Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3197/21.2T8STS-H.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CONTRATO DE PERMUTA
NEGÓCIO EM CURSO
Nº do Documento: RP202403193197/21.2T8STS-H.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Celebrado um contrato de permuta mediante o qual o permutando deu à contraparte 4 lotes de terreno dos quais era proprietário e esta se obrigou a entregar-lhe no prazo de 1 ano uma moradia que iria construir, não o tendo feito nesse prazo e tendo o permutante logrado provar ter deixado de ter interesse objectivo nessa contraprestação, tinha direito a resolver tal contrato.
II - Não tendo sido impugnada a resolução do contrato de permuta comunicada à Administradora de insolvência por carta de 9.05.2022, operada de forma eficaz e mediante a invocação de motivo válido- nem sequer contestado nesta ação pelos Apelados- tendo a mesma efeito retroativo, no momento da apreensão de tais bens para a massa insolvente em 23.05.2022 já esse bens não pertenciam à massa, não era deles proprietária, nem sequer possuidora, tendo regressado à propriedade do permutante que sempre os manteve na sua posse.
III - Se à data da declaração da insolvência da contraparte nesse contrato de permuta, o permutante havia cumprido total e integralmente a sua prestação, estando apenas por cumprir a prestação por parte da agora insolvente, não é um negócio enquadrável nos negócios em curso cujo regime está consagrado nos arts. 102º ss do CIRE, exigindo este preceito legal para a sua aplicabilidade que não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte.
IV - Mesmo nos negócios em curso aos quais seja aplicável o art. 102º do CIRE, que não é o caso dos autos, se a opção do administrador da insolvência for a de recusar o cumprimento, tal acarretando, por princípio a impossibilidade de a contraparte ter direito à restituição do que prestou, ainda assim nesse preceito legal está prevista no nº 3 uma salvaguarda para as situações em que haja direito à separação da coisa indevidamente apreendida para a massa insolvente, relativamente às quais os direitos à separação e restituição podem continuar a ser exercidos nos termos dos arts. 141º a 146º do CIRE.
V - Em nenhum dos cenários estava vedado ao permutante, que havia cumprido totalmente a sua prestação, o direito de resolver o contrato de permuta verificado um dos fundamentos legais a que a lei atribui tal direito- como é o caso da falta de interesse objectivo no cumprimento- tendo direito a pedir a separação da massa insolvente dos bens objecto do contrato por si resolvido por tais bens já não pertencerem à massa insolvente na data da apreensão, tendo voltado à propriedade do permutante por força do efeito retroactivo da resolução operada de forma válida e eficaz.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3197/21.2T8STS-H.P1- APELAÇÃO
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. AA intentou Ação para Separação e Restituição de Bens, por apenso aos autos de Insolvência de A..., Lda, contra a Massa Insolvente, todos os Credores da Massa Insolvente e a Insolvente/Devedora, peticionando que os RR sejam condenados na separação e restituição dos bens imóveis identificados na petição inicial.
Como fundamento da referida pretensão, alegou em síntese que, no dia 17 de Março de 2021 celebrou escritura de permuta com a ora insolvente, no âmbito da qual ficou estipulado que o Autor permutava com a ora insolvente 4 lotes de terreno e em troca aquela comprometia-se a construir nos referidos lotes 4 moradias, sendo uma delas a entregar ao Autor  no prazo de 1 ano a contar da data da escritura, tendo sido atribuído ao negócio o valor de €200.000,00.
A ora insolvente foi adiando o início da construção das moradias, não tendo até à data iniciado qualquer obra nos lotes de terreno, nem se prevê que o faça por estar numa situação de insolvência, pelo que, tendo passado o prazo de 1 ano o Autor perdeu o interesse na construção da moradia pois precisava de ir morar na mesma nesse prazo, tendo resolvido o contrato de permuta por comunicação enviada à Administradora de insolvência na qual solicitou a anulação dos seus efeitos constitutivos e registrais, bem como a separação desses 4 lotes da massa insolvente e sua restituição ao Autor, nunca tendo a insolvente entrado na posse dos referidos prédios, mantendo-se na posse do Autor.
Defendeu o Autor que goza do direito de retenção, prevalecendo sobre hipotecas e penhoras, nos termos do art. 759º CC, o que deve ser declarado e que devem ser anuladas as inscrições constantes no registo predial e entregues os lotes livres de ónus ou encargos, sob pena de existir um enriquecimento sem causa a favor da insolvente.
Concluiu que deve ser reconhecida a resolução do contrato de permuta e o Autor reconhecido como único proprietário desses lotes, não devendo ser apreendidos a favor da massa insolvente pois não lhe pertencem, devendo antes ser separados da massa e restituídos ao Autor.

2. Falecido, entretanto, o Autor, foi proferida sentença de habilitação dos respectivos herdeiros, habilitando-se na sua posição BB e CC.

3. Não tendo sido deduzida contestação por qualquer um dos requeridos, foi proferido despacho em 29.09.2023 a considerar confessados os factos alegados na petição inicial, ao abrigo do art. 567º nº 1 do CPC, tendo sido concedido às partes prazo para apresentação de alegações por escrito.

