Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | SOCIEDADE POR QUOTAS GERENTE REMUNERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 03/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1. Exercendo o A. as funções de gerente da Ré sociedade por quotas, tem direito a receber a respectiva remuneração, nos termos do art. 255.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais. 2. Cessa esse direito oito dias após a data em que comunica à sociedade a renúncia à gerência. 3. A extinção do direito a auferir a remuneração de gerência não está dependente do registo e publicação do acto, pois estes actos destinam-se a produzir efeitos contra terceiros. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo Local Cível de Portalegre, AA demandou BB Empreendimentos Turísticos, Lda., e CC, alegando ser gerente da 1.ª Ré e esta não lhe pagar as remunerações devidas desde Julho de 2019. Pede, assim, a condenação da 1.ª Ré na quantia de € 6.880,45 a título de remunerações vencidas entre Julho de 2019 e Setembro de 2022, bem como as que se vencerem a partir de Outubro de 2022, sendo o 2.º R. condenado a reconhecer a existência desses valores em dívida e a praticar os actos necessários para que a 1.ª Ré proceda ao pagamento. Na contestação, foi invocada a ilegitimidade do 2.º R. e que o A. entrou em baixa médica em Julho de 2019, renunciando depois à gerência. A sentença julgou a causa improcedente e condenou o A. como litigante de má fé, em multa de 4 UC. O A. recorre e conclui: (…) Não foi oferecida resposta. Corridos os vistos, cumpre-nos decidir. A matéria de facto julgada provada na sentença é a seguinte: 1. A 1ª. Ré é uma sociedade comercial com o capital social de € 5.000,00, repartido por duas quotas, ambas no valor de € 2.500,00 cada uma, pertencentes ao Autor e ao 2.ºRéu. 2. A sociedade obriga-se com a assinatura de ambos os sócios, o Autor e o 2.ºRéu. 3. A 1.ª Ré tem procedido, com referência ao Autor, a descontos para a Segurança Social, tendo como referência o valor mínimo de IAS. 4. Entre Julho de 2019 e Setembro de 2022, quer tenha sido a totalidade do mês, quer, parcialmente, o Autor esteve de baixa. 5. O Autor renunciou à gerência através de carta registada, enviada à 1.ª Ré, no dia 24 de Julho de 2020, cuja cópia foi junta com a contestação como doc. 1, com o seguinte teor: «(…), 24 de Julho de 2020 Exmo. Sr. Gerente da Empresa BB Empreendimentos Turísticos, Lda. ASSUNTO: carta de renúncia à gerência Com os meus melhores cumprimentos, venho, por este meio, chamar a atenção de v. Exa. para o assunto em epígrafe. De facto, e com efeitos retroactivos à data da minha baixa médica, isto é, a 22 de Julho de 2019, venho, por este meio, renunciar ao cargo de gerente, nos termos legais. Atentamente, AA». 6. A contabilidade da 1.ª Ré tentou diligenciar pelo registo da renúncia à gerência na competente conservatória do registo comercial, mas o mesmo não foi lavrado definitivamente. 7. Com referência ao ano de 2022, o Autor declarou fiscalmente o rendimento anual de 5.318,40€. Aplicando o Direito. 1. Do direito à remuneração de gerência Do valor que o A. reclama, € 258,55 respeita à remuneração do mês de Julho de 2019, e o restante às remunerações dos meses de Outubro de 2020, de Dezembro de 2020, de Janeiro de 2021 e de Agosto de 2021 a Setembro de 2022. De acordo com o art. 255.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a remuneração, a fixar pelos sócios. Ora, não há discussão que, no mês de Julho de 2019 o A. era gerente da sociedade, e por isso tinha direito a receber a respectiva remuneração como gerente. Não foi apresentada uma deliberação escrita dos sócios a fixar a remuneração referida, mas as partes não discutem a existência ou validade dessa deliberação, sendo certo que a 1.ª Ré emitiu os respectivos recibos de pagamento. Concluímos, pois, pelo menos em relação ao mês de Julho de 2019, que o A. tem direito ao crédito devido pelo exercício das funções de gerente, no citado valor de € 258,55, ao abrigo do art. 255.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais.[1] Agora, quanto às remunerações reclamadas a partir do mês de Outubro de 2020, numa altura em que o A. já havia renunciado à gerência, temos a afirmar que o direito por ele reclamado deixou de ter suporte legal. Com efeito, a renúncia à gerência é uma declaração unilateral do gerente comunicando à sociedade que põe fim à relação de gerência, tratando-se assim de um acto receptício, que se torna eficaz perante a sociedade oito dias depois de ter sido recebida – art. 258.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais. Está sujeita a registo e publicação obrigatórios, mas tal destina-se a produzir efeitos contra terceiros, pois quanto à sociedade a renúncia é eficaz no referido prazo de oito dias após o momento em que é recebida.[2] Como tal, tendo comunicado à sociedade a sua renúncia à gerência, em 24.07.2020, o A. deixou de ter direito à remuneração de gerência, oito dias depois dessa data. Logo, as remunerações que reclama a partir de Outubro de 2020, não são justificadas. Certo que a 1.ª Ré tem procedido a descontos para a Segurança Social, tendo como referência o valor mínimo de IAS – o problema é que o A. não tem direito à remuneração de gerência desde a data supra mencionada, pelo que a atitude da 1.ª Ré pode eventualmente ser qualificada como uma infracção perante a Segurança Social, por efectuar descontos indevidos, e perante a Autoridade Tributária, por invocar despesas de gerência não devidas, mas não conferem ao A. o direito a auferir uma remuneração de gerência à qual renunciou voluntariamente. Assim, a causa procede apenas quanto à remuneração de gerência reclamada quanto ao mês de Julho de 2019, que é devida pela 1.ª Ré por força do art. 255.º n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, improcedendo quanto ao demais. Sobre a litigância de má fé, o recurso procede – anota-se, tão só, que o comportamento da 1.ª Ré não é isento de reparo e proporciona o litígio. Sabe que o A. renunciou à gerência mas continua a efectuar descontos para a Segurança Social a esse título, num comportamento que noutra sede, tributária, deverá ter a devida análise. Decisão. Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, e condena-se a 1.ª Ré a pagar ao A. a quantia de € 258,55, a título de remuneração de gerência do mês de Julho de 2019. No demais, a causa improcede. A condenação como litigante de má fé é também revogada. Custas na proporção do decaimento. Évora, 7 de Março de 2024 Mário Branco Coelho (relator) Graça Araújo Maria Adelaide Domingos __________________________________________________ [1] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 28.09.2023 (Proc. 4489/20.3T8ALM.L1-2), na página da DGSI. [2] Acórdão da Relação de Lisboa de 20.02.2018 (Proc. 929/13.6TYLSB.L1-7), publicado no mesmo local. |