Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18819/23.2T8LSB-C.L1-1
Relator: RENATA LINHARES DE CASTRO
Descritores: REMUNERAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
INEXISTÊNCIA DE BENS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A componente fixa da remuneração do administrador da insolvência mostra-se legalmente estipulada no montante de 2.000€ - artigo 23.º, n.º 1 do EAJ -, sendo a mesma paga em duas prestações de igual montante, a primeira aquando da nomeação para o cargo e a segunda decorridos que sejam seis meses, mas nunca depois de encerrado o processo – artigo 29.º, n.º 2 do EAJ.
II. Não obstante a inexistência de bens que pudessem determinar o prosseguimento dos autos para liquidação, tendo o processo sido unicamente encerrado nos termos e para os efeitos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, e não estando ainda decorrido o prazo de seis meses a que se alude no ponto anterior, mostra-se correcto o despacho que determinou o pagamento apenas da primeira prestação da remuneração, a suportar pelo IGFEJ, na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para esse efeito.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as juízas na Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - RELATÓRIO
Apenso A (PEAP):
AAA … veio requerer a abertura de PEAP (processo especial para acordo de pagamento) – artigo 222.º-A e ss. do CIRE -, pretensão que foi deferida por despacho proferido em 15/05/2023.
Por tal despacho foi nomeado como AJP (administradora judicial provisória) a Sra. Dra. B … – artigo 222.º-C, n.º 4 do CIRE -, a qual, em 14/06/2023, apresentou a lista provisória de credores (artigo 222.º-D do CIRE).
Em 20/06/2023, veio a devedora, para além do mais, requerer que “se ponha termo ao processo negocial antecipado” – artigo 222.º-G, n.º 2 do CIRE -, mais requerendo a sua insolvência.
A AJP emitiu parecer nos termos previstos pelo n.º 3 do mesmo artigo 222.º-G, pugnando pelo encerramento do PEAP e declaração de insolvência da devedora.
Por sentença proferida em 13/07/2023, o tribunal a quo decidiu: “(…) declaro encerrado o presente processo especial para acordo de pagamento em virtude das negociações não terem sido concluídas nem ter sido aprovado plano de pagamento. // Declaro cessadas as funções do Administrador Judicial Provisório. //  Custas pelo Requerente com a taxa de justiça reduzida a ¼, nos termos conjugados do artigo 302º, nº 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com o artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil. (…)”. Mais determinou: “Extraia certidão do parecer do Sr. Administrador Judicial Provisório e do requerimento da devedora apresentado em 20.06.2023 e autue como processo de insolvência de pessoa singular, o qual ficará afeto a este Juiz 3. // Criado o processo de insolvência, apense este PEPAP e abra ali conclusão, com informação de processos pendentes.”
Em 09/08/2023, a AJP veio requerer: “o pagamento da sua remuneração, no valor de 2.000 € + IVA, nos termos do art.º 23º, nº1, da Lei nº 22/2013 de 26.02, na redacção dada pela Lei n.º 9/2022 de 11.01, a adiantar pelo IGFEJ e, consequentemente, a suportar pela devedora aquando do pagamento das custas”.
Dos autos de insolvência:
Distribuída e autuada (como processo de insolvência) a certidão mandada extrair por despacho de 13/07/2023, por sentença proferida em 16/08/2023, foi declarada a insolvência da devedora, requerente do PEAP.
Mais se nomeou como AI (administradora da Insolvência) a então AJP, a qual, em 17/08/2023 veio comunicar aos autos a aceitação da sua nomeação e solicitar “a fixação da remuneração e provisão para despesas, no valor de 2.000 € + IVA e 204,00 €, respetivamente, nos termos do art. 23º, nº1, da Lei nº 9/2022.
Em 29/09/2023, a AI apresentou o relatório a que alude o artigo 155.º do CIRE, no qual pugnou pelo encerramento do processo por insuficiência da massa – artigo 230.º, n.º 1, al. d), do CIRE.
Por despacho de 30/11/2023 (Ref.ª/Citius 430668656), foi o pedido de exoneração do passivo restante liminarmente admitido e, para além do mais: a) foi a AI nomeada fiduciária; b) declarado encerrado o processo nos termos previstos pela al. e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE; e c) fixada a remuneração da AI.
