 - A competência fundada na estipulação é tão obrigatória como a que deriva da lei.

4 - A designação das questões abrangidas pelo acordo pode fazer-se pela especificação do facto jurídico suscetível de as originar”.

Resulta assim que a lei impõe algumas condições ou requisitos a observar para que tal convenção possa ser válida, pelo que se impõe a análise do acordo celebrado pelos Autores e que acompanha a petição inicial como documento nº 2 com vista à escolha do foro competente.

É o seguinte o seu teor:

“CONVENÇÃO DE ELEIÇÃO DE FORO

AA, brasileiro(a), solteiro(a), professora, natural do Rio de Janeiro, RJ, filho(a) de CC e DD, titular do documento de identificação (CNH) n.º ...1....60....50-2, válido até 07 de janeiro de 2024, emitido em 08 de janeiro de 2019, por ..., República Federativa do Brasil, do RG n.º ...1....60....50-2 e do CPF n.º ...19....33....97-...3, E

BB, português e brasileiro, solteiro(a), engenheiro mecânico, natural do Rio de Janeiro, RJ - Brasil, filho(a)de EE e FF, titular do documento de identificação (passaporte) n.º ...79, válido até 7 de março de 2029, emitido em 7 de marco de 2019, por SR/DPF/RJ, República Federativa do Brasil, e do CPF n.º ...97-00,

Ambos com residência em Avenida ..., ..., Rio de Janeiro, Brasil, Celebram uma Convenção de Eleição de Foro nos seguintes termos:


1.º

Ambas as partes convencionam em atribuir competência territorial ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto para o julgamento da Ação Declarativa de Reconhecimento de União de Facto, sob a forma de processo ordinário, nos termos do artigo 95º, n.º 1, do Código de Processo Civil;

2.º

A presente convenção diz respeito a um direito disponível de ambas as partes de afastar por convenção expressa a aplicação das regras de competência em razão do território;

3.º

O pacto da eleição de foro está em conformidade com a legislação aplicável ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto, o Código de Processo Civil.

5.º

A presente convenção não gera inconveniente para nenhuma das partes. Constitui um verdadeiro interesse de ambas as partes.

6.º

A convenção cumpre com rigor o requisito do artigo 95º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

7.º

Na presente convenção intervém o advogado GG, Carteira Profissional n.º .....P, com residência profissional em ..., Porto, Portugal, CP ..., telefone ...28, E-mail ..........@....., como representante de ambas as partes contratantes, para assinar em nome destas”.

O acordo das partes obedece à forma escrita, pelo que se mostra cumprido o primeiro requisito (cfr. o artigo 95º, nº 2 do Código de Processo Civil).

No entanto, e salvo melhor opinião, os demais requisitos não se encontram cabalmente cumpridos.

E aqui seguiremos de muito perto, com a devida vénia, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 4/5/2004, acessível em www.dgsi.pt com o nº 978/04, onde se refere que:

“ … não designa as questões concretas paras as quais o tribunal ali escolhido ficou a ter competência e nem especifica os factos susceptíveis de as originar, limitando-se antes a conter uma fórmula demasiado genérica que, a nosso ver, não se ajusta à exigência feita, a tal propósito, pelos nºs 2 e 4 do citado artº 102 (vidé neste sentido e a propósito de situação que consideramos bastante idêntica à destes autos, Ac. da RC de 26/01/99, in “CJ, Ano XXIV, T1 – 9”).

E, por outro lado, e caso assim não se entenda, igualmente, em tal cláusula, não se indica, menciona ou designa o critério que presidiu à determinação do tribunal ali mencionado que ficou sendo competente, ou seja, nada ali se diz sobre qual foi o critério que motivou ou determinou a que as partes tivessem optado pela escolha do dito tribunal, tal como também se exige na parte final do aludido nº 2 do citado artº 100 (vidé, a propósito, o prof. Miguel Teixeira in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág.124”).”.

Pode ainda ler-se, neste aresto, que “foi preocupação deliberada do legislador que tais pactos ou convenções de competência - que retiram aos tribunais, que à priori estavam legalmente destinados a derimir determinados conflitos, a competência para apreciar e julgar as respectivas acções – obedeçam objectivamente a razões sérias e razoavelmente compreensíveis à luz dos interesses em discussão, evitando-se, assim, que tal desvio à competência natural, e que está pré-estabelecida, dos nossos tribunais para julgar certas causas tenha somente a ver com razões ou manifestações de mero capricho, oportunismo ou de mera comodidade das partes”.