4. Foi proferida sentença em 23.10.2023, Ref. Citius 453027065, com o seguinte dispositivo:
“Ante todo o acima exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência, absolvo os requeridos do pedido deduzido, mantendo-se a apreensão dos prédios identificados a favor da massa insolvente.-
Custas pelos autores (habilitados)
Registe e notifique.”

5. Inconformados, os Herdeiros de AA interpuseram recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
I. O recorrente viu ser-lhe negada a restituição e separação da Massa Insolvente os prédios que o mesmo permutou com a Insolvente, voltando os mesmos à sua propriedade.
II. A decisão em causa não analisou bem juridicamente os argumentos esgrimidos pelo Recorrente, juntamente com os documentos juntos.
III. Pretende-se, assim, a modificabilidade da decisão de direito, nos termos do artigo 639 do C. P. Civil, devendo a decisão do tribunal de 1.ª instância ser alterada.
IV. Assim, consideram-se incorrectamente provados e julgados os seguintes pontos por violação das normas aí discriminadas:
a) Falta de contestação/oposição e seus efeitos;
(violado Artigo 567.º n.º 1 do Código de Processo Civil, pois os intervenientes ora Recorridos tiveram a oportunidade de contestarem e não o fizeram, pelo que atendendo a esse facto, “consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”)
b) Restituição e separação de bens da massa insolvente de bens indevidamente apreendidos na Insolvência;
(violado o artigo 141.º do CIRE)
c) Resolução do contrato de permuta; Nulidade;
(violados os Artigos 432.º, 433.º, 434.º, 435.º, 436.º, 437.º, 439.º 286.º e 289.º do Código Civil)
d) Direito de retenção
(violado o artigo 759.º do Código civil)
e) Enriquecimento sem causa;
(violado o artigo 473.º do Código civil, pois a Massa Insolvente enriqueceu à sua custa, em qualquer causa justificativa)
Concluíram, pedindo que seja revogada a Douta Sentença, ordenando-se a sua substituição por outra que comtemple a SEPARAÇÃO E RESTITUIÇÃO DOS BENS IDENTIFICADOS NA ACÇÃO, A FAVOR DO RECORRENTE, ISTO É, OS 4 lotes de terreno (4 prédios urbanos), sitos na Rua ..., União de Freguesias ... e Valongo, prédios descritos na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob as descrições ..., ..., ..., ... da Freguesia ..., Concelho de Valongo),

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Foram observados os vistos legais.
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II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1]
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As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ªQuestão-Efeitos da falta de contestação;
2ª Questão- Restituição e separação dos 4 lotes de terreno da massa insolvente;
3ª Questão-Direito de retenção;
4ª Questão- Enriquecimento sem causa.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância tomou em consideração os seguintes factos:
a) A ora devedora “A..., Lda.”, foi declarada insolvente por sentença datada de 05.04.2022, na decorrência de parecer emitido pelo AJP nomeado em sede de processo especial de revitalização a que a dita empresa se apresentou – no sentido da empresa estar insolvente -, tendo esta negado a sua situação de insolvência, o que justificou prosseguimento dos autos, com realização de prova pericial, após o que se veio a declarar judicialmente tal situação insolvencial nos termos preditos;
b) No processo principal foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação do activo, e nomeada administradora da insolvência a Sr.ª Dr.ª DD na sentença declaratória da insolvência, a qual veio a apreender a favor da massa insolvente, em 23.05.2022, além de outros, os seguintes bens:
. prédio urbano composto por terreno destinado a construção, com área de 212,90 m2, denominado por Lote ..., sito na Rua ..., da união das freguesias ... e ..., concelho de Valongo, a confrontar a norte com Rua ..., a sul com Lote ..., a nascente com Lote ..., e a poente com Lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ... (freguesia ...), e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ..., pela Câmara Municipal ...;
. prédio urbano composto por terreno destinado a construção, com área de  212,90 m2, denominado por Lote ..., sito na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho de Valongo, a confrontar a norte com Rua ..., a sul com Lote ..., a nascente com Lote ..., e a poente com Lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo, sob o n.º ... (freguesia ...), e inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ...;
. prédio urbano composto por terreno destinado a construção, com área de 211,20 m2, denominado por Lote ..., sito na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho de Valongo, a confrontar a norte com Rua ..., a sul com Lote ..., a nascente com Lote ..., e a poente com Lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ... (freguesia ...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;
. prédio urbano composto por terreno destinado a construção, com área de 244,20 m2, denominado por “Lote ...”, sito na Rua ..., da União de Freguesias ... e ..., concelho de Valongo, a confrontar a norte com Rua ..., a sul com Lote ..., a nascente com Travessa ..., e a poente com Lote ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o n.º ... (freguesia ...) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...;