Quanto ao encerramento do processo, consignou-se:
“A Administradora de Insolvência fez constar do relatório a que alude o artigo 155.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que inexistem quaisquer bens ou direitos suscetíveis de apreensão para a massa insolvente e liquidação. // Estabelece o artigo 232.º, n.ºs 1 e 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que, verificando o administrador da insolvência que a massa insolvente é insuficiente para a satisfação das custas do processo e das restantes dívidas da massa insolvente, dá conhecimento desse facto ao juiz e este, ouvidos o devedor, a assembleia de credores e os credores da massa insolvente, declara encerrado o processo, salvo se algum interessado depositar à ordem do tribunal o montante determinado pelo juiz segundo o que razoavelmente entenda necessário para garantir o pagamento das custas do processo e restantes dívidas da massa insolvente. // Por sua vez, o n.º 6 de tal disposição prevê que o encerramento dos autos por insuficiência da massa insolvente não é aplicável quando o devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do n.º 1, do artigo 248.º, durante a vigência do benefício. // Uma vez que devedor que apresente pedido de exoneração do passivo restante beneficia do diferimento do pagamento das custas até à decisão final desse pedido, na parte em que a massa insolvente e o seu rendimento disponível, durante o período da cessão, sejam insuficientes para o respetivo pagamento integral, o mesmo se aplicando à obrigação de reembolso ao IGFEJ das remunerações e despesas do administrador da insolvência e fiduciário que o instituto tenha suportado, não pode haver lugar ao encerramento do processo por insuficiência da massa. // Assim, declaro encerrado o presente processo de insolvência por impossibilidade de prosseguimento da liquidação, e para prosseguimento de exoneração do passivo restante nos termos do disposto no artigo 230.º, n.º 1, alínea e) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // Notifique, publicite e registe de acordo com o previsto no artigo 230.º, n.º 2 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, advertindo de que se trata de um encerramento limitado aos efeitos típicos do regime da exoneração do passivo restante. (…)”.
Já quanto à remuneração da AI, pode ler-se no despacho:
“Nos termos conjugados do disposto nos artigos 60.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e artigos 23.º, n.º 1, 29.º, n.º 1 e 30.º, n.º 3 do Estatuto do Administrador da Insolvência, a Sr. Administrador da Insolvência tem direito ao pagamento da primeira prestação da remuneração fixa legalmente fixada, a suportar pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para esse efeito.”
Em 21/12/2023, a AI apresentou o seguinte requerimento:
(…) tendo sido notificada da decisão de encerramento que antecede vem, muito respeitosamente, junto de V. Excelência, expor e requerer o seguinte: // 1- O douto despacho não faz qualquer referência aos honorários devidos à signatária no âmbito do PEAP prévio aos autos de Insolvência. Com efeito, // 2- No âmbito do PEAP, é devido o pagamento da remuneração da Requerente, no valor de 2.000 € + IVA, a adiantar pelo IGFEJ, nos termos do artigo 222º-C nº 6 do CIRE e artigos 23º nº 1 e 29º nº 2 do Estatuto do Administrador Judicial, conforme já solicitado por requerimento junto aos autos em 09-08-2023, com a referência 36738657, sendo certo que o despacho antecedente não faz qualquer referência a esse pagamento devido. Mais, // 3- No âmbito do processo de insolvência, a remuneração fixa devida à Requerente, nos termos do art. 23º, nº1, da Lei nº 9/2022, é de 2.000 € + IVA, conforme já solicitado a 17/08/2023 conforme requerimento com a referência 36780288. Na verdade, // 4- Aquela remuneração resulta da Lei, e não está dependente de qualquer lapso temporal ou da efetiva prática de atos por parte da Requerente. (…) // 6- Assim, impõe-se que o despacho ora proferido tome posição acerca dos requerimentos ajuizados pela signatária, conferindo-lhe, como é de Justiça, o direito às remunerações vencidas.”
E, em 27/12/2023, veio a mesma AI interpor RECURSO do despacho proferido em 30/11/2023, quanto ao segmento que fixou a remuneração fixa, tendo formulado as seguintes conclusões.
“A- A Remuneração devida à A.I. recorrente encontra-se fixada no n.º 1 do art.º 23 do E.A.J., atualmente € 2.000,00.
B- A remuneração do Administrador Judicial é assim legalmente determinada, em valor fixo e não está dependente de qualquer pedido pelo que, não pode o Tribunal a quo reduzi-la, salvo nos casos de substituição do Administrador, o que não sucede nos presentes autos.
