Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
313/19.8T8FNC.L1-8
Relator: CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS
Descritores: FALECIMENTO DE PARTE
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
HABILITAÇÃO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Cabe ao autor sobrevivo, principal interessado no andamento dos autos, deduzir o incidente de habilitação de herdeiros no prazo de seis meses subsequente à suspensão da instância por óbito de outra parte, sob pena de deserção da instância.
II Decorrendo o período de seis meses sem que a parte onerada com tal ónus deduza o incidente de habilitação de herdeiros, e sem que tenha informado o Tribunal de algum obstáctulo ao cumprimento desse ónus e solicitado a intervenção do Tribunal nos termos previstos no art.º 7º nº4 do CPC, verificam-se objetivamente os pressupostos da deserção da instância: a paragem do processo por inércia da parte; por período superior a seis meses.
III. E pode ser declarada tal deserção da instância, sem necessidade de qualquer prévia notificação à parte.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório:
1. A, melhor identificado nos autos, veio intentar contra B E C, D E E, F, G, E H E I, todos melhor identificados nos autos, ACÇÃO ESPECIAL PARA DIVISÃO DE COISA COMUM, formulando o seguinte pedido:
“TERMOS EM QUE,
1) Requer a Vossa Excia que se digne mandar citar os RR para contestar, querendo, no prazo legal, sob pena de se proceder à divisão, adjudicação ou à venda do prédio, de acordo com os referidos artigos 925 º a 929 º do CPC.
2) Deve igualmente ser tido em conta o crédito a favor do Autor no montante de vinte mil euros, seguindo-se os ulteriores termos até final.”
2. Foi determinada a citação dos RR – despacho com referência 48131287.
3. Em 08.02.2023 foi junto aos autos ofício do Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo, anexando Certidão de Óbito nº. 9/2023 do Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo em nome de H e Certidão de Óbito nº. 205/2020 do Consulado Geral de Portugal em Joanesburgo em nome de I.
4. Em 13.02.2023, B veio informar que H faleceu no estado de viúvo de I, com quem foi casado em primeiras e únicas núpcias de ambos no regime de comunhão geral, juntando cópia de assento de nascimento de H
5. Em 14.02.2023 o autor apresentou o seguinte requerimento:
A, Requerente nos autos à margem referenciados, notificados do requerimento apresentado pelo Requerido B, Procurador do falecido H, vem requerer a Vossa Excia que o mesmo seja notificado para juntar aos autos escritura ou procedimento de habilitação de herdeiros, para efeitos de habilitação dos herdeiros com vista ao prosseguimento do presente processo”.
6. Em 27.03.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Consigno que o presente despacho faz parte integrante da conclusão que antecede, gerada automaticamente pelo CITIUS, com a ref.: 53335105, e que é assinado eletronicamente na data supra identificada.
**
Ref.: 5097961
Encontram-se juntas aos autos a certidão de assento de óbito dos requeridos H e I, que faleceram respetivamente em 11.10.2022 e 28.05.2020.
Assim sendo, declaro suspensa a instância, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 270.º do Código de Processo Civil, até à notificação da decisão que considere habilitados os sucessores dos falecidos, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art.º 269.º do mesmo diploma legal.
*
Notifique o requerente para os termos previstos no n.º 1 do art.º 351.º do Código de Processo Civil, com expressa advertência dos termos e efeitos previstos no n.º 1 do art.º 281.º do mesmo diploma legal.
Mais, e sem prejuízo do supra determinado, ao abrigo do princípio da cooperação, notifique o requerido B para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos autos a escritura de habilitação de herdeiros ou prestar as informações que se afigurem necessárias para os fins supra determinados.
Notifique.”
7. Em 17.04.2023 B apresentou requerimento (que notificou eletronicamente à mandatária do autor) no qual informa que H e I faleceram intestados e sem qualquer disposição por morte, foram casados em primeiras e únicas núpcias de ambos sob o regime da comunhão geral, tendo deixado como únicos herdeiros dois filhos, J casado com L, residente em Gauteng, South Africa, e M, casada com N, residente em Gauteng, South Africa, e juntou certidões de nascimento dos identificados filhos.