c) Aos 17.03.2021, no Cartório sito na Praceta ..., União das freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, perante a Notária EE, compareceram como outorgantes AA, divorciado, e FF, na qualidade de gerente e em representação da sociedade comercial “A..., Lda.”, com sede na Rua ..., loja ..., freguesia ..., Valongo, tendo aquele primeiro declarado ser dono e legítimo possuidor dos prédios urbanos descritos em b), e o segundo outorgante, na invocada qualidade, declarou se propor construir nos aludidos prédios urbanos quatro moradias, na decorrência do que consignaram celebrar a seguinte permuta: aquele primeiro dá à representada do segundo outorgante os prédios descritos em b), em propriedade plena, e por sua vez, a representada do segundo dá ou cede ao primeiro outorgante, como bem futuro uma moradia unifamiliar de três frentes de tipologia T-3, composta por cave, rés do chão e andar, a ser construída no prédio urbano denominado Lote ..., sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número ... da Freguesia ..., em conformidade com o previsto nos projectos (de arquitectura e de especialidades aprovados sob o processo 11-OC/2021) e no caderno de encargos arquivado a pedido das partes, a que atribuem o valor de cem mil euros, sendo que tal prédio – que constitui a contraprestação da representada do segundo declarante – será entregue livre de ónus ou encargos e acabado com a respectiva licença de utilização, no prazo de um ano a contar da data deste acordo, tendo ainda os outorgantes fixado como valor total desta permuta o de duzentos mil euros, dando assim esta troca por concluída nos termos exarados, tudo como flui do teor de fls. 319 a 322 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos;  
d) A administradora da insolvência nomeada – Dr.ª DD – no relatório que fez juntar aos autos principais nos termos do art.º 155.º do CIRE aos 23.05.2022 -, ali declarou haver já apreendido os quatro lotes mencionados em b), mais esclarecendo que estes haviam sido objecto de permuta realizada por escritura pública datada de 17.03.2021 e que o permutante AA lhe havia comunicado a resolução do contrato de permuta com base no incumprimento da insolvente, com efeitos de restituição dos lotes apreendidos a favor da massa, e ainda que a massa insolvente se encontrava incapaz de cumprir a sua parte da permuta, razão pela qual, sendo tal obrigação infungível, o ressarcimento do citado permutante teria que ser alcançada segundo as regras dos artigos 102.º e 103.º do CIRE, encontrando-se o seu crédito reconhecido na relação de créditos definitiva, tudo como flui do teor de fls. 309-316 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
e) Mais esclareceu, a Sr.ª administradora da insolvência que para reforço da tese da impossibilidade de cumprimento da obrigação de edificar acresce o facto de que sobre os identificados bens imóveis se encontrarem constituídas garantias hipotecárias a favor de credor da insolvente, assim tendo declarado expressamente a impossibilidade de cumprir a sua parte por referência ao contrato de permuta tido lugar;  
f) O registo de aquisição de tais imóveis a favor da ora insolvente foi realizado aos 01.04.2021, através da Ap. ... de 2021/04/01 na Conservatória do Registo Predial de Anadia, tendo o registo da apreensão a favor da massa tido lugar aos 06.12.2022, tudo como flui do teor das certidões juntas ao Apenso E (apreensão de bens), cujo processado aqui se dá por reproduzido;
g) O aqui autor AA, na data da escritura mencionada em c) assumiu o pagamento dos custos dos impostos no valor de € 6.500,00 e € 800,00 respectivamente, assumindo, ainda, o pagamento das taxas urbanísticas do pedido de comunicação prévia junto da Câmara Municipal ... nos valores de € 551,49, € 475,48, € 472,44 e € 475,48, referentes aos quatro Lotes;
h) Após a celebração do acordo aludido em c), a insolvente, na pessoa do seu gerente, foi adiando o início da construção das moradias, não tendo até à data iniciado qualquer obra nos lotes de terreno;
i) Decorrido o prazo de um ano aludido na escritura referida em c), o autor AA perdeu o interesse na construção da moradia, pois necessitava de ir morar na mesma após tal prazo, tendo enviado comunicação à administradora da insolvência datada de 9 de maio de 2022 dando-lhe conhecimento que considerava resolvido o contrato de permuta realizado em 17 de março de 2021, solicitando que fosse reconhecida tal resolução com a consequente anulação dos seus efeitos constitutivos e registos/registrais, mais solicitando a restituição dos aludidos lotes a seu favor, caso viessem a ser apreendidos; 
j) A insolvente nunca entrou na posse dos referidos prédios, nem pagou quaisquer taxas junto da Câmara Municipal ..., sendo que não terraplanou, não limpou, não iniciou qualquer tipo de obras, mantendo-se tais prédios na posse do autor AA;
k) No âmbito do apenso de verificação e graduação de créditos, a administradora da insolvência fez constar da lista a que alude o art.º 129.º do CIRE (credor n.º 5) crédito reconhecido ao aqui autor AA, não tendo, ainda, ali sido proferida decisão, tudo como flui do processado junto ao apenso F, que aqui se dá por reproduzido.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ªQuestão-Efeitos da falta de contestação.
Afigura-se-nos que esta questão é perfeitamente despicienda, porquanto, embora os Apelantes tenham alegado que foi violado o art. 567º nº 1 do CPC “pois os recorridos tiveram oportunidade de contestarem e não o fizeram, pelo que atendendo a esse facto consideram-se confessados os factos articulados” o que resulta dos autos é que o tribunal deu cumprimento ao referido preceito legal, tendo considerado confessados os factos articulados na petição inicial por despacho proferido a 29.09.2023 em que fez expressa menção ao referido preceito legal.