C- No caso dos autos, em frontal violação das normas supra referidas, o Tribunal a quo decidiu reduzir a remuneração a € 1.000,00, fundamentando essa decisão no facto dos autos terem encerrado antes de decorrido tal prazo. Todavia,
D- Tamanho entendimento não encontra na letra da lei o mínimo de correspondência, uma vez que, o Tribunal a quo não dispõe de qualquer poder para reduzir um montante legalmente determinado.
E- Mais é a Recorrente credora da quantia de € 2.000,00 + I.V.A. vencida no âmbito do P.E.A.P., sendo que, o Despacho em crise é completamente omisso relativamente a este pagamento. Ora,
F- Não pode a Recorrente ser confrontada com a impossibilidade de exigir a remuneração que lhe é devida porquanto, no momento próprio o Tribunal a quo não tomou posição. Assim,
G- Deverá ser reconhecido o direito à remuneração de € 2.000,00 + I.V.A. vencida no âmbito do P.E.A.P. a ser suportada pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para esse efeito.
H- O Legislador não deixou margem para qualquer interpretação por parte do aplicador, isto é, o quantum da remuneração não é matéria sobre o Tribunal a quo seja chamado a deliberar, pelo contrário,
I- Duvidas não existem que é devida à Recorrente a totalidade da remuneração prevista na Lei, bem como, a remuneração vencida no âmbito do P.E.A.P., pelo que, nesta parte deverá a Sentença Recorrida ser revogada e subsituída por outra que determine o pagamento à Recorrente da totalidade das remunerações legalmente fixadas, assim se fazendo a tão costumada JUSTIÇA.”
Não consta que tenha sido apresentada Resposta.
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O recurso foi admitido em 22/01/2024, como sendo de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos.
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II. OBJECTO DO RECURSO
Como se entende de forma uniforme, será pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º do CPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, nº 2, ex vi do artigo 663.º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
No caso, importa decidir:
- Da remuneração devida à apelante enquanto AJP (no âmbito do PEAP),
- Da remuneração fixa devida à apelante enquanto AI (no âmbito da insolvência).
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III. FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Para além das incidências fáctico-processuais que decorrem do relatório supra (que por brevidade aqui se dão por integralmente reproduzidas), importa ainda atender:
Em 22/01/2024 (no processo principal), o tribunal recorrido determinou: “Requerimento de 21.12.2023: // De acordo com o disposto no artigo 222.º-C, n.º s 6 e 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do Administrador Judicial Provisório no âmbito do processo especial para acordo de pagamento é ficada pelo juiz e constitui, juntamente com as despesas em que incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo devedor, sendo o IGFEJ responsável pelo seu pagamento apenas no caso de o devedor beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo. // Caso o devedor venha a ser declarado insolvente na sequência da não homologação de um acordo de pagamento, a remuneração do Administrador Judicial Provisório e as despesas em que tenha incorrido, que não sejam pagas, constituem créditos da insolvência. // Analisado o PEPAP que foi junto a estes autos como Apenso A, verifica-se não ter sido ali fixada a remuneração devida à Sra. Administradora Judicial Provisório. // Assim, abra conclusão para o efeito naquele apenso.”
Por despacho de 29/01/2024 (proferido no apenso A), o tribunal a quo decidiu:
“(…) Estamos perante um processo que durou cerca de 2 meses, não foi apresentado qualquer plano ou acordo de pagamento, desconhecendo-se se as negociações chegaram efetivamente a iniciar-se com os credores. Donde, as funções desempenhadas pela Sra. Administradora Judicial Provisória tiveram lugar num curto período de tempo e revelaram-se de grande simplicidade.
Face ao exposto, fixo a remuneração devida à Sra. Administradora Judicial Provisória em € 1.000,00 (mil euros), acrescida de IVA.
O pagamento da remuneração devida à Sra. Administradora Judicial Provisória constitui, juntamente com as despesas em que incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo devedor, sendo o IGFEJ responsável pelo seu pagamento apenas no caso de o devedor beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que não é o caso dos autos.
Uma vez que a devedora veio a ser declarada insolvente, a remuneração e despesas que não sejam pagas constituem créditos sobre a insolvência, nos termos do artigo 222.º-C, n.º 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.”
Deste despacho foram notificados a apelante e o respectivo mandatário (Ref.ªs/Citius 432517084 e 432517085, notificações certificadas de 31/01/2024).