8. Em 09.05.2023, o autor apresentou o seguinte requerimento:
A, Requerente nos autos à margem referenciados, notificado do requerimento apresentado pelo requerido, vem requerer a Vossa Excia que se digne mandar notificar o mesmo para juntar cópia da escritura de habilitação de herdeiros, para que dessa forma possam os herdeiros identificados no aludido requerimento, ser habilitados para prosseguirem o processo no lugar dos falecidos.
Pede e espera de Vossa Excia deferimento.”
9. Em 22.06.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Consigno que o presente despacho faz parte integrante da conclusão que antecede, gerada automaticamente pelo CITIUS, com a ref.: 53751798, e que é assinado eletronicamente na data supra identificada.
**
Convido o requerente a, no prazo de 10 (dez) dias, aperfeiçoar o requerimento apresentado, caso a pretensão seja de deduzir o incidente previsto no art.º 351.º do Código de Processo Civil, alegando factos e deduzindo um pedido concreto, bem como, deverá juntar prova (certidão da escritura de habilitação de herdeiros e/ou certidões de assento de nascimento dos sucessíveis) tendo em vista a procedência da sua pretensão.
Por outro lado, deverá o requerente liquidar previamente a taxa de justiça correspondente ao incidente.
Notifique.”
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10. Em 19.10.2023 foi proferido o seguinte despacho:
“Compulsados os presentes autos, constata-se que:
- em 27/03/2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Encontram-se juntas aos autos a certidão de assento de óbito dos requeridos H e I, que faleceram respetivamente em 11.10.2022 e 28.05.2020.
Assim sendo, declaro suspensa a instância, em conformidade com o disposto no n.º 1 do art.º 270.º do Código de Processo Civil, até à notificação da decisão que considere habilitados os sucessores dos falecidos, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art.º 269.º do mesmo diploma legal.
*
Notifique o requerente para os termos previstos no n.º 1 do art.º 351.º do Código de Processo Civil, com expressa advertência dos termos e efeitos previstos no n.º 1 do art.º 281.º do mesmo diploma legal.
Mais, e sem prejuízo do supra determinado, ao abrigo do princípio da cooperação, notifique o requerido B para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos autos a escritura de habilitação de herdeiros ou prestar as informações que se afigurem necessárias para os fins supra determinados.
Notifique.”;
- Em 14/07/2023, o requerido B respondeu à notificação que lhe foi dirigida;
- em 09/05/2023, o requerente A apresentou requerimento com o seguinte teor:
A, Requerente nos autos à margem referenciados, notificado do requerimento apresentado pelo requerido, vem requerer a Vossa Excia que se digne mandar notificar o mesmo para juntar cópia da escritura de habilitação de herdeiros, para que dessa forma possam os herdeiros identificados no aludido requerimento, ser habilitados para prosseguirem o processo no lugar dos falecidos.”;
- em 22/06/2023, foi proferido despacho com o seguinte teor:
“Convido o requerente a, no prazo de 10 (dez) dias, aperfeiçoar o requerimento apresentado, caso a pretensão seja de deduzir o incidente previsto no art.º 351.º do Código de Processo Civil, alegando factos e deduzindo um pedido concreto, bem como, deverá juntar prova (certidão da escritura de habilitação de herdeiros e/ou certidões de assento de nascimento dos sucessíveis) tendo em vista a procedência da sua pretensão.
Por outro lado, deverá o requerente liquidar previamente a taxa de justiça correspondente ao incidente.
Notifique.”;
- na presente data, o requerente não apresentou incidente de habilitação de herdeiros subsequente ao óbito dos requeridos H e I.
Pelo sobredito histórico se conclui que os autos estão suspensos, há mais de seis meses, por negligência do requerente, mais concretamente pela circunstância de não ter deduzido o competente incidente de habilitação de herdeiros, pese embora expressamente advertido para a consequente deserção da instância.
