Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
864/24.2T8LSB.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: ARRENDAMENTO NÃO HABITACIONAL
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Estando fortemente indiciado nos autos que o contrato de arrendamento não habitacional que tinha sido celebrado entre as partes cessou por oposição à renovação validamente efetuada pelo senhorio, e estando igualmente indiciado que, após essa cessação, o proprietário trocou a fechadura de porta de acesso ao imóvel, impedindo o antigo arrendatário de lhe aceder, improcede a providência de restituição provisória da posse pelo último intentada, uma vez que, estando findo o contrato de arrendamento, não se mostra indiciada a posse do requerente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«BB», requerido no presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse que lhe foi movido por «AA» – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA., notificado da sentença proferida em 18/01/2024, que julgou o procedimento cautelar procedente e, em consequência, ordenou a restituição provisória da posse à requerente da arrecadação integrada na fração “A” que constitui a cave do prédio sito na Rua (…), em Lisboa, e com essa sentença não se conformando, interpôs o presente recurso.
A sociedade requerente intentou o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, pedindo que, sem audiência prévia do requerido, se ordenasse a restituição à requerente da arrecadação locada integrada na fração “A” que constitui a cave do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), em Lisboa, inscrito da artigo (…) na matriz predial urbana da freguesia de Santo António e declare a inversão do contencioso.
Alegou, para tanto, que o requerido lhe arrendou uma arrecadação e que, em 02/01/2024, mudou a fechadura da dita, impedindo-lhe o acesso.
O mais, está bem evidenciado nos documentos que junta, e que passamos a descrever:
1. Contrato de arrendamento urbano não habitacional, com prazo certo, com início em 01/01/2017 e termo em 31/12/2017, renovando-se automaticamente por períodos de um ano, se não fosse denunciado por qualquer das partes, podendo o senhorio opor-se à renovação «mediante comunicação escrita expedida com aviso de receção à Arrendatária com antecedência não inferior a 60 dias do termo do prazo inicial contratado ou de cada uma das suas renovações» (v. cláusulas 3.ª e 8.ª, alínea a));
2. Carta registada com aviso de receção, enviada em 16/10/2023 pela Il. Mandatária do senhorio à arrendatária, comunicando a oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos da alínea a) da cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, produzindo-se os efeitos a 31/12/2023, «data em que o imóvel deve estar plenamente desocupado de pessoas e bens»;
3. Carta da arrendatária à Il. Mand. do senhorio, registada em 07/12/2023, declarando: «(…) entendemos que, face ao que dispõe o artigo 1110.º do código Civil com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13/2019, o seu constituinte não podia opor-se à renovação do contrato na data em que se opôs, pelo que consideramos que, por falta de oposição atempada, o mesmo ficou renovado até 2027 (…)»;
4. Carta de 02/01/2024, registada com aviso de receção, dirigida pela Il. Mand. do senhorio à arrendatária, pela qual informa que o seu cliente «legal proprietário e possuidor da fração autónoma acima descrita (…) procedeu à mudança da fechadura da porta que dá acesso aos lugares de estacionamento e respetiva arrecadação», uma vez que «não obstante a comunicação prévia para entrega do locado (arrecadação) livre de pessoas e bens, designadamente, para entrega das chaves do imóvel até ao passado dia 31 de dezembro de 2023» tal não sucedeu, e, ainda, que o cliente «está disponível para mediante agendamento prévio, até ao próximo dia 12 de janeiro de 2024, deslocar-se em dia e hora a designar para que possa proceder ao levantamento dos bens ainda depositados à data no respetivo espaço».
5. Carta registada com aviso de receção, da requerente para a Il. Mand, do requerido, expedida em 05/01/2024, na qual, além do mais comunica que, por recusa do requerido em receber as rendas, procedeu ao depósito das mesmas.
Ouvidas as testemunhas arroladas, sem contraditório do requerido, foi proferida a acima mencionada decisão, que julgou procedente o procedimento cautelar e decretou a respetiva providência de restituição do imóvel à requerente.
