Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2386/22.7T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: REINTEGRAÇÃO DO TRABALHADOR
SUBSÍDIO DE ZONA
REPARTIÇÃO DAS CUSTAS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Aquando da reintegração do trabalhador, este retoma todos os direitos e garantias de que era detentor em momento anterior ao do despedimento. No caso, uma das componentes remuneratórias do recorrido, era precisamente o subsídio de zona que a recorrente, a pretexto daquele estar em formação, deixou de o liquidar, temporariamente, o que não podia ter sucedido, sob pena de o recorrido ver diminuída a sua retribuição.
II - Nos casos de decaimento, a atividade jurisdicional é imputada não apenas a um dos sujeitos, mas a ambos e o critério para aferição desse decaimento, determinativo da proporção da responsabilidade pelo pagamento das custas judiciais, tem a ver com o pedido formulado e a rejeição que encontrou na decisão.
III – Atento o valor da ação, o alegado e peticionado na PI, a absolvição da instancia, a redução do pedido e a sentença, as partes não decaíram ou tiveram vencimento em partes iguais, pelo que as custas devem ser repartidas, não em partes iguais, mas na proporção do decaimento.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., em ..., instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra EMP01..., com sede na Rua ..., ... ..., em ..., pedindo a condenação da Ré que seja a presente ação declarada procedente por provada e consequentemente, seja a Ré condenada a:

a) Proceder à liquidação e pagamento dos créditos vencidos e devidos, na quantia ilíquida de €49.669,24;
b) Proceder à liquidação e pagamento dos créditos vincendos e devidos; e
c) Comunicar à AT e à Seg. Social a retribuição efetivamente auferida pelo Autor e a duração efectiva do contrato, sem qualquer interrupção em Março de 2019.

Tal como se refere na sentença recorrida, alega em resumo ter sido contratado pela Ré através de contrato de trabalho celebrado em ../../2012, para vigorar a partir de ../../2012, tendo sido despedido em Março de 2019, despedimento este que foi pelo Autor impugnado, tendo sido considerado ilícito e determinada a sua reintegração. Mais alegou que, em março de 2019, auferia um vencimento ilíquido mensal de €3.936,17, correspondentes às seguintes componentes: a) base - € 3.060,57; b) Isenção de Horário de Trabalho - €765,14 e; c) subsídio de zona - €110,46, auferindo, ainda, um subsídio de alimentação no montante diário de €6,83 e o proporcional do subsídio de Natal, no valor mensal de € 328,01. Em Janeiro de 2022, o vencimento do Autor deveria ter sido atualizado e deveria ter passado a auferir as seguintes quantias ilíquidas a título de vencimento: Janeiro - € 4.071,42; Fevereiro - € 4.071,42; e Março - € 4.071,42, e o subsídio de Natal (ilíquido) em duodécimos, a saber: Janeiro - € 339,29; Fevereiro - € 339,29; e Março - € 339,29. Tais quantias foram pagas a todos os chefes de zona e como tal o não pagamento ao Autor de tais quantias viola o princípio do trabalho igual, salário igual. Por fim, entende ser devida formação não dada, correspondente a 120 horas relativas aos anos de 2019, 2020 e 2021, que equivale à quantia de €1.968, quantia essa que deve ser reduzida ou anulada com as horas de formação, que entretanto, o Autor prestará.
A Ré contestou, arguindo a exceção de caso julgado e alegando ter pago todas as quantias devidas em virtude da declaração de ilicitude do seu despedimento. Relativamente à formação profissional, encontrando-se a ser ministrada, não é devida a sua remuneração.
À exceção de caso julgado respondeu o Autor, pugnando pela sua improcedência.
Foi determinada a junção aos autos de certidão do processo 3195/19...., de onde resulta, para além do mais, que a sentença ali proferida transitou em julgado em ../../2022.
O Autor foi convidado a aperfeiçoar a sua petição inicial, o que fez em ../../2022, tendo a Ré respondido nos termos do articulado de 14.11.2022.
Foi dispensada a audiência prévia e fixado o valor da ação e foi proferido despacho saneador, tendo-se julgado verificada a exceção de erro na forma do processo relativamente ao peticionado pelo Autor respeitante à liquidação dos salários de tramitação e juros (até ../../2022, data do trânsito em julgado da decisão proferida no processo 3195/19....) e, consequentemente, absolvida a Ré da instância, não se apreciando a exceção de caso julgado por inutilidade.
Os autos prosseguiram os seus trâmites normais e realizado o julgamento foi proferida sentença pela Mma. Juiz a quo, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julga-se a acção procedente, e, em consequência condena-se a Ré “EMP01...” a pagar ao Autor AA as diferenças salariais devidas desde ../../2022 relativamente aos valores pagos a título de “retribuição base”, “isenção de horário de trabalho” e “subsídio de zona” e o que  deveria ter sido pago por referência à retribuição base de € 3.142,85, ao subsídio de isenção de horário de € 785,71 (25 % da retribuição base) e ao subsídio de zona de € 142,86, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a  data do vencimento e até integral pagamento.
» Custas da acção a suportar pelo Autor e pela Ré, em parte iguais.
» Valor da acção: já fixado em 31.01.2023
» Notifique.”

Inconformada com esta sentença, dela veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