Pelo exposto, declaro a instância deserta e, por conseguinte, extinta, nos termos do disposto no artigo 281.º, n.º 1 e 277.º, alínea c), ambos do Código de Processo Civil.
Custas a cargo do requerente (artigo 527.º, n.º 1 do supracitado diploma legal).
Notifique.”
***
11. Inconformado com tal despacho, o autor veio apresentar recurso de apelação cujas alegações contêm as seguintes conclusões:
“I. Pela douta sentença ora recorrida, datada de 19-10-2023, foi decidida a extinção da instância, por deserção, considerando que em 23 de Março de 2023 havia sido proferido despacho de suspensão da instância em virtude do óbito dos requeridos H e I.
II. Os autos não estiveram parados, sem qualquer impulso dos Recorrentes desde aquela data (23-03-2023), inclusive, por requerimento datado de 17 de Abril de 2023, veio o requerido, também representante legal dos falecidos indicar quem eram os seus legítimos herdeiros, razão pela qual os aqui Recorrentes requereram ao Tribunal, através de requerimento datado de 09 de Maio de 2023 (Ref. 5234321), que se dignasse mandar notificar o requerido para juntar escritura de habilitação de herdeiros ou as certidões de nascimento.
III. Ao contrário do que consta da sentença recorrida, o Requerido B não respondeu à notificação que lhe foi dirigida em 14-07-2023, mas sim em 17-04-2023 (Ref. 5203103), e na sequência deste requerimento, os Recorrentes apresentaram o seu requerimento datado de 09-05-2023, ou seja deram um impulso no processo em virtude de já se encontrarem indicados nos autos os sucessíveis dos requeridos primitivos.
IV. A verdade é que à data de 22-06-2023 já se encontravam indicados nos autos quem eram os sucessíveis dos requeridos primitivos, relacionados que foram pelo requerido B, também aqui requerido, devendo este juntar o documento que comprovasse a sua alegação, não incumbido aos requerentes fazê-lo, dado que o requerido tinha o feito por sua iniciava em 17 de Abril de 2023, após as partes haverem sido notificadas para esse efeito por despacho datado de 27-03-2023 (ref. 53364381).
V. O Tribunal a quo não se pronunciou a respeito do teor do requerimento que os requerentes apresentaram em 09-05-2023, na sequência da junção pelo Requerido B do requerimento a indicar os sucessíveis legítimos dos falecidos H e I, no qual pugnavam pela junção do respectivo documento comprovativo da habilitação operada nos autos.
VI. Em suma, o último despacho que consta dos autos data de 22 de Junho de 2023, o que significa que à data da prolação da douta sentença ora recorrida, ainda não haviam decorridos seis meses desde a notificação do referido despacho, que só aconteceu em 29-06-2023.
VII. A par do facto, de que os autos não aguardam o incidente de habilitação, pois que já se mostram identificados no processo, através do requerimento datado de 17-04-2023, os sucessíveis legítimos dos falecidos  H e I, incumbindo ao requerido juntar prova dos factos que alegou, cuja falta os requerentes assinalaram ao Tribunal a quo em 09-05-2023.
VIII. A douta sentença recorrida, em suma, viola os artigos 3 º, 248 º n º 1 e 281º n º 1 do CPC.
Nestes termos e nos mais de Direito, pugna- se pela efectiva procedência do presente recurso, devendo ser revogada a douta Sentença recorrida, e, como tal, determinada a efectiva prossecução dos presentes autos, de modo a se fazer a acostumada JUSTIÇA.”
12. Não foram apresentadas contra-alegações.
13. Por despacho de 10.01.2024, o recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Objeto do recurso:
Considerando o teor das alegações de recurso apresentadas pelo recorrente, a questão a apreciar e decidir é a seguinte:
Aferir se se verificam no caso dos autos os pressupostos legais da deserção da instância.
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Fundamentação de facto:
Os factos provados relevantes para a apreciação do recurso são os que constam no relatório.      
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Fundamentação de Direito:
Dispõe o art.º 281º do CPC que:
“1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.”
A deserção é uma forma de extinção da instância que ocorre quando o processo esteja parado por mais de seis meses por inércia da parte que tenha o ónus de promover o andamento do processo.
Um dos casos típicos de paragem do processo que fica a aguardar o impulso da parte é exatamente o caso de suspensão da instância por virtude de óbito de outra parte, atenta a necessidade de dedução de incidente de habilitação de herdeiros.
Efetivamente, nos termos previstos no art.º 269 nº 1 al. a) do CPC, a instância suspende-se quando falecer ou extinguir alguma das partes, sem prejuízo do disposto no art.º 162º do Código das Sociedades Comerciais.
Tal suspensão cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida ou extinta – art.º 276 nº 1 al. a) do CPC.
O incidente de habilitação de herdeiros pode ser promovido por qualquer uma das partes sobrevivas ou pelos sucessores da parte falecida – art.º 351 nº1 do CPC.
A própria lei evidencia, pois, qual é a atuação processual necessária para o prosseguimento do processo: a dedução do incidente de habilitação de herdeiros.  A este respeito dizem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo pimenta, e Luís Filipe Pires de Sousa em Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 3º edição, pág. 366, na anotação 6 ao art.º 281º (por referência aos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes): “Como resulta claro do art.º 269 nº1 al a), a partir de então, passa a recair sobre a parte o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como o revelam os artigos 276 nº1 al a) e 351º b (sobre a aplicação em caso de óbito de autor coligado, cf. Ac. do Trib Const. Nº 604/2018)). Ora, a não ser que a parte revele dificuldades na identificação daqueles ou na obtenção da necessária documentação, dentro do referido prazo de 6 meses ou de outro prazo que resulte de alguma prorrogação, verificar-se-á uma situação de inércia a si imputável, nos termos do nº3, com efeitos na deserção da instância (…)”.
E tal situação de inércia é objetiva, decorrendo do próprio processo.
Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ de 05.05.2022, proferido no Proc. 1652/16.5T8PNF.P1.S1  cujo sumário se passa a transcrever:
“I. Declarada a suspensão da instância por óbito de uma das partes passa a recair sobre a parte ou os sucessores da parte falecida, o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre dos art.º 276º/1 a) e art.º 351º CPC e ainda, art.º 3º/1 e art.º 5º CPC.
II. Nestas circunstâncias não cumpre ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista formular um juízo sobre a razão da inércia, por não resultar da lei a realização de tal diligência.
III. A negligência será avaliada em função dos elementos objetivos que resultarem do processo. Recai sobre a parte o ónus de informar o tribunal sobre algum obstáculo que possa surgir.
IV. A declaração de deserção, nos termos do art.º 281º/1 CPC, constitui uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo.”
Nestas circunstâncias, cabe ao autor sobrevivo, principal interessado no andamento dos autos, deduzir o incidente de habilitação de herdeiros no prazo de seis meses subsequente à suspensão da instância por óbito de outra parte, sob pena de deserção da instância.
Pode, contudo, a parte onerada com esse ónus de dedução do incidente de habilitação de herdeiros carecer da colaboração do Tribunal para poder cumprir o seu ónus (designadamente para apurar os sucessores da parte falecida ou para conseguir a documentação de suporte), nos termos previstos no art.º 7º nº 4 do CPC, cabendo-lhe então dirigir ao Tribunal, em tempo útil, tal pedido de cooperação.
Decorrendo o período de seis meses sem que a parte onerada com tal ónus deduza o incidente de habilitação de herdeiros e sem que tenha informado o Tribunal de algum obstáculos ao cumprimento desse ónus e solicitado a intervenção do Tribunal nos termos previstos no art.º 7º nº4 do CPC, verificam-se objetivamente os pressupostos da deserção da instância: a paragem do processo por inércia da parte; por período superior a seis meses.
E pode ser declarada tal deserção da instância, sem necessidade de qualquer prévia notificação à parte.