O requerido não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«A. Face aos factos alegados pela aqui Recorrida, competia ao douto tribunal a quo, desde logo, aferir da verificação dos pressupostos previstos no artigo 377.º do Código de Processo Civil, designadamente: da posse, do esbulho e da violência;
B. Só ao possuidor é atribuído o direito de lançar mão deste meio de defesa destinado a reagir contra uma situação de esbulho violento;
C. A aqui Recorrida por efeito do contrato de arrendamento celebrado a 24 de março de 2017 era arrendatária do aqui Recorrente e, como tal, era mera detentora, possuidora precária ou possuidora em nome de outrem,
D. A 16 de outubro de 2023 a aqui Recorrida comunicou a oposição à renovação do contrato de arrendamento NÃO habitacional, nos termos da alínea a) da cláusula oitava do respetivo contrato,
E. Assim, nos termos da Lei e da autonomia das partes (artigo 1110.º, n.º 1 do Có digo Civil), a cessação do contrato de arrendamento produziu os seus efeitos no dia 31 de dezembro de 2023!
F. Cumprindo à arrendatária, findo o contrato, restituir a coisa locada, conforme alínea i) do artigo 1038.º do Có digo Civil.
G. Contudo, a aqui Recorrida nã o entregou o locado, não possuindo qualquer título que legitimasse a ocupação da referida arrecadação a partir daquela data,
H. E, consequentemente, não lhe assistindo qualquer tutela possessória, nos termos do n.º 2 do artigo 1037.º do Código Civil.
I. Termos em que da atuação ilícita da aqui Recorrida, quando decidiu não entregar o imóvel ao seu legítimo proprietário, a partir do dia 31 de dezembro de 2023, não poderá derivar uma tutela possessória concretizada no presente mecanismo processual intentado pela mesma, sob prejuízo de estarmos perante um abuso de direito.
J. Neste sentido, porquanto foi dito, não houve qualquer esbulho por parte do aqui Recorrente.
K. Na medida em que, o aqui Recorrente não praticou qualquer ato que obstasse ao exercício de um direito legalmente admissível por parte da aqui Recorrida.
L. Mais acresce que, a aqui Recorrida bem sabia que tinha de desocupar o locado livre de bens, até ao dia 31 de dezembro de 2023, conforme comunicação que foi dirigida com a antecedência devida em outubro de 2023;
M. Por carta datada de 2 de janeiro de 2024, após a cessação do contrato, o aqui Recorrente informou ainda a aqui Recorrida que estaria disponível para mediante agendamento prévio deslocar-se em dia e hora a designar-se para que esta pudesse proceder ao levantamento dos bens ainda depositados à data no respetivo espaço;
N. Neste sentido, e conforme prova documental junta aos autos, a aqui Recorrida, ao contrá rio do que alega, nunca esteve na iminência de sofrer qualquer lesã o ou dano dificilmente reparável de um direito, que legitimasse a utilização do presente mecanismo processual (provisório e urgente);
O. Foi a própria Recorrida que se colocou nesta alegada circunstância de necessidade e urgência para efeitos de instrumentalização do presente mecanismo processual;
P. Obstando, desta forma, ao cumprimento da sua obrigação de entrega do locado ao aqui Recorrente e atuando num claro abuso do direito!
Q. Face ao supra exposto, resulta com o devido respeito, que o tribunal a quo não andou bem ao julgar procedente, por provado o presente procedimento cautelar, e, em consequência, ter ordenado a restituição provisória da posse à aqui Recorrida da identificada arrecadação.
R. Motivo pelo qual, se requer a V. Exas que se dignem a julgar procedente o presente recurso, revogando a sentença recorrida e julgando, em substituição desta sentença, improcedente a providência cautelar de restituição provisória da posse instaurada pela aqui Recorrida.
S. Acresce ainda que, de tudo quanto foi exposto supra, e, designadamente, da documentação junta aos presentes autos, não se encontram preenchidos os pressupostos do artigo 369.º, n.º 1 do CPC (inversão do contencioso), designadamente, da convicção segura da existência do direito acautelado e da adequação da presente providência à composição definitiva do litígio.
T. Bem pelo contrá rio, resultando de forma clara e evidente o direito do aqui Recorrente, na qualidade de proprietário, usufruir do seu imóvel de forma livre e desimpedida,
U. Cabendo à aqui Recorrida a obrigação da entrega do imóvel, no seguimento da cessação do respetivo contrato de arrendamento a 31 de dezembro de 2023.
V. Ainda que assim nã o se entenda, sem conceder, sempre se dirá , sob pena de a presente providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio,
W. Que o aqui Recorrente intentou o competente procedimento especial de despejo a 19 de Janeiro de 2024, aguardando os seus trâmites legais.»