A. A R. contestou ser devido ao A. o pagamento do subsídio de zona por aquele período, em virtude de não lhe estar atribuída uma zona vendas, por entretanto se encontrar em formação, a qual lhe veio a ser atribuída em Outubro de 2022 junto com a contrapartida do pagamento do subsídio de zona (vide ponto 13, dos factos provados), o que não foi contraditado pelo A.
B. Ao contrário da regra presente na última parte do n.º 1, do artigo 587.º, do CPC, bem como do sentido proferido na motivação referida acerca do ponto 13, dos factos provados, não foi dado como assente que o A. esteve em formação até ao final de Setembro de 2022, conforme constante das suas declarações de parte (vide ponto 6 das Alegações).
C. Nem foi dado como assente que o subsídio de zona só é atribuído aos chefes de vendas a exercer as funções de gestão de equipas, como constante do depoimento da testemunha BB (pontos 7 e 8, das Alegações acima)
D. Perante a análise desta prova testemunhal e, inclusive, seguindo o sentido da motivação que a acolheu as declarações de parte do A. na fixação da matéria de facto dada como provada sob o ponto 13, concatenada com os anteriores pontos 5 e 6, impunha-se ao tribunal a quo uma decisão diferente que acolhesse parte do teor fáctico aí vertido e demonstrado, ou seja, que o A. esteve em formação até finais de Setembro de 2022 e que em Outubro lhe foi atribuída uma zona de vendas, naturalmente, por ter passar a ter a seu cargo a gestão de equipas, como descrita no ponto 5 dos factos provados.
E. Pelo que deverá ser reformula à matéria de facto dada como provada sob o ponto 13, com o seguinte teor: Concluída a formação do Autor em finais de Setembro de 2022, em Outubro de 2022 foi atribuída pela Ré ao Autor uma zona de vendas e a Ré passou a pagar ao Autor, a título de subsídio de zona, a quantia de € 100.
F. Bem como deverá ser aditada à matéria de facto provada um novo ponto 13.1, com o seguinte teor: Com a atribuição de uma zona de vendas pela Ré ao Autor Outubro de 2022 este passou a ter a seu cargo a gestão de equipas, como descrita no ponto 5 supra dos factos provados.
G. A natureza da matéria de facto então já dada como provada era per se bastante para impor um juízo diferente sobre o direito do A. a receber ou não da R. o pagamento do subsídio de zona durante o período em que esteve em formação e sem zona de vendas a seu cargo (ponto 5 dos Factos Provados), no âmbito das funções de Chefe de Vendas (pontos 6 dos Factos Provados).
H. Ora sob os artigos 4.º, 10.º, 53.º e 57.º, da p.i., e os artigos 10.º-D e 44.º-A, da p.i. aperfeiçoada, veio o A. reclamar o pagamento do subsídio de zona, circunscrevendo o tribunal a quo, em sede de saneador, a sua apreciação apenas pelo período a partir de 12.01.2022 em diante.
I. Porém, contestou a R. sob o artigo 2.º e em sede de contestação ao aperfeiçoamento, respondendo que “O teor do artigo 10.º- D, da p.i. aperfeiçoada, não corresponde à verdade, visto que R. encontra-se a pagar subsídio de zona desde o mês de Outubro de 2022), altura em que o A. findou o seu período de formação e assumiu de facto uma zona de vendas (cfr. recibo de vencimento cujo exemplar protesta juntar como documento n.º ...).”;
J. O A. não contrariou, aceitando que a falta de pagamento desse subsídio se fundou no facto depor se encontrarem formação não lhe estar atribuída uma zona de vendas até seu termo, ocorrido em Outubro de 2022, tratando-se evidentemente de factos a dar assentes por acordo das partes, pois, de acordo com o artigo 587.º, n.º 1, última parte, a falta de impugnação dos novos factos alegados pela R. tem o efeito previsto no artigo 574.º, n.º 2, ambos do CPC vide pontos 13 e 14 das Alegações acima).
K. Sendo que foi dado como provado sob o ponto 5, dos factos provados, a composição da Zona de Vendas por 5 lojas e um chefe de loja para cada uma delas com todos os seus colaboradores e, sob o ponto 6, as funções que o aí exercia, ainda, sob o ponto 13 que apenas “Em Outubro de 2022, foi atribuída pela Ré ao Autor uma zona de vendas e a Ré passou a pagar ao Autor, a título de subsídio de zona, a quantia de € 100.”
L. Todavia, surpreendentemente, entendeu a sentença também condenar a R. a pagar ao A. as diferenças salariais devidas desde ../../2022 a título de “Subsídio de Zona” por referência ao subsídio de zona de Eur. 142,86 apesar do tribunal a quo não poder ignorar que só foi atribuída uma zona de vendas ao A. em Outubro de 2022 por, até então, ter estado em formação.
M. O caso dos autos não é de uma reconstituição da relação de trabalho para o passado, mas do seu decurso para o futuro que, por essa altura, já se tinha iniciado em Fevereiro de 2022 com o seu regresso ao programa contratual estabelecido com a R., mediante o gozo das férias vencidas durante o tempo da vigência do contrato de trabalho “renascido”, e a frequência da formação, de permeio com o gozo de férias vencidas nesse ano, formação essa culminada em finais de Setembro de 2022 com o subsequente exercício das funções características de Chefe de Vendas com atribuição de uma zona de vendas desde ../../2022.
N. Conforme jurisprudência dominante, s prestações remuneratórias que, à semelhança do subsídio de zona, são específica contrapartida de especiais modos de prestação do trabalho, à semelhança da função de gestão de equipas, apenas são devidas pelo empregador com a realização dessa prestação pelo trabalhador, não se justificando o seu pagamento se não se verificar o corresponde trabalho,
O. Consequentemente, andou mal a decisão do tribunal a quo, uma vez que a questão de ser devido, ou não, o pagamento do subsídio de zona, em nada está relacionado com a reintegração do trabalhador ilicitamente despedido, mas com o normal decurso do programa contratual próprio da sua relação de trabalho, pelo que deve esse segmento decisório ser revogado e substituído por outro no sentido preconizado acima.
P. Por despacho saneador proferido em ../../2021 foi fixado à acção o valor de Eur. 49.669,24 e, também, foi absolvida a R. do pedido do pagamento dos salários de tramitação e juros até ../../2022, data do trânsito em julgado da decisão de ilicitude do despedimento proferida no proc. n.º 3195/19...., com fundamento em excepção de erro na forma do processo.
Q. Prosseguindo os autos para apreciação do mérito no remanescente do pedido, i.e., das diferenças retributivas por actualização salarial não paga desde ../../2022 respeitante à remuneração base, subsídio de isenção de horário de trabalho e subsídio de zona, bem como ainda a quantia de Eur. 1.968,00 por formação profissional em falta.
R. Por requerimento de ../../2023 o A. desistiu do pedido relativo à quantia de Eur. 1.968,00 por não ser devida em virtude daquela formação ter sido dada e;
S. Assim, tendo em conta que o valor da acção e o pedido do A. foi de Eur. 49.669,24 mas apenas obteve vencimento na quantia de Eur. 4.120,19 as custas da acção deverão ser na responsabilidade do A. na proporção de 91,71% e da R. na proporção de 8,29%, de acordo com o disposto no artigo 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC, e não em partes iguais como equivocamente decidido pelo tribunal a quo (vide os pontos 31 e 32, das Alegações acima).
T. Razão pela qual se recorre da decisão da condenação em custas em partes iguais que deverá ser revogada por esse venerando tribunal e substituída por outra conforme ora reclamado.”

Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida, na parte em que condenou a R. no pagamento ao A. dos montantes a título de Subsídio de Zona pelo período de 12 de Janeiro a Setembro de 2022, bem como da decisão de condenação em custas.
Respondeu a Recorrida/Apelada defendendo a manutenção da sentença recorrida, não se tendo pronunciado quanto à repartição das custas.
Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido douto parecer, no sentido da procedência parcial do recurso no que respeita à condenação em custas.
Não foi apresentada qualquer resposta ao douto parecer.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II – OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto pela Ré/Apelante sobre o sentença recorrida, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

- Da impugnação da matéria de facto
- Das importâncias devidas a título de subsídio de zona;
- Da condenação em custas.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

FACTOS PROVADOS:

1. Por acordo escrito datado de ../../2012 (junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido), celebrado entre o Autor, como segundo outorgante, e como entidade patronal e primeiro outorgante “EMP01...” foi celebrado o seguinte acordo, denominado “contrato de trabalho por tempo indeterminado”:
“1.ª
 1. O 2º Outorgante é admitido ao serviço da 1ª para desemprenhar, com lealdade, zelo, assiduidade e pontualidade, as funções de Chefe de Zona Vendas, exercendo a função respectiva, cm a caracterização sumária de coordenação e organização da actividade de serviços de um grupo de lojas, numa determinada zona, de acordo com as orientações determinadas pela hierarquia respectiva, bem como outras que a 1ª OUTORGANTE o possa legalmente incumbir.
2. Compete ainda ao 2º Outorgante o desempenho das funções afins ou funcionalmente ligadas às da actividade descrita no número anterior, para as quais tenha qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
3. Quando o interesse da 1ª Outorgante o exigir, desde que devidamente justificado, e com a indicação do tempo previsível, esta poderá encarregar temporariamente o 2º Outorgante de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da sua posição.

1. O 2º Outorgante desempenhará as suas funções no estabelecimento da 1ª Outorgante sitas em CC ou em qualquer outro estabelecimento localizado no ..., fazendo as deslocações de serviço impostas pelas conveniências da actividade da empresa.
2. O 2º Outorgante aceita as transferências de local de trabalho que lhe forem determinadas por conveniência da actividade da 1ª Outorgante.

O 2ª Outorgante prestará o seu serviço em regime de tempo integral, com um período normal de trabalho semanal de 40 horas e um período normal de trabalho diário de 8 horas, cumprindo o horário de trabalho que, face às conveniências de serviço da 1ª Outorgante, lhe for determinada por esta.

Como contrapartida pelo exercício da actividade profissional a que se compromete nos termos do presente contrato, a 1ª Outorgante pagará ao 2º a retribuição base mensal de € 1360,00 (mil trezentos e sessenta euros), sujeita aos descontos legais, acrescida do subsídio de refeição, atribuível nos termos da Cláusula 19ª do CCT.

1.O presente contrato tem o seu início no dia ../../2012, data em que começa a produzir os seus efeitos e é celebrado por tempo indeterminado, estando sujeito a um período experimental de 180 dias, durante o qual, qualquer das partes pode denunciá-lo sem aviso prévio nem necessidade de invocação de justa causa, não havendo lugar a qualquer indemnização. (…)”

2.Em 26 de Novembro de 2018, a Ré instaurou ao Autor um procedimento disciplinar, com intenção de despedimento, tendo-lhe sido comunicada a sua suspensão preventiva, que culminou com a decisão de aplicação ao Autor da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador em Março de 2019.

3.O Autor impugnou judicialmente o despedimento, que veio a ser considerado ilícito, por decisão proferida em ../../2019, transitada em julgado em ../../2022, e ordenada a reintegração do Autor.

4.Em Março de 2019, o Autor auferia o vencimento ilíquido mensal de € 3.936,17, correspondente às seguintes componentes: a) Base - € 3.060,57; b) Isenção de Horário de Trabalho - € 765,14; e c) Subsídio de zona - €110,46.
5.O Autor tem a categoria profissional de Chefe de Zona Vendas, sendo responsável por uma Zona de Vendas composta por 5 (cinco) lojas da Ré, tendo sob sua alçada os Chefes de Loja de cada uma das lojas da Zona e os colaboradores dessas cinco lojas.

6.Exercendo, nomeadamente, as seguintes funções:
a) Acompanhamento, análise e controlo das encomendas e gestão de stocks juntamente com os Chefes de Loja;
b) Realização de auditorias de loja;
c) Desenvolvimento e otimização dos processos;
d) Gestão de pessoal ao nível de liderança e motivação;
e) Recrutamento, seleção e rescisão de colaboradores;
f) Organização de formação inicial e complementar;
g) Promover a autonomia dos chefes de loja;
h) Realizar reuniões regulares com os chefes de loja;
i) Planeamento regular das vendas e produtividade;
j) Análise e verificação contínua dos resultados;
k) Controlo dos inventários;
l) Cumprimento da legislação e regulamentos em vigor, nomeadamente com proteção de dados;
m) Cumprimento dos princípios da empresa, de liderança e de conduta.

7. São chefes de venda da Ré: a) DD; b) EE; c) FF; d) GG; e) HH; f) II Pontífice ...; g) JJ; h) KK; i) LL.

8. Nos últimos seis meses cessaram funções na Ré os trabalhadores MM e NN, que tinham sido contratados sensivelmente na mesma altura do Autor, os quais exerciam o mesmo cargo e as mesmas funções do Autor e auferiam o vencimento de € 4.071,42, correspondente às seguintes componentes: a) base - € 3.142,85, b) Isenção de Horário de Trabalho - € 785,71; e – c) Subsídio de Zona - € 142,86, actualizado em Janeiro de 2022.