Assim sendo, como o é, impõe-se julgar tal convenção atributiva de competência como inválida ou nula e, portanto, sem qualquer efeito.

2.

Aqui chegados, resta determinar, por recurso aos critérios gerais, qual o tribunal competente.

Nesta tarefa, e considerando em primeiro lugar, os factos alegados pelos Autores, vejamos o que dispõe o artigo 62º do Código de Processo Civil [“Factores de atribuição da competência internacional”]:

“Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real”.

Nenhum destes pressupostos está verificado no caso dos autos, o que inviabiliza o recurso aos tribunais portugueses, por parte dos Autores, para dirimir este concreto litígio – vide ainda o artigo 59º do Código de Processo Civil.

Ante o exposto e sem necessidade de mais considerandos, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da presente ação, o que configura incompetência absoluta, por infração das regras de competência internacional – artigo 96º, alínea a) do Código de Processo Civil.

A incompetência absoluta do tribunal implica, como consequência, a absolvição da instância do Réu, nos termos do disposto nos artigos 576º, nº s 1 e 2 e 577º, alínea a) do Código de Processo Civil.

Custas pelos Requerentes.“.


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DAS ALEGAÇÕES

Os AA., vêm desta decisão interpor RECURSO, acabando por pedir o seguinte:

Em virtude do exposto, requer que seja concedido provimento ao presente recurso, com a substituição da sentença recorrida por outra, que ordene a prossecução dos autos no Tribunal recorrido ou, subsidiariamente, em outro que julgar competente, fazendo-se assim justiça!“.


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Os ora recorrentes apresentam as seguintes CONCLUSÕES:

1. O Tribunal a quo, na douta sentença proferida, julga convenção atributiva de competência territorial celebrada entre os AA. como nula ou inválida, sob o fundamento de que não havia sido apresentado o critério adotado para a atribuição da competência territorial ao Tribunal Judicial da Comarca do Porto para o julgamento da Ação Declarativa de Reconhecimento de União de Facto dos AA, sem apreciar a pronúncia e a prova do critério adotado para a convenção, apresentadas na resposta de Ref.ª 37164843.

2. A pronúncia e a prova apresentadas na resposta de Ref.ª 37164843 são suscetíveis de suprimento da nulidade ou invalidade invocada na sentença recorrida e estão de acordo com o princípio da instrumentalidade das formas (artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), o princípio da cooperação (artigo 7.º do Código de Processo Civil), a não sujeição dos processos de jurisdição voluntária a critérios de legalidade estrita, devendo ser adotada a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artigo 987.º do Código do Processo Civil), e o dever de gestão processual através de convite às partes ao suprimento de exceções dilatórias (artigos 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil).

3. Acresce que ainda que seja mantida a nulidade ou invalidade da convenção atributiva de competência, o Tribunal Judicial da Comarca do Porto não poderá ser declarado como territorialmente incompetente, uma vez que a incompetência relativa territorial não foi arguida pelo Ministério Público, nos termos do artigo 103.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, e não constituiria um dos casos taxativos de conhecimento oficioso pelo tribunal previstos no artigo 104.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

4. Ademais, a sentença recorrida julga indevidamente os tribunais portugueses como internacionalmente incompetentes e, por conseguinte, a incompetência absoluta para a apreciação da ação de reconhecimento da união de facto entre nacional português e nacional estrangeiro com finalidade na aquisição da nacionalidade portuguesa pela união de facto ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade, em revés do que se encontra já pacificado pela jurisprudência e manifesto pelo artigo 3.º, n.º 3 da Lei da Nacionalidade.

5. Por fim, visto que a Lei da Nacionalidade determina que a ação de reconhecimento de união de facto que tenha por objeto a aquisição da nacionalidade portuguesa deva ser intentada no tribunal cível, a competência material para a apreciação da ação deverá ser do Juízo Local Cível, designadamente do Juízo a quo. “.


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O Ministério Público apresentou CONTRA-ALEGAÇÕES, pugnando pela improcedência parcial do recurso.

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II - FUNDAMENTAÇÃO.


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil

Como se constata do supra exposto, as questões a decidir, são as seguintes:

A) Da competência em razão da nacionalidade.

B) Validade do pacto de atribuição de competência em razão do território.

Será esta a ordem de conhecimento das questões, pois que a fixação da competência internacional tem precedência sobre a fixação da competência territorial.