Não obstante, nesse mesmo despacho referiu, a nosso ver bem, que a confissão de factos por falta de contestação não se confunde com as questões de direito e desse modo apesar da admissão dos factos a ação pode ainda assim ser julgada improcedente, como veio a ser julgada.
A propósito desta questão para melhor compreendermos a argumentação dos Apelantes tivemos de nos socorrer do corpo das alegações propriamente ditas, das quais retiramos a afirmação de que na óptica dos Apelantes não tendo os recorridos apresentado contestação no prazo legal de que dispunham confessaram os factos e o pedido apresentado pelo recorrente (ponto 18 das alegações).
Com base nesse entendimento, concluíram que o juiz a quo deveria ter dado provimento, em todas as cambiantes, à petição e pedido apresentado pelo recorrente.
Discordamos veementemente deste entendimento, porquanto o art. 567º nº 1 e 2 do CPC refere que se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor, é concedido prazo às partes para alegarem por escrito e em seguida é proferida sentença, julgando-se a causa conforme for de direito, não determinando tal preceito legal que a falta de contestação determine a confissão pelo réu do pedido formulado na petição inicial, pedido esse que terá de ser decidido pelo tribunal em função dos factos confessados, mas de acordo com o direito aplicável ao caso concreto.
Como lapidarmente escrevem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (não se conhecendo sentido divergente, quer na demais doutrina, quer na jurisprudência), “(…) o estado de revelia operante em que se encontra o réu, embora seja suscptível de potenciar tal desfecho, não conduz, sem mais, à procedência da ação.
Propondo a ação, o autor formulou determinada pretensão de tutela jurisdicional e fê-lo por referência ao quadro factual que verteu na petição inicial. A situação de revelia leva a que nos autos seja assumido esse quadro factual, mas não mais do que isso. Quer dizer, continuando o juiz a ter de julgar a causa “conforme for de direito”, tal julgamento tanto pode conduzir à procedência da ação como não, tudo porque, na revelia operante, há confissão dos factos mas não do direito. Daí que se fale no efeito cominatório semipleno associado à revelia operante.
Na verdade, apesar de os factos alegados pelo autor se considerarem confessados, sempre caberá ao juiz proceder ao respectivo enquadramento jurídico (art. 5º nº 3), em termos de julgar a ação materialmente procedente, abster-se de conhecer do mérito da causa e absolver o réu da instância ( com fundamento em questões processuais- art. 608º nº 1), julgar a ação apenas parcialmente procedente, ou mesmo julgar a ação improcedente, sempre em função do resultado da aplicação das normas de direito material.”[2]
E foi isto mesmo que sucedeu, porquanto o tribunal a quo proferiu sentença de improcedência da pretensão formulada pelo autor, apesar de ter considerado confessados os factos articulados na petição inicial e de os ter vertido no elenco dos factos provados na referida sentença, por se ter socorrido de um enquadramento jurídico distinto do invocado pelo autor, faculdade essa que lhe é concedida pelo art. 5º nº 3 do CPC e que cabe dentro da previsão consagrada no art. 567º nº 2 in fine do CPC.
Improcede este segmento recursivo.
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2ª Questão- Restituição e separação dos 4 lotes de terreno da massa insolvente.
A propositura da acção para exercício do direito à separação ou restituição de bens de terceiro indevidamente apreendidos para a massa insolvente, nos termos dos arts. 141º nº 1 e 146º do CIRE, tem como fundamento a existência de um direito real ou pessoal de gozo por parte de terceiro sobre o bem apreendido, que lhe atribua a posse em nome próprio, sendo o caso mais comum o de o bem ser da propriedade desse terceiro.
Os Apelantes habilitados arrogam-se proprietários dos 4 lotes de terreno apreendidos no dia 23.05.2022 para a massa insolvente/Apelada, por o autor na qualidade de permutante (posição na qual foram habilitados) ter resolvido em 9.05.2023, por comunicação recepcionada pela Administradora de Insolvência, o contrato de permuta celebrado em 17.02.2021 com a agora insolvente no qual tais bens haviam sido dados em permuta.
Declarada a insolvência da devedora/Apelada, a Administradora efectuou a apreensão de tais bens imóveis para a massa insolvente, apesar de ter tomado conhecimento da resolução do contrato de permuta operada pelo permutante, apenas tendo declarado no relatório apresentado nos termos do art.155º do CIRE que a massa se encontrava incapaz de cumprir a sua parte da permuta, concluindo que o ressarcimento do permutante teria de ser alcançado segundo as regras dos arts. 102º e 103º do CIRE, pelo que reconhecera o seu crédito na relação de créditos apresentada.
Do que nos é dado conhecer dos autos principais e respectivos apensos, o permutante havia comunicado a resolução do contrato de permuta em 9.05.2023 à Administradora de Insolvência e esta não reagiu a tal resolução, designadamente impugnando-a.
Nem mesmo contestou a presente acção de separação e restituição dos imóveis, na qual o permutante se arroga proprietário desses bens por os mesmos terem regressado ao seu património por força da referida resolução do contrato de permuta.
Convém salientar que o tribunal só pode decidir com base no suporte factual vertido na sentença recorrida, que no caso em apreço resultou da confissão dos factos articulados pelo Autor por parte de todos os Apelados- massa insolvente, credores e devedora-não devendo ser feitas extrapolações que não tenham o mínimo de arrimo nessa factualidade apurada.