No caso dos autos, foi, por despacho de 27.03.2023, suspensa a instância por óbito de H e I “até à notificação da decisão que considere habilitados os sucessores dos falecidos, nos termos previstos na al. a) do n.º 1 do art.º 269.º do mesmo diploma legal”, determinando-se a notificação do requerente para “os termos previstos no n.º 1 do art.º 351.º do Código de Processo Civil, com expressa advertência dos termos e efeitos previstos no n.º 1 do art.º 281.º do mesmo diploma legal”.
Ou seja, claramente se advertiu para a necessidade de dedução de incidente de habilitação de herdeiros (“os termos previstos no nº 1 do art.º 351 do CPC”) e para a consequência da falta do referido impulso processual por período superior a seis meses – a deserção da instância (“os efeitos previstos no art.º 281º do mesmo diploma legal”).
Concomitantemente, como o autor já tinha vindo pedir que o co Réu  B fosse notificado para juntar aos autos escritura ou procedimento de habilitação de herdeiros, para efeitos de habilitação dos herdeiros com vista ao prosseguimento do presente processo, o Tribunal a quo , no referido despacho de 27.03.2023,  determinou, “ sem prejuízo do supra determinado, ao abrigo do princípio da cooperação” a notificação do requerido B para, no prazo de 10 (dez) dias, juntar aos autos a escritura de habilitação de herdeiros ou prestar as informações que se afigurem necessárias para os fins supra determinados.
Nessa sequência, veio B, por requerimento de 17.04.2023, que notificou ao autor, informar que os H e I faleceram intestados e sem qualquer disposição por morte, foram casados em primeiras e únicas núpcias de ambos sob o regime da comunhão geral, tendo deixado como únicos herdeiros dois filhos, que identifica, fornecendo o nome completo, estado civil, nome do cônjuge, e morada dos mesmos, juntando inclusivamente as certidões de nascimento de tais filhos.
Ora, ficaram claramente identificados os herdeiros dos falecidos, e foram até fornecidos os documentos comprovativos das relações jurídico-familiares justificativas da sucessão, elementos que permitiam a dedução do incidente.
É que o incidente de habilitação de herdeiros não tem que ser necessariamente instruído com escritura ou procedimento de habilitação de herdeiros, tanto mais que pode nem sequer existir tal escritura (ou procedimento) de Habilitação de herdeiros.
Daí que no despacho de 27.03.2023 se tenha determinado a notificação de B para “juntar aos autos a escritura de habilitação de herdeiros ou prestar as informações que se afigurem necessárias para os fins supra determinados” (sublinhado nosso).
Por outro lado, mesmo quando existe escritura de habilitação de herdeiros, a sua mera junção não é suficiente para o Tribunal julgar habilitados os herdeiros indicados naquele documento, pois para tal é obrigatório que a parte deduza o incidente de habilitação, nos termos que o art.º 351.º, n.º 1, Cód. Proc. Civil, determina – cf Ac. TRE de 10-03-2016 proferido no Proc. 1742/09.0TBBNV-H.E1.
Da mesma forma a mera informação sobre a identidade dos herdeiros e a junção de documentos comprovativos das relações jurídico-familiares dos mesmos com os falecidos não é suficiente para que o Tribunal julgue habilitados os herdeiros, sendo sempre necessário que a parte deduza o incidente previsto no art.º 351º do CPC, apresentando requerimento inicial e prova nos termos previstos no art.º 293 nº 1 do CPC.
Em suma, o autor tinha o ónus de intentar de intentar o incidente de habilitação de herdeiros, apresentando o requerimento inicial e prova nos termos previstos no art.º 293º nº1 do CPC, sendo que os elementos fornecidos por B – identificação dos herdeiros (os filhos dos falecidos) e junção das respetivas certidões de nascimento – lhe permitiam deduzir o incidente; efetivamente, conforme se refere no Ac.  do TRC de 07.01.2021 proferido no Proc. 2336/19.8T8VIS-A.C1, a certidão de nascimento que prova a qualidade de filho do falecido é documento bastante para provar a qualidade de herdeiro no âmbito do art.º 354º do CPC., e no presente caso o autor até já tinha à sua disposição, para instruir o incidente que lhe cabia interpor, as certidões de nascimento dos indicados herdeiros.