9. No ano de 2022, o trabalhador OO, que era chefe de vendas e auferia o vencimento de € 4.071,42, correspondente às seguintes componentes: a) base - € 3.142,85, b) Isenção de Horário de Trabalho - € 785,71; e – c) Subsídio de Zona - € 142,86, pediu para descer de categoria, o que foi aceite pela Ré e pela ACT.

10. Em Março de 2019, o Autor auferia, a título de subsídio de alimentação a quantia diária de € 6,83.

11. Em Fevereiro de 2022, a Ré procedeu ao pagamento ao Autor, para além do mais, as seguintes quantias ilíquidas:
11.1. Respeitantes ao mês de Janeiro de 2022:
11.1.1. Vencimento: € 3.060,57;
11.1.2. Isenção de Horário: € 765,14;
11.1.3. Sub. Almoço: 21 dias - € 4,77 - € 100,17
11.1.4. Sub. Almoço suj. Imposto: 21 dias - € 2,86 - € 60,06

11.2. Respeitantes ao mês de Fevereiro de 2022:
11.2.1. Vencimento: € 3.060,57;
11.2.2. Isenção de Horário: € 765,14;
11.2.3. Sub. Almoço: 20 dias - € 4,77 - € 95,40;
11.2.4. Sub. Almoço Suj. Imposto: 20 dias - € 2,86 - € 57,20.

12. Em Março de 2022, a Ré pagou ao Autor as seguintes quantias:
12.1. Vencimento: € 3.06,57;
12.2. Isenção de Horário: € 765,14.
12.3. Sub. Almoço: 22 dias - € 7,63 - € 167,86

13. Em Outubro de 2022, foi atribuída pela Ré ao Autor uma zona de vendas e a Ré passou a pagar ao Autor, a título de subsídio de zona, a quantia de € 100.

14. Os vencimentos dos chefes de venda da Ré são actualizados de acordo com a avaliação de desempenho (“talent management”).

15. Em Março de 2019, o Autor encontrava-se no último escalão de Chefe de Vendas e auferia o vencimento base correspondente ao ultimo escalão de Chefe de vendas no ano de 2021.

16. No ano de 2021 existiam os seguintes escalões de chefes de venda: € 32.000; € 35.000; € 38.000; €42.170; € 44.000; € 47.000; € 50.000; e € 55.560, nos termos do documento junto aos autos a fls. 140, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

17. No ano de 2022 passaram a existir os seguintes escalões de chefes de venda: € 38.000; € 40.500; €45.000; € 50.000; € 53.000; e € 57.000, nos termos do documento junto aos autos a fls. 140, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

FACTOS NÃO PROVADOS

a) Em Março de 2019, o Autor auferia, a título de proporcional do subsídio de Natal, a quantia de € 328,01.
 
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IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Impugnação da matéria de facto

A Ré/Apelante pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto, no que respeita ao ponto 13 dos pontos de facto provados e mais pretende que se aditem dois pontos de facto, o primeiro, resultante do depoimento das testemunhas e dos documentos juntos aos autos e o outro resultante da confissão de factos pelo autor, tudo relativo ao subsídio de zona que a Ré liquida aos chefes de vendas.
É entendimento reiterado e unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que o Tribunal da Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer uma das situações previstas no n.º 1 do art.º 662.º do CPC.
Como refere Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 221/222 “(…) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância.”
Dispõe o artigo 662.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do C.P.T. e no que aqui nos interessa, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
 Importa salientar que se trata de meios de prova que imponham decisão diversa da impugnada e não que permitam ou admitam ou consintam apenas decisão diversa da impugnada.

Por outro lado, prescreve, o art.º 640º do C.P.C. que tem como epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”

