Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2367/23.3GBABF-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
FUNDAMENTOS
BRANQUEAMENTO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :

I - O habeas corpus é uma providência extraordinária e expedita, independente do sistema de recursos penais, que se destina exclusivamente a salvaguardar o direito à liberdade.


II – O crime de branqueamento inscreve-se no conceito de criminalidade altamente organizada, na definição da al. m), do artigo 1.º, do CPP, pelo que, mesmo que fosse punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, seria suscetível de justificar a aplicação da medida de prisão preventiva, nos termos da al. c), do n.º1, do artigo 202.º, do CPP.

Decisão Texto Integral:




Processo n.º 2367/23.3GBABF-A.S1


5.ª Secção


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1. AA, com os sinais dos autos, veio, através do seu advogado, apresentar petição de habeas corpus, nos termos e com os fundamentos que se transcrevem (por razões práticas, exclui-se da transcrição a nota de rodapé):


«AA, id nos autos, vem por este meio, nos termos art.° 222 do Código do Processo Penal, peticionar que lhe seja concedida a providência de HABEAS CORPUS em virtude de se encontrar presa preventivamente de forma manifestamente ilegal, ilegalidade esta que se funda, in casu e para efeitos de subsunção à previsão da alínea b) do n.º 2 do art.° 222° do Código de Processo Penal, em prisão motivada por facto pelo qual a lei a não permite.


No dia 12 de abril de 2024, pelas 11:00 horas, a arguida foi presente a Juiz e Instrução para primeiro interrogatório judicial ao abrigo do art.° 141 do Código de Processo Penal. Aqui o Mm.° Juiz de Instrução entendeu estarem fortemente indiciados os facto típicos e ilícitos que se subsumem ao previsto e punido pelo art.° 368-A, n.º 1 e 3 do Código Penal.


Neste sentido, e erradamente, salvo melhor opinião, entendeu, o Mm.° Juiz de Instrução que "a [de] prisão preventiva é [proporcional e] admissível designadamente em face da moldura penal do crime de branqueamento de capitais"! Ora vejamos,


O legislador entendeu, o que verteu na lei, que o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos: b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta; c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.


Neste sentido, e apesar de o despacho que determina a Prisão Preventiva não o especificar, entende-se, por ser a única que, mesmo ocorrendo em erro desculpável, seria aplicável, a Prisão Preventiva seria, no entender no Mm.° Juiz, admissível ao abrigo do disposto na alínea a) -tanto que para justificar o perigo de fuga refere que "a pena de prisão referente ao crime de branqueamento de capitais pode ascender aos 12 anos."; no entanto no presente caso não pode.


O crime de branqueamento, e aqui suportamo-nos na muito boa jurisprudência desse colendo Supremo Tribunal - uma verdadeira obra-prima-, mais especificamente pelo Relator Raul Borges ao proc.° 14/07.0TRLSB.S1, como sabemos, é um crime de caracter subsidiário, só existindo a jusante de um facto típico-ilícito prévio, inexistente sem a existência deste. Permite-se-nos, então, dizer que o branqueamento supõe uma infração principal, ou como gostamos mais de chamar, pré-delito (crime prévio, crime originário, delito pressuposto, crime-base, crime primário, crime antecedente (...), e se até 2007 os factos ilícitos precedentes estavam expostos no n.º 1, integrando-se uma cláusula geral ("e dos factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a 5 anos"), e os específicos eram relativamente poucos, é a redação de 2020 introduzida pela Lei n.º 58/2020, de 31 de agosto que altera a sistematização, transformando em alíneas o que antes estava, apenas, previsto no n.º 1 do art.°, o que veio, em nosso entendimento reforçar o carater subsidiário ou acessório do branqueamento, tendo em conta que a respetiva atuação pressupõe, necessariamente, um facto ilícito prévio.


Como refere Jorge Godinho, do crime de «branqueamento de capitais, págs. 17/18, "A criminalização do branqueamento de capitais faz parte de um claro ímpeto actual com vista a atacar o lado patrimonial da criminalidade. Este movimento inclui designadamente um renovado interesse no fenómeno da corrupção e a sugestão de que se deveria criminalizar o facto de se ter património cuja origem lícita se não consegue demonstrar («sinais exteriores de riqueza não justificados»).


