Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
18760/21.3T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
REGIME DE EXCLUSIVIDADE
COMISSÃO
Nº do Documento: RP2024032118760/21.3T8PRT.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O direito da mediadora à retribuição acordada no âmbito de um contrato de mediação imobiliária pressupõe, por regra e sem prejuízo das excepções previstas na lei, que a mediadora haja desenvolvido actividade com vista à angariação de interessado para a celebração do negócio, que este se tenha concretizado com o interessado angariado pela mediadora, de forma a poder afirmar-se que a conclusão do contrato resultou da actividade desenvolvida pela mediadora.
II - Num contrato de mediação imobiliária sob o regime de exclusividade recai sobre o comitente a obrigação de pagar a remuneração acordada, independentemente de o negócio visado não se ter concretizado, se a não realização de tal negócio a ele for imputável.
III - Num contrato desta natureza, o cliente pode desistir do negócio, mas terá de pagar a comissão ajustada se a mediadora, no prazo de vigência do contrato, lograr a angariação de interessado, sério e genuíno, para a compra visada pelo contrato de mediação imobiliária.
IV - Não é de considerar “interessado sério e genuíno” aquele que, sem previamente visitar a fracção objecto daquele contrato, se proponha adquiri-la pelo preço de € 235.000,00, e, perante a recusa do proprietário da fracção em aceitar aquele valor, contraponha, no dia imediato à comunicação dessa recusa, o valor de € 259.000,00, inicialmente anunciado pela mediadora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 18760/21.3T8PRT.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto

Juízo Local Cível do Porto – Juiz 3

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO

“A... Lda." propôs acção declarativa com processo comum contra AA, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de € 15.928,50, acrescida de juros de mora até efectivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto, ter celebrado com o réu um contrato de mediação imobiliária, no regime de exclusividade, e que, tendo promovido a venda e angariado um interessado na compra pelo preço pretendido pelo réu, o mesmo recusou a proposta, vendendo o imóvel a terceiro durante a vigência do contrato.

O réu contestou.

Defendeu-se por excepção e invocou ter resolvido o contrato, imputando à autora o incumprimento por não ter angariado qualquer interessado durante dez meses e por ter incumprido as obrigações a que se vinculou; no mais, qualificou a sua defesa como de mera impugnação.

Foi proferido despacho de fixação do valor da causa, de identificação do objecto do litígio e de enunciação dos temas de prova.

Foram apreciados os requerimentos probatórios e programada a audiência final, designando-se data para a realização do julgamento.

Concluído o julgamento, foi proferida sentença que, julgando improcedente a acção, absolveu o Réu do pedido contra ele formulado.

Inconformada com tal sentença, dela interpôs a Autora recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:

“A. A apelante peticionou a condenação do réu/recorrido no pagamento da remuneração acordada com a autora no contrato de mediação imobiliária celebrado em regime de exclusividade, uma vez que o negócio visado não se concretizou por causa imputável ao réu/recorrido.

B. Uma vez que a acção foi julgada improcedente, a apelante não se conforma com a decisão proferida nos presentes e apresenta o presente recurso para que seja reposta a almejada justiça.

Vejamos,

C. Foi considerado provado na sentença proferida:

“1) A autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária.

2) A autora e o réu celebraram um contrato em 16 de Junho de 2020, que reduziram a escrito e denominaram de “contrato de mediação imobiliária n.º...”, pelo qual a autora obrigou-se a diligenciar pela angariação de um interessado na compra da fracção autónoma designada pelas letras “JE” do imóvel constituído em propriedade horizontal sito na rua ..., n.º..., 18.º Esquerdo, ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o numero ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo preço de 259.000,00€, obrigando-se o réu a pagar à autora a título de remuneração a quantia de 5% do preço do negócio concretizado, com o valor mínimo de 5.000,00€, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.

3) O acordo foi celebrado pelo prazo de seis meses a contar da celebração do contrato, renovando-se tal prazo automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

4) As partes convencionaram sujeitar o contrato ao regime de exclusividade, estipulando que tal “implica que só a Mediadora tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência”.

5) A autora publicitou a venda da fracção no seu site da internet.

6) Publicou imagens fotográficas da fracção na montra da agência.

7) E introduziu a fracção na plataforma comercial “B...”.

8) O “B...” é um programa informático desenvolvido para a C... para difusão da informação relativa à actividade e publicitação de dados de propriedades/negócios e compradores.

9) O réu remeteu à autora em 14 de Abril de 2021 a carta datada de 25 de Março de 2021, registada e com aviso de recepção, pela qual declarou denunciar o contrato com efeitos a partir do dia 16 de Maio de 2021.

10) Em 6 de Maio de 2021, a autora angariou um interessado na compra da fracção com a proposta inicial de 235.000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa.

11) A autora comunicou ao réu ter obtido uma proposta de compra por 235.000,00€.

12) O réu respondeu em 11 de Maio de 2021, declarando não aceitar a proposta, reiterando o preço de 259.000,00€ e informando ter rescindido o contrato com termo no dia 12 desse mês.