Termina pugnando pela procedência do recurso, com a consequente improcedência do procedimento cautelar e revogação da decisão recorrida.
A recorrida contra-alegou, concluindo:
«6.1- O presente recuso não apresenta qualquer argumento jurídico suscetível de potenciar a condução a decisão diferente da que foi tomada pelo Tribunal “a quo”;
6.2-A decisão toma da pelo tribunal “a quo” é a única possível face à factualidade provada;
6.3-O Tribunal fez um adequado julgamento da matéria de facto e uma correta aplicação do direito aos fatos,
6.4- Não tendo violado qualquer disposição legal, quer de ordem substantiva, quer de ordem adjetiva, como o próprio recorrente, por omissão, o reconhece.
TERMOS EM QUE, Negando-se provimento ao presente recurso, deve confirmar-se a douta sentença do Tribunal recorrido e ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA»
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, coloca-se a questão de saber se se mostra suficientemente indiciada a posse da recorrida sobre a arrecadação e, na positiva, se se verificou o alegado esbulho.
II. Fundamentação de facto
A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos (que o recorrente não discute):
1. A Requerente e Requerido celebraram em 24/03/2017, o contrato de arrendamento urbano não habitacional, com o prazo certo, referente à arrecadação integrada na fração “A” que constitui a cave do prédio sito na Rua (…) em Lisboa, com início em 01/01/2017 e termo em 31/12/2017, renovado automaticamente por iguais períodos (artigo 1.º do requerimento inicial).
2. Por carta de 16/10/2023, remetida à Requerente pela Srª Drª «CC» em nome do seu constituinte, o aqui Requerido, comunicou a oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado em 24/03/2017, com produção de efeitos a 31/12/2023, data em que refere que o imóvel devia estar desocupado de pessoas e bens (artigo 2.º do requerimento inicial).
3. A referida carta mereceu, por parte da Requerente, a resposta constante da carta enviada em 07/12/2023, que refere que Requerido não podia opor-se à renovação do contrato na data em que o fez, entendendo que o contrato foi renovado até 2027 (artigo 3.º do requerimento inicial).
4. A Requerente tem por objeto o exercício da atividade de indústria hoteleira e no exercício da sua atividade explora o restaurante (…), na Rua (…), em Lisboa (artigo 5.º do requerimento inicial).
5. O contrato de arrendamento, a que se reporta o artigo 1.º e respetivo documento anexo, teve por objetivo dotar o restaurante de um armazém nas suas imediações para armazenagem de consumíveis não deterioráveis do referido restaurante, nomeadamente de vinhos (artigo 6.º do requerimento inicial).
6. Estes, na linha da tradição histórica do restaurante, são de elevada qualidade e também de elevado o preço (artigo 7.º do requerimento inicial).
7. Na manhã do dia 2 de janeiro de 2024, a Srª Drª «CC», a mando do seu constituinte, aqui Requerido, acompanhada de uma terceira pessoa, aproximou-se da cave arrendada à Requerente e essa terceira pessoa, sob sua orientação e direção, mudou a chave de acesso ao prédio e à arrecadação locada (artigo 8.º do requerimento inicial).
8. Impedindo assim, a partir de então, a Requerente de aceder ao espaço que lhe está arrendado e aos seus haveres aí armazenados, essenciais e indispensáveis ao exercício da sua atividade, não podendo servir os vinhos e outras bebidas de qualidade pedidos pelos clientes e ali armazenados (artigos 9.º e 18.º, parte inicial do requerimento inicial).
9. O ato foi confirmado pela própria Srª Drª «CC» por carta datada desse próprio dia 02/01/2024 e por si subscrita e remetida à Requerente, onde se diz que “O N/ cliente, legal proprietário e possuidor da fração…procedeu à mudança da fechadura da porta que dá acesso aos lugares de estacionamento e respetiva arrecadação” (artigo 10.º do requerimento inicial).