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OS FACTOS

Os factos com interesse para a decisão da causa e a ter em consideração são os constantes no relatório, e que aqui se dão por reproduzidos.


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DE DIREITO.

A)

Da competência em razão da nacionalidade.

A primeira instância decidiu que os Tribunais portugueses não são competentes para conhecer da questão.

Dispõe o artigo 62.º do Código de Processo Civil o seguinte:

Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;

b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;

c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.

Pretendem os AA. que seja o Estado Português condenado a reconhecer a união de facto nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e da Lei n.º 37/81.

Como de modo lapidar e acertado é aludido nas contra-alegações do Ministério Público, “considerando o pedido formulado, ou seja, o reconhecimento duma união de facto para atribuição da nacionalidade portuguesa, de acordo com a Lei da Nacionalidade Portuguesa (Lei n.º 37/81, de 3/10), parece-nos resultar necessário que a ação seja proposta em tribunal nacional.”

Na realidade, dispõe o artigo 3.º, com a epígrafe, Aquisição em caso de casamento ou união de facto, da Lei n.º 37/81 de 03.10 (versão actualizada), o seguinte:

1 - O estrangeiro casado há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa mediante declaração feita na constância do matrimónio.

2 - A declaração de nulidade ou anulação do casamento não prejudica a nacionalidade adquirida pelo cônjuge que o contraiu de boa-fé.

3 - O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.“.

Com realce para o disposto no n.º 3, aplicável ao caso, é patente que a demanda haverá que correr nos tribunais portugueses, ainda que não residam em território português.

A Lei ao impor a existência de acção para reconhecimento da situação de união de facto em tribunal cível, está a fixar competência aos tribunais portugueses para conhecer e decidir de tal causa. Neste sentido, Ac. do Tribunal da Relação do Porto . 3848/22.1T8AVR.P1, de 09-02-2023, relatado pela Des ISABEL SILVA.

Pelo exposto, são os Tribunais portuguese, competentes para conhecer da causa.


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B)


Validade do pacto de atribuição de competência em razão do território.

Argumentam os recorrentes que o M.mo Juiz não ponderou e valorou o alegado no seu requerimento na sequência do despacho supra aludido em D) – adenda à convenção.

Sustentam que por força do “princípio da instrumentalidade das formas (artigo 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), o princípio da cooperação (artigo 7.º do Código de Processo Civil), a não sujeição dos processos de jurisdição voluntária a critérios de legalidade estrita, devendo ser adotada a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artigo 987.º do Código do Processo Civil), e o dever de gestão processual através de convite às partes ao suprimento de exceções dilatórias (artigos 6.º, n.º 2, e 590.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil)”, deveria ser valorada a dita adenda e por via da qual estaria suprida a nulidade.

A decisão em crise não se pronuncia quanto a tal pretensão – junção e valoração da adenda à convenção.

Vejamos do acerto do decidido.

A decisão considerou que a convenção subscrita pelos AA. não preenche os requisitos do n.º 2 do artigo 95.º do Código de Processo Civil.

Em primeiro lugar, refere que o acordo não designa as questões concretas para as quais foi escolhido o Tribunal da Comarca do Porto, recorrendo a uma fórmula genérica.

Em segundo lugar, que a cláusula não indica, menciona ou designa o critério que determinou a escolha do Tribunal da Comarca do Porto.

O pacto de competência obedece a diversos requisitos formais: convenção expressa que respeite a forma exigida para o contrato a que o pacto de competência se reporta; ainda que o contrato não exija qualquer espécie de forma, o pacto deve resultar necessariamente de acordo reduzido a escrito; tal como ocorre com o pacto de jurisdição, o acordo pode resultar da conjugação dos elementos referidos no nº 4 do art. 94º; deve especificar as questões que abarca, embora esta especificação possa ser feita através da enunciação do facto jurídico de que podem emergir; deve designar o tribunal a que é atribuída a competência ou, ao menos, enunciar o critério para a sua determinação. A competência convencional é fixada, em regra, na ocasião da outorga do contrato (pacto de aforamento), prevenindo litígios eventuais que possam ocorrer no âmbito de determinada relação juridica, mas nada obsta a que seja acordada em momento posterior, caso em que se devem enunciar as questões abrangidas. “, ANTÓNIO ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E LUÍS PRES DE SOUSA, in Código de Processo Civil Anotado, Vol I, em anotação ao artigo 95.º, pág 123 – realçado nosso.