Por despacho de 03/02/2024 (no mesmo apenso), o tribunal a quo decidiu:
“Verifica-se agora que o despacho antecedente padece de erro material que cumpre retificar, nos termos do artigo 614.º do Código de Processo Civil, razão pela qual se dá o mesmo sem efeito e se determina a sua substituição pelo que agora se profere. // De acordo com o disposto no artigo 222.º-C, n.º 6 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do Administrador Judicial Provisório no âmbito do processo especial para acordo de pagamento é fixada pelo juiz. // Por sua vez, o artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial confere ao Administrador Judicial Provisório uma remuneração fixa no valor de € 2.000,00, e uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor. // No caso dos autos, inexistiu qualquer recuperação da devedora, razão pela qual não há lugar ao pagamento de remuneração variável. // Tendo já decorrido mais de 6 meses desde a nomeação da Sra. Administradora Judicial Provisória, mostram-se vencidas as duas prestações da remuneração fixa, conforme o previsto no artigo 29.º, n.º 2 do EAJ. // Desta feita, fixo à Sra. Administradora Judicial Provisória a remuneração fixa já vencida, no valor € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida de IVA. // O pagamento da remuneração devida à Sra. Administradora Judicial Provisória constitui, juntamente com as despesas em que incorra no exercício das suas funções, um encargo compreendido nas custas do processo, que é suportado pelo devedor, sendo o IGFEJ responsável pelo seu pagamento apenas no caso de o devedor beneficiar de proteção jurídica na modalidade da dispensa do pagamento da taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que não é o caso dos autos. // Uma vez que a devedora veio a ser declarada insolvente, a remuneração e despesas que não sejam pagas constituem créditos sobre a insolvência, nos termos do artigo 222.º-C, n.º 7 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. // Notifique.”
Deste despacho foram notificados a apelante e o respectivo mandatário (Ref.ªs/Citius 432629969 e 432629971, notificações certificadas de 05/02/2024).
Em 29/02/2024, foi aposto visto em correcção no apenso A (Ref.ª/Citius 433413021). 
Em 13/02/2024 (no processo principal), a AI veio indicar as peças processuais com as quais pretendia que o presente recurso fosse instruído, mais tendo alegado:
“(…) o despacho proferido após a interposição do Recurso, designadamente no Apenso A, deverá igualmente subir com o presente Recurso, porquanto, está relacionado com o objeto do Recurso, designadamente no que à Remuneração devida à recorrente no âmbito do P.E.A.P. Com efeito, não obstante, de tal despacho resultar a fixação de remuneração à Administradora de Insolvência, certo é que, daquele despacho não resulta qualquer garantia do seu efetivo recebimento, pelo que, se mantém a pertinência na apreciação do Recurso nesta parte.
Na verdade, quanto à remuneração e à garantia da sua satisfação importa considerar que a investidura no cargo, o seu exercício, e as competências em que os Administradores são delimitadas e atribuídas pelo Estado através da lei e do poder jurisdicional que a aplica. É neste quadro que se impõe compreender o direito dos AJ à remuneração.
Ora, o regime a que os Administradores estão legalmente sujeitos, a sua vinculação à aceitação, exercício e cumprimento do cargo para o qual são nomeados, e a imprescindibilidade dessa nomeação e do exercício do cargo à tramitação e cumprimento processual e material de procedimentos e de tutela jurisdicionais e, assim, à administração da justiça, pressupõe e impõe que o reconhecimento do direito à remuneração seja acompanhado de regime legal que garanta a sua satisfação. // Isto quer dizer que o Estado que nomeia o AJ tem de garantir a efetividade dessa remuneração, designadamente através do IGFEJ, ainda que, como é sabido, a responsabilidade pelas custas seja da parte. // Fazendo depender essa remuneração do insolvente pagar, é “condenar” a generalidade dos A.I. que desempenham funções no âmbito dos P.E.A.P. a não serem retribuídos pelo seu trabalho, e, ao mesmo tempo, a desrenponsabilizar o Estado que, em primeira linha nomeou o A.I.. // No art.