Como se defendeu no Ac. deste Tribunal de 04-02-2016, no Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1, disponível em www.dgsi.pt, que «para que a decisão da 1.ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova.»
Retornando ao caso dos autos constatamos, que se mostra minimamente cumprido o ónus de alegação pela recorrente, pelo que nada obsta a que se proceda à reapreciação da matéria factual fixada procedendo à devida audição da indicada prova, bem como à leitura dos excertos transcritos.
Assim, analisado todo o processo designadamente os articulados, bem como a prova produzida em audiência de julgamento – documental; as declarações de parte prestadas pelo autor e testemunhal -, teremos de dizer que não vislumbramos que o Tribunal a quo tivesse cometido na apreciação da prova qualquer erro que imponha a alteração pretendida.
Vejamos:
Pretende a recorrente que o ponto 13.º dos pontos de facto provados passe a ter a seguinte redação “Concluída a formação do Autor em finais de Setembro de 2022, em Outubro de 2022 foi atribuída pela Ré ao Autor uma zona de vendas e a Ré passou a pagar ao Autor, a título de subsídio de zona, a quantia de €100”.
E pretende ainda que se adite a à matéria de facto provada um novo ponto 13.1, com o seguinte teor: “Com a atribuição de uma zona de vendas pela Ré ao Autor Outubro de 2022 este passou a ter a seu cargo a gestão de equipas, como descrita no ponto 5 supra dos factos provados.”
A recorrente sustenta a sua pretensão quer nas declarações de parte proferidas pelo autor, quer no depoimento da testemunha EE.
Na verdade, das declarações proferidas pelo autor resulta inequívoco que este esteve em formação até final de Setembro de 2022, só lhe tendo sido atribuída uma zona depois de concluída a formação. Contudo, a factualidade que se pretende aditar ao ponto 13.º dos pontos de facto provados não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa, nem nada adianta relativamente à versão dada ao ponto 13 dos factos provados pelo Tribunal a quo e tal é até expressamente reconhecido pela recorrente ao afirmar no ponto 12. da sua alegação de recurso  “(…) sublinha-se que a natureza da matéria de facto então já dada como provada era per se bastante para impor um juízo diferente sobre o direito do autor a receber ou não da Ré o pagamento do subsídio de zona durante o período em que esteve em formação e sem zona de vendas a seu cargo (ponto 5 dos Factos Provados), no âmbito das funções de Chefe de Vendas (pontos 6 dos Factos Provados). Não se vislumbra assim qualquer razão que imponha proceder à alteração da redacção do ponto 13 dos pontos de facto provados que por isso entendemos ser de manter inalterada.
Quanto ao aditamento do ponto 13.1, aos pontos de facto provados, para além de resultar da factualidade apurada que a partir de Outubro de 2022, a Recorrente passou a pagar ao Recorrido, a título de subsídio de zona, a quantia de €100, considerarmos que a factualidade que se pretende aditar, não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa, sendo certo que a mesma tem cariz meramente conclusivo, não devendo por isso constar dos factos provados.
Importa salientar que a reapreciação da matéria de facto é um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, razão pela qual quando se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – quer porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, quer porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos pelo recorrente, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – por constituir a prática de um ato absolutamente inútil, que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais, a reapreciação sobre a matéria de facto não deve ter lugar[1] - cfr. artigos 130.º , 137.º e 138.º do CPC
Por fim, pretende a Recorrente que se considere confessado pelo autor que a falta de pagamento do subsídio de zona se fundou no facto de se encontrar em formação e não lhe estar atribuída uma zona de vendas até seu termo, ocorrido em Outubro de 2022.
As razões pelas quais a Ré/Recorrente após o regresso do autor lhe deixou de pagar o subsídio de zona não podem ser consideradas de confessadas pelo autor, pela simples razão de que o mesmo não foi com elas confrontado, nem a Ré requereu o seu depoimento de parte de forma a obter tal confissão.
Na verdade, o autor alegou que desde que regressou ao trabalho e até ../../2022 não recebeu subsídio de zona e a ré contestou a veracidade de tal afirmação avançando com as razões pelas quais não liquidou tal subsídio, versão cuja a prova a si incumbia, por se tratarem de factos impeditivos do direito de que o autor se arrogava. Não tendo logrado obter tal prova, nada resta a acrescentar, o que não pode é pretender que se considere de confessados pelo autor os factos impeditivos do reconhecimento do seu direito cuja a prova lhe incumbia, com o pretexto de se tratarem de factos novos e não terem sido contestados pelo autor.
Como se escreve no parecer junto aos autos “o Autor só poderia responder à matéria de excepção (art. 60º CPT) e, não se especificando separadamente os factos em que se baseiam as excepções, não se pode considerar admitidos por acordo tais factos por falta de impugnação (art. 572º al. c) CPC).
Assim, também neste conspecto não assiste qualquer razão à Ré.
Improcede a impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a matéria de facto provada.

2 –Do subsídio de zona.

Insurge-se a Ré quanto à condenação no pagamento das diferenças salariais desde ../../2022, a título de subsídio de zona, por o autor até essa altura ter estado em formação e não lhe ter sido atribuída, nesse período, uma zona.
A questão que importa dilucidar e resolver, consiste em apurar se o subsídio de zona que vinha mensalmente a ser liquidado ao autor, antes do despedimento, faz parte integrante da retribuição estando por isso abrangido pela regra da irredutibilidade, não podendo deixar de ser pago, após a sua reintegração sob o pretexto do autor ter estado em formação e de por isso não ter sido imediatamente atribuída uma zona.

Na sentença da 1.ª instância, escreveu-se a este propósito o seguinte:

“A questão de saber quais os créditos laborais a que o Autor tem direito, designadamente os por ele suscitados, passa por apurar qual o conteúdo da reintegração do trabalho ilicitamente despedido.
Com efeito, como ensina Pedro Furtado Martins (in “Cessação do Contrato de trabalho”, Principia, 4.ª edição revista e actualizada, págs. 506 e seguintes) “o direito à reintegração significa a manutenção do vínculo entre as partes.
A solução que a lei segue para definir os efeitos do despedimento ilícito no período posterior à anulação do mesmo assenta na dicotomia entre duas alternativas: o vínculo jurídico-laboral subsiste como jamais tivesse sido interrompido ou extingue-se por vontade do trabalhador ou decisão do tribunal.
A regra de que a lei parte é o contrato manter-se na plenitude dos seus efeitos…
Encarada do ponto de vista do trabalhador, ela traduz-se no direito à conservação do vínculo laboral e na salvaguarda da sua posição contratual. Vista pelo prisma do empregador, a reintegração significa que terá de cumprir todas as obrigações que decorrem do contrato e das normas que o regem, respeitando os direitos e garantias do trabalhador. (…)
 (…)a determinação dos efeitos do despedimento ilícito no período de tempo posterior à sentença desloca-se para o plano dos efeitos do próprio contrato de trabalho. O empregador (tal como o trabalhador) permanecerá obrigado a cumprir as obrigações que para ele decorrem do vínculo jurídico-laboral, ficando investido nas mesmas posições jurídicas ativas e passivas que tinha antes do despedimento.”.
No caso em apreço, como resulta da factualidade provada, em Março de 2019 – aquando da decisão do despedimento – o Autor encontrava-se no último escalão de Chefe de Vendas e auferia o vencimento ilíquido mensal de € 3.936,17, correspondente às seguintes componentes: a) Base - € 3.060,57; b) Isenção de Horário de Trabalho - € 765,14; e c) Subsídio de zona - € 110,46. Por outro lado, esse vencimento correspondia igualmente, no ano de 2021, ao vencimento atribuído a um chefe de vendas que estivesse no último escalão (pontos 4. e 15. dos factos provados).
Acontece, porém, que, no ano de 2022 – ano em que o Autor é reintegrado – a Ré “alterou” os escalões de vencimento dos chefes de venda, passando a existir 6 escalões, ao invés de 8 escalões, como existia até então (pontos 16 e 17 dos factos provados).
Do conjunto desta factualidade, resulta que, quando a Ré reintegra o Autor, passa a pagar-lhe um vencimento base que não corresponde a qualquer um dos escalões existentes no ano de 2022 (em 2021 o escalão do Autor correspondia ao vencimento de € 55.560, que, no ano de 2022 não existe).
É certo que, como também resulta dos factos provados – ponto 14. – os vencimentos dos chefes de venda são actualizados de acordo com a avaliação de desempenho. Também é certo que o Autor, aquando da reintegração, não tinha (nem podia ter) avaliação de desempenho (pelo menos actualizada). E, ainda que se pudesse discutir se essa falta de avaliação devia ser imputável à Ré, ao Autor ou ser fruto das circunstâncias, a verdade é que tal discussão, na nossa opinião, se afigura inútil uma vez que o Autor, aquando do despedimento, já se encontrava no último escalão, não havendo hipótese de progredir – seja de forma automática, seja por força do seu desempenho. Como assim, tinha o direito de ser reintegrado no último escalão do ano de 2022, correspondendo à retribuição anual ilíquida de € 57.000, e a que corresponde o vencimento base de € 3.142,85 e a componente remuneratória de “isenção de horário” de € 785,71 (25 % de € 3.142,85).
Aquele escalão engloba, ainda, a componente remuneratória de “subsídio de zona” que, no entendimento da Ré não foi pago ao Autor até Setembro de 2023 porquanto não lhe foi atribuída zona, tendo o Autor estado em formação.
Sucede que, não resulta dos autos, que o subsídio de zona só é pago quando é atribuída uma zona ao trabalhador, nem os motivos pelos quais não foi atribuída qualquer zona ao Autor e, concretamente, se quando os chefes de zona estiverem em formação não lhes é paga esta componente.
Face ao exposto, considerando-se que a reintegração do trabalhador ilicitamente despedido se traduz na manutenção do vínculo entre empregador e trabalhador como se o mesmo jamais tivesse sido interrompido, tendo a Ré, na qualidade de empregadora, o dever de praticar o “actos necessários à reposição do vínculo, ao reatamento da execução do contrato de trabalho ou, como diz Monteiro Fernandes à remota do curso normal da relação cuja continuidade foi quebrada pelo despedimento.” (cfr. pedro Furtado Martins, in ob. cit., pág. 508) tem o Autor o direito a receber, desde ../../2022, as quantias remuneratórias estipuladas pela Ré para o ano de 2022 relativamente ao último escalão dos chefes de venda, e a que corresponde o vencimento base de € 3.142,85, o subsídio de isenção de horário de € 785,71 (25 % da retribuição base) e o subsídio de zona de € 142,86.
Deve, pois, a Ré ser condenada a pagar ao Autor as diferenças salariais entre o que efectivamente pagou desde ../../2022 e o que deveria ter pago, nos termos referidos, a que acrescem juros de mora desde a data do seu vencimento.”
Desde já diremos que concordamos com a posição assumida pelo Tribunal a quo, pois como é sobejamente sabido, aquando da reintegração do trabalhador, este retoma todos os direitos e garantias de que era detentor em momento anterior ao do despedimento. No caso, uma das componentes remuneratórias do recorrido, era precisamente o subsídio de zona que a recorrente, a pretexto daquele estar em formação, deixou de o liquidar, temporariamente, o que não podia ter sucedido, sob pena de o recorrido ver diminuída a sua retribuição.

Mas vejamos melhor:

Resulta da factualidade provada com relevo para apreciação desta questão de ter ou não direito o autor ao subsídio de zona no período imediato à sua reintegração, em que terá estado em formação, o seguinte:

1. Por acordo escrito datado de ../../2012 (junto aos autos com a petição inicial sob o documento n.º ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido), celebrado entre o Autor, como segundo outorgante, e como entidade patronal e primeiro outorgante “EMP01...” foi celebrado o seguinte acordo, denominado “contrato de trabalho por tempo indeterminado”:
“1.ª
1º O 2º Outorgante é admitido ao serviço da 1ª para desemprenhar, com lealdade, zelo, assiduidade e pontualidade, as funções de Chefe de Zona Vendas, exercendo a função respectiva, com a caracterização sumária de coordenação e organização da actividade de serviços de um grupo de lojas, numa determinada zona, de acordo com as orientações determinadas pela hierarquia respectiva, bem como outras que a 1ª OUTORGANTE o possa,legalmente incumbir.
4. Em Março de 2019, o Autor auferia o vencimento ilíquido mensal de €3.936,17, correspondente às seguintes componentes: a) Base - €3.060,57; b) Isenção de Horário de Trabalho - €765,14; e c) Subsídio de zona - €110,46.
5. O Autor tem a categoria profissional de Chefe de Zona Vendas, sendo responsável por uma Zona de Vendas composta por 5 (cinco) lojas da Ré, tendo sob sua alçada os Chefes de Loja de cada uma das lojas da Zona e os colaboradores dessas cinco lojas.
6. Exercendo, nomeadamente, as seguintes funções:
a) Acompanhamento, análise e controlo das encomendas e gestão de stocks juntamente com os Chefes de Loja;
b) Realização de auditorias de loja;
c) Desenvolvimento e otimização dos processos;
d) Gestão de pessoal ao nível de liderança e motivação;
e) Recrutamento, seleção e rescisão de colaboradores;
f) Organização de formação inicial e complementar;
g) Promover a autonomia dos chefes de loja;
h) Realizar reuniões regulares com os chefes de loja;
i) Planeamento regular das vendas e produtividade;
j) Análise e verificação contínua dos resultados;
k) Controlo dos inventários;
l) Cumprimento da legislação e regulamentos em vigor, nomeadamente com proteção de dados;
m) Cumprimento dos princípios da empresa, de liderança e de conduta.
13. Em Outubro de 2022, foi atribuída pela Ré ao Autor uma zona de vendas e a Ré passou a pagar ao Autor, a título de subsídio de zona, a quantia de €100.
Desta factualidade podemos afirmar com alguma segurança que, está certo o juízo da 1.ª instância quando concluiu ser devido ao autor o subsídio de zona desde que foi reintegrado na empresa Ré.

Dispõe o art.º 258.º do Código do Trabalho (doravante CT), sob a epígrafe “Princípios gerais sobre a retribuição” o seguinte:

1- Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho.
2- A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3- Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
4 - À prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código.