Para percebermos melhor o enquadramento da questão decidenda, chamamos à colação os seguintes factos dados como provados:
c) Aos 17.03.2021, no Cartório sito na Praceta ..., União das freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, perante a Notária EE, compareceram como outorgantes AA, divorciado, e FF, na qualidade de gerente e em representação da sociedade comercial “A..., Lda.”, com sede na Rua ..., loja ..., freguesia ..., Valongo, tendo aquele primeiro declarado ser dono e legítimo possuidor dos prédios urbanos descritos em b), e o segundo outorgante, na invocada qualidade, declarou se propor construir nos aludidos prédios urbanos quatro moradias, na decorrência do que consignaram celebrar a seguinte permuta: aquele primeiro dá à representada do segundo outorgante os prédios descritos em b), em propriedade plena, e por sua vez, a representada do segundo dá ou cede ao primeiro outorgante, como bem futuro uma moradia unifamiliar de três frentes de tipologia T-3, composta por cave, rés do chão e andar, a ser construída no prédio urbano denominado Lote ..., sito na Rua ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob o número ... da Freguesia ..., em conformidade com o previsto nos projectos (de arquitectura e de especialidades aprovados sob o processo 11-OC/2021) e no caderno de encargos arquivado a pedido das partes, a que atribuem o valor de cem mil euros, sendo que tal prédio – que constitui a contraprestação da representada do segundo declarante – será entregue livre de ónus ou encargos e acabado com a respectiva licença de utilização, no prazo de um ano a contar da data deste acordo, tendo ainda os outorgantes fixado como valor total desta permuta o de duzentos mil euros, dando assim esta troca por concluída nos termos exarados, tudo como flui do teor de fls. 319 a 322 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido, para os devidos e legais efeitos;  
d) A administradora da insolvência nomeada – Dr.ª DD – no relatório que fez juntar aos autos principais nos termos do art.º 155.º do CIRE aos 23.05.2022 -, ali declarou haver já apreendido os quatro lotes mencionados em b), mais esclarecendo que estes haviam sido objecto de permuta realizada por escritura pública datada de 17.03.2021 e que o permutante AA lhe havia comunicado a resolução do contrato de permuta com base no incumprimento da insolvente, com efeitos de restituição dos lotes apreendidos a favor da massa, e ainda que a massa insolvente se encontrava incapaz de cumprir a sua parte da permuta, razão pela qual, sendo tal obrigação infungível, o ressarcimento do citado permutante teria que ser alcançada segundo as regras dos artigos 102.º e 103.º do CIRE, encontrando-se o seu crédito reconhecido na relação de créditos definitiva, tudo como flui do teor de fls. 309-316 dos autos principais, que aqui se dá por integralmente reproduzido;
e) Mais esclareceu, a Sr.ª administradora da insolvência que para reforço da tese da impossibilidade de cumprimento da obrigação de edificar acresce o facto de que sobre os identificados bens imóveis se encontrarem constituídas garantias hipotecárias a favor de credor da insolvente, assim tendo declarado expressamente a impossibilidade de cumprir a sua parte por referência ao contrato de permuta tido lugar;  
f) O registo de aquisição de tais imóveis a favor da ora insolvente foi realizado aos 01.04.2021, através da Ap. ... de 2021/04/01 na Conservatória do Registo Predial de Anadia, tendo o registo da apreensão a favor da massa tido lugar aos 06.12.2022, tudo como flui do teor das certidões juntas ao Apenso E (apreensão de bens), cujo processado aqui se dá por reproduzido;
g) O aqui autor AA, na data da escritura mencionada em c) assumiu o pagamento dos custos dos impostos no valor de € 6.500,00 e € 800,00 respectivamente, assumindo, ainda, o pagamento das taxas urbanísticas do pedido de comunicação prévia junto da Câmara Municipal ... nos valores de € 551,49, € 475,48, € 472,44 e € 475,48, referentes aos quatro Lotes;
h) Após a celebração do acordo aludido em c), a insolvente, na pessoa do seu gerente, foi adiando o início da construção das moradias, não tendo até à data iniciado qualquer obra nos lotes de terreno;
i) Decorrido o prazo de um ano aludido na escritura referida em c), o autor AA perdeu o interesse na construção da moradia, pois necessitava de ir morar na mesma após tal prazo, tendo enviado comunicação à administradora da insolvência datada de 9 de maio de 2022 dando-lhe conhecimento que considerava resolvido o contrato de permuta realizado em 17 de março de 2021, solicitando que fosse reconhecida tal resolução com a consequente anulação dos seus efeitos constitutivos e registos/registrais, mais solicitando a restituição dos aludidos lotes a seu favor, caso viessem a ser apreendidos; 
j) A insolvente nunca entrou na posse dos referidos prédios, nem pagou quaisquer taxas junto da Câmara Municipal ..., sendo que não terraplanou, não limpou, não iniciou qualquer tipo de obras, mantendo-se tais prédios na posse do autor AA.
Tal como resulta claramente dos factos provados-que nem a massa insolvente ou a devedora impugnaram como o podiam ter feito- a resolução do contrato de permuta operada pelo Autor não resultou da declaração de insolvência da devedora, mas da perda de interesse objectiva na construção da moradia que consubstanciava a contraprestação da devedora- ponto i dos factos provados.