10. A tal carta respondeu a Requerente por carta datada de 05/01/2024 (artigo 11.º do requerimento inicial).
III. Apreciação do mérito do recurso
Resulta dos factos acima listados, aliás documentados nos autos e não postos em crise, que:
Ø As partes celebraram entre si contrato de arrendamento urbano não habitacional, com prazo certo, com início em 01/01/2017 e termo em 31/12/2017, estipulando no mesmo que o senhorio poderia opor-se à renovação mediante comunicação escrita expedida com aviso de receção à arrendatária com antecedência não inferior a 60 dias do termo do prazo inicial contratado ou de cada uma das suas renovações (v. cláusulas 3.ª e 8.ª, alínea a));
- Por carta registada com aviso de receção, enviada em 16/10/2023, o senhorio comunicou à arrendatária a oposição à renovação do contrato de arrendamento, nos termos da alínea a) da cláusula 8.ª do contrato de arrendamento, com efeitos a 31/12/2023, data em que o imóvel deveria estar plenamente desocupado de pessoas e bens;
- A arrendatária não entregou o locado em 31 de dezembro, nem ulteriormente, tendo dado indicação, por carta de 7 de dezembro que não tinha intenção de o fazer;
- O senhorio, em 2 de janeiro, mudou a fechadura de uma das portas de acesso ao locado, e por carta da mesma data comunicou isso mesmo à requerente, informando a sua disponibilidade para, mediante agendamento prévio, até ao próximo dia 12 de janeiro de 2024, deslocar-se em dia e hora a designar para que a requerente pudesse proceder ao levantamento dos bens ainda depositados à data no respetivo espaço.
Nos termos do disposto no artigo 1110.º do CC, as regras relativas à duração, denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento para fins não habitacionais são livremente estabelecidas pelas partes, aplicando-se, na falta de estipulação, o disposto quanto ao arrendamento para habitação, sem prejuízo do disposto no mesmo artigo e no seguinte.
Nada nas normas aplicáveis invalida qualquer das estipulações estabelecidas pelas partes no contrato de arrendamento, nem tal possibilidade foi sequer suscitada.
As normas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1110.º, relativas ao prazo e à renovação, apenas se aplicam, como delas expressamente resulta, na falta de estipulação em contrário. Logo, à relação contratual sub judice aplicava-se o prazo certo de um ano, automaticamente renovável por iguais períodos.
A norma do n.º 4, estabelece que, nos cinco primeiros anos após o início do contrato, independentemente do prazo estipulado, o senhorio não pode opor-se à renovação. O contrato dos autos teve início em 01/01/2017 e a oposição à renovação deu-se para a data de 31/12/2023, estando, portanto, largamente ultrapassados os primeiros cinco anos de contrato, que se esgotaram em 31/12/2021. Neste sentido, a melhor jurisprudência que aqui exemplificamos com Ac. do STJ de 11/01/2024, proc. 1085/22.4YLPRT.P1.S1 (Maria da Graça Trigo), com o sumário: «A norma do n.º 4 do art. 1110.º do CC, introduzida pela L. n.º 13/2019, de 12.02, é de interpretar no sentido de que a declaração de oposição à renovação pode ter lugar antes de terminado o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento para fins não habitacionais para produzir efeitos na data em que, sem a oposição, o contrato se renovaria, concluindo-se, assim, no caso dos autos, pela validade e eficácia da declaração da locadora de oposição à renovação do contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de cinco anos».
O artigo 1110.º-A do CC, pese embora a sua abrangente epígrafe – «Disposições especiais relativas à denúncia e oposição da renovação pelo senhorio» –, as suas normas apenas se dirigem à denúncia motivada do contrato, e não à oposição (imotivada) de renovação do mesmo para o termo do seu prazo. As normas do citado artigo são completamente omissas em matéria de oposição à renovação, regulando apenas a denúncia pelo senhorio, permitindo-a apenas nos casos previstos nas alíneas b) e c) do artigo 1101.º do CC. Não tendo as epígrafes poder normativo, havendo contradição entre estas e as normas, apenas estas podem prevalecer. A epígrafe em causa será o resultado de um lapso do legislador (assim o expressam também Márcia Passos, «A duração nos contratos de arrendamento com prazo certo», Boletim da Ordem dos Advogados, Set. 2019, pp. 20-22 (22), e Jessica Rodrigues Ferreira, «Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais», Revista Electrónica de Direito, Fev. 2020, n.º 1 (vol. 21), pp. 75-98 (p. 88, nota 29)).