Daqui resulta que, a retribuição do trabalho é “o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida – cfr. Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, Vol. 1.º, 9ª, Ed., 1994, pág. 395.1), integrando a mesma não só a remuneração de base, como ainda outras prestações regulares e periódicas, feitas direta ou indiretamente, incluindo as remunerações por trabalho extraordinário, quando as mesmas, sendo de carácter regular e periódico, criem no trabalhador a convicção de que elas constituem um complemento do seu salário”[2].
Para além da remuneração base as prestações quantitativamente variáveis, regular e periodicamente auferidas pelo trabalhdor que assumem o carácter de contrapartida do trabalho prestado, têm natureza retributiva e são designadas de complementos salariais, que em regra se encontram em estreita conexão com as contingências especiais da prestação do trabalho, tais como o isolamento, a penosidade, o perigo, etc.
Para que determinada prestação seja considerada como retribuição importa que o seu pagamento assuma regularidade e periodicidade ou seja que deve ser constante e deve ser paga em períodos de tempo certos ou aproximados de modo a confirmar a vinculação prévia do empregador a proceder a esse pagamento ao mesmo tempo que determina a expectativa de tal rendimento por parte do trabalhador
Por outro lado, como refere João Leal Amado, in Contrato de Trabalho, 4.ª edição, págs. 300.º e segs. “a presunção estabelecida no n.º 3 do art.º 258.º, está em perfeita sintonia com o caráter oneroso do contrato de trabalho. E citando Bernardo Xavier, in “introdução ao estudo da retribuição no direito do trabalho português”, in RDES, 1996, pág. 90 refere que «há que ter o maior cuidado com uma política patronal de relações de trabalho assente no disfarce de atribuições remuneratórias com outro título ou com diverso invólucro». Política patronal que, note-se, pode ser ditada pelas mais variadas razões, desde motivos de ordem fiscal até ao intento de possibilitar ao empregador a supressão, no futuro, desta ou daquela atribuição patrimonial, caso as circunstâncias assim o recomendem.”
Em suma, por força da presunção, provando-se a existência de uma dada prestação patrimonial efetuada pelo empregador ao trabalhador, recairá, sobre aquele o ónus de demonstrar que não se verificam, in casu, os elementos próprios e caracterizadores da retribuição.
Na ótica da Recorrente o subsídio de zona, apenas é devido quando é atribuída ao chefe de zona vendas uma determinada zona, sendo certo que da factualidade provada resulta que depois do autor ter sido reintegrado só em Outubro de 2022, é que lhe foi atribuída pela Ré uma zona de vendas.
Salvo o devido respeito, por opinião em contrário não podemos concordar com tal argumentação, pois para além da Ré não ter alegado e por isso provado, a natureza do subsídio de zona, bem como as condições para a sua atribuição, o certo é que decorre da factualidade provada que o autor, tem a categoria de Chefe de Zona Vendas, sendo responsável por uma zona de vendas composta por 5 lojas da Ré, tendo sob a alçada os chefes de Loja de cada uma das lojas da Zona e os colaboradores dessas lojas e que de forma regular e periódica antes de ter sido despedido pela Ré auferia mensalmente o subsidio de zona, tal como resulta dos recibos de vencimento juntos aos autos. Acresce dizer que também com arrimo na factualidade provada, temos por certo que os colegas de trabalho que desempenhavam funções idênticas as do autor também auferiam de forma regular e periódica determinada quantia a título de subsídio de zona.
De tudo isto teremos de concluir que o subsídio de zona não pode deixar de ser considerado como uma prestação complementar da retribuição dos trabalhadores da Recorrente com a categoria de Chefe de Zona Vendas, pois visa pagar o trabalho ou a disponibilidade para o trabalho e representam um ganho efetivo do trabalhador.
Como é consabido, de harmonia com o art.º 129.º n.º 1, al. d), é proibido ao empregador: “Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.
Por outro lado, importa referir que a reintegração do trabalhador ilicitamente despedido se traduz na manutenção do vínculo entre empregador e trabalhador como se o mesmo não tivesse sido interrompido, sendo precisamente na manutenção da posição contratual que reside a proteção contra o despedimento ilícito.
E por último é de salientar que incumbindo ao empregador ministrar ou proporcionar ao trabalhador formação profissional, quando cumpre a sua obrigação, designadamente promovendo a formação do trabalhador não pode, sob esse pretexto diminuir-lhe a retribuição, sob pena de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – cfr. art.º 132.º n.º 2 do CT-.
Contextualizando o princípio da irredutibilidade da retribuição, como referem, o Professor Mário Pinto e os Drs. Furtado Martins e Nunes de Carvalho[3], “Vimos que se proíbe uma regressão salarial, concretizada na redução da retribuição global do trabalhador. Simplesmente, essa retribuição não pode ser entendida como um bloco unitário e incindível, numa perspectiva estritamente aritmética. Retribuição é o correspondente da prestação de trabalho, uma atribuição patrimonial que serve de contrapartida ao trabalho prestado, de acordo com um certo equilíbrio, definido no contrato ou numa parte jus laboral (lei ou instrumento de regulamentação coletiva).
E a regra da irredutibilidade visa proibir uma alteração desse equilíbrio em sentido menos favorável ao trabalhador.
(…)
A irredutibilidade da retribuição não pode, sob pena de criar situações absurdas (e de injustificada disparidade retributiva entre trabalhadores que desempenham funções semelhantes), ser entendido de modo formalista e desatendo à substância das situações. A proibição da regressão salarial designa, sob esta perspetiva, a impossibilidade de piorar o equilíbrio que existe entre a prestação a cargo do trabalhador e a contraprestação laboral”.
Daqui resulta que a entidade empregadora pode até alterar, unilateralmente, a forma de cálculo das componentes retributivas, desde que a referida base de cálculo não constitua um elemento essencial do contrato e desde que dessa alteração não resulte diminuição da retribuição.
Na verdade, a garantia da irredutibilidade da retribuição prevista no art.º 129.º n.º 1, al. d) do CT., apenas veda à entidade empregadora a diminuição da retribuição global, nada a obrigando a manter inalterável a estrutura de todos os demais componentes retributivos.
Com suporte nos factos acima dados por provados, temos por seguro que a Recorrente ao reintegrar o autor reduziu-lhe a retribuição ao deixar de lhe pagar o subsídio de zona, com o pretexto, segundo aquilo que alega, do autor estar em formação.
Ainda que tal possa corresponder à realidade o certo, é que pelo facto de o autor estar em formação, tal não legitima a recorrente a reduzir-lhe a retribuição deixando de lhe liquidar o subsídio de zona, como desde o início do contrato vinha a ser liquidado. Aliás, como resulta do prescrito no n.º 2 do art.º 132.º do CT. as horas de formação referem-se ao período normal de trabalho, conferem direito a retribuição e contam como tempo de serviço efectivo.
Ora, tendo o subsídio de zona natureza regular e periódica, tratando-se assim de um elemento constitutivo da retribuição do A., que este sempre auferiu até ter sido despedido, não se nos afigura de possível e razoável a sua eliminação aquando da reintegração, sob o pretexto do autor ter estado em formação, formação essa, que só se poderá ter revelado de necessária ou imprescindível, por facto imputável à recorrente ao tê-lo despedido de forma ilícita, ficando afastado do trabalho durante mais de 2 anos.
Em suma, a diminuição da retribuição do autor nos moldes preconizados e realizados pela Recorrente, no período compreendido entre Janeiro e Outubro de 2022, por ter atingido a retribuição global disponível do recorrido, estava proibida nos termos dos arts.º 129.º n.º 1, al. d) (de acordo com o qual é proibido ao empregador: “diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho) e 132.º n.º 2 do CT, pois para além da reintegração do trabalhdor impor que este retome as suas funções nas mesmas condições em que as exercia, o facto de em determinado período poder ter estado em formação por determinação do empregador, não permite a este diminuir-lhe a retribuição global, normalmente auferida pelo trabalhador.
A apelação tem, assim, de improceder, nesta parte.