º 17º-F foi mantido que “Compete à empresa suportar as custas do processo de homologação”. // Da conjugação das normas citadas resulta que, o sujeito passivo da responsabilidade pelo pagamento da remuneração do AJ é o devedor insolvente e o devedor requerente do PER/PEAP. Ora, a considerar-se única e exclusivamente o facto de o devedor corresponder ao sujeito responsável pelo pagamento da remuneração do AJ, na ausência de pagamento voluntário da remuneração no PER (assim como no PEAP e no processo de insolvência encerrado com fundamento em homologação de plano de recuperação), o administrador judicial não teria qualquer garantia de pagamento da remuneração e despesas e, em ultima linha, na ausência de património penhorável do devedor, não teria como satisfazer o direito à remuneração que lhe é legalmente atribuída pelo exercício do cargo para o qual, e por imperativo legal, foi nomeado pelo tribunal. // Assim, assistir-se-ia à incongruência do AJ desempenhar funções públicas, ter sido para tal nomeado pelo Estado e, no final de contas ficaria sem receber porque o Estado que o nomeia não lhe assegura a garantia de recebimento. // Com efeito, o nº 2 do art.º 29º estabelece o momento do vencimento e os termos do pagamento da remuneração fixa do AI – é paga em duas prestações, a primeira vence na data da nomeação do AI e a segunda seis meses após a nomeação. Em conjugação com os nº 7 e 10, prevê a lei que nas datas de vencimento de cada uma das duas prestações da remuneração são retiradas da massa insolvente para pagamento ao AI (art.ºs 224º e ss. do CIRE), pelo próprio AI se a administração estiver a seu cargo. // Da expressa previsão legal do imediato pagamento da provisão pelo IGFEJ para suprir a inicial ausência de liquidez da massa insolvente para o efeito, a contrastar com a ausência de previsão nesse sentido para as prestações da remuneração fixa, parece resultar que o legislador consente na possibilidade de o pagamento destas não ocorrer na data do seu vencimento. // Porém, a nosso ver, não se encontra afastada a possibilidade de esse pagamento ser feito pelo IGFEJ pois, conforme prevê o art.º 30º, nº 1 do EAJ, constatando-se ab initio (art. 39º do CIRE) ou no decurso do cumprimento da sentença de declaração da insolvência (art.º 232º do CIRE) ausência definitiva de massa insolvente para o efeito, aqueles valores são suportados pelo IGFEJ.”
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como resulta do relatório, tendo sido inicialmente requerido e instaurado um PEAP (processo instituído pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30/06, que levou à alteração do CIRE por aditamento dos artigos 222.º-A e ss.), do mesmo veio a devedora/requerente desistir, por considerar encontrar-se em situação de insolvência.
Nessa sequência, foi autuado o competente processo de insolvência, ao qual se reporta o presente recurso, sendo que, em ambos os processos, o cargo de AJP (no PEAP) e de AI e, depois, de fiduciária (no processo insolvencial) foram desempenhados pela aqui apelante.
Trata-se de cargos de natureza pública, cuja nomeação, em regra, é efectuada pelo juiz (no âmbito do processo em causa e tendo subjacente uma lista oficial na qual os mesmos se encontram inscritos), e para cujo desempenho se mostra instituído o direito à remuneração e ao reembolso das despesas em que incorram, nos moldes consignados nos artigos 60.º, n.º 1 (para o AI) e 222.º-C, n.º 6 (para o AJP nomeado em PEAP), ambos do CIRE, com as particularidades do processo no âmbito do qual a nomeação ocorre.
A matéria atinente à remuneração vem regulada no EAJ (Estatuto do Administrador Judicial, o qual foi aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/02 e posteriormente alterado pela Lei n.º 9/2022, de 11/01), designadamente nos seus artigos 22.º e ss.
Segundo o n.º 1 do artigo 23.º do EAJ, “O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro)”, acrescentando o seu n.º 4 que “Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: (…)”
Incumbindo obrigatoriamente ao tribunal fixar a remuneração do administrador judicial (AJP ou AI) sempre terá que o fazer segundo as regras previamente estabelecidas para tanto (designadamente no previsto no EAJ quanto à sua fixação, pagamento e limites).
No caso está apenas em discussão a componente fixa dessa remuneração.
Da remuneração devida à apelante no âmbito do PEAP (enquanto AJP)
A apelante insurgiu-se contra o despacho recorrido por o mesmo ser omisso quanto a esta questão.
Sucede que, já após a interposição do recurso, o tribunal a quo veio a colmatar tal omissão, fixando a peticionada remuneração no valor de 2.000€, acrescidos de IVA - despachos de 29/01/2024 e de 03/02/2024 (ambos proferidos no apenso A).  
Mais decidiu que a mesma traduz um encargo da responsabilidade da devedora (e não do IGFEJ), bem como que, caso não seja paga essa remuneração, passa a mesma a constituir crédito sobre a insolvência.
Deste despacho a apelante não recorreu[1], pelo que o mesmo transitou em julgado – cfr. artigos 619.º, n.º 1, 628.º e 638.º, n.º 1 do CPC, bem como artigos 9.º e 17.º do CIRE -, ficando definitivamente decidida a questão elencada no ponto 1 do objecto deste recurso.