Quer se entenda que as normas do artigo 1110.º-A permitem a denúncia por um dos motivos das alíneas b) e c) do artigo 1101.º do CC também em contratos de arrendamento para fins não habitacionais com prazo certo (como defende Márcia Passos, ob. e loc. cit.), quer se entenda que apenas a permitem em contratos de arrendamento para fins não habitacionais de duração indeterminada (parece ser o entendimento de Jorge Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, 4.ª ed., Almedina, 2022, p. 830), certo é que apenas se aplicam à denúncia motivada a que se reporta o artigo 1101.º, e não também à oposição à renovação.
Vale a pena reproduzir parte das considerações do autor por último citado:
«Se, na epígrafe, se refere a oposição à renovação, elementarmente se imporia que, no texto, se incluíssem a ou as disposições destinadas a estabelecer-lhe a respetiva regulação.
O que se passa é que o CC só tinha disciplinado a demolição, remodelação ou restauro profundos no arrendamento habitacional de duração indeterminada quando essa matéria, onde mais instantemente surge, na prática, é precisamente no arrendamento não habitacional de prazo certo.
Quis o legislador emendar a mão (…) acabando por inserir, no CC, este art. 1110-A, servindo-se, aliás, de uma técnica muito rudimentar (…).
Ficou assim o preceito a omitir qualquer disposição específica deste tipo arrendatício de prazo certo, que é precisamente o único que mais correntemente surge, na prática, e quanto ao qual ainda referiu na epígrafe a oposição à renovação sem que por aí se tenha incluído, no texto, a menor disposição que lhe respeite.»
Aqui chegados, impõe-se concluir que o senhorio podia opor-se à renovação do contrato de arrendamento não habitacional nos termos em que o fez, deixando a requerente de ser arrendatária no final do dia 31/12/2023.
Está, portanto, fortemente indiciado que, em 1 de janeiro de 2024, a requerente, ora recorrida, não era arrendatária, não dispondo de título para possuir o imóvel.
Relembramos que a posse, na noção do artigo 1251.º do CC, é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real. A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por intermédio de outrem (n.º 1 do artigo 1252.º do CC); estando um imóvel arrendado, a posse do proprietário (ou, mais latamente, do senhorio) é exercida por intermédio do arrendatário.
Por força do contrato de arrendamento, o arrendatário possui o imóvel em nome próprio enquanto tal, ou seja, como arrendatário; por força do contrato, e como evidenciam, entre outros, os artigos 1022.º, 1031.º e 1037.º do CC, está legitimado para exercer os poderes materiais sobre a coisa e para defender a sua posse de arrendatário.
Em relação ao direito de propriedade, a posse do arrendatário é precária, exercendo sobre a coisa poderes materiais, mas em nome do senhorio (artigo 1253.º, al. c), do CC). O que se vem de afirmar nos últimos parágrafos está explanado na jurisprudência; exemplificativamente, Ac. TRL de 07/02/2019, proc. 6113/18.5T8ALM-A.L1-2, e Ac. TRE de 28/09/2023, proc. 1253/21.6T8ENT.E1.
Como fundamentadamente acima afirmámos, não se indicia (antes pelo contrário) que, em 2 de janeiro, a requerente, ora recorrida, tivesse a posse, a qualquer título, da arrecadação que tinha sido objeto do extinto contrato de arrendamento. Nessa data, o único possuidor era o legítimo proprietário, que tinha o direito de exercer sobre a coisa os seus direitos de dono, nomeadamente de impedir o acesso à coisa por quem não tinha o direito de lhe aceder, ainda que o tivesse tido dois dias antes.
A restituição provisória de posse é um procedimento cautelar nominado que permite ao possuidor, no caso de esbulho violento, pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência (artigo 377.º do CPC). O artigo subsequente estabelece que, se o juiz reconhecer, pelo exame das provas, que o requerente tinha a posse e foi esbulhado dela violentamente, ordena a restituição, sem citação nem audiência do esbulhador.
Porquanto acima exposto, está fortemente indiciado que a requerente não era possuidora em 2 de janeiro, pelo que, nessa data não foi esbulhada da posse (que não tinha), impondo-se julgar procedente o presente recurso.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a decisão recorrida, julgam improcedente o procedimento cautelar, devolvendo a posse do imóvel ao recorrente, seu proprietário.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 09/05/2024
Higina Castelo
Carlos Castelo Branco
Pedro Martins