O que não é admissível é a convenção abstracta e vaga pela qual as partes renunciem ao foro do seu domicílio para quaisquer pleitos que entre elas possam surgir. O Código alemão (§ 40) e a lei austríaca (§ 104) declaram categòricamente que o acordo não produzirá efeitos jurídicos se não se referir a uma controvérsia precisa ou às controvérsias que possam emergir de determinada relação jurídica; o artigo 29. do Código italiano exige também que o acordo diga respeito a um ou mais negócios determinados.

Quando a convenção seja formulada em termos genéricos, referidos a determinado acto ou facto jurídico, é claro que a questão de saber quais as questões abrangidas pelo pacto converte-se num problema de interpretação do negócio jurídico, de determinação da vontade das partes; o problema há-de resolver-se em conformidade com os princípios aplicáveis. Tem de apurar-se qual foi a vontade comum das partes, ao celebrarem a convenção; conhecida essa vontade, o foro contratual há-de considerar-se competente para as causas que as partes tiveram em vista submeter ao juízo designado, não podendo estender-se a causas semelhantes ou a outras derivadas do mesmo acto jurídico. “, ALBERTO DOS REIS, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol 1º, 2ª ed., pág 301,

Ora, lendo a convenção apresentada pelos AA., os contraentes da “convenção de eleição do foro”, fixaram qual a questão que pretendem ver decidida – “julgamento da Ação Declarativa de Reconhecimento de União de Facto, sob a forma de processo ordinário”.

Alegam os AA. na sua petição inicial, artigo 14.º, que a acção visa obter a nacionalidade portuguesa da A. mulher, tal como decorre do pedido formulado em 3) “O reconhecimento da união de facto dos AA. nos termos e para os fins da Lei n.º 7/2001 e da Lei n.º 37/81”.

Trazendo à colação os ensinamentos do processualista ALBERTO DOS REIS, supra mencionado, claramente os contraentes pretendem que a questão da existência do vínculo existente entre os AA. como de união de facto seja determinada judicialmente.

Não há equívoco quanto à questão que os contraentes da convenção pretendem ver conhecida e decidida pelos Tribunais. Fica assim, satisfeita a hipótese legal do n.º 4 do artigo 95.º do Código de Processo Civil. Com efeito, qualquer pacto ou convenção de competência, celebrado pelas partes no exercício da respectiva autonomia da vontade, tem de exprimir um compromisso bilateral e inequívoco, concluído em termos e condições que não deixem margem para dúvidas razoáveis quanto à aceitação por ambas as partes do foro que, no pacto, haja sido designado.

Quanto à segunda questão, parece-nos que existirá um equívoco. As partes da convenção expressamente indicaram qual o Tribunal, Tribunal Judicial da Comarca do Porto. Sendo assim, não têm os contraentes que vir indicar critérios pelos quais deverá ser fixado um certo e determinado Tribunal.

Em sustento do afirmado temos o expendido por JOSÉ LBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, in Código de Processo Civil Anotado, 4ª ed., pág. 223, em anotação ao artigo 95.º, onde se lê: “De acordo com a parte final do n.º 2, não é necessário que no pacto de competência os contraentes determinem o tribunal que julgará a causa, bastando que indiquem o critério da respetiva determinação (por exemplo, o domicilio que uma das partes tiver à data da instauração da ação).

Face ao decidido, mostra-se despiciendo conhecer da decisão de não conhecimento do requerimento dos AA., apelantes, da junção da adenda da convenção e a sua relevância para a decisão.

Pelo exposto, procede a pretensão dos recorrentes, revogando-se a decisão que declarou inválida ou nula a convenção atributiva de competência.

Como nota fina, a questão de saber se a causa caberá aos tribunais de família e menores ou aos cíveis, porque tal questão foi decidida pelo Tribunal a quo, não é objecto da presente instância de recurso.


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III DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar procedente a apelação, revogando-se, declarando a validade da convenção de atribuição de competência territorial, julgando o Tribunal de Comarca do Porto competente para apreciar e julgar a acção de reconhecimento de união de facto entre os AA..

Sem custas por não serem devidas. (confrontar artigo 527.º do Código de Processo Civil).


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Sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7 do Código de Processo Civil.
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Porto, 19 de Março de 2024
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra
Maria Eiró
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[1] O relator escreve de acordo com a “antiga ortografia”, sendo que as partes em itálico são transcrições cuja opção pela “antiga ortografia” ou pelo “Acordo Ortográfico” depende da respectiva autoria.