Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
136/24.2TXCBR-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: HABEAS CORPUS
PERDÃO DE PENA
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 05/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :

I. O peticionante está em cumprimento de pena, não sendo ilegal a sua prisão (cujo termo ainda não ocorreu), tanto mais que foi ordenada por autoridade competente, com base em facto que a lei permite, já tendo sido apreciado no processo da condenação a questão da eventual aplicação da Lei 38-A/2023, de 2.08, tendo ali se concluído negativamente (isto é, que não era aplicável o referido perdão, razão pela qual foi indeferido o requerimento que apresentou).

II. O habeas corpus não serve para repetir pedidos que já foram apreciados e decididos, sendo abusivo o seu comportamento quando repete questão que já foi decidida no processo da condenação (onde se concluiu não ser aplicável o perdão da citada Lei n.º 38-A/2023).

Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 136/24.2TXCBR-B.S1

Habeas corpus

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

O arguido/condenado AA, invocando estar detido no Estabelecimento Prisional ...à ordem do processo n.º 365/18.8... do Juízo Local Criminal de ..., Juiz ..., veio requerer providência de habeas corpus, com referência ao processo n.º 136/24.2TXCBR do TEP de Coimbra, pedindo a sua libertação imediata, com fundamento no facto de a condenação se referir a crime de “roubo simples”, praticado quando tinha 17 anos, tendo sido julgado em 2019 e a sentença ter transitado em julgado no início de 2023, logo em fase anterior ao perdão papal de 2023.

Termina pedindo deferimento.

2. No Juízo de Execução de Penas de Coimbra, a Srª. Juiz prestou a seguinte informação:

Remeta, de imediato, a presente petição ao Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, acompanhada da seguinte informação, bem como dos elementos cuja junção se determina a final - cfr. art. 223.° do CPPenal.

Do exame dos autos constata-se que, por sentença proferida no âmbito do processo n.° 365/18.8..., hoje remetida pelo processo da condenação, transitada em julgado no dia .../.../2019, foi o arguido AA condenado na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática em ... de ... de 2018, de um crime de roubo, p. e p. pelos arts. 210.°, 1 e 2, al. b) e 204.°, 1, al. b) e 4 do CPenal.

Por decisão proferida em .../.../2022, transitada em julgado em .../.../2023, foi revogada a pena de substituição e determinado o cumprimento de 8 meses de prisão efectiva.

O condenado encontra-se em cumprimento da citada pena desde ... de ... de 2024.

De acordo com a liquidação efectuada e homologada pelo processo da condenação o fim da pena verificar-se-á em ... de ... de 2024.

Os seis meses da pena em cumprimento, de acordo com os elementos transmitidos pelo processo da condenação, ocorrerão em ... de ... de 2024.

Assim, face aos elementos constantes dos presentes autos, sendo certo que se desconhece a existência de qualquer outro circunstancialismo que possa resultar da tramitação do processo da condenação - como a eventual aplicação da Lei 38-A/2023, de 2 de Agosto - a prisão de AA ocorre dentro dos pressupostos legalmente definidos.

Junte aos autos certidão da comunicação do EP ... que deu início ao presente processo, certidão do pedido efectuado ao processo da condenação solicitando o envio da decisão condenatória de fls. 4 do apenso A), certidão da sentença condenatória, da decisão de revogação da pena se substituição, liquidação de pena e decisão de homologação remetidas pelo processo da condenação, do CRC do condenado.

3. Realizada a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, cumpre conhecer e decidir.

II Fundamentação

4. Resulta da petição de habeas corpus que o condenado/preso, que está em cumprimento de pena, pede a sua libertação imediata por entender que lhe deve ser aplicado o perdão da Lei 38-A/2023 e, nessa perspetiva, a sua prisão será ilegal.

Vejamos então.

5. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP:

1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, ...: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão ou a privação da liberdade, nem tão pouco erros procedimentais (cometidos pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.

6. E, o que é que se passa neste caso concreto?

Com interesse para a decisão deste habeas corpus, extrai-se das certidões constantes deste habeas corpus, da consulta do processo de condenação e dos elementos que existem no Citius, o seguinte:

a)- por sentença de ........2019, proferida no âmbito do processo n.° 365/18.8..., do Juízo Local Criminal de ..., juiz 13, da comarca de lisboa, transitada em julgado em .../.../2019, foi o arguido AA condenado na pena de 8 meses de prisão, substituída por 240 dias de prestação de trabalho a favor da comunidade, pela prática em ... de ... de 2018, de um crime de roubo, p. e p. nos arts. 210.°, 1 e 2, al. b) e 204.°, 1, al. b) e 4 do Código Penal.

b)- Por decisão proferida em .../.../2022, transitada em julgado em .../.../2023, foi revogada a pena de substituição e determinado o cumprimento de 8 meses de prisão efetiva.

c)- Em ........2023 o condenado, através do seu advogado, requereu que fossem revogados os mandados de detenção para cumprimento da referida pena de prisão e lhe fosse aplicado o perdão da Lei 38-A/23 de 2.08, tendo sido decidido o seguinte por despacho de ........2023:

A Lei n.º 38-A/20023, de 2 de agosto, veio estabelecer um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude (cf. art.1.º).

Para que a referida Lei possa ser aplicada devem, em primeiro lugar, estar em causa infrações praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de ..., por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto (cf. art.2.º). No presente caso, os factos ilícitos foram praticados a ........2018, tendo o arguido BB, nessa data, 19 anos.

O arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo.

De acordo com o art.3.º, n.º 1 da Lei em causa, “é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos” e, conforme o n.º 4, “Em caso de condenação em cúmulo jurídico, o perdão incide sobre a pena”.

Porém, dispõe o artigo 7.º, n.º 1, al. g), da referida Lei, que não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na lei os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A, do Código de Processo Penal.

O crime de roubo integra o conceito de criminalidade especialmente violenta, como definido pelo art. 1.º, alínea l) do Código de Processo Penal, uma vez que se trata de um crime contra a liberdade e integridade física e tem como limite máximo a pena de prisão até 8 anos, o que contribui para a consideração das vítimas como especialmente vulneráveis, à luz do art. 67.º-A, nºs. 1 e 3 do Código de Processo Penal.

Em suma, não se aplica a Lei da Amnistia, pelo que se indefere o requerido.

Notifique.

Diligencie-se como promovido quanto ao demais.

d)- Esse despacho de ........2023 foi notificado ao Advogado do arguido e, bem assim, ao Ministério Público.

e)- O condenado encontra-se em cumprimento da citada pena de 8 meses de prisão desde ........2024 e, de acordo com a respetiva liquidação efetuada e homologada judicialmente no processo da condenação, o meio da pena encontra-se previsto para ........2024, os dois terços da pena para ........2024 e o fim da pena para ........2024.

Assim, o peticionante está em cumprimento de pena, não sendo ilegal a sua prisão, uma vez que foi ordenada por autoridade competente, com base em facto que a lei permite, já tendo sido apreciado no processo da condenação a questão da eventual aplicação da Lei 38-A/2023, de ..., tendo ali se concluído negativamente (isto é, que não era aplicável o referido perdão), razão pela qual foi indeferido o requerimento que apresentou.

Como é evidente é abusivo o seu comportamento quando coloca esta providencia de habeas corpus com tal fundamento, uma vez que já foi apreciado e decidido que não era aplicável o perdão da citada Lei n.º 38-A/2023.

O habeas corpus não serve para formular pedidos manifestamente infundados, o mesmo é dizer, neste caso, repetir pedidos que já foram apreciados e decididos.

De resto, atento o disposto no art. 222.º, n.º 2, do CPP, não ocorre qualquer fundamento para o deferimento deste habeas corpus, sendo legal a prisão do peticionante.

Assim, conclui-se que esta providencia excecional carece manifestamente de fundamento que a justifique.

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III – Decisão

Pelo exposto, acorda-se nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus ora em apreciação.

Custas pelo requerente, com 4 UC`s de taxa de justiça e, sendo ainda condenado, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP, na importância de 8 UC`s a título de sanção processual.

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Processado em computador, elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo depois assinado.

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Supremo Tribunal de Justiça, 15.05.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Ana Barata de Brito (Adjunta)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)