Inexistia, pois, qualquer fundamento para insistir em 09.05.2023 pela junção de uma escritura de habilitação de herdeiros que pode nem existir, pelo que o requerimento de 09.05.2023 não consubstancia qualquer impulso processual adequado ao prosseguimento dos autos.
Mais a mais nesse requerimento o autor requer a referida junção “para que dessa forma possam os herdeiros identificados no aludido requerimento, ser habilitados para prosseguirem o processo no lugar dos falecidos”, sendo certo que, conforme supra exposto, a mera junção de uma escritura de habilitação de herdeiros não dispensa a dedução do incidente de habilitação de herdeiros.
Daí que o despacho de 22.06.2022 tenha convidado o autor a, em dez dias, “aperfeiçoar o requerimento apresentado, caso a pretensão seja de deduzir o incidente previsto no art.º 351.º do Código de Processo Civil, alegando factos e deduzindo um pedido concreto, bem como, deverá juntar prova (certidão da escritura de habilitação de herdeiros e/ou certidões de assento de nascimento dos sucessíveis) tendo em vista a procedência da sua pretensão”, mais o informando do dever de liquidar previamente a taxa de justiça correspondente ao incidente.
Tal despacho mais não fez do que convidar o autor a aperfeiçoar um requerimento que, como vimos, não é adequado ao prosseguimento dos autos, por forma a que o autor cumpra um ónus a que está adstrito desde a suspensão da instância em 27.03.2023.
O referido despacho não interrompe, pois, o prazo de seis meses que se encontrava em curso desde 27.03.2023, não havendo fundamento legal para que se conte qualquer novo prazo de seis meses desde a data 22.06.2023.
E, não tendo sido deduzido o necessário incidente de habilitação no prazo de seis meses subsequente à notificação do despacho de 27.03.2023, não existe motivo para reverter a decisão recorrida.                     
O recurso improcede.
As custas do recurso são a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil).
***
Decisão:
Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.

Lisboa, 02.05.2024
Carla Matos
Maria do Céu Silva (Voto de vencido)
Carla Mendes


Voto de vencido
Na fundamentação do acórdão em que fiquei vencida, pode ler-se:
“não tendo sido deduzido o necessário incidente de habilitação no prazo de seis meses subsequente à notificação do despacho de 27.03.2023, não existe motivo para reverter a decisão recorrida”.
Contudo, “não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes.
Deste modo, tendo presente estes termos, o juiz, na sua decisão, deve pronunciar-se sobre o decurso do prazo e a ocorrência da negligência das partes ou não.
Para apurar da ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos” (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 31 de janeiro de 2023, no processo 18932/16.2T8LSB.L3.S1).
Conforme resulta dos autos, o tribunal recorrido, a solicitação do requerente, ordenou a notificação do requerido B para juntar “a escritura de habilitação de herdeiros ou prestar as informações que se afigurem necessárias para os fins supra determinados”.
Presumindo-se o requerente notificado no dia 20 de abril de 2023 da prestação de informações e da junção das certidões de nascimento pelo requerido B, não há negligência do requerente até essa data.
Assim, na data em que foi proferido o despacho recorrido - 19 de outubro de 2023 -, o processo não estava parado por negligência do requerente por tempo superior a seis meses.
É de salientar que, entre a notificação do requerente e a prolação do despacho recorrido, não houve inação total por parte do requerente: a 9 de maio de 2023, ele requereu a notificação do requerido B para juntar cópia da escritura de habilitação de herdeiros.
Não cabe, nesta sede, apreciar da utilidade da diligência requerida. Importa é ter em consideração o despacho proferido perante o requerimento apresentado: o tribunal recorrido convidou o requerente a aperfeiçoar o requerimento e fixou prazo para o efeito.
Findo o prazo fixado sem ter havido aperfeiçoamento, o processo ficou a aguardar que a secção concluísse os autos e o tribunal recorrido tomasse posição quanto ao requerimento apresentado pelo requerente que este não aceitou aperfeiçoar.
Pelo exposto, julgaria procedente o recurso.
Maria do Céu Silva