Como resulta do disposto no art. 406ºn.º 1 do CC, o contrato só pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei.
É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (art. 432º nº 1 do CC).
Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação e, tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro ( art. 801º nº 1 e 2 do CC).
Um dos meios de extinção do contrato é o da resolução, resolução esta que, em consonância com o preceituado no citado preceito legal depende da convenção/acordo das partes ou da verificação do fundamento previsto na lei.
A resolução consiste na “destruição da relação contratual, operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes que pretende  fazer regressar as partes à situação em que se encontravam  se o contrato não tivesse sido celebrado”( Antunes Varela in Das Obrigações em Geral , vol. II pág. 264) e opera por meio de declaração unilateral receptícia  do credor ( art.º 436 do CC).
Segundo o nosso Cód. Civil (arts. 801º/n.º 1 e 808º do CC), são basicamente três as causas que podem estar na origem de tal situação de incumprimento definitivo:
1- impossibilidade da prestação;
2- perda de interesse por parte do credor, em consequência do atraso no cumprimento;
3 – decurso de um prazo suplementar de cumprimento estabelecido e dado a conhecer pelo credor ao devedor (A. Varela, Das Obrigações em Geral, II vol., pág. 87/88).
A jurisprudência e Doutrina acrescentam outra via de consumação: recusa categórica do devedor em cumprir, isto é, o devedor declara inequivocamente e peremptoriamente ao credor que não cumprirá o contrato (Pedro Romano Martinez, Ob. Cit., 2ª edição, p. 140 e 142; A Declaração da Intenção de não Cumprir, Estudos de Direito Civil e Processo Civil ( Pareceres), Coimbra, 1996, p. 137 ss; Brandão Proença, A Hipótese da Declaração (Lato Sensu) Antecipada de Incumprimento Por parte do Devedor, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, Coimbra, 2003, p. 364 ss).
Resulta inegável dos autos que ficou provado que decorrido o prazo de um ano aludido na escritura de permuta o permutante AA perdeu o interesse na construção da moradia, pois necessitava de ir morar na mesma após tal prazo.
“A perda do interesse do accipiens terá de resultar, objectivamente, das condições e das expectativas concretas que estiveram na origem da celebração do negócio, bem como das que, posteriormente, venham a condicionar a sua execução, inscrevendo-se no contexto daquilo que Calvão da Silva chama o respectivo “programa obrigacional”.
Podendo a perda do interesse resultar da superveniente inutilidade da prestação ou do prejuízo que a sua prestação fora do tempo lhe traria.
Não bastando a mesma de mera alegação do credor, nesses termos, tendo de ter na sua base uma razão objectivamente perceptível e compreensível para o cidadão comum.”[3]
Ou dito de outra forma, “perda de interesse que, em rigor, significa o desaparecimento objectivo da necessidade que a prestação visava satisfazer, ou dito de outro modo, quando pela natureza da própria obrigação, o retardamento do cumprimento destrói os objectivos e finalidades do negócio.”[4]
Também no Ac RP de 9.09.2021 ficou decidido que “a perda de interesse do credor na prestação do devedor para efeito de incumprimento definitivo e resolução do contrato de empreitada ocorre se a prestação não for efetuada no prazo razoável e admonitório por aquele comunicado ao devedor ou, ainda que sem fixação de prazo, se aquela perda de interesse existir, segundo um critério objetivo, designadamente quando a prestação do devedor se torna inútil ou desaparece totalmente a necessidade que a prestação visava satisfazer ou quando o retardamento da prestação destrói o objetivo do negócio.”[5]
Atendendo aos referidos ensinamentos, nos quais nos revemos e, perante o facto provado sob a alínea i) temos de considerar que o permutante demonstrou ter perdido o interesse na construção da moradia, como os próprios Apelados admitiram, estando-se perante um motivo válido para a extinção do contrato de permuta por resolução, resolução essa, insistimos, que não foi sequer questionada pelos Apelados.
Também foi dado como provado que a massa insolvente nunca entrou na posse dos referidos prédios, nem pagou quaisquer taxas junto da Câmara Municipal ..., sendo que não terraplanou, não limpou, não iniciou qualquer tipo de obras, mantendo-se tais prédios na posse do permutante.
Antes da apreensão dos referidos prédios ter sido concretizada pela Administradora da insolvência- a apreensão data de 23.05.2022 e o registo só ocorre em 6.12.2022- havia já ocorrido a extinção do contrato de permuta, por comunicação da resolução em 9.05.2022.
Isto porque a parte adimplente (ou não inadimplente) pode resolver imediatamente o contrato mediante declaração, escrita ou verbal, à outra parte (art. 436º nº 1) e, a resolução opera imediatamente, de pleno direito, no momento em que essa declaração chega ao poder ou esfera de acção da parte inadimplente ou é dela conhecida (art. 224º nº 1).
A resolução importa a extinção do contrato e a respectiva restituição de tudo o que as partes houverem recebido, já que tem efeito retroactivo (arts. 434º e 289º CC), colocando o lesado na situação em que estaria se não tivesse sido celebrado o negócio.
