Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2999/17.9T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
ATIVIDADE PERIGOSA
VIOLAÇÃO DE DEVERES DE CUIDADO
Nº do Documento: RP202403182999/17.9T8VFR.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 493.º do C.C., consubstancia atividade perigosa aquela que em si mesma encerra a possibilidade de risco, independentemente de ocorrências externas, subsumindo-se a esta previsão a atividade de desmonte de rochas por explosivos.
II - Por força das eventuais consequências negativas que as atividades perigosas são suscetíveis de acarretar, tendencialmente graves, o padrão de exigência para as prevenir exige-se elevado.
III - A fim de se eximir ao dever de indemnizar, impende sobre aquele que desenvolve atividade perigosa o ónus de demonstrar que adotou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
IV - Consubstancia violação de deveres de cuidado que a empresa de desmonte através de explosivos:
- omita a realização de estudo geológico ao terreno em que a casa em que sobrevieram os estragos está implantada, gerando a impossibilidade de dar como garantido que os limites estabelecidos para as pegas de fogo sejam os mais corretos;
- não documente estudo do parque habitacional pré-existente;
- exceda, ainda que em apenas duas pegas de fogo em 46, o limite por si fixado para a velocidade de propagação e frequência das vibrações e
- proceda a um diminuto número de medições através de sismógrafo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 2999/17.9T8VFR.P1

Relatora: Teresa Fonseca
1.ª adjunta: Maria de Fátima Andrade
2.º adjunto: António Mendes Coelho


Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório
AA e BB intentaram a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “A..., S.A.”.
Alegam que a R., no âmbito da construção de um aterro sanitário, recorreu ao uso de explosivos e que, nessa sequência, a sua casa ficou danificada.
Pedem que se condene a R. a reconhecer que são donos e legítimos proprietários e possuidores do prédio que identificam, a reconhecer que esse prédio apresenta as patologias descritas, que foram provocadas pelos rebentamentos de explosivos, a proceder à reparação integral do prédio por forma a que o mesmo seja reposto no mesmo estado anterior àquele em que atualmente se encontra, de forma a eliminar as patologias elencadas e a pagar uma indemnização a título de danos não patrimoniais no valor não inferior a €5.000,00.
Subsidiariamente, relativamente ao pedido de condenação de reparação, que a R. seja condenada a pagar-lhes €23.646,50, acrescidos de IVA à taxa legal, a título de indemnização pelos danos patrimoniais sofridos no prédio.
Às quantias enunciadas deveriam acrescer os juros moratórios legais desde a citação até pagamento.
A R. contestou, dizendo:
- que, a existirem danos, eles advêm de erros de conceção do projeto, pelo que devem ser imputados à dona da obra que foi a responsável pela localização daquele aterro e pela conceção da obra;
- que todos os trabalhos realizados observaram as normas regulamentares, tendo atuado com diligência e cuidado;
- que as anomalias se devem à idade do imóvel, à baixa qualidade dos materiais usados na construção da sua casa, bem como à fraca qualidade da sua execução;
- que o imóvel já apresentava fissuras antes dos trabalhos e que a oficina existente na casa dos AA. é apta a produzir as anomalias referidas.
Impugna o direito de propriedade dos AA. e o custo da reparação invocado.
Determinou-se a intervenção acessória de “B... Companhia de Seguros, S.A.”.Esta contestou alegando a existência de um co-seguro à data dos factos. Mais invocou a exceção de prescrição, remeteu para os argumentos expendidos pela R. e invocou a existência de cláusulas de exclusão.
Os AA. responderam às exceções, designadamente quanto à prescrição.
A R. respondeu ao articulado da interveniente, alegando que as exclusões não podem ter um conteúdo tão amplo que limitem desproporcionadamente o âmbito da regra, desrespeitando o princípio da boa fé com que as partes devem negociar e cumprir os contratos entre si celebrados, devendo as mesmas ser consideradas absolutamente proibidas e, portanto, nulas.
Realizou-se audiência prévia, com saneamento do processo e elencaram-se temas da prova.
Tiveram lugar duas perícias colegiais e julgamento. Foi proferida sentença que condenou a R. a eliminar as patologias mencionadas no ponto 13 dos factos provados e a pagar aos AA. €1.000,00 de danos não patrimoniais, acrescidos de juros civis, desde a data da sentença até pagamento.
Inconformada, a R. interpôs o presente recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da Sentença que condenou a recorrente a eliminar as patologias mencionadas no ponto 13 dos factos provados, e a pagar aos autores a quantia de €1.000,00, acrescida de juros civis, vencidos e vincendos, desde a data da presente sentença até efetivo e integral pagamento, por causa da utilização de explosivos para desmonte de rocha, durante a execução empreitada designada por “Construção do Novo Aterro do Sistema Multimunicipal do Sul do Douro – Aterro do ...”, na qual foi empreiteira geral, sentença com a qual a recorrente não concorda
b) Para o efeito, o Tribunal a quo não só partiu de uma incorreta valoração da prova produzida nos presentes autos, como também de uma errada subsunção dos factos considerados provados na presente lide ao direito, o que merecerá certamente, por parte deste Venerando Tribunal ad quem, decisão diametralmente oposta à que ora se sindica.
c) Os factos incorretamente julgados pelo Tribunal foram os que constam do ponto 13), 14) e 15) dos factos provados, e a alínea a) dos factos não provados.
d) Os 2 quartos da habitação dos autores situados na parte de cima (da habitação) e virados para trás, para o campo, não padecem de quaisquer danos, como confessou a autora BB, com a força probatória que lhe confere o n.º 3 do artigo 466.º do CPC, no depoimento que prestou em Tribunal, pelo que a recorrente não pode ser condenada a eliminar danos que não existem.
e) A autora BB e a testemunha CC confirmaram nos respetivos depoimentos, prestados em audiência de julgamento, que o anexo do imóvel, onde habita o filho dos autores e testemunha CC, foi objeto de obras levadas a cabo em todo o seu interior, que consistiram no seu revestimento a pladur, pelo que, encontrando-se colmatado este dano, que a sentença qualificou de estético, nada há a reparar no interior desse anexo.
f) Deste modo, e por recurso aos mesmos elementos probatórios ante referidos, o ponto 14) dos factos provados “As reparações do elencado em 13 ascendem a quantia nunca inferior a €10.220,00”, terá de ser alterado, pois se se provou que a recorrente terá de eliminar menos danos do que aqueles que foram considerados na sentença, o valor de €10.220,00, terá de ser necessariamente menor.
g) Não se provou que os autores, ficaram tristes e desgostosos, pois através do depoimento da testemunha DD, do registo fotográfico que consta, parcialmente, porque apenas relativo ao imóvel dos autores, do documento 48 e 49 da Contestação da Ré, e, na sua totalidade, do documento n.º 51 junto pela ré no seu requerimento de 03.11.2017, ref.ª citius 6345138, páginas 29 a 60 do requerimento, e do depoimento da Testemunha EE, provou-se, isso sim, que o imóvel antes da aplicação dos explosivos, já apresentava os danos reclamados.
h) Provou-se que a recorrente realizou fotografias ao imóvel dos autores - constantes do documento 48 e 49 da Contestação da Ré e do documentos n.º 51 junto pela ré no seu requerimento de 03.11.2017, ref.ª citius 6345138 – e que as mesmas foram retiradas antes da execução dos trabalhos de desmonte de rocha, fotografias essas que atestam o fraco estado de conservação em que já naquela altura a habitação dos autores se encontrava, apresentando, em concreto: - Fissuras nos muros exteriores e nos passeios, pavimentos, pátios e fachadas; -As paredes interiores e exteriores com sinais de degradação evidentes, como o destacamento do revestimento, em diversas zonas e fissuração dos elementos cerâmicos.
i) Assim o confirmou a testemunha DD, que na empreitada exerceu as funções de técnica de segurança, ambiente e qualidade na empreitada, no seu depoimento prestado na audiência e julgamento do dia 07.07.2023, no qual, sem reservas, esclareceu que foi ela, juntamente com a diretora adjunta da recorrente, de nome FF, quem tirou as referidas fotografias, e que as mesmas foram garantidamente obtidas antes da utilização dos explosivos e que o imóvel dos autores já apresentava danos, explicando, ainda, a razão pela qual as fotografias foram tiradas a poucos dias do início do uso dos explosivos e qual o critério para terem sido selecionadas 12 casas.
j) Também a testemunha EE, da empresa especializada, C..., SA., responsável pela aplicação de explosivos em obra, no depoimento que prestou na audiência de julgamento do dia 07.07.2023, confirmou que foi a técnica de segurança DD e FF da Direção de obra quem executaram o relatório fotográfico e que o mesmo foi elaborado antes do início da aplicação de explosivos em obra.
k) Se a recorrente, em 17-09-2015, entendia que cumpriu os limites legais impostos pela Norma Portuguesa que regulava, à data, o uso aplicação de explosivos, não se vê a razão pela qual além da informação prestada pelos autores de terem sido respeitados os limites legais, cumprida a norma, a recorrente deveria também fazer referência ao referido registo fotográfico.
l) O facto de o registo fotográfico não ter sido efetuado por entidade conceituada, não abala nem contende com a data em que as fotografias foram obtidas, as quais merecerem o mesmo valor probatório que as fotografias juntas pela autora como Doc. 4 da Petição Inicial.
m) Deste modo, no que tange aos factos provados constantes da douta sentença recorrida, deveria ter ficado provado que:
13) Na sequência dessas explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos, à exceção dos 2 quartos que se situam na sua parte de cima e virados para o campo, e do anexo que constituiu a habitação do filho dos autores.
14) As reparações do elencado em 13 ascendem a quantia nunca inferior a €10.220,00, descontado das quantias assumidas na 2.ª perícia para a reparação dos 2 quartos que se situam na sua parte de cima e virados para o campo, e do anexo que constituiu a habitação do filho dos autores.
15) Os Autores ficaram assustados e preocupados com os sucessivos estremecimentos do seu prédio em resultado dos rebentamentos dos explosivos pela R..
n) E no que tange aos factos não provados constantes da sentença, a matéria constante do ponto a) deveria ter sido dada como provada, passando a integrar o elenco dos factos provados, nos seguintes termos:
A ré realizou fotografias à casa dos autores as quais foram retiradas dias antes da execução dos trabalhos de desmonte de rocha, e que atestam o fraco estado de conservação em que já naquela altura a habitação dos autores se encontrava, apresentando, em concreto:
- Fissuras nos muros exteriores e nos passeios, pavimentos, pátios e fachadas;
- As paredes interiores e exteriores com sinais de degradação evidentes, como o destacamento do revestimento, em diversas zonas e fissuração dos elementos cerâmicos.
o) Por outro lado, dada a alegação da recorrente constante dos artigos 45.º e 46.º, o atento o depoimento das testemunhas DD e EE, deve ser aditado à matéria de facto provada, que: “Todas as detonações foram sempre acompanhadas por operações de vigilância, com recurso a técnico de controlo de explosivos e um técnico de segurança ao serviço da ré”.
p) E de acordo com o depoimento da testemunha EE, deve ser aditado à matéria de facto, dada a sua relevância para discussão jurídica, o seguinte facto instrumental: “A ré no decurso da obra foi fiscalizada pela direção nacional da PSP, não foi alvo de qualquer processo de contraordenação decorrente da mau uso de explosivos e obteve sempre a licença, por parte da PSP, para o uso e aplicação de explosivos”
q) A aplicação de explosivos por parte da recorrente obedeceu, porque tinha de obedecer, ao imposto pela "Norma Portuguesa" NP-2074 (1983), aprovada em 19.04.83 pela Portaria n.º 457/83, norma essa destinada a regulamentar a limitação de valores dos parâmetros característicos das vibrações produzidas pelas explosões e a avaliar a influência dessas vibrações em construções. E a Recorrente, em todas as detonações, cumpriu esta norma, não resultando o contrário da Douta Sentença.
r) Tanto assim que a perita nomeada pelo Tribunal e o Perito nomeado pela aqui recorrente, na segunda Perícia, consideraram que a “… Ré poderia ter diligenciado maior número de medições especificas no imóvel dos Autores. Contudo, atendendo aos dados registados nos sismógrafos, em 73 eventos de fogo ocorridos, tal como se pode verificar no Parecer Técnico Pericial do Perito GG, foi possível fazer um tratamento estatístico desses dados obtidos e assim determinar o valor médio da velocidade de vibração que atingiu os imóveis na proximidade da obra, tendo este sido em média de 3,53mm/s com um desvio padrão de 2,99mm/s. Este resultado permite concluir que o intervalo de variação das velocidades de vibração ocorridos durante o uso de explosivos foi de 0,54mm/s a 6,53mm/s, valores extremos muito inferiores ao valor admissível de 10mm/s, estando em conformidade com a Norma 2074. Esse tratamento estatístico das velocidades de vibração ocorridas permite ainda determinar um fator de segurança médio geral de 10mm/s/3,53mm/s = 2,82. Pelo exposto, os Peritos consideram que as patologias referidas pelos Autores, no artigo 8.º da P.I, não foram causadas por falta de cuidado e diligência da Ré.
s) Se cumpriu a NP 2074 de 1983, a Recorrente não violou “qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheiros”, não podendo o seu comportamento ser considerado ilícito.
t) As fotografias constantes dos documentos 48 e 49 da Contestação da Recorrente e do documentos n.º 51 junto pela recorrente no seu requerimento de 03.11.2017, ref.ª citius 6345138, páginas 29 a 60., concretamente a casa n.º ..., retiradas pela recorrente ao imóvel dos autores antes do início do uso de explosivos, provam que o imóvel, antes do início do desmonte de rocha com explosivos, já padecia dos danos que os autores vieram reclamar a juízo, pelo que o seu comportamento não foi ilícito.
u) Competindo-lhes, os autores não lograram provar que os danos relatados no seu imóvel decorreram do uso de explosivos por parte da recorrente.
v) Nem mesmo os peritos conseguiram estabelecer esse nexo de causalidade. A própria sentença confirma que “À pergunta Se existe uma relação de causa e efeito entre as explosões e os danos verificados no imóvel dos AA?, nenhum dos peritos respondeu afirmativamente.”
w) O facto de recorrente não ter efetuado uma vistoria prévia ao imóvel dos autores antes do início do desmonte de rocha por recurso a explosivos, não faz inverter o ónus da prova nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC.
x) O comportamento do sujeito processual a impor a inversão do ónus da prova tem de se verificar no decurso do processo judicial e não previamente a ele, pois conforme, entre outros, estabeleceu o Acórdão da Relação de Guimarães, Proc. 2347/17.7T8VCT.G1, de 09.07.2020, disponível em www.dgsi.pt. “A inversão do ónus da prova surge como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no art. 417º, n.º 1, do CPC, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte podia e devia agir de outro modo (art. 344º, n.º 2 do CC e art. 417º, n.º 2 do CPC) – Ac. do STJ já citado de 12/4/2018. Daqui decorre que terá que haver um pedido/ordem/notificação que, no âmbito do processo em curso, impunha à parte uma determinada atitude colaborativa a que esta não dá satisfação.”
y) E no âmbito do processo que nos atém, é mister que à recorrente nem os autores o pediram nem o Tribunal lhe ordenou ou a notificou para proceder à junção aos autos de qualquer relatório de vistoria prévia.
z) Sendo de qualificar a atividade que a recorrente levou a cabo como uma atividade perigosa, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 493.º do CC, ficou demonstrado que a mesma empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os (alegados) danos verificados na casa dos autores. Nomeadamente,
aa) Da instrução do processo resultou que:
- a recorrente, para os trabalhos de desmonte de rocha contratou uma empresa da especialidade, a C..., SA;
- a recorrente cumpriu a "Norma Portuguesa" NP-2074 (1983), aprovada em 19.04.83 pela Portaria n.º 457/83, destinada a regulamentar a limitação de valores dos parâmetros característicos das vibrações produzidas pelas explosões e a avaliar a influência dessas vibrações em construções;
- a Sra Perita indicada pelo Tribunal e o Perito das rés, na segunda perícia, terem considerado que as patologias referidas pelos Autores, no artigo 8.º da P.I, não foram causadas por falta de cuidado e diligência da Ré,
bb) E provou-se que:
1) O terreno sobre o qual de edificou o referido aterro sanitário foi objeto de estudo de caracterização geológica e geotécnica (com recurso, para o efeito, à realização de campanhas de prospeção geológica – geotécnica).
2) esse estudo foi tido em conta na elaboração dos respetivos Planos de Fogo.
3) a recorrente durante a execução dos seus trabalhos de escavação, efetuou 46 (quarenta e seis) pegas de fogo, sempre entre as 12h30m e as 13h00m do dia respetivo, e por uma única vez no dia do desmonte.
4) Todas as detonações foram sempre acompanhadas por operações de vigilância, com recurso a técnico de controlo de explosivos e um técnico de segurança ao serviço da recorrente.
5) Em todas as 46 pegas de fogo, a ré colocou um sismógrafo na habitação que mais perto se situava de todas as deflagrações, concretamente, na casa da Sr.ª D.ª HH, localizada mesmo junto ao perímetro da obra, na Rua ... da ..., sendo que até ao plano de fogo n.º 22, a ré colocou mais um sismógrafo, em diferente local, para além do sempre colocado na habitação da D.ª HH.
6) E a partir da pega 23 colocou mais dois sismógrafos em diferentes locais, para além do colocado naquela habitação da Dona HH.
7) O explosivo usado pela ré, em todas as deflagrações, foi explosivo tipo emulsão, o qual tem uma menor velocidade de detonação do que o dinamite.
8) Atento o disposto na "Norma Portuguesa" NP-2074 (1983), aprovada em 19.04.83 pela Portaria n.º 457/83, a recorrente considerou que a velocidade máxima a respeitar para a propagação das vibrações provocadas pelas explosões realizadas teria de ser, naqueles concretos locais, de 10 mm/seg. E este valor foi considerado conservador e seguro pela perita do Tribunal e pelo perito das rés, na segunda perícia e pelo Professor Jubilado GG no seu parecer;
9) A recorrente obteve a licença para uso de explosivos e no decurso da obra conseguiu sempre a sua renovação junto da Direção Nacional da PSP.
cc) No sentido propugnado pela recorrente, em demanda em tudo idêntica à dos presentes autos, assim decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães, no Acórdão de 05.12.2013, Proc. 2121/11.5TBVCT.G1, em www.dgsi.pt : “Provando-se que a 2.ª ré executou a obra em conformidade com os projetos e memórias descritivas respetivos, aprovados pela Câmara Municipal de Viana do Castelo e com o caderno de encargos que antes da execução da obra lhe foi entregue pela 1.ª ré, integrada no plano de segurança e saúde, mantendo em permanência em obra um diretor de obra, um encarregado e um coordenador de segurança, colocando na execução da obra trabalhadores com formação técnica adequada e, em relação ao uso de explosivos, após obtenção de autorização prévia emitida pelo Comando Geral da PSP de Viana do Castelo, encarregando do desmonte da rocha com emprego de explosivos empresa especializada e pessoal habilitado e curando garantir a segurança da obra que executava e dos seus trabalhadores e equipamentos, considera-se ilidida a presunção de culpa que sobre si recaía, afastando a sua responsabilidade pela reparação dos danos causados.”
dd) Ilidida presunção de culpa, não está a recorrente obrigada nem a reparar os danos alegadamente verificados no imóvel dos autores, nem a indemnizar os autores pelos danos não patrimoniais alegadamente sofridos.
ee) Os comportamentos que o Tribunal a quo entendeu não terem sido adotados pela recorrente e que o levaram a considerar que a recorrente não empregou todas a providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir danos verificados no imóvel dos autores, não contrariam a ilisão da presunção da culpa da recorrente ante verificada.
ff) A propósito do estudo geotécnico por amostragem, na 2.ª perícia, a Perita do Tribunal e o Perito dos réus, consideraram que estudo geológico e geotécnico efetuado para o aterro do ... poderia ser considerado para efeito de caracterização dos terrenos das habitações em volta dos terrenos do referido aterro sanitário.
gg) A testemunha EE, no seu depoimento esclareceu que para além dos estudos geológico e geotécnico ao terreno do aterro, foi feita uma consulta da carta geológica do local cuja análise se expandia para além da localização do aterro sanitário
hh) A questão de ter de se fazer uma sondagem geológica e geotécnica para cada imóvel, gerou muitas incertezas nos peritos nomeados pelo Tribunal na 1.ª e na 2.ª perícias. A Sra Perita afirmou não saber se teria de ser feito e Sr. Perito afirmou nunca ter visto fazer.
ii) A nova NP 2074 de 2015, retirou como critério de averiguação da velocidade de vibração o solo de fundação.
jj) A realização de sondagens geológicas e geotécnicas em todas as habitações em volta do aterro sanitário, ou mesmo por amostragem, não estava, de todo, na absoluta disponibilidade e controlo da recorrente, dependendo sempre de uma ação/cooperação/autorização dos proprietários que vão ver os seus terrenos e as habitações perfurados por máquina de grande porte, não podendo, de acordo com o raciocínio de Rui Mascarenhas Ataíde e de Vaz Serra plasmado na sentença a este respeito, considerar-se que era exigível à recorrente ter efetuado tais sondagens.
kk) Quanto à “Violação do próprio limite por si estabelecido em duas pegas de fogo”, estes dois valores foram obtidos na habitação situada em cima do perímetro da obra, daí que limite admissível de 10mm/s para a velocidade de vibração foi considerado conservador e seguro pela Perita indicada pelo Tribunal e pelos peritos indicados pelos Réus, na segunda Perícia, tanto que os mesmos escreveram que “Este pressuposto, de forma conservadora e segura, permitiu determinar, o limite admissível de 10mm/s para as velocidades de vibração transmitidas pelo subsolo adjacente aos edifícios.”, como consideram que as patologias referidas pelos Autores, no artigo 8.º da P.I, não foram causadas por falta de cuidado e diligência da Recorrente.
ll) Em relação às duas pegas de fogo que ultrapassaram os 10mm/s de velocidade, o Professor GG no ponto 4.2 do Parecer que é parte integrante do documento 51 da Contestação da Ré, junto com seu requerimento de 03.11.2017, ref.ª citius 6345138, considerou que, em ambas as pegas, a segurança foi garantida.
mm) Inculcar que a Recorrente deveria ter efetuado um “Estudo do parque habitacional”, pelos motivos alvitrados na Douta Sentença ter a recorrente de fazer é afirmar que a responsabilidade da recorrente é uma responsabilidade objetiva, quando não o é. E é irrazoável.
nn) Não obstante, ainda assim, a testemunha EE, responsável pela aplicação de explosivos em obra, no seu depoimento prestado na audiência de julgamento do dia 07.07.2023, esclareceu que a recorrente, antes das detonações, teve mesmo o cuidado de percecionar o estado do parque habitacional em redor do aterro sanitário, assim cumprindo o desiderato pretendido.
oo) Quanto à conduta de “o Número de medições devia ser maior”, se é certo que, na 2.ª Perícia, a Perita indicada pelo Tribunal e o Peritos das rés Peritos consideraram que a Ré poderia (e não “deveria”) ter diligenciado maior número de medições especificas no imóvel dos Autores”, não é menos certo que, logo de seguida, os mesmos considerarem que, apesar de a recorrente poder ter feito mais medições, ainda assim concretizaram que não foi por a recorrente não ter efetuado mais medições à habitação dos autores que se revelou que a mesma agiu com falta de cuidado ou diligência, tanto assim que escreveram “Contudo (…) consideram que as patologias referidas pelos Autores, no artigo 8.º da P.I, não foram causadas por falta de cuidado e diligência da Ré.”
pp) Com a sentença proferida, violou o Tribunal a quo o disposto no n.º 1 e 2 do artigo 342.º do CC, no n.º 2 do artigo 344.º do CC e 417º, n.º 1, do CPC, no n.º 1 do artigo 483.º do CC, na 2.ª parte do n.º 2 do artigo 493.º do CC, e nos artigos 607.º, n.º 4 do CPC ex vi 663.º do CPC, o n.º 2 do artigo 5.º do CPC, e o n.º 3 do artigo 466.º do CPC.
Nestes termos e nos mais de Direito, que V. Exas., mui doutamente, suprirão, deverá o presente recurso de proceder, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais, assim se fazendo à já acostumada Justiça.
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Os AA. contra-alegaram, rematando com as seguintes conclusões:
1 – O Tribunal “a quo” fundamentou a douta sentença recorrida, justificando de forma cabal e inteligível, as razões da sua convicção, no que concerne à verificação dos factos julgados como provados e à responsabilização da Ré recorrente pela sua prática, à luz das regras da experiência e no âmbito da sua livre convicção.
2 – O Tribunal estribou-se nos elementos de prova produzidos em audiência de julgamento, objetiváveis, nomeadamente o acordo e reconhecimento das partes nos articulados, a prova pericial e documental carreada aos autos, os depoimentos de parte dos legais representantes de recorrida e recorrente e ainda a prova testemunhal produzida, efetuando a análise crítica da prova produzida de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
3 – Não se vislumbra erro na apreciação da prova, nem se descortina quaisquer factos incorretamente julgados, porquanto o Tribunal a quo decidiu apreciando a prova segundo as regras da experiência e da livre convicção.
4 – A sentença recorrida contém a explicação sobre os motivos que levaram o Tribunal a quo a credibilizar os meios de prova; contempla os motivos pelos quais foram julgados provados e não provados os factos, configurando aqueles juízos de verosimilhança, credibilidade e veracidade sobre os meios de prova apreciados, razoáveis e ajustados à análise crítica das provas.
5 – Não foram violados quaisquer preceitos legais.
6 - Analisada a sentença proferida, a decisão e os seus fundamentos, destes resulta claro que se entendeu que os ora alegantes lograram provar os factos, cujo ónus sobre eles impendiam e, feita a sua subsunção, nos termos aí explanados, a parte dispositiva da sentença não poderia ser outra que não a que o Exmo. Sr. Juiz proferiu, ou seja, atentos os fundamentos invocados pelo Mº juiz “a quo”, logicamente a decisão quanto aos pedidos deduzidos pela aqui recorrida, não poderia ser outra que não a que ocorreu.
7 – Ao contrário do defendido pela Ré apelante, inexiste errada subsunção jurídica do quadro factual que resultou provado nos autos, isto é, erro de aplicação das normas aos factos e, por isso, o desfecho da ação outro não pode ser que não aquele que foi decidido e consta da sentença em mérito.
8 - O controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
9 - A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente impercetível na gravação/transcrição.
10 – No sistema da livre apreciação da prova, que é o nosso, o Julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objetivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.
11 - De facto, a lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPCivil), tal como o foi “in casu”.
12 - O Tribunal da Relação pode alterar a matéria de facto fixada dentro do respeito pelo princípio da livre apreciação das provas, atribuído ao julgador em 1.ª instância e dentro do restrito papel da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto, aos casos excecionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto, o que não ocorre “in casu”.
13 - Não haverá razões bastantes, tal como sucede “in casu”, para alterar a factualidade apurada pelo Tribunal a quo se o Senhor Juiz do Tribunal a quo tiver feito a sua valoração da prova produzida, com apresentação da respetiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova (depoimentos testemunhais, legais representantes das partes e documentos) que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram a que a sua convicção acerca dos diferentes factos controvertidos se tivesse formado em determinado sentido e não noutro.
14 - Os depoimentos testemunhais, que a ora Apelante pretende que sejam agora valorados diversamente do que o foram pela Senhora Juiz a quo, de molde a levarem à alteração da matéria de facto, são, consabidamente, elementos de prova a apreciar livremente pelo tribunal (arts. 396º do Cód. Civil e 655.º, n.º 1, do C.P.C.).
15 - Se o julgador de 1ª instância entendeu valorar diferentemente da ora Recorrente tais depoimentos, não poderá este Tribunal de recurso pôr em causa, de ânimo leve, a convicção daquele, livremente formada, tanto mais que dispôs de outros mecanismos de ponderação da prova global que este Tribunal ad quem não detém aqui (v.g. a inquirição presencial das testemunhas, com tudo o que isso implica e significa em termos de significado valorativo probatório).
16 - Importará, pois, averiguar se o tribunal “a quo” incorreu, de facto, - o que não sucede no caso concreto - num erro ostensivo na apreciação da prova, numa apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, ignorando ou afrontando diretamente as mais elementares regras da experiência, em termos de se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
17 - Tendo-se em conta não apenas os excertos, aliás descontextualizados e necessariamente redutores, de (partes de) depoimentos testemunhais referidos pela recorrente, mas todos os depoimentos testemunhais na sua totalidade, que ficaram registados, prestados em audiência de julgamento, não resulta nem resultou, e bem, para o Tribunal “a quo” a convicção que a recorrente propugna, ou seja, a versão factual da Ré, de acordo com a livre apreciação da prova e as regras da experiência, mas a versão factual constante da douta sentença em crise, que se confirmaram, de forma satisfatória e convincente.
18 - A apreciação da Mm.º juiz a quo - efetivada no contexto da imediação da prova -, surge assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respetiva alteração.
19 - Como assim, ouvidos os depoimentos indicados pela recorrente, não é de molde a sustentar a tese que por ela vem expendida, pese embora se respeite – mas com total discordância – a opinião em contrário veiculada nesta sede de recurso, havendo que afirmar ter o Mmº juiz captado bem a verdade que lhe foi trazida ao processo, não existindo fundamento probatório convocado pela recorrente para que este Tribunal possa alterar a decisão da matéria factual nos termos pretendido pela recorrente.
20 – Deverá, pois, permanecer inalterada a matéria factual que o Tribunal recorrido deu como provada tal como o demais decidido na douta sentença, devendo esta manter-se inalterada.
Termos em que, nos melhores de Direito e do douto suprimento de V. Exas, julgando-se o recurso interposto pela R./recorrente A..., S.A. improcedente, deverá ser confirmada “in totum” a douta sentença recorrida, assim, fazendo V. Exas sã e a acostumada Justiça.
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II - Questões a dirimir:
a - da reapreciação da matéria de facto impugnada;
b - da reapreciação da matéria jurídica da causa: se a R. demostrou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos emergentes da atividade perigosa por si desenvolvida de desmonte através de explosivos.
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III - Fundamentação de facto
A - Factos provados enunciados na sentença
1) A ré foi a empreiteira geral da empreitada designada por “Construção do Novo Aterro do Sistema Multimunicipal do Sul do Douro – Aterro do ...”, sendo Dono de Obra a sociedade comercial “D..., S.A.”.
2) Para a execução da referida empreitada, procedeu-se, em parte do terreno de implantação do aterro, à escavação do solo por recurso a explosivos.
3) Foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela Apólice ...78, cujo teor aqui se dá por reproduzido, com início em 01.07.2010, entre a Ré A..., S.A., por um lado e a Interveniente B... e a Companhia de Seguros E..., em regime de co-seguro, na proporção de 55% - 45%, respetivamente.
4) Enquanto em vigor, este contrato de seguro de Responsabilidade Civil, estabeleceu um capital de €2.500.000,00, por sinistro e anuidade, com o sublimite de: - €500.000,00 por anuidade para a cobertura Responsabilidade Civil por Uso de Explosivos, limitado a €250.000,00 por sinistro e anuidade e sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €1.250,00; - € 150.000,00, por sinistro e anuidade, para a cobertura Prejuízos Financeiros em Consequência de Danos em Condutas ou Canalizações subterrâneas, por sinistro e anuidade, sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €500,00; - €250.000,00 por sinistro e anuidade, para a cobertura Responsabilidade Civil Poluição Acidental, sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €250,00; - €1.000.000,00 por anuidade, limitado a €500.000,00 por sinistro, para a cobertura Responsabilidade Civil Laboração de Máquinas, sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €250,00; - €100.000,00, por sinistro e anuidade, para a cobertura Civil Patronal, sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €250,00.
5) Este contrato de seguro de Responsabilidade Civil vigorou até 31 de Dezembro de 2013, data em que foi anulado.
6) Vigorava, em 2014, um contrato de co-seguro de Responsabilidade Civil celebrado entre, por um lado a Ré A..., S.A. e, por outro, as co-seguradoras Companhia de Seguros E..., S.A. e B..., aqui Interveniente, garantindo a primeira uma quota de risco de 70%, enquanto que a segunda garantia uma quota de 30%.
7) Titulado pela apólice da seguradora líder (a E...) sob o n.º ...76, cujo teor aqui se dá por reproduzido, este contrato de co-seguro encontrava-se em vigor com um capital de €5.000.000,00, com um sub-limite de: - €500.000,00 por anuidade e sinistro para a cobertura Responsabilidade Civil por Uso de Explosivos, limitado a €250.000,00 por sinistro e sujeito a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €1.250,00; - €2.500.000,00 por anuidade, limitado a €1.000.000,00 por anuidade sinistro, para a cobertura Responsabilidade Civil Laboração de Máquinas, sujeita a uma franquia de 10% dos danos resultantes de lesões materiais, no mínimo de €250,00.
8) Encontra-se registado a favor dos autores o seguinte prédio misto: prédio urbano, destinado a habitação, composto de R/C com arrumos e andar com 6 divisões, sito na Rua ..., Lugar ..., da União das freguesias ..., Vale e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...38º; e prédio rústico inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...66º, encontrando-se o prédio misto descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Maria da Feira sob o n.º ...35/20181102.
9) O Aterro Sanitário do Sistema Multimunicipal do Sul do Douro – Aterro ..., em ..., foi construído a uma distância de cerca de 250 metros relativamente àquele prédio.
10) Durante a construção do referido aterro sanitário e na sequência da realização das obras foi necessário recorrer ao uso de explosivos para o desmonte do maciço rochoso para a execução da escavação do aterro, supra referido.
11) As obras referentes à construção do aterro e com recurso a explosivos decorreram entre 20-12-2013 e o dia 14/11/2014.
12) A Ré como empreiteira contratado pela dona da obra “D...” utilizou máquinas de escavação de grande porte, que ao fazer escavações e grandes remoções de terras, como também desmonte de rocha, com uso de explosivos, ou seja, com recurso ao rebentamento de explosivos.
13) Na sequência dessas explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos.
14) As reparações do elencado em 13 ascendem a quantia nunca inferior a €10.220,00.
15) Os Autores ficaram assustados e preocupados com os sucessivos estremecimentos do seu prédio em resultado dos rebentamentos dos explosivos pela R. e com o estado em que o mesmo ficou, o que lhes causou tristeza e desgosto.
16) O terreno sobre o qual de edificou o referido aterro sanitário foi objeto de estudo de caracterização geológica e geotécnica (com recurso, para o efeito, à realização de campanhas de prospeção geológica – geotécnica).
17) O qual foi tido em conta na elaboração dos respetivos Planos de Fogo.
18) Durante a execução dos seus trabalhos de escavação, a ré efetuou 46 (quarenta e seis) pegas de fogo, durante o dia 20 de Dezembro de 2013 e o dia 14 de Novembro de 2014, sempre entre as 12h30m e as 13h00m do dia respetivo, e por uma única vez no dia do desmonte, as quais eram supervisionadas.
19) Em todas as 46 pegas de fogo, a ré colocou um sismógrafo na habitação que mais perto se situava de todas as deflagrações, concretamente, na casa da Sr.ª D.ª HH, localizada mesmo junto ao perímetro da obra, na Rua ... da ....
20) Sendo que até ao plano de fogo n.º 22, a ré colocou mais um sismógrafo, em diferente local, para além do sempre colocado na habitação da D.ª HH.
21) E a partir da pega 23 colocou mais dois sismógrafos em diferentes locais, para além do colocado naquela habitação.
22) O explosivo usado pela ré, em todas as deflagrações, foi explosivo tipo emulsão, o qual tem uma menor velocidade de detonação do que o dinamite.
23) Atento o disposto na "Norma Portuguesa" NP-2074 (1983), aprovada em 19.04.83 pela Portaria n.º 457/83, a ré considerou que a velocidade máxima a respeitar para a propagação das vibrações provocadas pelas explosões realizadas teria de ser, naqueles concretos locais, de 10 mm/seg.
24) A velocidade de propagação e frequência das vibrações provocadas por 44 das 46 explosões em causa, não ultrapassaram o aludido valor de 10mm/seg.
25) Apenas em 2 das 46 explosões em causa, a velocidade de propagação e frequência das vibrações provocadas ultrapassaram o aludido valor de 10mm/seg, concretamente, a explosão resultante da aplicação do Plano de Fogo n.º 4 e a resultante da aplicação do Plano de Fogo n.º 36, onde a velocidade de propagação das vibrações atingiu, respetivamente, o valor de 10,795 mm/s e 10,5 mm/s.
26) E esses valores de 10,795 mm/s e 10,5 mm/s, foram obtidos pelo sismógrafo colocado na habitação da Sr.ª D.ª HH.
27) Desde a origem até ao local mais distante, todas as ondas vibratórias tendem a atenuar-se, fundamentalmente, por dois mecanismos: o geométrico e o de dissipação.
28) Se o cumprimento da referida norma for verificado nos locais de implantação do sismógrafo não poderá aí registar-se a verificação de quaisquer danos estruturais (como não se verificou na casa referida em 8), podendo ocorrer danos não estruturais/estéticos como os elencados em 13.
29) A casa referida em 8 foi construída há dezenas de anos, sendo posteriormente reconstruída ao longo do tempo pelos autores, sendo que nenhuma da construção/reconstrução obedeceu a qualquer projeto e licença.
30) O contrato de seguro mencionado em 6 impõe, no seu ponto 1, alínea b), da referida Cláusula, que ‘’o segurado deve vistoriar previamente os bens contíguos com vista a certificar-se dos danos já existentes, efetuando registo dessa vistoria, sendo esta diligência requisito para a validade da cobertura’’
31) A Ré não vistoriou previamente os bens/imóveis dos AA., com vista a certificar-se dos danos já existentes, efetuando registo dessa vistoria.
32) Na exclusão prevista no n.º 2, alínea d), da Cláusula suprarreferida, estabelece-se que estão excluídos ‘’danos consistentes em ou resultantes de fissuras, fendas ou fendilhações que não coloquem em causa a estabilidade de estruturas, edifícios e/ou terrenos, nem a segurança dos que deles fazem uso’.
33) A alínea a), do n.º 5.2, n.º 2, estabelece que ficam excluídos desse âmbito de cobertura as ‘’perdas ou danos motivados por todo e qualquer tipo de fissuras, fendas ou fendilhações a toda e qualquer edificação, as quais não coloquem em causa a estabilidade dos mesmos’’.
34) Por sua vez, o n.º 1 do mesmo n.º 5.2, exclui da cobertura em apreço os ‘’danos causados a bens móveis e/ou imóveis adjacentes e/ou contíguos, pertença de terceiros, situados a uma distância inferior a 50 metros do ponto da explosão, derrogando em parte o disposto na alínea g) da cláusula particular. A aceitação do risco para distâncias inferiores ficará sempre dependente da aceitação prévia, por escrito, por parte da Seguradora. Para esse efeito, o Segurado compromete-se a comunicar com antecedência mínima de 5 dias úteis o início desses trabalhos, os quais ficarão sujeitos a prévia análise do risco. Os riscos que forem aceites após análises de risco ficarão sujeitos a eventual aplicação de prémio e franquia suplementares.’’
35) Atento o disposto no n.º 4 (EXCLUSÕES), alínea r), das Condições Particulares da Apólice ficam excluídos da cobertura da presente Apólice os ‘’danos resultantes da inobservância das disposições legais ou autárquicas relativas à execução das obras ou de medidas de segurança que a lei ou o uso corrente recomendem’’
36) A alínea b), do ponto 1, da referida Cláusula, do contrato de seguro mencionado em 3, estabelece que ‘’o segurado deve vistoriar previamente os bens contíguos com vista a certificar-se dos danos já existentes, efetuando registo dessa vistoria, sendo esta diligência requisito para a validade da cobertura’’.
37) Do n.º 2, alínea d), da mesma Cláusula Especial, resulta que estão excluídos ‘’danos consistentes em ou resultantes de fissuras, fendas ou fendilhações que não coloquem em causa a estabilidade de estruturas, edifícios e/ou terrenos, nem a segurança dos que deles fazem uso.’’.
38) De acordo com o art. 2º, n.º 1, alínea l), da Condição Especial 41, ficam excluídos do âmbito da cobertura da Apólice ‘’danos consistentes em ou resultantes de fissuras, fendas ou fendilhações que não coloquem em causa a estabilidade de estruturas, edifícios e/ou terrenos, nem a segurança dos que deles fazem uso’’.
39) A alínea a), do n.º 5.2, n.º 2, estabelece que ficam excluídos desse âmbito de cobertura as ‘’perdas ou danos motivados por todo e qualquer tipo de fissuras, fendas ou fendilhações a toda e qualquer edificação, as quais não coloquem em causa a estabilidade dos mesmos’’.
40) Ao abrigo desta apólice encontram-se excluídos, os ‘’danos causados a bens móveis e/ou imóveis e/ou contíguos, pertença de terceiros, situados a uma distância inferior a 50 metros do ponto da explosão. A aceitação do risco para distâncias inferiores ficará sempre dependente da aceitação prévia, por escrito, por parte da Seguradora. Para esse efeito, o Segurado compromete-se a comunicar com a antecedência mínima de 5 dias úteis o início desses trabalhos, os quais ficarão sujeitos a prévia análise do risco. Os riscos que forem aceites após análise de risco ficarão sujeitos a eventual aplicação de prémio e franquia suplementares.’’
41) O art. 2º (Exclusões), ponto 2, alínea b), da Condição Especial 42 – RC Laboração de Máquinas, estabelece que estão excluídos os danos derivados de ‘’escavações’’.
Factos não provados
a) A ré realizou fotografias à casa dos autores as quais foram retiradas antes da execução dos trabalhos de desmonte de rocha, designadamente a 19-12-2013, e que atestam o fraco estado de conservação em que já naquela altura a habitação dos autores se encontrava, apresentando, em concreto: - Fissuras nos muros exteriores e nos passeios, pavimentos, pátios e fachadas; - As paredes interiores e exteriores com sinais de degradação evidentes, como o destacamento do revestimento, em diversas zonas e fissuração dos elementos cerâmicos.
b) O descrito em 13 deve-se ao facto de o imóvel em causa ser precário e/ou à deficiente qualidade a que obedeceu o respetivo processo construtivo, sem condições de estabilidade e, por isso, muito sujeito a assentamentos diferenciais da respetiva fundação.
c) E devem-se também à fraca qualidade dos materiais utilizados e à fraca qualidade de execução de quem construiu essa habitação.
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IV - Subsunção jurídica
a - Da reapreciação da matéria de facto
A apelante põe em crise os factos dados como assentes sob os pontos 13, 14 e 15.
O ponto 13 tem o seguinte teor.
13) Na sequência dessas explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos.
Pede que seja dada como assente a seguinte redação:
13) Na sequência dessas explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos, à exceção dos 2 quartos que se situam na sua parte de cima e virados para o campo, e do anexo que constituiu a habitação do filho dos autores.
No que se refere ao ponto 13, o A. pretende que este seja acrescentado com alusão à exceção dos 2 quartos que se situam na sua parte de cima e virados para o campo, e do anexo que constituiu a habitação do filho dos autores.
Alicerça a sua pretensão na alegação de que a A. BB depôs no sentido de que os dois quartos da habitação dos autores situados na parte de cima (da habitação) e virados para trás, para o campo, não padecem de quaisquer danos e que a A. BB e a testemunha CC afirmaram que o anexo do imóvel, onde habita o filho dos autores e testemunha CC, foi objeto de obras levadas a cabo em todo o seu interior, que consistiram no revestimento a pladur. Encontrando-se este dano corrigido, nada haveria a reparar no interior de anexo.
Contrapõem os AA., não só relativamente à alteração ao ponto 13, como à demais matéria impugnada, que o invocado pela R. não é suficiente para abalar a convicção gerada no tribunal de 1.ª instância.
No que se refere à existência de danos nos dois quartos situados na parte de trás casa, virados para o campo, a A. BB declarou que estes quartos não tinham problemas. Quanto ao anexo em que vivem o filho e a nora, por contraposição com os demais compartimentos da casa, declarou que ainda estava pior, tanto assim que o filho pôs pladur.
No mesmo âmbito, CC, nora dos AA. residente no anexo, testemunhou que as explosões deram origem a rachadelas na casa, e que, como estavam muito abertas, tivemos que pôr pladur, tivemos que fazer obras.
Tendo sido a própria A. a circunstanciar que os dois quartos da parte de cima da casa, virados para o campo não ficaram com estragos decorrentes das explosões, tal deverá ser ressalvado.
No que concerne às fissuras no anexo, a prova elencada pela própria recorrente não exclui que estas tiveram lugar, antes o confirma. O que explicita é que, atenta a dimensão dos estragos, o filho da A. colocou pladur, ao que se alcança, a fim de os disfarçar.
É certo que, tal como afirmado no ponto 13, na sequência das explosões, o prédio dos AA. sofreu estragos também no anexo.
Não se entrevê, assim, fundamento para excluir o anexo das consequências das explosões, já que também aí estas se verificaram.
Tudo visto, atende-se parcialmente a pretensão da R., passando o ponto 13 dos factos assentes a adotar o seguinte teor:
13) Na sequência dessas explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos, à exceção dos dois quartos que se situam na sua parte de cima e virados para o campo.
No tocante ao ponto 14, a R. pretende que se faça constar que as reparações do elencado em 13 ascendem a quantia nunca inferior a €10.220,00, descontado das quantias assumidas na 2.ª perícia para a reparação dos dois quartos que se situam na sua parte de cima e virados para o campo, e do anexo que constituiu a habitação do filho dos autores.
No que concerne ao anexo, não tendo havido exclusão das consequências das explosões, independentemente de a fendilhação ou fissuração estar coberta por pladur, mantém-se sob este. A reparação dependerá de opção construtiva em termos que não cabe aquilatar nesta sede recursória.
No que se refere aos dois quartos virados para o campo, excluído que está que tenham sofrido fissuração e/ou fendilhação, a quantia necessária à reparação deverá ver-se diminuída.
Sem embargo, o ponto 14 não menciona que o valor das reparações seja de €10.220,00, mas sim que não será inferior a €10.220,00.
Dá-se ainda nota de que se trata de questão irrelevante em face da sentença, que é de condenação na reparação em não em pagamento de indemnização.
Em todo o caso, a fim de tornar a matéria de facto tão conforme com a prova produzida quanto possível, entende-se ser de alterar o teor do ponto 14 dos factos assentes nos termos que se seguem:
14) As reparações do elencado em 13 ascendem a quantia não concretamente determinada, que se considerou não ser inferior a € 10 220,00, se contabilizando as reparações nos dois quartos da casa dos AA. sitos na parte de cima e virados para o campo.
Quanto ao ponto 15), a R. recorre, impugnando a matéria de facto no sentido de ver excluído que o estado em que o imóvel ficou na sequência dos rebentamentos causou tristeza e desgosto aos AA..
Baseia esta pretensão na asserção de que o imóvel já se encontrava danificado antes das explosões.
Atente-se, porém, em que nem sequer a R. põe em crise a parte substancial do ponto 13 dos factos assentes, nos termos do qual, na sequência das explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos.
Não residindo a objeção da R. à tristeza e desgosto dos AA. na insuscetibilidade de as fissuras e rachadelas conduzirem a tais sentimentos, mas sim à ausência de causalidade entre as explosões e estas, já se vê que tal objeção é contrária ao que a própria aceita. Independentemente de o imóvel poder padecer de alguma patologia, grave ou insignificante que fosse, prévia à atuação da R., facto é que a própria R., em sede de impugnação da matéria de facto, não põe em crise a generalidade dos estragos ocasionados pelas explosões, nem que o estado da habitação possa gerar sentimentos como os aludidos na esfera jurídica dos AA..
Acrescenta-se que se afigura plausível a tristeza sentida pelos AA. em virtude do estado em que a sua casa ficou. Surpreender e observar diariamente na casa em que se reside e se passa uma parte significativa do tempo a degradação da mesma é de molde a gerar consternação e sofrimento.
Neste sentido foram as declarações dos AA., de seu filho, II, e de sua nora, CC.
Em face do exposto, indefere-se a alteração à matéria de facto em apreço.
No que tange aos factos não provados, entende a apelante que a matéria constante do ponto a) deveria ter sido dada como provada, passando a integrar o elenco dos factos provados, nos seguintes termos:
A ré realizou fotografias à casa dos autores as quais foram retiradas dias antes da execução dos trabalhos de desmonte de rocha, e que atestam o fraco estado de conservação em que já naquela altura a habitação dos autores se encontrava, apresentando, em concreto:
- Fissuras nos muros exteriores e nos passeios, pavimentos, pátios e fachadas;
- As paredes interiores e exteriores com sinais de degradação evidentes, como o destacamento do revestimento, em diversas zonas e fissuração dos elementos cerâmicos.
O facto não assente a) tal como consta da sentença tem o seguinte teor:
A ré realizou fotografias à casa dos autores as quais foram retiradas antes da execução dos trabalhos de desmonte de rocha, designadamente a 19-12-2013, e que atestam o fraco estado de conservação em que já naquela altura a habitação dos autores se encontrava, apresentando, em concreto:
- fissuras nos muros exteriores e nos passeios, pavimentos, pátios e fachadas;
- as paredes interiores e exteriores com sinais de degradação evidentes, como o destacamento do revestimento, em diversas zonas e fissuração dos elementos cerâmicos.
Não se entrevê como o acrescento da matéria em causa possa vir a relevar para a decisão jurídica da causa, já que a apelante não põe em crise, em sede de recurso, que as explosões por si levadas a cabo no âmbito da obra do aterro sanitário deram origem ao acervo substancial das maleitas reportadas na casa dos AA..
Sumaria-se no ac. desta Relação do Porto de 4/10/2021 (proc. 142/19.9T8BAO.P1, Carlos Gil):
I - A reapreciação da decisão da matéria de facto é um mero instrumento para obter a revogação ou a anulação de uma decisão desfavorável ao recorrente e deixa de fazer qualquer sentido a partir do momento em que o recorrente deduz pretensões que revelam que aceita, sem quaisquer reservas, o núcleo essencial da decisão recorrida, no que tange ao fundamento jurídico da decisão que veio a ser tomada.
II - A reapreciação da matéria de facto não é um exercício dirigido a todo o custo ao apuramento da verdade afirmada pelo recorrente mas antes e apenas um meio de a mesmo poder reverter a seu favor uma decisão jurídica fundada numa certa realidade de facto que lhe é desfavorável e que pretende ver reapreciada de modo a que a realidade factual por si sustentada seja acolhida judicialmente, pelo que logo que faleça a possibilidade de uma qualquer alteração da decisão factual poder ter alguma projeção na decisão da matéria de direito em sentido favorável ao mesmo deixa de ter justificação a reapreciação requerida.
Lê-se no ac. da Relação de Guimarães de 22-10-2020 (proc. 5397/18.3T8BRG.G1, Maria João Matos): por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for(em) insuscetível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil.
Veja-se ainda o ac. do S.T.J. de 9-2-2021 (proc. 26069/18.3T8PRT.P1.S1, Maria João Vaz Tomé): segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.
Como já reiteradamente se expendeu, nem mesmo a R. põe em crise a parte substancial do ponto 13 dos factos assentes, nos termos do qual, na sequência das explosões, o prédio dos Autores ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram os seguintes danos, a saber: o imóvel apresenta diversas fissuras e rachadelas nas suas partes exteriores (fachadas, passeios, pavimentos, pátios, anexos, forno exterior e muros); o imóvel, incluindo a parte da oficina que também o compõe, também apresenta, no seu interior, nas suas diversas divisões, fissuras e rachadelas quer nas paredes, quer nos tetos e pavimentos.
A apelante não especifica que outras fissuras e rachadelas fossem pré-existentes, nem a medida da contribuição das pré-existentes e das determinadas pelas explosões para o cenário descrito, pelo que a sua alegação, do ponto de vista recursivo, resulta inócua.
Acresce que pretende que um registo fotográfico, sem qualquer explicitação, impresso em papel da R., desconhecendo-se o critério da escolha das casas fotografadas, seja encarado como se de uma vistoria realizada por terceiro se tratasse.
Deste modo, sendo a factualidade que se pretende ver aditada insuscetível de gerar alteração à solução jurídica da causa, cumpre concluir que conhecer da respetiva inclusão corresponderia à prática de um ato inútil no processo, o que o art.º 130.º do C.P.C. proíbe.
Requer a apelante que, dada a alegação da recorrente constante dos artigos 45.º e 46.º, e atento o depoimento das testemunhas DD e EE, seja aditado à matéria de facto provada que “todas as detonações foram sempre acompanhadas por operações de vigilância, com recurso a técnico de controlo de explosivos e um técnico de segurança ao serviço da ré”. De acordo com o depoimento da testemunha EE, deveria ser aditado à matéria de facto, dada a sua relevância para discussão jurídica, o seguinte facto instrumental: “A ré no decurso da obra foi fiscalizada pela direção nacional da PSP, não foi alvo de qualquer processo de contraordenação decorrente da mau uso de explosivos e obteve sempre a licença, por parte da PSP, para o uso e aplicação de explosivos”.
A matéria de facto deve refletir de forma tão completa e precisa quanto possível a matéria apurada em julgamento em conformidade com a alegação, ponderando as várias plausíveis de direito.
Dos depoimentos de DD e de EE emerge que o acompanhamento relatado teve lugar. Tratando-se de matéria alegada, adita-se aos factos assentes o seguinte:
42 - Todas as detonações foram acompanhadas por operações de vigilância, com recurso a técnico de controlo de explosivos e a um técnico de segurança ao serviço da R..
Quanto ao aditamento de que a R., no decurso da obra, foi fiscalizada pela direção nacional da PSP, não foi alvo de qualquer processo de contraordenação decorrente do mau uso de explosivos e obteve sempre a licença, por parte da PSP, para o uso e aplicação de explosivos, não se trata de matéria alegada nos articulados.
A apelante considera estarem em causa factos instrumentais.
A decisão proferida em 1.ª instância é deficiente quando o que tenha sido dado como provado e como não provado não corresponda a tudo o que, com relevância para a decisão da causa, haja sido alegado pelas partes.
Na sentença devem ser discriminados os factos provados e não provados, por referência aos factos alegados pelas partes, ou a factos instrumentais ou complementares de outros essenciais oportunamente alegados, que hajam resultado da instrução da causa.
A propósito desta questão entende-se que a respetiva inserção sempre deveria ser acompanhada do ou dos documentos que comprovem a realização da fiscalização, dos resultados da mesma e de questões atinentes a contraordenação.
Trata-se de matéria que só a própria entidade fiscalizadora poderia atestar. Concedendo-se que esteja em apreço factualidade de natureza instrumental, nem por isso, ademais não constando dos articulados, deixa de ser exigível que a prova atinente tenha origem na fonte, preferencialmente com comprovativo. O depoimento da testemunha EE, eng. da R., no sentido de que tivemos que renovar licença, voltar a renovar licença e, posteriormente, tivemos que solicitar nova licença e tudo isso aprovado pela Direção Nacional da PSP requereria a exibição correspondente.
Indefere-se, por isso, a pretensão da recorrente atinente.
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b - Da reapreciação da matéria jurídica da causa: se a R. demostrou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos emergentes da atividade perigosa por si desenvolvida de desmonte através de explosivos.
A questão central dos autos consiste em determinar se é possível imputar a responsabilidade do estado do imóvel dos AA. às operações de desmonte levadas a cabo pela R..
A ideia central da responsabilidade civil reside em que quem causar dano a outrem, de natureza patrimonial ou não patrimonial deverá restabelecer o bem jurídico violado no estado anterior à lesão (art.º 483.º do C.C.). No caso de o restabelecimento não ser possível, a reparação deverá ocorrer através do pagamento de indemnização pecuniária, na medida da diferença entre o estado anterior ao da lesão e aquele que sobrevier - teoria da diferença (arts. 562.º e 566.º do C.C.).
Constituem pressupostos da responsabilidade civil a concorrência simultânea de facto voluntário do lesante; ilicitude; imputação do facto ao lesante; dano e nexo de causalidade facto/dano (Varela, João Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 495).
A responsabilidade está, por via de regra, ligada a um comportamento negligente, culposo, sendo de rejeitar a ideia de existência de responsabilidade objetiva genérica.
O legislador foi, porém, sensível a situações que, pela sua gravidade, independentemente de culpa, exigem responsabilização.
É o que se verifica, naquilo que no caso dos autos interessa cuidar, nos termos do disposto no art.º 493.º do C.C..
O n.º 2 do art.º 493.º do C.C. preceitua que quem causar danos a outrem no exercício de uma atividade, perigosa pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, exceto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir.
No caso em apreço, não se apurou que a R. tenha desenvolvido atuação ilícita e culposa suscetível de desembocar na sua responsabilidade nos termos gerais.
Os AA. defendem, porém, que a conduta da R. é subsumível à previsão do art.º 493.º/2 do C.C., por entenderem que a mesma exercia uma atividade perigosa da qual decorreram os danos que sofreram.
A sentença proferida analisou cuidada e pormenorizadamente a matéria jurídica atinente, subsumindo-a, entende-se que adequadamente, aos factos concretos. Cingir-nos-emos, por isso, a fazer avultar os aspetos mais expressivos, quer do direito, quer da factualidade em causa.
O que seja uma atividade perigosa constitui um conceito indeterminado, que a doutrina e a jurisprudência vêm preenchendo.
Veja-se no sumário do ac. do S.T.J. de 17-5-2017 (proc. 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, António Piçarra):
IV - A lei não indica, porém, um elenco de atividades que devam ser qualificadas como perigosas para efeitos dessa norma e também não fornece um critério em função da qual se deva afirmar a perigosidade da atividade, esclarecendo apenas que, para o efeito, tanto releva a natureza da própria atividade como a natureza dos meios utilizados.
V - A perigosidade é apurada caso a caso, em função das características casuísticas da atividade que gerou os danos, da forma e do contexto em que ela é exercida. Trata-se afinal de um conceito indeterminado e amplo a preencher pelo intérprete e aplicador da norma na solução do caso concreto, o que deve ser feito tendo por base a «diretriz genérica» indicada pelo legislador.
VI - Deve ser considerada perigosa a atividade que possui uma especial aptidão produtora de danos, um perigo especial, uma maior suscetibilidade ou aptidão para provocar lesões de gravidade e mais frequentes.
Lê-se no ac. da Relação de Lisboa de 22-6-2021 (proc. 1694/18.6T8PDL.L1-7, José Capacete):
1. No n.º 2 do art. 493.º do CC, o legislador português, na esteira do italiano, ao referir-se a «atividade perigosa», recorreu à combinação de uma cláusula geral legal com um conceito indeterminado, que não define, nem em geral, nem para os efeitos do disposto na dita norma, limitando-se a relacionar a perigosidade com a natureza da atividade ou dos meios utilizados, remetendo para a doutrina e para a jurisprudência o papel de densificação da expressão, pelo que será em face das circunstâncias do caso concreto que se determinará se certa atividade é ou não perigosa.
2. O preenchimento de tal conceito pressupõe uma especial probabilidade de «aquela concreta atividade» causar um dano a terceiro, significando isto que é necessário que a concreta atividade desenvolvida pelo lesante acarrete um perigo que vá para além do que é normal noutras atividades, sendo expectável que dela possam resultar danos que, em termos de normalidade, não ocorreriam noutra atividade.
3. “Atividade perigosa” é, assim, aquela, cujo perigo, que objetivamente a encerra, acompanha o seu correto e adequado exercício, mesmo enquanto «tudo correr bem» e ainda que «tudo corra bem», e não aquela que apenas recebe tal qualitativo quando algo corre mal e o dano acontece, pois que a perigosidade é aferida a priori, residindo no próprio processo, e não no resultado danoso, muito embora a magnitude deste possa evidenciar o grau de perigosidade da atividade.
E no ac. da Relação do Porto de 29-6-2023 (proc. 1515/21.2T8MAI.P1, Ernesto Nascimento): é necessário que a perigosidade seja intrínseca à própria atividade, quer pela sua própria natureza, quer pelos meios utilizados no seu exercício.
Almeida Costa (Mário Júlio de, Direito das Obrigações, 6.ª ed., pp. 492, 493) exemplifica como constituindo atividades perigosas o fabrico de explosivos, a navegação aérea, o transporte de matérias inflamáveis, a aplicação médica de raios x e ondas curtas, e refere que “deve tratar-se de atividade que, mercê de qualquer destas duas razões, tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes atividades em geral”.
Não se nos oferecem dúvidas que a atividade desenvolvida pela R. na sua vertente de desmonte de rochas com recurso a explosivos integra a previsão do art.º 493.º/2 do C.C.. O aparato que a antecede e rodeia é disso expressivo e nem sequer a R. pretende diversamente.
O que a R. invoca, em benefício da sua pretensão de se eximir ao dever de indemnizar, é que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
A este propósito realça-se que por força das eventuais consequências negativas que as atividades perigosas são suscetíveis de acarretar, tendencialmente graves, o padrão de exigência para as prevenir exige-se elevado.
Neste sentido, veja-se no ac. do Supremo Tribunal de Justiça (proc. 08B4010, de 12-03-2009): é insuficiente a observância dos deveres inerentes à normal diligência, pois onde a periculosidade está ínsita na ação há o dever de proceder tendo em conta o perigo; o dever de evitar o dano torna-se, assim, mais rigoroso, quando se atua com a nítida previsão da sua possibilidade, pelo que o sujeito deve adotar, mesmo que com sacrifícios, todas as medidas aptas para evitar o dano.
Sem embargo, há que admitir que possa haver lugar a prova liberatória.
No caso concreto, apurou-se que na sequência das explosões provocadas para fazer o desmonte, o prédio dos AA. ficou exposto às consequências dessas mesmas explosões, que provocaram o seu estremecimento e ocasionaram fissuras e rachadelas nas partes exteriores e interiores do imóvel.
Não há dúvidas de que os estragos na habitação dos AA. que foram reportados tiveram como origem a atividade perigosa de desmonte de rocha levada a cabo pela R..
Resta, pois, apurar se, como pretende a R., esta demonstrou ter empregue todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos.
Neste conspecto apurou-se:
- que o terreno sobre o qual se edificou o aterro sanitário foi objeto de estudo de caracterização geológica e geotécnica e que este estudo foi tido em conta na elaboração dos assim denominados planos de fogo;
- já não assim que tenha sido efetuado estudo geológico atinente ao local em que a casa dos AA. está edificada;
- que durante a execução dos trabalhos de escavação, a R. efetuou 46 pegas de fogo, que se verificaram entre 20-12-2013 e 14-11- 2014, que eram supervisionadas;
- que em todas as 46 pegas de fogo, a R. colocou um sismógrafo na habitação que se situava mais perto de todas as deflagrações, localizada mesmo junto ao perímetro da obra, na Rua ... da ..., sendo que até ao plano de fogo n.º 22, a R. colocou mais um sismógrafo, em local diferente e que a partir da pega 23 colocou mais dois sismógrafos em diferentes locais, para além do colocado naquela habitação;
- que o explosivo usado pela R. em todas as deflagrações foi explosivo tipo emulsão, que tem uma menor velocidade de detonação do que a dinamite;
- que na decorrência do disposto na "Norma Portuguesa" NP-2074 (1983), aprovada em 19.04.83 pela Portaria n.º 457/83, a R. considerou que a velocidade máxima a respeitar para a propagação das vibrações provocadas pelas explosões realizadas teria de ser, naqueles concretos locais, de 10 mm/seg.;
- que a velocidade de propagação e frequência das vibrações provocadas por 44 das 46 explosões em causa, não ultrapassaram o valor de 10mm/seg.
- que do relatório da segunda perícia emerge que o intervalo de variação das velocidades de vibração ocorridos durante o uso de explosivos foi de 0,54mm/s a 6,53mm/s, valores extremos muito inferiores ao valor admissível de 10mm/s, estando em conformidade com a Norma 2074. Esse tratamento estatístico das velocidades de vibração ocorridas permite ainda determinar um fator de segurança médio geral de 10mm/s/3,53mm/s = 2,82. Pelo exposto, os Peritos consideram que as patologias referidas pelos Autores, no artigo 8.º da P.I, não foram causadas por falta de cuidado e diligência da Ré.
- que o perito indicado pelos autores sublinhou o seguinte: não existindo informação relativamente às características geológica-geotécnicas que permita fazer a rigorosa caraterização do solo, não é possível determinar o valor limite da velocidade da vibração de pico e não existindo, também, medições de velocidade de vibração no imóvel dos autores para todos as ocorrências com recurso a explosivos, não é possível concluir com rigor a causa dessas patologias.
Da matéria apontada ressalta-se que não foi efetuado estudo geológico ao terreno dos AA. - na 1.ª perícia sustenta-se que para cada imóvel deveria ter sido ser feita uma sondagem geológica e geotécnica ou a realização de estudos de caracterização geotécnica globais que permitissem aferir as propriedades relevantes. Da ausência deste pressuposto emerge não ser possível saber o valor limite da velocidade da vibração de pico, precisamente ligado àquele fator, ou seja, não é certo que, pela circunstância de em 44 das pegas de fogo as vibrações não terem ultrapassado o limite tido pela R. como sendo o adequado, seja de presumir que foram adotados os devidos cuidados.
A verdade é que se desconhece, precisamente por ausência de adoção pela R. medidas nesse sentido, se o limite foi ou não devidamente estabelecido. Ora se a impossibilidade de determinar se a o limite observado era ou não o mais adequado decorre da conduta da R., não pode esta beneficiar da sua própria imprevidência. Se porventura foi da conveniência da R., seja por razões de celeridade ou de redução de custos, seja por outra ordem de razões, não proceder ao estudo geológico em causa, deverão impender sobre si as consequências da sua atitude omissiva.
Impõe-se aqui aplicar o brocardo segundo o qual ubi commoda, ibi incommoda. Aquele que recolher o benefício ou proveito (commoda) de uma dada situação, terá igualmente de suportar os prejuízos (incommoda) que dessa situação resultarem. Aliás, é este princípio que subjaz à responsabilidade pelo risco.
Em todo o caso, em duas das 46 explosões em causa, a velocidade de propagação e frequência das vibrações provocadas ultrapassaram o aludido valor de 10mm/seg, concretamente, a explosão resultante da aplicação do plano de fogo n.º 4 e a resultante da aplicação do plano de fogo n.º 36, onde a velocidade de propagação das vibrações atingiu, respetivamente, o valor de 10,795 mm/s e 10,5 mm/s.
Esses valores de 10,795 mm/s e 10,5 mm/s foram obtidos pelo sismógrafo colocado em habitação mais próxima da origem do que a dos AA., tendendo as ondas vibratórias a atenuar-se. Veja-se, porém, que o desmonte ocorreu a uma distância de cerca de 250 metros relativamente à casa dos AA. e que se de uma vez por semana, entre 20-12-2013 e 14/11/2014, isto é, durante quase um ano.
Deflui da prova produzida que a casa dos AA. não é nova - tendo sido acrescentada por estes ao longo do tempo -, o que teria que ser tomado em consideração pela R. para efeitos das linhas de fogo.
As fragilidades construtivas que a R. podia ter percecionado fazem impender sobre a mesma um dever acrescido de ponderação. Mais a mais, não nos encontramos perante um dever que possa ser qualificado de excessivo, pois bastaria uma observação a olho nu para surpreender as debilidades.
Destaca-se ainda do processado que os peritos indicados pelo tribunal e o perito que elaborou um parecer no processo criminal realçaram que se o cumprimento da referida norma for verificado nos locais de implantação do sismógrafo não poderá aí registar-se a verificação de quaisquer danos estruturais, podendo ocorrer danos não estruturais/estéticos. Foi precisamente o que se verificou no caso dos autos, em que não há danos estruturais a atender, mas em que se verifica a existência de danos estéticos.
Tomando em linha de conta a natureza e envergadura da obra que ia empreender, a R. não poderia deixar de ter ponderado que o uso de explosivos era suscetível de gerar estragos ou de agravar os pré-existentes nas casas das imediações.
Nem por isso se precaveu, procedendo a uma vistoria independente daquelas casas - note-se que um relatório fotográfico circunstanciado seria o bastante, pelo que, uma vez mais, não está em causa uma exigência anormal ou inusitada.
Em resumo, a ausência de estudo geológico aos terrenos em que as casas estão implantadas, em concreto ao terreno da casa dos AA., para mais tendo em conta a proximidade das casas, que gera a impossibilidade de dar como garantido que os limites estabelecidos sejam os mais corretos, a ausência de documento que comprove o estudo, ainda que sumário, do parque habitacional pré-existente, a duração dos planos de fogo, a violação do limite estabelecido pela própria R. em duas pegas de fogo e o relativamente diminuto número de medições consubstanciam a violação de deveres de cuidado.
A condenação da R. no pagamento de indemnização pela tristeza e desgosto causados nos AA. em função do estado em que ficou a sua casa foi posta em crise na estrita medida em que a condenação decorrente do n.º 2 do art.º 493.º do C.C. fosse abalada, o que, como se viu, não se verificou.
Conclui-se que a R. não demonstrou ter empregue ou esgotado todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de prevenir os danos verificados na casa dos AA., pelo que, nos termos do preceituado no n.º 2 do art.º 493.º do C.C., está obrigada a repará-los na sua vertente construtiva. Mais está obrigada a indemnizar os AA. pelos danos de natureza não patrimonial por estes sofridos.
Confirma-se, assim, inteiramente, a sentença recorrida.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar a apelação totalmente improcedente, mantendo-se na íntegra a sentença recorrida.
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As custas serão suportadas pela apelante, por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto ,18-3-2024.
Teresa Fonseca
Fátima Andrade
Mendes Coelho