Para José de Faria Costa, O branqueamento de capitais (Algumas reflexões), 1992, pág. 69, a atividade de branqueamento é ela já uma criminalidade derivada, de 2.° grau ou induzida de outras atividades, pois só há necessidade de "branquear" dinheiro se ele provier de atividades primitivamente ilícitas. No entanto,


Segundo Henriques Gaspar, Branqueamento de capitais em Droga e Sociedade - O Novo enquadramento legal, Gabinete do Planeamento e de Coordenação do combate à Droga, Ministério da Justiça, 1994, pág. 132, "O novo tipo (crime previsto no art.° 23 do DL15/93) é estruturalmente autónomo, mas materialmente relacionado com os crimes subjacentes". (Sublinhado nosso).


Tendo em conta essa interdependência entre o pré-delito e o crime de branqueamento a tendência, correta na avaliação que fazemos, é de considerar os factos precedentes "meros elementos do tipo", como defendeu Pedro Caeiro, no Comentário à Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de junho de 200, em homenagem ao Senhor Doutor Jorge de Figueiredo Dias. Não se defende com isto que apenas quem pratica os pré-delitos poderá ser punido pelo branqueamento, até porque o próprio texto da norma já resolve esse dissídio, no entanto também não poderá de se deixar de ter em conta que o pré-delito, é, efetivamente, elemento de um tipo que é autónomo, que nem sequer depende da punição ou condenação pelos factos-ilícitos precedentes.


O n.º 12 do art.° 368-A do Código Penal introduz, no entanto, uma subsidiariedade no que toca, também, à pena máxima aplicável, porquanto dispõe que "12 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.".


Neste sentido, essencial é, para saber qual o limite máximo da moldura abstratamente aplicável ao crime de branqueamento, e, para isso teremos sempre de recorrer às características do tipo objetivo, no caso às características do pré-delito.


Apesar de o despacho proferido por S/Ex.ª, Mm.° Juiz de Instrução ser omisso nesse aspeto, o que só por si faria proceder este pedido que lhe dirijo, porquanto não está devidamente caracterizado o motivo da admissibilidade da Prisão Preventiva, da sua leitura depreende-se que os factos típicos ilícitos que dão suporte à indiciação de branqueamento provêm dos seguintes factos:


"No dia 24/08/2023, a vítima, BB, com 82 anos de idade, foi abordada por três indivíduos de identidade ainda por apurar, de face coberta (máscaras cirúrgicas de cor azul) empunhando uma arma de fogo e desferindo-lhe vários socos, obrigaram a vítima a entrar no banco traseiro da sua viatura da marca Land Rover, com a matrícula CC.


Após, a vítima foi transportada, contra a sua vontade, desde a sua residência, localizada em ..., concelho de ... até ..., Espanha, tendo sido durante toda a viagem alvo de diversos atos de agressão física e ameaçado de morte por estes suspeitos.


Durante o trajeto foram subtraídos à vítima todos os seus pertences, nomeadamente a quantia de 1.700,00€ (mil e setecentos euros) em numerário, notas BCE, um telemóvel da marca Apple, modelo Iphone 14 Pro Max, um relógio da marca Breitling, um fio de outro, um par de óculos de sol da marca Rayban, uma pasta com documentos e cheques da sua empresa, e ainda ume carteira com diversos documentos pessoais, entre os quais dois cartões Visa Gold emitidos pelo Banco BPl, S.A.


Ainda durante a viagem, os suspeitos com recurso ao telemóvel da vítima e contra a sua vontade, através da aplicação bancária, a qual é desbloqueada com reconhecimento facial, realizaram diversas transferências bancárias para contas no estrangeiro, tendo ficado a vítima lesada, pelo menos, no valor de, pelo menos, 84.093,00€ (oitenta e quatro mil e noventa e três euros)." (itálico apenas para enquadramento, sendo que apenas as vantagens deste último parágrafo são alegadamente transferidas para a arguida).


De tais factos (que não foram praticados pela arguida) poderá decorrer, eventualmente, a prática dos seguintes crimes (pré-ilícitos), com interesse para o crime de branqueamento, pela alínea b):


Artigo 221.º - Burla informática e nas comunicações (prisão até 3 anos)


Artigo 223.º - Extorsão1 (prisão até 5 anos)


Artigo 225.º - Abuso de cartão de garantia ou de crédito (prisão até 3 anos)


Ora, o crime de extorsão (tendo em conta que é o que tem o maior limite máximo entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens), é punido com uma pena de prisão até 5 anos (cf. art.° 223.º, n.º 1, do CP.). Por seu turno, o crime de branqueamento é punido com uma pena de prisão de 2 a 12 anos (cf. art.° 368.°-A, n.º 2, do CP.), sendo que a pena concreta aplicada ao branqueador não pode exceder o limite máximo da pena abstratamente aplicável ao facto de onde provêm as vantagens (cf. art.° 368.°-A, n.º 12, do C.P., na atual redação), ou seja, no caso, 5 anos. Assim, no presente caso, a moldura penal abstrata do crime de branqueamento (pena de prisão de dois a doze anos) fica limitada no seu limite máximo a cinco anos de prisão (cf. Decisão do Exmo. Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 21-06-2017, processo n.° 131/12.4TELSB-D.P1, in www.dgsi.pt), ou seja, de 2 a 5 anos.


Como sabemos, pelo disposto no art.° 202 do Código de Processo Penal, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando (a)) houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos - o que não se verifica, tendo em conta que a pena máxima do crime de que a arguida vem indiciada tem uma moldura (limitada pela moldura do pré-ilícito) de até 5 anos!, não se verificando nenhuma das circunstancias das alíneas seguintes do art.° 202 do CP.


O que torna a prisão preventiva da arguida ilegal, por ter sido motivada por facto elo qual a lei a não permite!


Nesse sentido, e com base nos art.° 17 e 268 do Código do Processo Penal, e 119, 120, e 121 da Lei de Organização do Sistema Judiciário reforça-se a pertinência do peticionado, pedindo-se a imediata libertação da arguida de forma a cumprir cabalmente as garantias constitucionais que o artigo 31° da CRP lhe confere.


Pede respeitosamente deferimento.»


2. Foi prestada a informação referida no artigo 223.º, n.º1, parte final, do Código de Processo Penal (doravante CPP), nos termos que, seguidamente, se transcrevem:


«Veio a arguida AA requerer petição de Habeas Corpus por prisão ilegal.


Nos termos do disposto no artigo 223.º n. º1 do Código de Processo Penal, informa-se V. Exa. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheiro Henrique Araújo do seguinte:


- Por despacho datado de 12-04-2024, o Ministério Público promoveu a sujeição a primeiro interrogatório judicial da arguida AA, imputando-lhe, a título indiciário, a prática de um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3 do Código Penal.


- No âmbito de primeiro interrogatório judicial, por despacho judicial proferido em 12 de abril de 2024, foi aplicado à arguida AA a medida de coação de prisão preventiva, por se ter considerado existirem fortes indícios da prática pela mesma, como autora material, de um crime de branqueamento previsto e punido pelo artigo 368,-A, n.º 1 e 3 do Código Penal, cuja pena abstrata ascende ao limite máximo de 12 anos de prisão. Fundamentou-se tal decisão, em síntese, na circunstância de se ter considerado estarem preenchidos os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa (cfr. artigos 204.º al. a) e c) do Código de Processo Penal) e de inexistir outra medida de coação idónea a acautelar os mesmos.


- O Digno Magistrado do Ministério Público do DIAP ... pronunciou-se, no dia 17 de abril de 2024, quanto à providência de Habeas corpus apresentada pela arguida no sentido do indeferimento da sua pretensão.


É tudo quanto me cumpre informar a V. Exa., Exm.º Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.


(…).»


3. O processo encontra-se instruído com a documentação pertinente.


4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.


Após o que a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Questão a decidir:


Saber se a peticionária está ilegalmente presa, nos termos do artigo 222.º, n.º 2, al. b), do CPP - ilegalidade proveniente de se tratar de prisão por facto pelo qual a lei a não permite.


2. Factos


A matéria factual relevante para o julgamento do pedido resulta da petição de habeas corpus, da informação prestada e dos diversos elementos dos autos, extraindo-se os seguintes dados de facto e processuais (em súmula):


1. A peticionária foi apresentada a 1.º interrogatório judicial de arguida detida, no passado dia 12 de abril, no Juízo de Instrução Criminal de Faro - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, sendo-lhe imputada a prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3 do Código Penal.


2. Na sequência do interrogatório judicial, foram dados como fortemente indiciados os seguintes factos:


«No dia 24/08/2023, a vítima, BB, com 82 anos de idade, foi abordada por três indivíduos de identidade ainda por apurar, de face coberta (máscaras cirúrgicas de cor azul) empunhando uma arma de fogo e desferindo-lhe vários socos, obrigaram a vítima a entrar no banco traseiro da sua viatura da marca Land Rover, com a matrícula CC.


Após, a vítima foi transportada, contra a sua vontade, desde a sua residência, localizada em ..., concelho de ... até ..., Espanha, tendo sido durante toda a viagem alvo de diversos atos de agressão física e ameaçado de morte por estes suspeitos.


Durante o trajeto foram subtraídos à vitima todos os seus pertences, nomeadamente a quantia de 1.700,00€ (mil e setecentos euros) em numerário, notas BCE, um telemóvel da marca Apple, modelo Iphone 14 Pro Max, um relógio da marca Breitling, um fio de outro, um par de óculos de sol da marca Rayban, uma pasta com documentos e cheques da sua empresa, e ainda uma carteira com diversos documentos pessoais, entre os quais dois cartões Visa Gold emitidos pelo Banco BPI, S.A.


Ainda durante a viagem, os suspeitos com recurso ao telemóvel da vítima e contra a sua vontade, através da aplicação bancária, a qual é desbloqueada com reconhecimento facial, realizaram diversas transferências bancárias para contas no estrangeiro, tendo ficado a vitima lesada, pelo menos, no valor de, pelo menos, 84.093,00€ (oitenta e quatro mil e noventa e três euros).


Designadamente:


- Da conta bancária do ofendido sedeada no BPI, e titulada pela empresa R..., Lda, foi efetuada uma transferência de € 49.500, para uma conta bancária Wise titulada pela empresa V..., Lda, cuja única sócia e gerente é a arguida AA, utilizando a identidade falsa de DD.


Após a quantia ter sido creditada na citada conta, logo no dia 30/08/2023, a arguida AA procedeu à circulação da mesma através de 4 transferências, uma de € 10.000 para a sua conta pessoal sediada no BCP; uma de € 8.500 para um conta sedeada no Banco Santander, titulada por EE; uma de € 6.000 para uma conta Revolut titulada por FF e outra de € 25.000, para uma conta do Bankinter titulada pela citada V..., Lda.


- Da conta pessoal do ofendido sedeada no BPI, foi efetuada uma transferência de € 9.663, para uma conta bancária Wise titulada pela citada a V..., Lda;


Após a quantia ter sido creditada na citada conta, nesse mesmo dia, a arguida AA procedeu à circulação da sua totalidade através de 2 transferências, uma de 2.500 para uma conta pessoal sediada no BCP e outra para uma conta sedeada no Banco Santander, titulada por EE.


A arguida AA permitiu a receção de fundos nas contas bancárias por si controladas e procedeu à sua imediata transferência, com o objetivo de impedir a sua recuperação, dissimular a sua origem ilícita, sabendo que as quantias provinham da prática dos factos acima descritos e que os mesmos configuravam a prática de um crime, pretendendo igualmente evitar que os autores desses factos fossem criminalmente responsabilizados.


A arguida AA atuou sempre de forma de forma livre voluntária e consciente, com o propósito de obter vantagens patrimoniais que sabia não lhe serem devidas, com o perfeito conhecimento de que a sua conduta era proibida e punida pela lei como crime.


Mais resultou indiciado:


A arguida reside em ... sozinha.


Estuou até ao 12.º ano de escolaridade.


Tem um filho que reside com o pai que está na ....


Não tem antecedentes criminais.


(…)


O Tribunal formou a sua convicção face ao teor de todos os elementos probatórios acima descritos, conjugados entre si e de acordo as regras da experiência e da normalidade da vida, para formular as suas conclusões sobre a matéria factual em apreço.


A prova documental é desde logo reveladora da prática pela arguida dos factos.


Desde logo, atente-se na certidão permanente da empresa V..., Lda (fls. 68) que foi constituída pela arguida, utilizando o nome falso de DD para fazer circular dinheiro proveniente de factos criminosos.


Foi precisamente para uma conta da "V..., Lda" que foram transferidos fundos ilegitimamente apropriados ao ofendido BB, de uma conta pessoal do mesmo (veja-se o extrato do BPI de fls. 139 e o comprovativo de operação bancária de fls. 120).


Das informações bancárias que constam dos autos e estão indicadas no despacho de apresentação, resulta também de forma inequívoca tal como melhor evidenciado no diagrama de fls. 362, atualizado a fls 518. que a arguida movimentou as quantias monetárias avultadas que foram subtraídas com recurso a violência BB (mais concretamente da empresa detida por esta — R..., Lda) para as contas bancárias indicadas na factualidade supra descrita, sendo que fez circular novamente o dinheiro através de 2 transferências, uma de 2.500 para uma conta pessoal sediada no BCP e outra para uma conta sedeada no Banco Santander, titulada por EE.


O que também decorre de forma clara da informação prestada pelas autoridades espanholas a fls. 484, extraindo-se daqui ainda que a arguida utiliza efetivamente a identidade falsa "DD" para lograr atingir os seus fins ilícitos, designadamente para fazer circular dinheiro que foi resultado da prática de crimes contra o ofendido BB; como se verifica a fls. 580, 630, 817, 942, a verdadeira identidade da arguida é efetivamente AA.


Certo é que a utilização da identidade falsa "DD" é precisamente indiciadora da prática dos factos que aqui são imputados à arguida.


O tribunal atentou igualmente nas informações do Banco de Portugal de fls. 728 a 743 e 772 a 781, 838 no que se reporta à identificação dos dados das contas acima mencionadas.


(…)


Quanto à situação criminosa que precedeu motivou a movimentação dos valores entre as várias bancárias por parte da arguida AA e que visou BB, a prova dos autos é também abundante.


Veja-se, neste sentido, o auto de notícia de fls. 255, o depoimento prestado por BB ( designadamente fls. 27 e fls. 114) que é consistente e completo, relatando de forma completa aquilo por que passou, sendo que GG, gerente do balcão de ... do BPI confirma que após ter-se apercebido de vários movimentos bancários suspeitos, ligou para HH que lhe terá dito que estava a ser coagido, sendo que quando ligou novamente para o ofendido, este confirmou essa situação de coação e privação da liberdade, tendo as chamadas caído logo de seguida. A prova é, por isso, plúrima e concordante, possibilitando ao tribunal fazer um juízo de forte indiciação quanto à matéria factual acima descrita.


(…)


Do enquadramento jurídico


Na senda do que se consignou, os factos são suscetíveis de integrar a prática, pelo arguido, de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.ºs 1 e 3 do C. Penal.


Pelo Ministério Público foi promovido a aplicação ao arguido da medida de coação de prisão preventiva por entender que se verificam os perigos de fuga, e continuação da atividade criminosa.


(…)


As medidas de coação são medidas processuais, restritivas de liberdades fundamentais.


A tipificação e a aplicação de uma medida de coação, principalmente a medida mais gravosa, a prisão preventiva, implicam o equacionar do equilíbrio entre a presunção constitucional da inocência contida no artigo 32.º n.º2 da Constituição da República Portuguesa, e os direitos, liberdades e garantias do cidadão em relação ao qual a prática de um facto criminalmente ilícito ainda não se encontra ainda provada.


Efetivamente, de acordo com o disposto no artigo 191.º do Código de Processo Penal, a liberdade das pessoas só pode ser limitada total ou parcialmente em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na Lei.


Por sua vez, decorre do artigo 193.º do mesmo diploma legal, que as medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser adequadas às exigências cautelares que o caso requer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, sendo que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação.


Acresce que todas as medidas cautelares, à exceção do termo de identidade e residência, deverão evitar um "periculum libertatis" que se pode plasmar, atento o disposto no artigo 204.º do Código de Processo Penal, em três vertentes distintas: fuga ou perigo de fuga: perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova: ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.


Começando pelo crime de fuga, consideramos que, no caso da arguida, este é muito significativo e não pode ser descurado.


Não só por a arguida possuir nacionalidade brasileira mas, sobretudo, porque daquilo que se extrai da factualidade indiciada, não se afigura que esta tenha um vínculo de vida estável em Portugal que a iniba de abandonar este país; com efeito, a mesma reside em ..., sendo patente que se movimenta com muita regularidade entre Portugal, ... e ... (onde tem o seu filho a residir, isto, para além do ... que é a sua terra natal.


De referir também que esta arguida esteve em parte incerta durante cerca de 4 meses, tendo vindo a mudar de número de contacto telefónico com muita frequência de modo a não ser intercetada, como se pode verificar pela análise dos vários autos de interceção telefónica.


A contribuir decisivamente para este risco, há a salientar o facto de a arguida utilizar, com frequência, identidades falsas, o que lhe permite deslocar-se para vários pontos do globo sem ser identificada.


É seguro, pois afirmar que sem uma medida de coação idónea a arguida procurará com grande possibilidade de sucesso abandonar o território nacional e eximir-se às suas responsabilidades penais, salientando-se que a mesma é agora confrontada confrontado pela justiça pela prática de factos dotados de elevada gravidade, salientando-se que a pena de prisão referente ao crime de branqueamento de capitais pode ascender a 12 anos.


Quanto ao perigo de continuação da atividade criminosa, este também é intenso.


Desde logo, impõe-se salientar a facilidade com que a arguida cria ou pede a terceiros para criar empresas e identidades falsas e movimenta o dinheiro proveniente de crimes de extrema gravidade.


Da análise da factualidade supra indiciada, e mesmo numa fase embrionária do processo, não estamos, de forma alguma, perante uma pessoa que praticou uma conduta isolada, mas antes perante alguém que se dedica de forma assídua à falsificação de documentos e ao branqueamento de capitais e que subsiste por força desta atuação, salientando-se aqui, uma vez mais, as quantias avultadíssimas de dinheiro movimentadas pela arguida que lhe permitirão ter um modo de vida diferenciado.


A isto acresce dizer que a arguida não atua sozinha, mas antes integrada, com toda a probabilidade, numa organização criminosa altamente perigosa e violenta que se dedica ao rapto de pessoas e à apropriação de elevadas quantias económicas de forma ilegítima, sendo que em face do papel essencial que a arguida desenvolverá nesta atividade (branqueamento de capitais), dificilmente deixará de colaborar com a mesma.


A personalidade da arguida, materializada nos factos que acima se descreveu, a sofisticação da sua atuação, os elevados proventos económicos que esta atuação gera para si e terceiros e o facto de esta não ter qualquer o seu centro de vida em Portugal faz com que o tribunal esteja convicto que sem a aplicação de uma medida de coação idónea, a atividade criminal da mesma prosseguirá.


Face à especial intensidade dos perigos a que acabou de se aludir, a moldura penal dos crimes imputados à arguida, o tribunal considera que se impõe aplicar medida de coação privativa da liberdade o que se afigura necessário, adequado e proporcional, designadamente em face da gravidade dos factos a que se reporta o caso sub judice.


De facto, nenhuma das medidas não privativas da liberdade seria idónea a acautelar devidamente os perigos que se fazem sentir no presente caso.


A título exemplificativo, explicite-se que no que se reporta ao perigo de fuga, o mesmo não será acautelado pela proibição de o arguido abandonar o território nacional com a consequente entrega do seu passaporte (artigo 200.º n.º b) do CPP).


Efetivamente, como já se aludiu supra, a factualidade supra indiciada atesta a enorme facilidade que a arguida tem em obter documentos falsos (mas sofisticados) e em criar novas identidades com os mesmos, o que frustraria a eficácia da aludida medida.


Por outro lado, no que se reporta aos perigos de continuação da atividade criminosa e de perturbação de inquérito, analisando o elenco de medidas de coação taxativo que consta do Código de Processo Penal, estes também não são acautelados por nenhuma medida de coação não privativa da liberdade, sendo que nenhuma das medidas de coação é suficiente para impedir a arguida de abrir novas contas bancárias e criar empresas e identidade fictícias a fim de movimentar capitais de origem ilícita, o que hoje em dia é facilitado pela circunstância de ser possível efetuar várias destas operações através da internet sendo que este raciocínio se aplica à medida de coação de obrigação de permanência na habitação que também não é suficiente para acautelar os perigos destes autos.


Conclui-se, portanto, que, por ora, a única medida de coação apta a enfrentar os perigos cautelares é a de prisão preventiva que é proporcional e admissível designadamente em face da moldura penal do crime de branqueamento de capitais.


Pelo que, em face do exposto determina-se que a arguida AA fique sujeita às medidas de coação de termo de identidade e residência, já prestado, e prisão preventiva (artigos 191.º, 192.º, 193.º, 194.º, 196.º, 202.º n.º1 al. a), 204.º n.º 1 al. a), e c), todos do Código de Processo Penal e artigo 368.º- A, n.ºs 1 e 3 do C. P. Penal.


(…) .»


*


3. Direito


3.1. Nos termos do artigo 27.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP), todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de ato punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.


Excetua-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 3 do mesmo preceito constitucional, em que se incluem: (a) a detenção em flagrante delito; (b) a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos; (c) a prisão, detenção ou outra medida coativa sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão; (d) a prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente; (e) a sujeição de um menor a medidas de proteção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente; (f) a detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente; (g) a detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários e; (h) o internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente.


O artigo 31.º da CRP consagra o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer pela própria pessoa lesada no seu direito à liberdade, ou por qualquer outro cidadão no gozo dos seus direitos políticos, por via de uma petição a apresentar no tribunal competente.


Em anotação ao artigo 31.º, n.º 1, da CRP, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508):


«Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos penais ou outros, garantido nos arts. 27.º e 28.º (...). A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no art. 27.º, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir, quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos legalmente previstos, etc.


Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade.»


José Lobo Moutinho (Jorge Miranda e Rui Medeiros, com a colaboração de José Lobo Moutinho [et alii], Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo1, 2.ª edição, 2010, pp. 694-695), em comentário ao mesmo artigo 31.º, n.º1, da Lei Fundamental, sustenta que a qualificação de «providência extraordinária», atribuída ao habeas corpus « …não significa e não equivale à excecionalidade. Juridicamente excecional é a privação da liberdade (pelo menos, fora dos termos e casos de cumprimento de pena ou medida de segurança) e nunca a sua tutela constitucional. A qualificação como providência extraordinária será de assumir no seu descomprometido significado literal de providência para além (e, nesse sentido, fora – extra) da ordem de garantias constituída pela validação judicial das detenções e pelo direito ao recurso de decisões sobre a liberdade pessoal.»


A lei processual penal, dando expressão ao referido artigo 31.º da CRP, prevê duas modalidades de habeas corpus: em virtude de detenção ilegal e em virtude de prisão ilegal.


Dispõe o artigo 222.º do CPP, sob a epígrafe “Habeas corpus em virtude de prisão ilegal”:


«1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.


2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:


a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;


b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou


c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.»


A jurisprudência deste Supremo Tribunal vem considerando que constituem fundamentos da providência de habeas corpus os que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão (acórdão de 06.04.2023, proc. n.º 130/23.0PVLSB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).


Tem também decidido uniformemente o Supremo Tribunal de Justiça que a providência de habeas corpus, por um lado, não se destina a apreciar erros de direito, nem a formular juízos de mérito sobre decisões judiciais determinantes da privação da liberdade (por todos, o acórdão do STJ, de 04.01.2017, proc. n.º 109/16.9GBMDR-B. S1, e jurisprudência nele citada) e, por outro, que a procedência do pedido pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que é apreciado o pedido (entre muitos, o acórdão de 19.07.2019, proferido no proc. n.º 12/17.5JBLSB, com extensas referências jurisprudenciais).


Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.


Como se tem afirmado, em jurisprudência uniforme, o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionário atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, proferida por autoridade judiciária competente, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (acórdãos de 16.11.2022, proc. 4853/14.7TDPRT-A.S1, de 18.05.2022, proc. 37/20.3PJLRS-A.S1, e de 06.09.2022, proc. 2930/04.1GFSNT-A.S1).


3.2. No caso concreto, a peticionária considera estar presa por facto pelo qual a lei não permite prisão preventiva.


A prisão preventiva, como se viu, foi aplicada com fundamento, além do mais, na existência de fortes indícios de a peticionária haver praticado um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º- A, n.ºs 1 e 3, do Código Penal, a que corresponde pena de prisão até 12 anos.


Quer isto dizer que a prisão preventiva foi motivada por facto pelo qual a lei a permite, porquanto o crime fortemente indiciado, sendo punível com pena de prisão até 12 anos, admite prisão preventiva, nos termos do artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do CPP.


O que importa para este efeito é o tipo de crime que se imputa à arguida e não o mérito dessa imputação, a menos que seja indiscutivelmente errada.


Por outras palavas, a prisão preventiva será motivada por facto pelo qual a lei a não permite se, por exemplo, for aplicada por facto que não constitui crime ou por crime que não admite essa medida de coação, seja em função da sua natureza ou da pena aplicável, importando que se trate de uma ilegalidade evidente, de um erro diretamente verificável com base nos factos recolhidos no âmbito da providência confrontados com a lei, sem que haja necessidade de proceder à apreciação da pertinência ou correção de decisões judiciais.


É certo que, referindo-se à pena aplicada, que não à moldura abstrata, o n.º 12 do artigo 368.º- A, estabelece: “A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.”


O despacho que impôs a prisão preventiva não especifica os tipos de crime de onde provêm as vantagens, ou seja, não indica qual o crime ou crimes antecedentes, pela indicação do(s) artigo(s) da lei.


No entanto, algumas observações se impõem:


Em primeiro lugar, o crime de branqueamento inscreve-se no conceito de criminalidade altamente organizada, na definição da al. m), do artigo 1.º, do CPP, pelo que, mesmo que punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, seria suscetível de justificar a aplicação da medida de prisão preventiva, nos termos da al. c), do n.º1, do artigo 202.º, do CPP.


Em segundo lugar, o despacho que impôs a prisão preventiva refere-se à “violência” exercida sobre o ofendido e à atuação da arguida/peticionária “numa organização criminosa altamente perigosa e violenta que se dedica ao rapto de pessoas e à apropriação de elevadas quantias económicas de forma ilegítima” (sublinhado nosso).


O crime de rapto, p. e p. pelo artigo 161.º, do Código Penal, em que ação consiste na subtração e transferência não consentida de uma pessoa de um local para outro, ficando a vítima sob o domínio fáctico do agente, podendo ter como intenção, além de outras, a sujeição da vítima a extorsão, é punido com pena que, no seu máximo, nos números 1 e 2 do referido artigo, é sempre superior a 5 anos.


Ainda que se tivessem em conta os ilícitos típicos mencionados, alternativamente, pela peticionária – burla informática e nas comunicações, p. e p. pelo artigo 221.º; extorsão, p. e p. pelo artigo 223.º ; abuso de cartão de garantia ou de crédito, p. e p. pelo artigo 225.º -, haveria que considerar estarmos perante valor consideravelmente elevado, com a correspondente elevação dos máximos das penas – não se vislumbrando razão para que essa elevação não fosse considerada para efeitos do crime de branqueamento.


O mesmo caso se seguisse o entendimento do Ministério Público junto da 1.ª instância, no sentido de ser crime antecedente o roubo agravado, p. e p. no artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal.


Em todos os casos, tais crimes são puníveis com penas de prisão superiores a 5 anos.


Porém, não nos cumpre ensaiar hipóteses alternativas quanto ao crime ou crimes antecedentes, bastando-nos a constatação de que o despacho que aplicou a prisão preventiva, ainda que sem mencionar o artigo onde está tipificado, refere expressamente, como já se disse, o “rapto de pessoas”, o que explica a menção ao artigo 202.º, n.º1, al. a), além de que o crime de branqueamento, como já se disse, inscreve-se no conceito de criminalidade altamente organizada, na definição da al. m), do artigo 1.º, do CPP, pelo que, mesmo que punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos, também seria suscetível de justificar a aplicação da medida de prisão preventiva, nos termos da al. c), do n.º1, do artigo 202.º, do CPP.


Conclui-se que não se verifica a alegada prisão ilegal, razão por que a providência de habeas corpus terá de ser indeferida.


*


III - DECISÃO


Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus ora em apreciação.


Custas pela peticionária, com 3 UC de taxa de justiça (artigo 8.º, n.º 9, do R. Custas Processuais e Tabela III anexa).


Supremo Tribunal de Justiça, 24 de abril de 2024


(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)


Jorge Gonçalves (Relator)


Jorge dos Reis Bravo (1.ª Adjunto)


João Rato (2.º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente da Secção)