Como tal, não poderá esta instância dela conhecer.
Da remuneração devida à apelante no processo de insolvência (enquanto AI)
O despacho recorrido, como no mesmo se pode ler, pronuncia-se expressamente sobre a remuneração da apelante enquanto AI e, invocando o artigo 60.º, n.º 1 do CIRE e os artigos 23.º, n.º 1, 29.º, n.º 1 e 30.º, n.º 3 do EAJ, considerou que a mesma tem direito “ao pagamento da primeira prestação da remuneração fixa legalmente fixada, a suportar pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, IP, na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para esse efeito.
É indiscutível que o montante fixado pelo legislador como correspondendo à remuneração fixa do AI ascende a 2.000€.
Já no que respeita ao seu pagamento, decorre do n.º 1 do artigo 29.º do EAJ que a regra é a remuneração do AI constituir encargo da massa insolvente, “salvo o disposto no artigo seguinte”. Ora, consta do n.º 3 do artigo 30.º (citado no despacho recorrido) que, no caso de o “devedor beneficiar do diferimento do pagamento das custas, nos termos do n.º 1 do artigo 248.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o pagamento da remuneração e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo referido no n.º 1, na medida em que a massa insolvente seja insuficiente para esse efeito.[2]. O presente caso enquadra-se nesta última previsão legal. 
Por seu turno, no n.º 2 do citado artigo 29.º, refere-se que “A remuneração prevista no n.º 1 do artigo 23.º é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data do encerramento do processo.
Em face do disposto nestas normas, vencendo-se a primeira prestação da remuneração na data da nomeação (no caso, ocorrida em 16/08/2023) e a segunda no prazo de seis meses após a data dessa mesma nomeação (período ainda não decorrido, uma vez que o despacho recorrido foi proferido em 30/11/2023), e considerando que o processo não se mostra ainda encerrado (o encerramento foi declarado nos termos e para os efeitos previstos na al. e) do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, ou seja, unicamente para efeitos de início do período da cessão no incidente de exoneração do passivo restante), não se mostra censurável o decido pela 1.ª instância.
Aliás, o despacho recorrido refere-se expressamente ao pagamento da 1.ª prestação. Ao contrário do defendido pela apelante, o tribunal a quo não reduziu a remuneração que à mesma é devida, assim como não decidiu que a mesma apenas teria direito a ser paga pela primeira prestação.
Simplesmente, à data da prolação do despacho recorrido, ainda não se tinha vencido a segunda prestação que integra a componente remuneratória fixa.
Por fim, dir-se-á, que, considerando a ausência de bens e o constante do n.º 3 do artigo 30.º do EAJ, bem andou a mesma instância em determinar que o pagamento da primeira prestação remuneratória ficasse a cargo do IGFEJ.
Findo o período da cessão, averiguar-se-á, pois, se a massa insolvente é ou não suficiente para suportar o encargo referente à remuneração total da AI, sendo incontornável que, o não sendo, terá a mesma que ser integralmente suportada pelo Estado (ambas as prestações são devidas ao AI, que delas não pode ser privado, razão pela qual a remuneração fixa de 2.000€ sequer carece de ser peticionada ou justificada. Porém, o legislador estipulou igualmente o momento do seu pagamento).
Termos em que terá a pretensão da apelante de improceder.
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IV- DECISÃO
Perante o exposto, acordam as Juízas desta Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em:
a) Não conhecer do recurso no segmento referente à fixação da remuneração da apelante no âmbito do PEAP, o qual ficou prejudicado nos moldes supra defendidos;
b) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a apelação, quanto ao segmento respeitante à fixação da remuneração da apelante no âmbito do processo de insolvência, mantendo-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante, na proporção de metade.

Lisboa, 07 de Maio de 2024
Renata Linhares de Castro
Isabel Maria Brás Fonseca
Manuela Espadaneira Lopes
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[1] A tal conclusão não obsta a apresentação do requerimento de 13/02/2024 (através do qual a apelante indicou quais as peças processuais que deveriam instruir o recurso). Com efeito, em tal requerimento, a apelante limita-se a invocar que, do despacho entretanto proferido pelo tribunal recorrido (que fixou a sua remuneração no âmbito do PEAP), “não resulta qualquer garantia do seu efetivo recebimento”. Mas dele não recorreu.
[2] O n.º 1 do referido artigo 30.º do EAJ, prescreve: “Nas situações previstas nos artigos 39.º e 232.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça.