Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2118/21.7T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ERRO NA APRECIAÇÃO DAS PROVAS
ADMISSIBILIDADE DA PROVA TESTEMUNHAL
VIOLAÇÃO DE LEI
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
FORMA ESCRITA
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I - O invocado erro de julgamento da Relação só pode ser apreciado quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso.

II - Os factos assentes não permitem responsabilizar a R. pelo montante reclamado pela A., sendo certo que as alterações que fossem acordadas tinham que constar de documento escrito e assinado pelos outorgantes.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (2ª SECÇÃO)

I - Sagies - Segurança e Saúde, S.A., intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra, Hospital de Braga, E.P.E.

Pedindo: - A condenação do réu a pagar-lhe a quantia de €84.688,72 acrescida de juros de mora vencidos, à taxa de 7% estipulada para créditos de que sejam titulares empresas comerciais (Código Comercial, artigo 102º, § 3º), desde 13-5-2020, no montante de €5.434,11 no valor total de €90.122,83 bem como os vincendos, à mesma taxa legal, até integral pagamento.

Alegando, em síntese, que:

- No âmbito da sua atividade de prestação de serviços de segurança e saúde no trabalho, por instrumento datado de 24 de abril de 2010 contratou com a sociedade comercial anónima E...do Estabelecimento, S.A., esta última enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, a prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, mediante o pagamento mensal equivalente a um duodécimo do valor da prestação anual acordada, no montante de €99.620,00 (€8.301,66 ), mais IVA no montante em que era aplicável, constando do contrato que a prestação poderia ser atualizada anualmente, nos termos e prazos que indica.

- A proposta de preço que foi estipulada no contrato teve por base o quadro de colaboradores do Hospital de Braga, que era à data de 1858 trabalhadores que, entretanto, quando o quadro de trabalhadores aumentou e excedeu os 2400, a diretora dos recursos humanos do Hospital de Braga tomou a iniciativa de pedir uma proposta à aqui autora para aumento das horas médicas; o novo preço (agora só para a área da saúde, ficando internalizada a área de higiene e segurança no trabalho) foi fixado em €127.033,00 anuais, sem IVA, porquanto dele isento - correspondendo a €10.586,09 mensais.

- A autora passou a facturar e a receber da concessionária E...do Estabelecimento, S.A. o novo montante; por recíproca confiança entre ambas e a correspondente alteração não foi vertida em aditamento ao contrato, conforme prescrevia a respetiva cláusula 13.ª, n.º 1.

- Mas, o serviço continuou a ser prestado e a concessionária continuou a pagar até Agosto de 2019.

- Em 30-8-2019, a gestão do estabelecimento hospitalar foi transmitida da anterior concessionária, E...do Estabelecimento, S.A., para o ora réu, através de um contrato de transmissão de estabelecimento hospitalar, tendo a autora continuado a prestar os serviços acordados e a facturá-los, e disso mesmo esclareceu a nova gestora do hospital e aqui ré, por carta de 3-10-2019.

- Sucede que, em 4-3-2020, o aqui réu escreveu à autora declarando que, à data da transmissão do estabelecimento, quando lhe foi cedida a posição contratual, não estava ciente do preço do serviço, uma vez que só lhe tinha sido disponibilizado o contrato e não havia aditamento escrito, pretendendo que os serviços prestados à data (para 3015 trabalhadores) continuassem a ser prestados, mas pelo valor inicial do contrato (fixado para 1858 trabalhadores), o que foi rejeitado pela autora, propondo então a resolução do contrato e solicitando o pagamento das facturas em atraso, nos termos e com os fundamentos que enunciou mediante carta remetida à ré, de 27-4-2020.

Conclui que é devido pelo réu o pagamento à autora das facturas correspondentes aos serviços efetivamente prestados por esta e que foram devolvidas pelo réu, em 3-12-2020, como tudo melhor consta da petição inicial.

O R. apresentou contestação onde, em resumo:

- Impugna parcialmente a factualidade alegada pela A;

- Alega inexistir qualquer aditamento ou documento escrito ao contrato de prestação de serviços em causa e que, a partir de 23-3-2020, a A. deixou, sem qualquer justificação, de prestar serviço para o R, incorrendo em incumprimento grave das obrigações contratuais, o que determinou a resolução do contrato em causa.

Conclui pela improcedência da acção e sua consequente absolvição.

Dispensada a audiência prévia, foram proferidos os despachos saneador, de identificação do objeto do litígio, de enunciação dos temas da prova e de admissão dos meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, a qual se transcreve na parte dispositiva:

«Nestes termos e em função do exposto, o Tribunal decide declarar parcialmente procedente os fundamentos de facto e de direito invocados pela autora e, em consequência, condeno o réu a pagar à autora a quantia total de € 60 617,85 (sessenta mil, seiscentos e dezassete euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida dos juros de mora vincendos, contados desde a data da apresentação data da propositura da acção e calculados nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial, e ainda de juros compulsórios à taxa de 5% ao ano a partir da prolação desta decisão (sendo apenas devidos juros sobre a parte que o réu não se dispôs a pagar - montante mensal de €5.085,75 (cinco mil e oitenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) de setembro de 2019 a fevereiro de 2020 e € 3.729,55 (três mil setecentos e vinte e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos) referentes ao mês de março de 2020).

Custas pelo réu. Registe e Notifique».

II - Inconformada com tal decisão, veio a A. dela interpor recurso de apelação, pugnando pela alteração da decisão recorrida e pela condenação do R: “a pagar-lhe a quantia de €71.370,74 acrescida de juros de mora calculados nos termos do §5º do artº 102º do Código das Sociedades Comerciais desde 13 de Maio de 2020 até integral pagamento, e ainda juros compulsórios à taxa de 5% ao ano a partir da prolação da sentença sobre todo o montante do capital em dívida, ou seja, os acima indicados €71.370,74.”

Também o R. recorreu subordinadamente, admitindo a sua condenação, mas num valor bastante inferior, em consonância com a sua posição antes assumida nos autos.

Na Relação foi proferido o seguinte acórdão parte decisória:

“-…-

Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso principal apresentado pela autora, e procedente o recurso subordinado apresentado pelo réu e, consequentemente, decidem alterar o dispositivo da sentença recorrida, o qual se substitui por outra decisão a julgar a ação parcialmente procedente, condenando o réu a pagar à autora a quantia de 34.244,05 € acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, desde 13 de maio de 2020 até integral pagamento, absolvendo o réu do demais peticionado pela autora.

-…-”

III - A A. recorreu de revista formulando as seguintes CONCLUSÕES:

1. Ainda que não fosse permitida prova testemunhal quanto ao direito invocado em primeiro lugar para ser aplicado aos factos – a alteração da cláusula contratual do preço com inobservância da forma convencionada – essa prova é admissível quanto ao direito aplicável subsidiariamente (e subsidiariamente invocado): enriquecimento sem causa e abuso do direito.

2. Tal argumentação jurídica subsidiária invocada não veio a ser apreciada pelo tribunal a quo, porquanto, este declarou que a Autora “não pretendeu prevalecer-se das consequências da inobservância da forma convencionada, antes pretendendo que se reconheça plena eficácia a uma alegada convenção posterior, contrária ou adicional ao conteúdo do documento particular que apresenta como elemento estruturante da causa de pedir da presente acção”, o que, não sendo falso, não retrata a posição da Autora na sua totalidade.

3. Porquanto esta, subsidiariamente, prevaleceu-se de outras soluções jurídicas, que haviam de ser referidas aos factos invocados;

4. Ao estripar matéria de facto, provada testemunhalmente, que não podia ser considerada para a primeira solução jurídica invocada, em vez de meramente a desconsiderar para esse efeito, o tribunal a quo lavrou em “erro de julgamento”, porquanto para as soluções subsidiárias não havia qualquer impedimento em que essa prova fosse testemunhal.

5. Esse erro impediu ilegalmente a apreciação dos factos para aplicação do direito nas perspectivas – invocadas – do enriquecimento sem causa e do abuso do direito.

6. Com efeito, teriam de ser apreciados na perspectiva daquelas figuras jurídicas os factos de, tendo a Autora prestado um serviço à Ré durante oito meses (docs. 4 a 11 da P.I.) a 2400 trabalhadores nos anos de 2019 e 2020, o preço não poder ser o mesmo que o estabelecido num contrato de 2010 para 1858 trabalhadores.

7. Se se julgar – como se julgou – que a pretendida alteração ao contrato é nula por vício de forma, o mesmo há-de ser reequilibrado.

8. Quando tal se deva a uma alteração anormal de circunstâncias, rege o artº 437º do Código Civil.

9. Quando essa alteração de circunstâncias é normal e/ou previsível, regem as normas de equilíbrio, de boa-fé, baseadas na confiança.

10. Ou, em última análise, por aplicação da figura do enriquecimento sem causa.

11. O que foi invocado, mas não pôde ser apreciado por supressão da prova atendível, fundada em erro.

12. Foi este erro de julgamento que impediu a aplicação do melhor direito, com prejuízo (e injustiça) para a Autora, o qual pode – e deve – ser corrigido pelo douto tribunal ad quem, e deste modo constitui o cerne do presente recurso.

13. Para além do pagamento a que a Ré foi condenada, deve ser condenada ainda ao pagamento da diferença entre o serviço prestado a 1.858 trabalhadores (levando em conta as profissões e escalões etários e tendo em consideração, também, a evolução dos índices de preços no consumidor (como indica o Acórdão a quo na sua página 64) e os mais de 2.400, existentes no quadro do Hospital de Braga a partir de 1-10-2015 (matéria provada, números 7 e 8).

14. E estes valores não podem deixar de ser aqueles que foram facturados (docs. 4 a 11 juntos com a P.I.) e que correspondiam aos valores aprovados entre as partes, que a Autora passou a facturar e a receber da E...do Estabelecimento, S.A. a partir de 1 de Outubro de 2015 e até Agosto de 2019, conforme a matéria de facto contida nos artigos 9º a 12º da douta sentença de Primeira Instância e cuja exclusão da matéria provada resultou de um erro de julgamento do tribunal de recurso, cujo suprimento se requer a V. Exas., Senhores Juízes.

Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, e a R. ser condenada a pagar à A. a quantia respeitante ao valor total dos serviços prestados, facturada conforme documentos 4 a 11 da P.I., no valor de € 71.370,74, acrescida de juros de mora calculados nos termos do §5º do artº 102º do Código das Sociedades Comerciais desde 13 de Maio de 2020 até integral pagamento, e ainda juros compulsórios à taxa de 5% ao ano a partir da prolação da sentença sobre todo o montante do capital em dívida, ou seja, € 71.370,74.

Respondeu o R, referindo não merecer o acórdão recorrido qualquer censura, e assim sendo, deve ser julgado improcedente o presente recurso e mantida a decisão recorrida.

O recurso foi devidamente admitido como de revista, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

A) APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

- Em função das conclusões do recurso, temos que, no essencial:

A recorrente entende ter havido “erro de julgamento” por parte da Relação, quer quanto à factualidade apurada quer quanto ao direito aplicável, pugnando pela condenação do R. nos termos em que o foi em sede de 1ª Instância, ou seja, no montante do capital em dívida (€71.370.74) acrescido dos juros comerciais igualmente peticionados.

B) DOS FACTOS

Na sequência da parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a Relação deu como assente a factualidade:

1. A Autora é uma sociedade comercial anónima, que tem por objeto a prestação de serviços de segurança e saúde no trabalho (CAE 86220 - R3).

2. Por instrumento datado de 24 de Abril de 2010, a Autora e a sociedade comercial anónima E...do Estabelecimento, S.A., esta última enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, acordaram a prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho.

3. Como contrapartida da prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, a E...do Estabelecimento, S.A., enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, comprometia-se a pagar mensalmente à autora Sagies o equivalente a um duodécimo da avença anual acordada no montante de 99.620,00 € (61.029,00 € isento de IVA para a Saúde no Trabalho e 38.591,00 € + IVA para a Segurança e Higiene no Trabalho).

4. Acordaram que a prestação poderia ser atualizada anualmente, até dia 31 de dezembro de cada ano, por acordo entre as partes, por razão de correções que decorressem da evolução dos índices de preços no consumidor e/ou de alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários.

4 - A) Ficou também estipulado que «este documento poderá ser modificado por acordo das partes, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente, contanto que as alterações acordadas constem de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passará a constituir anexo ao Contrato».

5. Ficou também estipulado que “qualquer alteração ao Quadro de Colaboradores deveria ser acordada entre as partes”.

6. A autora assumiu ser a única e exclusiva responsável pelo cumprimento das obrigações, na medida em que elas fossem totalmente contempladas no acordo.

7. O quadro de colaboradores do Hospital de Braga, à data da proposta da Autora, era de 1.858 trabalhadores, número para o qual era feita a proposta de preço que veio a ser estipulada no acordo.

8. Quando o quadro de trabalhadores aumentou e excedeu os 2.400 a própria diretora dos recursos humanos do Hospital de Braga (Dra. AA) tomou a iniciativa (1 de outubro de 2015) de pedir uma proposta à aqui Autora para aumento das horas médicas.

9. Em 30 de agosto de 2019, a gestão do estabelecimento hospitalar foi transmitida da anterior concessionária, E...do Estabelecimento, S.A., para o réu, Hospital de Braga, E.P.E. através de um acordo denominado “Contrato de Transmissão de Estabelecimento Hospitalar”.

10. A autora emitiu e enviou ao réu as faturas a seguir indicadas relativas ao período de setembro de 2019 a abril de 2020: - FT 2019 B/723 de 2019-09-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - Setembro 2019; - FT 2019 A/2253 de 2019-10-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - outubro 2019; - FT 2019 A/2541 de 2019-11-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho -novembro 2019; - FT 2019 A/2792 de 2019-12-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - dezembro 2019; - FT 2020 A/104 de 2020-01-28 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» -Saúde no Trabalho - janeiro 2020; - FT 2020 B/161 de 2020-02-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - fevereiro 2020; - FT 2020 B/485 de 2020-03-10 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - março 2020; - FT 2020 B/790 de 2020-04-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - abril 2020.

11. Em de 3 de outubro de 2019 a aqui autora escreveu ao réu declarando, entre o mais, que: «[a] Sagies celebrou com a E...do Estabelecimento, S.A., em 24 de abril de 2010 um Contrato de Prestação de serviços de atividades de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (“Contrato”).

Nos termos do Contrato, com a extinção do Contrato de Gestão do Hospital de Braga a E...do Estabelecimento, S.A. poderia ceder a sua posição contratual no contrato a favor da nova entidade que viesse a gerir o Hospital.

Embora não tenhamos recebido da parte de V. Exas. nenhuma comunicação formal nesse sentido, assumimos que se mantém a relação contratual nos termos e condições do Contrato dado que, após a data do termo do Contrato de Gestão, temos mantido inalterada a prestação de serviços no Hospital de Braga».

12. Em 4 de março de 2020, o aqui réu escreveu à autora declarando que, à data da transmissão do estabelecimento, quando lhe foi cedida a posição contratual, não estava ciente do preço do serviço, uma vez que só lhe tinha sido disponibilizado o contrato e não havia aditamento escrito.

13. O réu na missiva identificada no ponto anterior, informou que o Conselho de Administração do Hospital de Braga, EPE em 06-01-2020, deliberou que fosse mantido o cumprimento das condições estabelecidas no contrato reduzido a escrito e outorgado em 24-04-2010, dado que foram as cedidas e conhecidas pelo Hospital de Braga EPE no momento em que se verificou a transmissão.

14. A autora remeteu à ré carta de 27 de abril de 2020, propondo a resolução do contrato e rejeitando proposta de manutenção do serviço naqueles termos.

15. Na mesma carta, solicitou o pagamento do montante de 84.688,72 € no prazo máximo de 15 dias, data a partir da qual se iniciará a contagem de juros de mora à taxa legal até ao seu efetivo pagamento.

16. Em 03-12-2020 o réu escreveu à autora declarando, entre o mais, que: «(…) [o] contrato de Prestação de Serviços nas áreas de Saúde no Trabalho e de Segurança e Higiene no Trabalho celebrado entre a E...do Estabelecimento, S.A. (E...do Estabelecimento, S.A.) e a Sagies - Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, S.A., estipulava o preço global de €99.620,00 anuais, subdividido em duas parcelas, correspondendo os serviços na área de Saúde no Trabalho ao valor de €61.029,00 anuais (isento de IVA) e aos serviços na área de Segurança e Higiene no Trabalho o valor de €38.591,00 anuais + IVA.

No âmbito do Contrato de Transmissão do Estabelecimento Hospitalar celebrado entre a E...do Estabelecimento, S.A., a Administração Regional de Saúde do Norte, I. O., (ARS Norte) e o Hospital de Braga, E.P.E. (HB), a posição contratual assumida pela E...do Estabelecimento, S.A. no referido Contrato de Prestação de serviços foi transmitida para o HB, assumindo este a posição de adquirente do serviço, nos exatos termos previstos no referido Contrato de Prestação de Serviços.

Do que é possível apurar, a Sagies deixou em 2015 de prestar os serviços na área de Segurança e Higiene no Trabalho, restringindo-se o contrato passou ao preço global de 61.029,00€ (isento de iva), correspondente ao contratado para o exercício de atividades na área de Saúde no Trabalho.

Sucede ainda que, nas reuniões ocorridas aquando da transmissão do estabelecimento hospitalar durante o ano de 2019, a E...do Estabelecimento, S.A. referiu por diversas vezes que o contrato em causa apenas se cingia à área de Saúde no Trabalho, uma vez que a área de Higiene e Segurança no Trabalho tinha sido internalizada, pelo que o HB apenas teria de assumir os encargos relativos à área da Saúde no Trabalho.

Pese embora o exposto, o HB foi confrontado com a emissão de faturas mensais pela Sagies, no valor de 10.586,09 €, durante os meses de setembro de 2019 a abril de 2020, relativos pela prestação de serviços previstos no referido contrato. Tal valor equivaleria a um preço global anual de 127.033,08€, valor esse que não tem qualquer sustentação no Contrato de Prestação de Serviços em causa.

Para justificar este valor, a Sagies argumentou que o contrato de prestação de serviços celebrado a 24 de abril de 2010 sofreu uma alteração no ano de 2015 fixado por acordo entre as partes outorgantes em que o valor global do contrato passaria para €127.033,08.

Conforme já referido em comunicação anterior, a cláusula Décima Terceira do Contrato de Prestação de Serviços estabelece que o mesmo apenas “poderá ser modificado por acordo das partes, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente, contando que as alterações acordadas constem de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passará a constituir anexo ao Contrato”.

Todavia, não existe qualquer documento escrito e assinado pela E...do Estabelecimento, S.A. e pela Sagies no qual se introduza qualquer modificação ao Contrato, não existindo assim fundamento para os valores constantes nas faturas emitidas pela Sagies ao HB.

Nesta medida, pelo presente se informa que será efetuada a devolução das faturas a seguir indicadas relativas ao período de setembro de 2019 a abril de 2020, dado que contêm serviços que não foram efetivamente prestados, estando o HB, E.P.E. disponível para que, em alternativa, seja emitida nota de crédito referente aos serviços não prestados.

Faturas: - FT 2019 B/723 de 2019-09-06: -FT 2019 A/2253 de 2019-10-07; - FT 2019 A/2541 de 2019-11-08; - FT 2019 A/2792 de 2019-12-06; - FT 2020 A/104 de 2020-01-28; - - FT 2020 B/161 de 2020-02-07; - FT 2020 B/485 de 2020-03-10; - FT 2020 B/790 de 2020-04-08; (…)».

17. A que a autora respondeu em 31 de dezembro de 2020, manifestando a necessidade (e a intenção) de recorrer aos meios judiciais para executar as faturas emitidas. Argumentando com o facto de que a anterior cessionária, a E...do Estabelecimento, S.A., sempre tinha pago, desde dezembro de 2015 até ao final da concessão, o preço mensal faturado de € 84.688,72.

18. Em 2 fevereiro de 2009 foi celebrado um “CONTRATO DE GESTÃO” do “Hospital de Braga em Regime de Parceria Público-Privada” no qual foram outorgantes o Estado Português, representado pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. , E...do Estabelecimento, S.A. e E...do Edifício, S.A..

19. Este “contrato de gestão do Hospital de Braga (contrato de Gestão), celebrado em fevereiro de 2009, em regime de parceria público-privada (PPP), entre o Estado Português, representado pela Administração Regional de Saúde do Norte, I.P. (ARS Norte, I.P.), e a E...do Estabelecimento, S.A.. (E...do Estabelecimento, S.A.), terminou, “na parte relativa à gestão do estabelecimento hospitalar, em 31 de agosto de 2019”.

20. Nessa conformidade, foi criada uma “E.P.E. com vista a garantir a manutenção da prestação dos cuidados de saúde” tendo sido considerado pelo Governo, então, em funções que “a criação imediata desta empresa pública é indispensável, sob pena de irreversível prejuízo para a prestação de cuidados de saúde essenciais.”

21. O réu, Hospital de Braga, E.P.E., é uma entidade pública empresarial que presta cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde.

22. No dia 30 de agosto de 2019 foi celebrado o contrato designado “CONTRATO DE TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO HOSPITALAR”, no qual foram outorgantes “E...do Estabelecimento, S.A.”, “HOSPITAL DE BRAGA, E.P.E.” e “ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO NORTE, I.P.”.

23. Nas reuniões preparatórias, ocorridas no ano de 2019, com vista à celebração do contrato de transmissão de estabelecimento hospitalar, a E...do Estabelecimento, S.A. informou o aqui réu que o contrato de prestação de serviços celebrado com a Sagies - Segurança e saúde no Trabalho, S.A., agora autora, se restringia, desde há alguns anos à prestação de serviços na área de Saúde no Trabalho.

24. Tendo-lhe sido confirmado que, a área de Higiene e Segurança no Trabalho tinha sido internalizada a partir do ano de 2015, deixando a partir daí a agora autora de prestar tais serviços.

25. A partir do ano de 2015, durante a Gestão da E...do Estabelecimento, S.A.. cessou a prestação de Serviços na área da Higiene e Segurança no Trabalho.

26. A nova administração do réu Hospital de Braga, E.P.E. ficou convicto que às 24 horas do dia 31 de agosto de 2019 lhe estava a ser transmitido o contrato de prestação de serviços celebrado em 24 de abril de 2010 com a Sagies-Segurança e Saúde no Trabalho, S.A. e, apenas no que respeita aos serviços de Saúde no Trabalho.

27. Tendo a E...do Estabelecimento, S.A., para tanto, fornecido cópia do contrato de prestação de serviços celebrado com a autora, que não se fazia acompanhar e por isso não lhe foi fornecida a “proposta nº 09/09.0... (“Proposta de Prestação de Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho”)”.

28. Nem lhe foi comunicada qualquer atualização ao contrato “por razão de correções a decorrerem, designadamente, de evolução de índices de preços no consumidor e/ou de

alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários…”

29. O réu informou a autora que as faturas por si emitidas e enviadas iriam ser devolvidas e ou em alternativa que fossem emitidas notas de crédito.

30. A autora a partir do dia 23 de março de 2020 deixou de prestar serviço para o réu. 31. Na sequência da declaração da resolução do contrato mencionada em 18, a ré pediu

à autora “disponibilização da informação existente na vossa base de dados, respeitante ao acompanhamento pela medicina no trabalho dos colaboradores do Hospital de Braga, E.P.E.”

32. O réu nunca se recusou a pagar à Autora a quantia montante mensal de € 5.085,75 (cinco mil e oitenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) de setembro de 2019 a fevereiro de 2020 e € 3.729,55 (três mil setecentos e vinte e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos) referentes ao mês de março de 2020.

33. Quantia essa que entende ser devida pelos serviços que esta lhe prestou no período compreendido entre 1 de setembro de 2019 a 23 de março de 2020.

34. Quantia que ainda não foi paga porque a autora não emitiu as necessárias notas de crédito.

C) DO DIREITO

A recorrente/A. conforme foi enunciado supra – A) – alega que o acórdão recorrido padece de “erro de julgamento”.

A sustentar a sua tese refere: “Ainda que não fosse permitida prova testemunhal quanto ao direito invocado em primeiro lugar para ser aplicado aos factos – a alteração da cláusula contratual do preço com inobservância da forma convencionada – essa prova é admissível quanto ao direito aplicável subsidiariamente (e subsidiariamente invocado): enriquecimento sem causa e abuso do direito.”

1. Começando pela questão de facto:

Depois dum longo período de vigência do princípio da oralidade, a reforma de 1995/1996, ao prever o registo ou documentação da prova veio permitir a reapreciação da matéria de facto pela Relação, extensiva, com a reforma de 2013, aos meios de prova sujeitos a livre apreciação do julgador.

A Relação tem o poder-dever de formar a sua própria convicção, dentro dos limites da própria impugnação – artº 640º do CPC -, cientes que vigora o sistema da apelação restrita.

Mas esta assunção de responsabilidade pela Relação impõe a necessária fundamentação das modificações factuais operadas, ou seja, análise crítica da prova e especificação dos elementos relevantes para a formação da respectiva convicção – artº 607º nº 4, ex vi, artº 663º nº 2, ambos do CPC.

Como tem sido reiteradamente assinalado pelo Supremo Tribunal de Justiça/STJ, “o exercício dos poderes da Relação no que respeita à matéria da decisão de facto não pode limitar-se à enunciação de argumentos marginais de pendor abstrato, impondo sempre a reapreciação dos meios de prova oralmente produzidos, desde que o recorrente tenha cumprido o ónus de alegação regulado no artº 640.” - vide, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª Edição Actualizada, pags.350 e 351, onde se cita o elucidativo Acordão do STJ, de 11-2-16, 907/13, no qual é referido sobre os artºs. 662/640 do CPC: “não estamos perante normas que concedem à relação poderes discricionários, do mesmo modo que nada legitima que sejam feitas do sistema legal – cujo sentido e objetivos se mantêm no mesmo rumo – interpretações criativas que acabem por torpedear os objetivos que o legislador procurou alcançar, designadamente o reforço da possibilidade de serem corrigidas erros decisórios , através dum efectivo 2º grau de jurisdição, desempenhando a Relação funções que verdadeiramente respeitam às instâncias quando se trata de recolher para os autos a matéria de facto que verdadeiramente corresponda à realidade subjacente ao litígio.”

A Relação fez uma criteriosa aplicação do artº 662º do CPC, nos limites impostos pelo artº 640º daquele diploma legal, como se infere da seguinte motivação da questionada decisão de facto:

“-…-

Nos termos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Deste modo, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.

(…)

No âmbito do presente recurso foram revistos todos os concretos depoimentos e os documentos indicados pelo recorrente em sede de alegações.

Com vista à completa perceção da facticidade impugnada pelo recorrente, e no intuito de evitar conclusões descontextualizadas sobre a matéria impugnada, foram revistos e analisados criticamente e de forma atenta todos meios probatórios produzidos em sede de audiência final e juntos aos autos, entre os quais os documentos juntos pelas partes ao processo.

Foram, por isso, reapreciados todos os depoimentos/declarações prestados em julgamento, analisados criticamente entre si e em conjunto com a prova documental junta ao processo.

Insurge-se o recorrente/réu contra a redação dada ao ponto da matéria de facto dado como provado sob o n.º 3, sustentando que o mesmo deveria ter sido dado como provado com a redação que consta da cláusula 10.ª, n.º 1, do «Contrato de Prestação de Serviços» junto como documento n.º 1 à petição inicial.

Tal como resulta da motivação da decisão de facto constante da decisão recorrida, o facto em questão pretende reproduzir o teor da cláusula 10.ª, n.º 1, do «Contrato de Prestação de Serviços» junto como documento n.º 1 à petição inicial, o qual não foi impugnado pelo réu.

Como tal, revela-se evidente que o ponto da matéria de facto agora impugnado pelo recorrente/réu deve reproduzir de forma mais completa e rigorosa os diversos termos e referências que constam da aludida cláusula 10.ª, n.º 1, do «Contrato de Prestação de Serviços», o que não sucede com a redação que resulta da síntese efetuada pelo tribunal a quo a propósito de tal matéria.

Por conseguinte, procede nesta parte a impugnação deduzida quanto ao ponto 3 dos factos provados, que passará a vigorar com a seguinte redação:

3. Como contrapartida da prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, a E...do Estabelecimento, S.A., enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, comprometia-se a pagar mensalmente à autora Sagies o equivalente a um duodécimo da avença anual acordada no montante de 99.620,00 € (61.029,00 € isento de IVA para a Saúde no Trabalho e 38.591,00 € + IVA para a Segurança e Higiene no Trabalho).

O recorrente/réu suscita ainda uma pretensa contradição existente na fundamentação de facto da sentença recorrida, alegando que o facto dado como provado sob o n.º 5 dos “Factos Provados” - «Ficou também estipulado que “qualquer alteração ao Quadro de Colaboradores deveria ser acordada entre as partes» entra em contradição com o facto 4.º. - «Acordaram que a prestação poderia ser actualizada anualmente, até dia 31 de Dezembro de cada ano, por acordo entre as partes, por razão de correcções que decorressem da evolução dos índices de preços no consumidor e/ou de alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários» - pois que na alteração do preço não bastaria a alteração do quadro dos trabalhadores, havendo que considerar as profissões e escalões etários dos mesmos, conforme Cláusulas Décima e Décima Terceira do “Contrato de Prestação de serviços” junto como documento 1 à petição inicial.

Sucede que os referidos pontos da matéria de facto não têm conteúdo sobreponível, porquanto resulta evidente que o aludido ponto 4 da matéria de facto provada pretende reproduzir o teor da cláusula 10.ª, n.º 2, do «Contrato de Prestação de Serviços» junto como documento n.º 1 à petição inicial, reportando-se por isso de forma exclusiva à estrutura ou ao quadro de trabalhadores do Hospital de Braga, enquanto o ponto 5 dos factos provados pretende evidenciar o teor da cláusula 7.ª, n.º 2, do «Contrato de Prestação de Serviços» junto como documento n.º 1 à petição inicial, a qual remete expressamente para o «Quadro de Colaboradores constante no Anexo I à proposta n.º 09/09.0... (“Proposta de Prestação de Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho”)», também junto como documento n.º 2 com a petição inicial.

Ora, tal como resulta de forma clara do «Anexo I» (pg. 11), que consta deste último documento n.º 2 junto com a petição inicial, o «Quadro de Colaboradores» a que se refere a cláusula 7.ª, n.º 2, do «Contrato de Prestação de Serviços» junto como documento n.º 1 à petição inicial, respeita aos colaboradores que integram a equipa técnica da Sagies, ou seja, à equipa técnica especializada em SHST, e não à estrutura ou ao quadro de trabalhadores do Hospital de Braga.

Como tal, não se verifica a alegada contradição entre os pontos vertidos nos n.ºs 4 e 5 dos factos provados.

Contudo, tal não significa que não deva proceder o pretendido aditamento à matéria de facto provada do teor da cláusula 13.ª, n.º 1, do «Contrato de Prestação de Serviços» junto como documento n.º 1 à petição inicial, porquanto a omissão de tal facto essencial, que foi alegado no artigo 18.º da contestação e resulta do teor do documento n.º 1 junto com a petição inicial, configura uma deficiência da decisão da matéria de facto, na medida em que impede o estabelecimento de uma plataforma sólida para a integração jurídica do caso.

Em consequência, impõe-se considerar procedente, nesta parte, a impugnação deduzida, determinando-se o aditamento à matéria de facto provada de um novo facto que permita reproduzir os termos e referências que foram estipulados pelas partes outorgantes na cláusula 13.ª, n.º 1 do «Contrato de Prestação de Serviços» datado de 24 de abril de 2010, celebrado entre a autora e a E...do Estabelecimento, S.A., enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, com a seguinte redação:

4 - A) Ficou também estipulado que «este documento poderá ser modificado por acordo das partes, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente, contanto que as alterações acordadas constem de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passará a constituir anexo ao Contrato».

Alega o recorrente, para fundamentar a sua discordância quanto à impugnação atinente aos pontos 17.º e 20.º dos factos dados como provados, que das missivas do réu/recorrente, a que o tribunal se refere, datadas de 04-03-2020 e 03-12-2020, para dar como provados tais factos, e que se encontram juntas com a petição inicial como documentos 13 e 15, não se pode extrair os factos ali vertidos, sendo o teor de tais comunicações apenas no sentido de insistir que o preço só poderia ser atualizado em conformidade com o n.º 2 da Cláusula Décima Terceira do Contrato de Prestação de Serviços e que “a falta de redução a escrito das alterações contratuais levou a que as mesmas não fossem conhecidas pelo Hospital de Braga, E.P.E. quando lhe foi cedida a posição contratual da E...do Estabelecimento, S.A. no momento da transmissão do estabelecimento, o que motivou a devolução das faturas após a transmissão, uma vez que a sua conferência foi realizada através da verificação do contrato disponibilizado ao Hospital de Braga EPE, tendo sido nessas condições que o recebeu”, não resultando dessas comunicações qualquer insistência ou pretensão do réu/recorrente para que a autora/recorrida continue a prestar-lhe “serviços para os então 3015 trabalhadores pelo preço fixado para 1858”. Acrescenta que não se compreende como é que o tribunal a quo chegou a um número de 3015 trabalhadores, porquanto tal número não é referido em qualquer documento junto aos autos e nenhuma das testemunhas, mesmo as arroladas pela autora/recorrida e que prestaram o seu depoimento em julgamento, nunca fizeram referência a tal número de trabalhadores, reportando-se de forma específica ao depoimento da testemunha AA, com indicação das concretas passagens da gravação em que baseia a presente impugnação.

Tal como resulta do respetivo teor, o ponto 17 dos factos provados reporta-se de forma específica à missiva identificada no ponto anterior (ponto 16 dos factos provados), ou seja, à carta enviada pelo réu à autora em 4 de março de 2020 (que constitui o documento n.º 13 junto com a petição inicial), pretendendo reproduzir os respetivos termos e referências relevantes para o objeto da presente ação.

De forma idêntica, resulta das referências enunciadas no ponto 20.º dos factos provados que este ponto pretende condensar o teor da posição assumida pelo réu perante a autora, em 3 de dezembro de 2020, a qual se mostra objetivamente consignada na missiva com a mesma data e que constitui o documento 15 junto com a petição inicial, sendo que a 1.ª parte do ponto da matéria de facto em análise - «Até Dezembro de 2020 o Réu não pagou (…)» -configura no referido enquadramento uma conclusão relativa a premissas que não constam da respetiva redação, pressupondo a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tal juízo valorativo.

Reapreciados integralmente os meios de prova documental que fundamentam a presente impugnação, verifica-se que, efetivamente, nas missivas enviadas pelo réu/recorrente à autora, datadas de 04-03-2020 e 03-12-2020 (que constituem os documentos 13 e 15 juntos com a petição inicial, não concretamente impugnados pela autora nem pelo réu), o réu não faz qualquer referência, ainda que implícita, aos números de trabalhadores que foram consignados pelo tribunal a quo no âmbito dos pontos da matéria de facto em questão, sendo que as demais referências ali introduzidas por aquele tribunal também não refletem de forma objetiva e rigorosa os diversos termos e referências que constam das aludidas declarações exaradas pelo réu.

Decorre da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida que o ponto 17.º da matéria de facto provada, agora em apreciação, foi considerado provado tendo em conta o documento junto com a petição inicial sob o n.º 14.

Sucede que o aludido documento 14 (junto com a petição inicial), além de configurar uma carta remetida pela autora ao réu em 27 de abril de 2020 (a que alude o ponto 18 dos factos provados) foi oportunamente impugnado pelo réu quanto ao respetivo teor - cf. o alegado no artigo 56.º da contestação apresentada pelo réu.

Ora, não sendo tal documento imputado ao réu, e mostrando-se o mesmo impugnado expressamente quanto ao respetivo teor, afigura-se-nos manifesto que o referido documento não tem força probatória suficiente para julgar provada a matéria vertida no impugnado ponto 17.º dos factos provados, sendo certo que sobre a mesma não foi produzido ou apresentado qualquer outro meio de prova, designadamente testemunhal, com relevância suficiente para permitir considerar assentes as referências agora impugnadas quanto aos pontos 17.º e 20.º dos factos provados.

Porém, tal não significa que a matéria vertida em tais pontos deva transitar integralmente para a matéria não provada, impondo-se antes as necessárias alterações no sentido de passarem a reproduzir apenas os termos e as referências relevantes que decorrem das missivas enviadas pelo réu/recorrente à autora, datadas de 04-03-2020 e 03-12-2020 (que constituem os documentos 13 e 15 juntos com a petição inicial, não concretamente impugnados pela autora nem pelo réu), as quais revelam de forma objetiva a posição assumida pelo réu perante a autora nas referidas datas, tal como alegada nos artigos 38.º a 42.º da contestação, na medida em que se mostram relevantes para a integração jurídica do caso, devendo no restante passar a integrar os factos não provados.

Como tal, feita a reapreciação crítica e concatenação dos elementos indicados pelo apelante, procede parcialmente a impugnação deduzida, determinando-se a alteração dos pontos 17.º e 20.º dos factos provados, os quais passarão a ter a redação seguinte:

- O réu na missiva identificada no ponto anterior, informou que o Conselho de Administração do Hospital de Braga, EPE em 06-01-2020, deliberou que fosse mantido o cumprimento das condições estabelecidas no contrato reduzido a escrito e outorgado em 24-04-2010, dado que foram as cedidas e conhecidas pelo Hospital de Braga EPE no momento em que se verificou a transmissão;

- Em 03-12-2020 o réu escreveu à autora declarando, entre o mais, que: «(…) [o] contrato de Prestação de Serviços nas áreas de Saúde no Trabalho e de Segurança e Higiene no Trabalho celebrado entre a E...do Estabelecimento, S.A. (E...do Estabelecimento, S.A.) e a Sagies - Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, S.A., estipulava o preço global de €99.620,00 anuais, subdividido em duas parcelas, correspondendo os serviços na área de Saúde no Trabalho ao valor de €61.029,00 anuais (isento de IVA) e aos serviços na área de Segurança e Higiene no Trabalho o valor de €38.591,00 anuais + IVA.

No âmbito do Contrato de Transmissão do Estabelecimento Hospitalar celebrado entre a E...do Estabelecimento, S.A., a Administração Regional de Saúde do Norte, I. O., (ARS Norte) e o Hospital de Braga, E.P.E. (HB), a posição contratual assumida pela E...do Estabelecimento, S.A. no referido Contrato de Prestação de serviços foi transmitida para o HB, assumindo este a posição de adquirente do serviço, nos exatos termos previstos no referido Contrato de Prestação de Serviços.

Do que é possível apurar, a Sagies deixou em 2015 de prestar os serviços na área de Segurança e Higiene no Trabalho, restringindo-se o contrato passou ao preço global de 61.029,00€ (isento de iva), correspondente ao contratado para o exercício de atividades na área de Saúde no Trabalho.

Sucede ainda que, nas reuniões ocorridas aquando da transmissão do estabelecimento hospitalar durante o ano de 2019, a E...do Estabelecimento, S.A. referiu por diversas vezes que o contrato em causa apenas se cingia à área de Saúde no Trabalho, uma vez que a área de Higiene e Segurança no Trabalho tinha sido internalizada, pelo que o HB apenas teria de assumir os encargos relativos à área da Saúde no Trabalho.

Pese embora o exposto, o HB foi confrontado com a emissão de faturas mensais pela Sagies, no valor de 10.586,09 €, durante os meses de setembro de 2019 a abril de 2020, relativos pela prestação de serviços previstos no referido contrato. Tal valor equivaleria a um preço global anual de 127.033,08€, valor esse que não tem qualquer sustentação no Contrato de Prestação de Serviços em causa.

Para justificar este valor, a Sagies argumentou que o contrato de prestação de serviços celebrado a 24 de abril de 2010 sofreu uma alteração no ano de 2015 fixado por acordo entre as partes outorgantes em que o valor global do contrato passaria para €127.033,08.

Conforme já referido em comunicação anterior, a cláusula Décima Terceira do Contrato de Prestação de Serviços estabelece que o mesmo apenas “poderá ser modificado por acordo das partes, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente, contando que as alterações acordadas constem de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passará a constituir anexo ao Contrato”.

Todavia, não existe qualquer documento escrito e assinado pela E...do Estabelecimento, S.A. e pela Sagies no qual se introduza qualquer modificação ao Contrato, não existindo assim fundamento para os valores constantes nas faturas emitidas pela Sagies ao HB.

Nesta medida, pelo presente se informa que será efetuada a devolução das faturas a seguir indicadas relativas ao período de setembro de 2019 a abril de 2020, dado que contêm serviços que não foram efetivamente prestados, estando o HB, E.P.E. disponível para que, em alternativa, seja emitida nota de crédito referente aos serviços não prestados.

Faturas: - FT 2019 B/723 de 2019-09-06: -FT 2019 A/2253 de 2019-10-07; - FT 2019 A/2541 de 2019-11-08; - FT 2019 A/2792 de 2019-12-06; - FT 2020 A/104 de 2020-01-28; - - FT 2020 B/161 de 2020-02-07; - FT 2020 B/485 de 2020-03-10; - FT 2020 B/790 de 2020-04-08; (…)».

Reporta-se o impugnado ponto 19 dos factos provados de forma específica à missiva identificada no ponto anterior (ponto 18 dos factos provados), ou seja, à carta enviada pela autora ao réu, de 27 de abril de 2020 que constitui o documento 14 (junto com a petição inicial).

Ora, ainda que tal documento tenha sido oportunamente impugnado pelo réu quanto ao respetivo teor - cf. o alegado no artigo 56.º da contestação - certo é que se verifica que não foi posta em causa a respetiva autoria, nem subsistem quaisquer razões para não considerar provada a emissão das declarações nele contidas, o que de resto não vem posto em causa pelo apelante/réu, que não impugna a materialidade vertida no aludido ponto 18 dos factos provados.

Entendemos, assim, que da reapreciação do meio de prova em referência não resulta qualquer elemento que permita considerar não provado o facto 19.º impugnado pelo apelante/réu.

Porém, tal não significa que a matéria vertida no referido ponto deva manter-se com a redação vertida na sentença recorrida, impondo-se antes as necessárias alterações no sentido de passar a reproduzir de forma objetiva e rigorosa o que decorre do referido documento.

Como tal, determina-se a alteração do ponto 19.º dos factos provados, o qual passará a ter a redação seguinte:

- Na mesma carta, solicitou o pagamento do montante de 84.688,72 € no prazo máximo de 15 dias, data a partir da qual se iniciará a contagem de juros de mora à taxa legal até ao seu efetivo pagamento.

O impugnado ponto 15 dos factos provados respeita de forma específica à carta enviada pela autora ao réu, de 3 de outubro de 2019 que constitui o documento 12 (junto com a petição inicial), o que aliás decorre expressamente da motivação da correspondente decisão de facto constante da sentença recorrida.

Ora, ainda que tal documento não tenha sido impugnado pelo réu, certo é que o mesmo, atenta a sua data, não pode servir para consubstanciar qualquer esclarecimento atinente à matéria vertida no ponto 14 dos factos provados, posto que esta se reporta de forma expressa a factos só alegadamente consumados em momento temporal concreto posterior à data da referida comunicação.

Impõe-se, por isso, proceder às necessárias alterações, devendo o impugnado ponto 15.º dos factos provados passar a reproduzir apenas os termos e as referências relevantes que decorrem de forma objetiva da missiva enviada pela autora ao réu, de 3 de outubro de 2019, que constitui o documento 12 (junto com a petição inicial) tendo em vista a ulterior integração jurídica do caso, eliminando assim as demais referências meramente genéricas ou conclusivas.

Assim, o impugnado ponto 15 dos factos provados passará a ter a redação seguinte:

- Em de 3 de outubro de 2019 a aqui autora escreveu ao réu declarando, entre o mais, que: «[a] Sagies celebrou com a E...do Estabelecimento, S.A., em 24 de abril de 2010 um Contrato de Prestação de serviços de atividades de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (“Contrato”).

Nos termos do Contrato, com a extinção do Contrato de Gestão do Hospital de Braga a E...do Estabelecimento, S.A. poderia ceder a sua posição contratual no contrato a favor da nova entidade que viesse a gerir o Hospital.

Embora não tenhamos recebido da parte de V. Exas. nenhuma comunicação formal nesse sentido, assumimos que se mantém a relação contratual nos termos e condições do Contrato dado que, após a data do termo do Contrato de Gestão, temos mantido inalterada a prestação de serviços no Hospital de Braga».

Defende o apelante/réu que os factos constantes dos pontos 8., 9., 10., 11., 12. e 14., da matéria de facto provada devem ser dados como não provados, sustentando, no essencial, que, o tribunal a quo não podia subestimar a falta de redução a escrito das invocadas alterações contratuais, sendo que a autora, no “Contrato de Prestação de Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho” (e a E...do Estabelecimento, S.A.) vinculou-se a que as “alterações acordadas tinham de constar de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passaria a constituir anexo ao Contrato”, o que significa que não existência de documento escrito e assinado por si e pela E...do Estabelecimento, S.A., lhe é oponível, sendo que a exigência de documento escrito, assinado pelos outorgantes - autora/recorrida e E...do Estabelecimento, S.A., que passaria a constituir anexo ao Contrato de Prestação de Serviços e a fundamentar eventual correção do valor da avença era tanto mais importante quanto estávamos perante uma parte do contrato (E...do Estabelecimento, S.A.) gestora do Hospital de Braga no âmbito de um contrato em regime de Parceria Público Privada, antes da criação do Hospital de Braga, E.P.E., agora recorrente.

Acrescenta que nenhuma das testemunhas inquiridas soube precisar ou explicar como foi estabelecido o preço de 10.586,09 € mensais, e o documento junto sob o n.º 17 à petição inicial foi expressamente impugnado pelo agora réu/recorrente no artigo 61.º da sua contestação.

Conclui que, ao desconsiderar as cláusulas 10.ª e 13.ª do “Contrato de Prestação de Serviços” celebrado no dia 24 de abril de 2010, o tribunal a quo esvaziou totalmente as funções caraterísticas que são atribuídas aos documentos: função de perpetuação ou representativa; Função probatória - o documento é idóneo para a prova do facto juridicamente relevante (independentemente dessa prova ser ocasional, por não ter sido dado esse destino ao documento, no momento da sua emissão, ou intencional, nos casos em que o documento é deliberadamente emitido para servir como meio de prova de um determinado facto) e função de garantia, tanto mais que a E...do Estabelecimento, S.A. pertence ao Grupo ... tal como a autora/recorrida SAGIES - Segurança e Saúde no Trabalho, S.A., integrando assim o mesmo Grupo de empresas, como foi explicado pelas testemunhas BB e CC, nas concretas passagens que indica.

Ponderando o objeto da impugnação deduzida, logo se verifica que a concreta formulação da matéria que o tribunal a quo integrou no ponto 9 dos factos provados, ao consignar que «o novo preço (agora só para a área da saúde, ficando internalizada a área de higiene e segurança no trabalho) foi fixado em € 127.033,00 anuais - sem IVA - ou seja, € 10.586,09 mensais», não permite evidenciar qual a ocorrência ou o evento material e concreto que o determina, antes consubstanciando uma conclusão eventualmente baseada em elementos de facto que não constam da respetiva redação, ou seja, pressupõe a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tal juízo conclusivo, o qual encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente impugnação, que se mostra controvertida nos autos, o que, por si só, impede se dê como provada a concreta formulação da matéria que o tribunal a quo integrou no ponto em referência.

Por outro lado, o alcance temporal da matéria vertida no impugnado ponto 10.º dos factos provados revela-se claramente genérico e indeterminado porquanto a referência «a partir desta data…» não se mostra concretizada de forma objetiva e percetível, mesmo com recurso à análise da restante matéria de facto provada, o que também impede a consideração de tal segmento no âmbito dos factos provados.

Ademais, o âmbito da matéria agora impugnada, em especial a que foi vertida nos pontos 9.º, 10.º, 11.º e 12.º, e 14.º, dos factos provados, atenta a inter-relação existente entre os mesmos, parece pressupor a existência de convenção/ões necessariamente posterior/es e adicional/is ao instrumento escrito datado de 24 de abril de 2010, pelo qual a ora autora e a sociedade comercial anónima E...do Estabelecimento, S.A., esta última enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, acordaram a prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho.

Com efeito, mostra-se definitivamente assente nos autos que, no instrumento escrito datado de 24 de abril de 2010 as partes estipularam expressamente a contrapartida da prestação de serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho, a E...do Estabelecimento, S.A., enquanto concessionária da gestão do Hospital de Braga, comprometendo-se esta última a pagar mensalmente à autora Sagies o equivalente a um duodécimo da avença anual acordada no montante de 99.620,00 € (61.029,00 € isento de IVA para a Saúde no Trabalho e 38.591,00 € + IVA para a Segurança e Higiene no Trabalho).

É certo que no referido instrumento escrito, os respetivos outorgantes também acordaram que a prestação poderia ser atualizada anualmente, até dia 31 de dezembro de cada ano, por acordo entre as partes, por razão de correções que decorressem da evolução dos índices de preços no consumidor e/ou de alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários - cf. o ponto 4 dos factos provados.

Contudo, também decorre expressamente do instrumento escrito aludido no ponto 2 dos factos provados que, «este documento poderá ser modificado por acordo das partes, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente, contanto que as alterações acordadas constem de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passará a constituir anexo ao Contrato» - cf. o ponto 4-A agora aditado à matéria provada.

Deste modo, a matéria de facto agora impugnada tem necessariamente como pressuposto a alteração do estipulado no instrumento escrito datado de 24 de abril de 2010, conforme aliás foi alegado de forma genérica pela autora e ficou vertido no ponto 12 dos factos provados agora em análise, porquanto se reporta indiscutivelmente à alteração da contrapartida fixada no contrato em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente.

Ora, neste domínio, o artigo 393.º do Código Civil (CC) preceitua o seguinte: (Inadmissibilidade da prova testemunhal)

1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.

2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.

3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.

Por outro lado, prevê o artigo 394.º do CC: (Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele)

1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.

Tal como decorre do citado artigo 393.º, n.º 1 do CC, «[a] exigência de forma escrita, em resultado da lei ou da vontade das partes, pode respeitar à prova da declaração negocial (caso em que o documento é exigido ad probationem) ou à sua validade (caso em que o documento é exigido ad substantiam). Em qualquer dos casos supra referidos, o legislador afastou a possibilidade de fazer uso da prova testemunhal para fazer prova da declaração negocial»:

A propósito do regime previsto no enunciado artigo 394.º do CC, refere José Lebre de Freitas: «[q]uando haja documento autêntico ou particular (stricto sensu), seja ele exigido pela lei ou pelas partes, seja formado voluntariamente, não é admissível a prova por testemunhas de (outras) convenções que sejam contrárias ou adicionais ao seu conteúdo, ainda que tais convenções não sejam contemporâneas da formação do documento, mas anteriores a el ou até posteriores (n.º1)», esclarecendo ainda, a propósito: «[c]onvenção contrária é aquela que se opõe ao conteúdo da declaração feita no documento; adicional é a que lhe acrescenta algo mais».

No caso, a própria autora assumiu em sede de petição inicial que a alteração do montante acordado inicialmente não foi vertida em aditamento ao contrato, conforme prescrevia a cláusula 13.ª, n.º 1 do contrato em referência. Porém, também se verifica que a autora não pretende prevalecer-se das consequências da inobservância da forma convencionada, antes pretendendo que se reconheça plena eficácia a uma alegada convenção posterior contrária ou adicional ao conteúdo do documento particular que apresenta como elemento estruturante da causa de pedir da presente ação, motivo pelo qual entendemos que os factos inerentes a tal convenção, que são pressuposto dos impugnados pontos 9, 10, 11, 12, e 14 (este apenas em parte), devem considerar-se abrangidos pela restrição de prova que emerge do disposto no artigo 394.º, n.º 1 do CC.

Em qualquer caso, entendemos que nunca tal matéria deveria ter sido dada como provada com base nos depoimentos das testemunhas AA (foi responsável de recursos humanos da E...do Estabelecimento, S.A. no período de março de 2014 a agosto de 2017), BB (foi contabilista da E...do Estabelecimento, S.A. até 2019) e CC (foi gestor/administrador da Sagies de 2016 a 2020), contrariamente ao que sustentou o tribunal a quo para dar como provados os factos mencionados nos n.ºs 10 a 12 da matéria assente.

Assim, foram demasiadas as referências vagas e genéricas que decorrem de tais depoimentos a propósito dos concretos valores em referência, e justificação para os mesmos, sendo certo que a testemunha AA aludiu mesmo, ainda que de forma imprecisa, a duas atualizações de valores, sendo uma no sentido inverso, ou seja, no sentido da redução do valor inicial, tendo em conta a internalização dos serviços na vertente da higiene e segurança no trabalho, e afirmando desconhecer que critérios estiveram na base do novo preço que referiu ter passado a ser faturado e pago pela E...do Estabelecimento, S.A. a partir de determinado momento.

A este propósito, cumpre salientar que a especificidade da matéria de facto em causa não dispensava, no mínimo, a prova dos concretos e efetivos pagamentos alegadamente efetuados pela E...do Estabelecimento, S.A. à autora, a partir de determinada data, e até agosto de 2019, o mesmo sucedendo quanto às correspondentes faturas - que alegadamente passaram a ser emitidas pela autora, com o novo montante, até agosto de 2019 -, a que se reportam de forma direta os pontos 10.º e 12.º dos factos provados, o que não sucedeu.

É certo que a autora, com a petição inicial, juntou aos autos uma alegada “conta corrente” (documento n.º 17), com o qual pretendia demonstrar qual o preço mensal faturado que foi pago pela anterior cessionária, a E...do Estabelecimento, S.A., desde dezembro de 2015 até ao final da concessão.

Porém, o referido documento contabilístico, não assinado, constitui um documento cuja autoria vem imputada à própria autora, traduzindo um registo efetuado sem que revele qualquer intervenção da contraparte. Deste modo, tal documento apenas permite consubstanciar que no mesmo foram inscritos pela autora as concretas incidências nele registadas, não dispensando por isso o recurso a documentos probatórios que permitam demonstrar a veracidade dos movimentos subjacentes às operações enunciadas no mesmo, tanto mais que o referido documento foi especificamente impugnado pelo réu quanto ao respetivo teor e à respetiva correspondência com a realidade (cf. o artigo 61.º da contestação).

Por outro lado, e ainda que as testemunhas AA, BB e CC tenham aludido de forma genérica à existência de faturas recebidas e pagas pela E...do Estabelecimento, S.A. em datas anteriores a agosto de 2019, resulta manifesto que tais depoimentos representam, nessa parte, depoimentos indiretos, os quais entendemos não serem suficientes para permitir fundar a convicção do tribunal sobre tal matéria.

Com efeito, o relevo e a atendibilidade dos depoimentos indiretos não pode dissociar-se da natureza dos factos em análise e das singularidades do caso concreto em apreciação, na precisa medida em que, nas situações insuscetíveis de outros meios de prova, o julgador apenas se poderá socorrer de tais meios de prova, o que manifestamente não sucede no caso em apreciação.

Desta forma, sem a junção de suportes documentais que permitissem comprovar de forma direta os alegados pagamentos efetuados pela E...do Estabelecimento, S.A. à autora a partir de determinada data e até agosto de 2019 bem como a emissão e remessa das faturas que, alegadamente, passaram a ser emitidas pela autora, com o novo montante, até agosto de 2019, entendemos que não dispomos de princípio de prova relevante, indispensável para tornar verosímil ou razoável a alteração alegadamente acordada e implementada quanto à contrapartida fixada no contrato em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente.

Em consequência, não se revela possível atribuir o necessário alcance probatório às curtas mensagens de correio eletrónico reproduzidas no impugnado documento 3 (junto com a petição inicial) e no documento 1 (junto com o requerimento de prova apresentado a 25-10-2021), tanto mais que a própria testemunha AA esclareceu no respetivo depoimento que, enquanto Diretora de Recursos Humanos da E...do Estabelecimento, S.A., não lhe competia a decisão quanto às contratações ou a eventuais alterações contratuais, antes reportando tais situações à Comissão Executiva do Hospital e estando dependente da posterior validação da Administradora do respetivo pelouro, de quem dependia na altura, mais referindo não ter ideia se as alterações em causa chegaram ou não a ser reduzidas a escrito.

Todavia, consideramos que os últimos documentos referenciados, em conjunto com o depoimento da testemunha AA, permitem delimitar em termos suficientemente objetivos e inteligíveis a matéria fáctica vertida no ponto 8 dos factos provados, pelo que não vemos razões para alterar a resposta vertida pelo tribunal a quo relativamente a este facto.

Procede, assim, parcialmente, nos termos expostos, a impugnação da decisão de facto em referência, passando os aludidos pontos 9., 10., 11., e 12., a constar dos factos não provados, mantendo-se o ponto 8 na matéria de facto provada.

Por último, relativamente ao impugnado ponto 14.º dos factos provados, resulta indiscutível que parte da respetiva redação traduz a formulação de um juízo meramente conclusivo relativo a premissas que não constam da respetiva redação, posto que saber se a autora «continuou a prestar acordados» pressupõe a análise de um conjunto de circunstâncias de facto que permitam consubstanciar tal juízo valorativo, o qual encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objeto a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à presente apelação.

No entanto, a análise dos documentos 4 e 15 juntos com a petição inicial revela de forma objetiva que a autora emitiu e enviou ao réu as faturas a seguir indicadas relativas ao período de setembro de 2019 a abril de 2020: - FT 2019 B/723 de 2019-09-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho -Setembro 2019; - FT 2019 A/2253 de 2019-10-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - outubro 2019; - FT 2019 A/2541 de 2019-11-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» -Saúde no Trabalho - novembro 2019; - FT 2019 A/2792 de 2019-12-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - dezembro 2019; -FT 2020 A/104 de 2020-01-28 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - janeiro 2020; - FT 2020 B/161 de 2020-02-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho -fevereiro 2020; - FT 2020 B/485 de 2020-03-10 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - março 2020; - FT 2020 B/790 de 2020-04-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» -Saúde no Trabalho - abril 2020.

Nesta medida, e por se revelar relevante para a decisão da causa, julga-se parcialmente procedente a impugnação da decisão da decisão relativa à matéria de facto deduzida pelo recorrente quanto ao ponto da matéria de facto supra enunciado em 14 dos factos provados, que passará a ter a seguinte redação:

- A autora emitiu e enviou ao réu as faturas a seguir indicadas relativas ao período de setembro de 2019 a abril de 2020: - FT 2019 B/723 de 2019-09-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - Setembro 2019; - FT 2019 A/2253 de 2019-10-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - outubro 2019; - FT 2019 A/2541 de 2019-11-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho -novembro 2019; - FT 2019 A/2792 de 2019-12-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - dezembro 2019; - FT 2020 A/104 de 2020-01-28 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» -Saúde no Trabalho - janeiro 2020; - FT 2020 B/161 de 2020-02-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - fevereiro 2020; - FT 2020 B/485 de 2020-03-10 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - março 2020; - FT 2020 B/790 de 2020-04-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - abril 2020.

-…-”

Como se constata, houve modificação parcial dos factos antes dados como provados, em sede de 1ª Instância, em virtude da Relação ter valorado distintamente os meios de prova carreados para os autos.

Decisivo para esse efeito foi a inadmissibilidade da prova testemunhal naquilo que conflituava com o convencionado no contrato celebrado em 24-4-2010, entre a “E...do Estabelecimento, S.A.” e o Estado representado pela Autoridade Regional de Saúde/ARS do Norte, constituindo assim, uma “Parceria Público Privada/PPP”.

Nesse contrato permitia-se a subcontratação dos serviços a prestar ao Hospital de Braga, como aconteceu em relação à autora/A, mas no respeito pelos formalismos previstos no mesmo contrato, salientando-se, nesse particular, as seguintes cláusulas:

“(…)

4. Acordaram que a prestação poderia ser atualizada anualmente, até dia 31 de dezembro de cada ano, por acordo entre as partes, por razão de correções que decorressem da evolução dos índices de preços no consumidor e/ou de alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários.

4 - A) Ficou também estipulado que «este documento poderá ser modificado por acordo das partes, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente, contanto que as alterações acordadas constem de documento escrito e assinado pelos outorgantes, que passará a constituir anexo ao Contrato».”

E realçamos estes pontos dos factos provados porquê?

Porque, em regra, o Supremo Tribunal de Justiça só se pronuncia de Direito e a matéria de facto está definitivamente fixada pelas instâncias – artº 682º nº 1 CPC.

A excepção é a prevista no artº 674º nº 3 aplicável, ex vi, o nº 2 do citado artº 682º do CPC, com este teor: “O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

In casu, a intervenção do Supremo Tribunal só se justificaria, na situação inversa, ou seja, se fossem violados os artºs 393º e 394º do Código Civil/CC, o que não aconteceu e está ilustrado neste excerto da decisão de facto em análise:

“(…)

Ora, neste domínio, o artigo 393.º do Código Civil (CC) preceitua o seguinte: (Inadmissibilidade da prova testemunhal)

1. Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.

2. Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena.

3. As regras dos números anteriores não são aplicáveis à simples interpretação do contexto do documento.

Por outro lado, prevê o artigo 394.º do CC: (Convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele)

1. É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373.º a 379.º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

2. A proibição do número anterior aplica-se ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

3. O disposto nos números anteriores não é aplicável a terceiros.

Tal como decorre do citado artigo 393.º, n.º 1 do CC, «[a] exigência de forma escrita, em resultado da lei ou da vontade das partes, pode respeitar à prova da declaração negocial (caso em que o documento é exigido ad probationem) ou à sua validade (caso em que o documento é exigido ad substantiam). Em qualquer dos casos supra referidos, o legislador afastou a possibilidade de fazer uso da prova testemunhal para fazer prova da declaração negocial»:

A propósito do regime previsto no enunciado artigo 394.º do CC, refere José Lebre de Freitas: «[q]uando haja documento autêntico ou particular (stricto sensu), seja ele exigido pela lei ou pelas partes, seja formado voluntariamente, não é admissível a prova por testemunhas de (outras) convenções que sejam contrárias ou adicionais ao seu conteúdo, ainda que tais convenções não sejam contemporâneas da formação do documento, mas anteriores a el ou até posteriores (n.º1)», esclarecendo ainda, a propósito: «[c]onvenção contrária é aquela que se opõe ao conteúdo da declaração feita no documento; adicional é a que lhe acrescenta algo mais».

No caso, a própria autora assumiu em sede de petição inicial que a alteração do montante acordado inicialmente não foi vertida em aditamento ao contrato, conforme prescrevia a cláusula 13.ª, n.º 1 do contrato em referência. Porém, também se verifica que a autora não pretende prevalecer-se das consequências da inobservância da forma convencionada, antes pretendendo que se reconheça plena eficácia a uma alegada convenção posterior contrária ou adicional ao conteúdo do documento particular que apresenta como elemento estruturante da causa de pedir da presente ação, motivo pelo qual entendemos que os factos inerentes a tal convenção, que são pressuposto dos impugnados pontos 9, 10, 11, 12, e 14 (este apenas em parte), devem considerar-se abrangidos pela restrição de prova que emerge do disposto no artigo 394.º, n.º 1 do CC.”

Apreciada a questão de facto dentro do limite a que o STJ está adstrito, passemos então, à Questão de Direito.

Sabemos que a consensualidade é predominante em matéria contratual onde domina o princípio da liberdade contratual – artº 405º CC.

Princípio esse que não pode ser dissociado do também princípio da pontualidade e da eficácia contratual a exigir que qualquer modificação contratual obedeça ao que foi convencionado entre os contratantes – artº 406º CC.

O formalismo tem subjacente uma ideia de levar as partes a uma maior reflexão antes de praticarem actos com relevância, que tenham a ver com o núcleo do próprio negócio jurídico – neste sentido, Pedro Pais de Vasconcelos, “Teoria geral do Direito Civil”, Almedina, 9ª Edição, pags. 704 a 711- “Forma legal, forma convencional e forma voluntária”.

Ora, o caso decidendi respeita a uma “Parceria Público Privada/PPP” relativa a um Hospital Central/Braga que, como se verificou, voltou mais tarde à gestão pública através do DL 75/2019 de 30-4-5.

Isto para dizer que, a dimensão do negócio levou os contratantes originários a obrigarem-se a assinarem documento escrito (que passará a constituir anexo do contrato) sempre que o contrato for modificado, nomeadamente em relação aos serviços a prestar e retribuição correspondente.

Destarte, não podemos deixar de aderir ao raciocínio jurídica da Relação explicitado, no fundamental, desta maneira:

“-…-

Neste domínio, o n.º 4 do artigo 3.º do Dec. Lei n.º 75/2019, prevê de forma específica que «[o] Hospital de Braga, E. P. E., assume ainda as posições contratuais da E...do Estabelecimento, S.A. nos subcontratos celebrados com terceiras entidades, relativamente aos quais a ARS Norte, I. P., ou outra entidade por esta indicada, manifeste a intenção de assumir a posição contratual da E...do Estabelecimento, S.A.».

No caso, não subsiste controvérsia no sentido de que, no âmbito do Contrato de Transmissão do Estabelecimento Hospitalar celebrado entre a E...do Estabelecimento, S.A., a Administração Regional de Saúde do Norte, I. O., (ARS Norte) e o Hospital de Braga, E.P.E. (HB), a posição contratual assumida pela E...do Estabelecimento, S.A. no Contrato de Prestação de Serviços celebrado com a ora autora - Sagies, S.A., - datado de 24 de abril de 2010, foi transmitida para o réu, assumindo este a posição de adquirente do serviço.

Contudo, o réu defende que apenas lhe incumbe assumir o cumprimento das condições estabelecidas no contrato reduzido a escrito e outorgado em 24-04-2010, dado que foram as cedidas e conhecidas pelo Hospital de Braga EPE, no momento em que se verificou a transmissão, conforme oportunamente comunicou à ora autora em 4 de março de 2020.

Já a autora sustenta, no essencial, que a proposta de preço que foi estipulada no contrato teve por base o quadro de colaboradores do Hospital de Braga, que era à data de 1858 trabalhadores; que entretanto, quando o quadro de trabalhadores aumentou e excedeu os 2400 a diretora dos recursos humanos do Hospital de Braga tomou a iniciativa de pedir uma proposta à aqui autora para aumento das horas médicas; que o novo preço (agora só para a área da saúde, pois foi internalizada a área de higiene e segurança no trabalho) foi fixado em 127.033,00 € anuais - sem IVA - correspondendo a 10.586,09 € mensais, passando a autora a faturar e a receber da concessionária E...do Estabelecimento, S.A. o novo montante; por recíproca confiança entre ambas, a correspondente alteração não foi vertida em aditamento ao contrato, conforme prescrevia a respetiva cláusula 13.ª, n.º 1; mas, o serviço continuou a ser prestado e a concessionária continuou a pagar, até agosto de 2019 pelo que entende ser devido pelo réu o pagamento à autora das faturas que foram devolvidas pelo réu em 3 de dezembro de 2020.

Como se vê, a própria autora assumiu em sede de petição inicial que a alegada alteração do montante acordado inicialmente - e que serve de base aos valores reclamados na presente ação - não foi vertida em aditamento ao contrato, conforme prescreve a cláusula 13.ª, n.º 1 do contrato em referência. Ainda assim, pretende se reconheça plena eficácia a uma alegada convenção posterior, contrária ou adicional, ao conteúdo do documento particular que apresenta como elemento estruturante da causa de pedir da presente ação e não vertida por escrito em aditamento ao referido contrato.

O tribunal a quo, tendo julgado provados, entre outros, os factos antes vertidos nos pontos 9., 10., 11., 12., e 14., dos factos provados, entendeu que as obrigações assumidas pela antiga administração tinham que ser cumpridas pela atual, não sendo oponível à autora o desconhecimento das mesmas.

Deste modo, mesmo tendo dado como assente que a nova administração do réu Hospital de Braga, E.P.E. ficou convicta que às 24 horas do dia 31 de agosto de 2019 lhe estava a ser transmitido o contrato de prestação de serviços celebrado em 24 de abril de 2010 com a Sagies - Segurança e Saúde no Trabalho, S.A. e, apenas no que respeita aos serviços de Saúde no Trabalho, tendo a E...do Estabelecimento, S.A., para tanto, fornecido cópia do contrato de prestação de serviços celebrado com a autora, que não se fazia acompanhar e por isso não lhe foi fornecida a “proposta nº 09/09.0... (“Proposta de Prestação de Serviços de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho”)”, e que, nem lhe foi comunicada qualquer atualização ao contrato “por razão de correções a decorrerem, designadamente, de evolução de índices de preços no consumidor e/ou de alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários…”, o tribunal a quo concluiu que não havia fundamento para o réu não pagar o valor das faturas reclamadas na presente ação, concluindo que se impunha a condenação do mesmo a fazê-lo.

Decorre do antes enunciado que a sentença recorrida se baseou em matéria de facto entretanto alterada, em face dos aditamentos à matéria não provada antes determinados em sede de impugnação da decisão de facto.

Assim, a sentença recorrida entendeu que, não obstante o aditamento em causa não ter sido reduzido a escrito, havia prova de pagamentos efetuados pelo réu (anterior administração) que sustentavam a vigência do acordo nos novos moldes, o que era motivo suficiente para considerar válido o novo acordo.

Em consequência, o tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, condenando o réu a pagar à autora a quantia total de 60.617,85 €, acrescida dos juros de mora vincendos, contados desde a data da apresentação data da propositura da ação e calculados nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial, e ainda de juros compulsórios à taxa de 5% ao ano a partir da prolação da decisão, mais consignando o seguinte: «sendo apenas devidos juros sobre a parte que o réu não se dispôs a pagar - montante mensal de €5.085,75 (cinco mil e oitenta e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) de setembro de 2019 a fevereiro de 2020 e € 3.729,55 (três mil setecentos e vinte e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos) referentes ao mês de março de 2020)».

Ora, analisada a matéria de facto que ficou provada por força das alterações agora decididas em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, resulta manifesto que a autora não logrou provar, como lhe competia, qualquer alteração ou acordo posterior relativamente ao valor da contrapartida fixada no contrato celebrado em 24 de abril de 2010 (em relação à retribuição correspondente aos serviços a prestar), o mesmo sucedendo relativamente aos alegados pagamentos supostamente efetuados pela E...do Estabelecimento, S.A. à autora a partir de determinada data e até agosto de 2019 bem como à emissão e remessa das faturas que, alegadamente, passaram a ser emitidas pela autora, com o novo montante, até agosto de 2019.

Tal não significa que deva reconhecer-se o valor mensal de 5.085,75€ - pretendido pelo réu/apelante - como sendo a quantia mensal devida pelos serviços que a autora prestou ao réu no período compreendido entre 1 de setembro de 2019 a 23 de março de 2020, porquanto, como se viu, não se provou qualquer aditamento ao contrato contendo alterações do montante acordado inicialmente, conforme prescrevia a cláusula 13.ª, n.º 1 do contrato em referência, sendo que os critérios que podem levar às correções e/ou atualizações do valor da prestação fixada no contrato em referência não se circunscrevem ao número ou à estrutura de trabalhadores, podendo depender igualmente de evoluções dos índices de preços no consumidor e/ou de alteração do número ou da estrutura de trabalhadores segundo profissões ou escalões etários, tal como resulta expressamente da cláusula 10.ª , n.º 2 do aludido contrato.

Ainda assim, entendemos assistir razão ao recorrente/réu, quando alega que, tal como se encontra configurada a causa de pedir e o pedido, só poderia e deveria ser a recorrente absolvida do pedido para além do confessado - cf. conclusão BN da correspondente alegação.

Efetivamente, analisando de forma conjugada o pedido formalmente deduzido na presente ação com os segmentos do respetivo articulado inicial que contêm os fundamentos concretamente invocados para sustentar o direito que a autora se propõe fazer declarar, resulta inequívoco que os efeitos prático-jurídicos pretendidos têm como pressuposto essencial e estruturante a demonstração de que foi estabelecido um novo preço entre a cedente (E...do Estabelecimento, S.A.) e a cedida autora (agora só para a área da saúde, ficando internalizada a área de higiene e segurança no trabalho) alegadamente fixado em 127.033,00 € anuais - sem IVA -correspondendo a 10.586,09 € mensais, o qual está subjacente à emissão das faturas relativas ao período de setembro de 2019 a abril de 2020: - FT 2019 B/723 de 2019-09-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho -Setembro 2019; - FT 2019 A/2253 de 2019-10-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - outubro 2019; - FT 2019 A/2541 de 2019-11-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» -Saúde no Trabalho - novembro 2019; - FT 2019 A/2792 de 2019-12-06 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - dezembro 2019; -FT 2020 A/104 de 2020-01-28 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - janeiro 2020; - FT 2020 B/161 de 2020-02-07 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho -fevereiro 2020; - FT 2020 B/485 de 2020-03-10 no valor de 10.586,09 com a descrição

«Contrato de Prestação de Serviço» - Saúde no Trabalho - março 2020; - FT 2020 B/790 de 2020-04-08 no valor de 10.586,09 com a descrição «Contrato de Prestação de Serviço» -Saúde no Trabalho - abril 2020.

Por conseguinte, transitando para o cessionário, ora réu, as decorrências normais do contrato, tal como ele foi celebrado, resulta manifesto que a pretensão formulada na presente ação teria de improceder, porquanto a autora não logrou fazer prova dos factos constitutivos do direito concretamente alegado, e por força do princípio do dispositivo, que delimita e configura o objeto do processo, integrado não só pela concreta pretensão formulada como ainda pela alegação da matéria de facto que lhe serve de fundamento, sendo o pedido um corolário lógico dos factos alegados como causa de pedir.

Contudo, atenta a confissão espontânea feita pelo réu em sede de contestação (artigo 63.º da contestação), aceitando expressamente pagar à autora o montante mensal de 5.085,75 € - de setembro de 2019 a fevereiro de 2020 - e 3.729,55 € - referentes ao mês de março de 2020 - importa fixar em 34.244,05 € o valor devido pelo réu à autora.

Como tal, ao contrário do decidido na sentença recorrida, resta concluir que não se mostram reunidos os elementos constitutivos do direito invocado, devendo, ainda assim, a pretensão da autora/apelante proceder parcialmente, na medida da confissão do réu nos articulados, o que importa a condenação do réu a pagar à autora a quantia de 34.244,05 € em vez dos 60.617,85 € em que foi condenado na sentença recorrida.

-…-”

Por último, refira-se que na impossibilidade de imputação ao R. do montante peticionado neste recurso pela recorrente/A, fica afastada a responsabilidade contratual daquela, e concomitantemente, a alegada existência de enriquecimento sem causa ou de abuso de direito, do mesmo R.

Sumário:

- O invocado erro de julgamento da Relação só pode ser apreciado quando haja ofensa duma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que manifestamente não é o caso.

- Os factos assentes não permitem responsabilizar a R. pelo montante reclamado pela A., sendo certo que as alterações que fossem acordadas tinham que constar de documento escrito e assinado pelos outorgantes.

DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, julga-se improcedente a revista.

Custas pela recorrente/A.

Lisboa 18-4-2024

Afonso Henrique (relator)

Isabel Salgado

Ana Paula Lobo