Deste modo, não tendo sido impugnada a resolução do contrato de permuta comunicada à Administradora de insolvência por carta de 9.05.2022, operada de forma eficaz e mediante a invocação de motivo válido- nem sequer questionado nesta ação pelos Apelados- tendo a mesma efeito retroativo, no momento da apreensão de tais bens para a massa insolvente já esse bens não lhe pertenciam, não era deles proprietária, nem sequer possuidora, tendo regressado à propriedade do permutante que sempre os manteve na sua posse.
Nem sequer impede tal efeito a invocação do disposto nos arts. 102º e 103º do CIRE, contrariamente ao declarado pela Administradora de insolvência no seu relatório apresentado nos termos do art. 155º do CIRE e utilizado como argumento na sentença recorrida, pura e simplesmente porque os mencionados preceitos legais não são aplicáveis ao caso dos presentes autos.
Senão vejamos.
Nos termos do art. 102º do CIRE, referente aos efeitos sobre os negócios em curso, contrariamente ao que a nomenclatura desse preceito legal possa induzir, não estamos perante um princípio geral quanto a todos os negócios ainda não cumpridos à data da declaração de insolvência nos quais a insolvente figure como parte.
Conforme esse preceito legal refere “em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento.”
Não bastasse o teor literal do referido art. 102º nº 1 do CIRE apontar para a sua aplicação apenas aos contratos em que nenhuma das partes tivesse cumprido totalmente, também toda a doutrina de forma consistente defende que basta que esse cumprimento total se verifique por uma das partes para que o art. 102º não seja aplicável.
Assim escrevem Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, de forma perfeitamente clara ao referir-se ao art. 102º do CIRE, que “para além de só se aplicar a contratos bilaterais, ser necessário que não haja cumprimento total dos mesmos, nem pelo insolvente, nem pela outra parte. Como assinala Luís M. T. Menezes Leitão (Código da Insolvência, ed. cit, págs 132 e 133), é rara a hipótese de não haver, de nenhuma das partes, cumprimento total do contrato.
E, na formulação da lei, basta que esse cumprimento se verifique por uma delas, para o art. 102º já não se aplicar.
Em suma, este preceito só se aplica se se mostrarem preenchidos três requisitos:
a) natureza bilateral do contrato;
b) não cumprimento total de ambas as partes;
c) inexistência de regime diferente para os negócios especialmente regulados nos artigos seguintes.”[6]
No mesmo sentido Luís Manuel Teles de Menezes Leitão (Direito da Insolvência, 3ª edição, pág. 181/182) que cita também Luís Miguel Pestana de Vasconcelos, “O novo regime insolvencial da compra e venda”, em RFDUP 3 (2006), pp 521-559 (537) segundo o qual ficam excluídos desta disposição os negócios unilaterais, os contratos unilaterais, os contratos bilaterais imperfeitos, assim como aqueles contratos bilaterais sinalagmáticos em que uma das partes já tenha cumprido na íntegra.”
Assim também defendem Alexandre de Soveral Martins (Um Curso de Direito de Insolvência, 2015, pág.  143), Maria do Rosário Epifânio (Manual de Direito da Insolvência, 7ª edição, pág. 207/208), Ana Prata Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (CIRE Anotado, 2013, pág. 292/293) e Catarina Serra (Lições de Direito da Insolvência, pág. 225).
Mesmo o Prof. Oliveira Ascenção (que apesar de citado na sentença recorrida não terá sido devidamente atendido o entendimento perfilhado por esse Autor), segue precisamente igual ensinamento, apesar de lhe parecer incompreensível a opção legislativa, conforme escreveu na Revista Themis (Revista da FDUNL, 2005, pág. 112) e que citamos ipsis verbis para total compreensão:
“Afigurando-se-nos bem, verificamos que o âmbito do art. 102 é ainda bem mais minguado que o que resultou até agora, e que o que faria crer a afirmação de um “princípio geral”.
O seu pressuposto (nº 1) é o de um contrato bilateral em que não haja ainda total cumprimento, nem pelo insolvente nem pela outra parte. Vamos analisar cada categorização pelo que contém e pelo que não contém.
I- Contrato
(…)
II- Bilateral
(…)
III- Não haver cumprimento total
Por força desta previsão, abrangem-se todas as hipóteses em que houve cumprimento parcial.
Só se houver cumprimento total não representam já negócios em curso (atendendo ao critério da execução devida). Poderão ter outras consequências, mas são alheias a este capítulo.
IV. Nem pelo insolvente nem pela outra parte
Enquanto houver uma parcela patrimonialmente relevante em aberto, o administrador da insolvência pode determinar se se executa ou não (foi esta a frase citada na sentença).
Curiosamente, este entendimento só foi consagrado pelo Dec.-Lei nº 200/04, de 18 de Agosto, que alterou o art.120/1. O Preâmbulo deste diploma não a aponta como uma alteração de fundo, mas na realidade é. Onde anteriormente se dizia não cumprida “quer pelo insolvente quer pela outra parte”, portanto em alternativa, bastando que um não tivesse cumprido para o preceito se aplicar, escreve-se hoje não cumprida “nem pelo insolvente nem pela outra parte.” Donde resulta que o preceito não se aplica se tiver havido cumprimento total por uma das partes.
É difícil dar outro entendimento á alteração da redação do preceito, caso contrário teria sido inútil. Mas a alteração parece incompreensível. Até agora tínhamos visto que o critério legal seria deixar sempre nas mãos do administrador a escolha entre cumprir e não cumprir; essa escolha desparece quando um deles cumpriu já (totalmente).”
A este propósito, sabemos que o permutante AA havia cumprido total e integralmente a sua prestação, havia dado em permuta os referidos bens imóveis, apenas estava totalmente por cumprir, à data da declaração da insolvência da contraparte nesse negócio, a prestação por parte da agora insolvente.
Concluímos, pois, não ser um negócio enquadrável nos negócios em curso cujo regime está consagrado nos arts. 102º ss do CIRE.
Não olvidamos que a qualificação do contrato de permuta como um negócio em curso, com a consequente suspensão do cumprimento do contrato e concessão de opção pela administradora da insolvência pela recusa de cumprimento, como sustentou, não seria despicienda no caso sub judice (se aplicável tal preceito), porquanto recusado o cumprimento pela administradora, como esta declarou, sem prejuízo do direito à separação da coisa, nenhuma das partes tem direito à restituição do que prestou (art. 102º nº 3 al. a) do CIRE).
Sem prejuízo, mesmo nessa hipótese, tal como escreveu no citado artigo o Prof. Oliveira Ascenção, a propósito dos efeitos sobre os contratos não duradouros e as implicações dos direitos reais e da posse que “o art. 102/3 CIRE ressalva o “direito à separação da coisa”, na linha do art. 5 do Regulamento, que estabelece que a insolvência não afeta os direitos reais de credores ou terceiros ( nº 1), nomeadamente o direito de reivindicar a coisa ( nº 2).”
Isto é, mesmo nos negócios em curso aos quais seja aplicável o art. 102º do CIRE, que não é o caso dos autos, se a opção do administrador da insolvência fosse a de recusar o cumprimento, tal acarretando, por princípio a impossibilidade de a contraparte ter direito à restituição do que prestou, ainda assim nesse preceito legal está prevista uma salvaguarda para as situações em que haja direito à separação da coisa, defendendo Ana Prata que “ esta coisa será bem que pertença à outra parte e cujo direito de propriedade ( ou outro direito real), nos termos do artigo 5º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 1346/2000, do Conselho, de 29 de maio, não pode ser afetado pela insolvência. Aliás, os artigos 141º a 146º ocupam-se da “restituição e separação de bens” indevidamente apreendidos para a massa insolvente, relativamente aos quais os direitos à separação e restituição podem continuar a ser exercidos.”
Citando Catarina Serra, cujo entendimento acompanha, entende que “ a alínea a) do nº 3 deste preceito “carece de uma interpretação restritiva para que só se aplique à restituição em espécie, prevista, por exemplo, nos casos de resolução pelo art. 289º do CC por remissão do art. 433º também do CC”[7], situação que sempre se verificaria no caso sub judice caso se considerasse um negócio em curso à data da declaração de insolvência, o que como vimos não concedemos.
Estes ensinamentos reforçam a ideia de que em nenhum dos cenários estava vedado ao permutante, que havia cumprido totalmente a sua prestação, o direito de resolver o contrato de permuta verificado um dos fundamentos legais a que a lei atribui tal direito- como é o caso da falta de interesse objectivo no cumprimento- tendo inclusivamente direito a pedir a separação da massa insolvente dos bens objecto do contrato por si resolvido por tais bens já não pertencerem à massa insolvente na data da apreensão, tendo voltado à propriedade do permutante por força do efeito retroactivo da resolução operada de forma válida e eficaz.
Por conseguinte, na procedência deste argumento recursivo, têm os Apelantes direito a que os bens imóveis identificados nos autos, indevidamente apreendidos para a massa insolvente, sejam separados desta e lhes sejam restituídos, livres de ónus e encargos, tal qual existiam à data da celebração do contrato de permuta entretanto resolvido.
Na procedência total da pretensão recursiva com base naqueles fundamentos, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no âmbito do presente recurso.
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V. DECISÃO:
Acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos Apelantes habilitados, revogando-se a sentença recorrida e, em substituição determina-se a separação da massa insolvente dos 4 lotes de terreno sitos na Rua ..., União de Freguesias ... e ..., concelho de Valongo, descritos na Conservatória do Registo Predial de Valongo sob os nºs ..., ..., ... e ... e sua restituição aos Apelantes.
Custas a cargo dos Apelantes habilitados ( art. 148º do CIRE).
Notifique.

Porto, 19 de Março de 2024
Maria da Luz Seabra
Rodrigues Pires
João Diogo Rodrigues

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 147 e A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] CPC Anotado, Vol.I, pág. 654/655
[3] Ac STJ de 15.03.2012, Proc. Nº 9818/09.8TBVNG.P1.S1, www.dgsi.pt
[4] Ac RP de 20.03.2012, Proc. Nº 1714/09.5TBMTS.P1, www.dgsi.pt
[5] Proc. Nº 325/19.1T8ILH.P1, www.dgsi.pt
[6] CIRE Anotado, 3ª edição, pág. 461
[7] Ob. Cit, pág. 295