3 – Da condenação em custas

A última questão que se impõe dilucidar, respeita à condenação em custas levada a cabo pelo Tribunal a quo, que determinou que as custas da ação fossem fixadas em partes iguais, com o seguinte fundamento: “As custas da acção serão da responsabilidade do Autor e da Ré, em partes iguais, atendendo à absolvição da instância da Ré proferida em sede de despacho saneador e à procedência do demais peticionado, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.”.
No despacho saneador foi fixado o valor à ação de €49.669,24, despacho este que transitou em julgado. O montante fixado como valor da causa respeita às diferenças de retribuições e subsídios desde 2019 até à data da propositura da ação, cujo pagamento o autor reclamava.
Em sede de despacho saneador, foi absolvida a Ré da instância, por verificada a exceção de erro na forma de processo, relativamente ao pedido de pagamento dos salários de tramitação e juros até ../../2022, data do trânsito em julgado da decisão de ilicitude do despedimento proferida no Proc. n.º 3195/19.....
Por requerimento de 06/11/2023 o A. desistiu do pedido relativo à quantia de €1.968,00 por não ser devida, uma vez que a formação lhe foi, entretanto, ministrada.
Por sentença proferida pelo Tribunal a quo foi a Ré condenada a pagar ao Autor as diferenças salariais entre o que efetivamente lhe pagou desde ../../2022 e o que deveria ter pago, no valor global de €4.120,19, a que acrescem juros de mora.

Estabelece o art.º 527.º do CPC a regra geral em matéria de custas ao prescrever:

1 A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2- Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.
3 – No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.

O citado artigo do Código de Processo Civil estabelece a regra geral do decaimento em matéria de custas.
Nos casos de decaimento, a atividade jurisdicional é imputada não apenas a um dos sujeitos, mas a ambos e o critério para aferição desse decaimento, determinativo da proporção da responsabilidade pelo pagamento das custas judiciais, tem a ver com o pedido formulado e a rejeição que encontrou na decisão.
Parece-nos assim, ajustado que, findo o processo com uma decisão favorável a uma das partes e desfavorável à outra, as custas sejam suportadas pela parte decadente, na proporção em que o for, seja qual for a sua posição no processo.
Examinanda a sentença, em confronto com o regime de direito aplicável dos arts. 296.º ss e 527.º ss do CPC., não se pode deixar de entender que, de facto, a decisão recorrida em matéria de custas incorreu num erro de direito, tendo em conta: que o valor do pedido inicial, que fixa o valor da ação, corresponde ao valor de €49.669,24, valor este não alterável em vicissitudes posteriores, nomeadamente de redução do pedido e erro na forma do processo (absolvição da instância); e que, em relação a este valor processual de €49.669,24, a ré decai na proporção da sua condenação (no valor de €4.120,19), e o autor decai na proporção do valor pedido inicial de condenação da ré pelo qual não veio a ser condenado (€45.549,05), nos termos do art.º 527º do CPC.   
Daqui resulta que as partes, atento o valor da ação, o alegado e peticionado na PI, a absolvição da instancia, a redução do pedido e a sentença, as partes não decaíram ou tiveram vencimento em partes iguais, pelo que as custas devem ser repartidas, não em partes iguais, mas na proporção do decaimento, nos termos indicados pela Recorrente, merecendo provimento nesta parte o recurso.

V - DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em dar parcial provimento ao recurso de apelação interposto por EMP01... e consequentemente altera-se a condenação em custas nos seguintes termos:
- Custas da ação são da responsabilidade do Autor na proporção de 91,71% e da Ré na proporção de 8,29%
Custas do recurso na proporção de 4/5 para a Recorrente e de 1/5 para o Recorrido.
Notifique.
Guimarães, 2 de Maio de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Antero Dinis Ramos Veiga


[1] Neste sentido, ver entre outros, os acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, proc. n.º 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, proc. n.º 442/15.7T8PVZ.P1.S1, todos in www.dgsi.pt
[2] Neste sentido, Monteiro Fernandes, ob. cit., pág. 410.º; Bernardo Lobo Xavier in Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., pág. 382.
[3] Comentário às Leis do Trabalho, Volume 1.º, a pág. 100