13) Em 12 de Maio de 2021, o mesmo interessado aceitou comprar a fracção pelo preço de 259 000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa.

14) E na mesma data a autora comunicou ao réu ter obtido a proposta de compra por 259.000,00€.

15) O réu não respondeu à comunicação.

16) A autora insistiu e fez tentativas de contacto com o réu para realizar uma reunião com o interessado.

17) A autora remeteu ao réu em 24 de Maio de 2021 a comunicação com o seguinte teor: “O comprador está a pressionar a outra agência que, por sua vez, me está a pressionar a mim para assinar o contrato de promessa de compra e venda o mais rápido possível. Estou a estranhar o teu silêncio no que diz respeito à venda do apartamento. Já não queres vender?”.

18) No dia 25 de Maio de 2021, o réu respondeu informando que a sua avó tinha falecido e que tinha realizado uma doação do imóvel à sua Mãe.

19) A autora solicitou que o réu remetesse cópia da escritura de doação.

D. O réu não respondeu nem remeteu à autora tal documento.

21) Em 14 de Junho de 2021 e mediante escritura pública, o réu celebrou um contrato pelo qual vendeu a fracção pelo preço de 190.000,00€.”

E. Ora, o Tribunal recorrido interpretou em primeiro lugar a proposta apresentada pelo comprador e acreditou que a mesma não consubstanciou uma efectiva angariação (o que se discorda), porquanto tal comprador exigia uma visita ao imóvel antes da assinatura do CPCV, que não veio a suceder atentos os factos provados nos pontos 13 a 21 (actuação imputável ao réu/recorrido).

F. Porém, não pode a recorrente conformar-se com tal interpretação, na medida em que o contrato de compra e venda só não foi celebrado em virtude da actuação do réu que não permitiu a venda a comprador que oferecia a totalidade do preço pretendido.

G. Toda a actuação do réu melhor descrita nos pontos 13 e seguintes dos factos provados que impediu a celebração do contrato implica que assista à autora o direito à competente remuneração.

H. A interpretação dada pelo Tribunal à proposta do comprador, força-nos à reapreciação da prova gravada quanto ao depoimento da referida testemunha BB, real interessado na compra, que, segundo atestado pelo Tribunal depôs de forma que se afigurou isenta, credível e concordante com a razão de ciência invocada.

I. Não existe melhor intérprete do sentido e alcance da declaração que o próprio declarante, sendo que o Tribunal o valorou nos termos ante referidos.

J. Desta forma, cumpre-nos lembrar o que o referido real interessado na compra declarou em Audiência de 23 de Maio de 2023 (num total de 16 minutos e 30 segundos), com recurso a gravação audio, através dos meios disponíveis - art.º155 n.º2 do CPC, conforme resulta da referida acta:

- No primeiro minuto da gravação, para além da sua identificação e morada, apenas resposta à Meritíssima Juíza que não faz do imobiliário o seu modo de vida;

- No segundo minuto responde que não tem qualquer interesse no desfecho dos presentes, que não conhece o réu e só conhece à autora porque contactou a C... porque andava à procura de apartamentos na zona de ...;

- Até ao minuto 3:25 explica que também teve contactos com outras imobiliárias para o mesmo efeito.

- Desde esse momento até ao minuto 4:50 identifica o imóvel em discussão nos presentes, afirmando que vive na mesma praça, no prédio em frente, mais dizendo que acabou por comprar outro apartamento na mesma entrada (nº 122), dando conta do interesse em comprar ali um imóvel em virtude de ele próprio residir ali, a filha também e estar a procurar um para o seu filho ali naquela localização, para poderem estar todos juntos;

- Desde esse momento até ao minuto 06:10, refere que fez uma primeira proposta para o imóvel discutido nestes autos em Maio e pelo valor de € 235.000,00, na sequência do inicial contacto em Janeiro de 2021;

- Nesse minuto 06:10 é lhe perguntado se gostou do apartamento e a testemunha diz até ao minuto 07:00 que não viu o apartamento, que não lhe foi dado acesso ao apartamento, mas que fez a proposta na mesma, escrevendo assim “esta oferta esta baseada em fotos baseadas no site, uma vez que não é possível fazer uma visita, estando portanto condicionada à minha visita prévia à assinatura deste contrato promessa de compra e venda, isto porque conforme me foi dado a conhecer encontra-se arrendado e não sei o seu estado actual”, a qual veio recusada;

- A partir do minuto 07:00 e até ao minuto 08:05 diz que “ficou a matutar”, conversou com os filhos que disseram o andar era muito bom, a exposição solar era óptima e porque o mediador CC lhe disse que era um valor inegociável, depois de conversar com o filho subiu a fasquia até precisamente o valor que o vendedor estava a pedir, ou seja, os € 259.000,00, voltando a acrescentar a mesma frase da visita prévia ao apartamento porque se estivesse muito degradado...

- Seguidamente, a partir do minuto 08:05 e até ao minuto 09:30 é-lhe expressamente questionado se o apartamento estivesse conforme as fotografias publicitadas mantinha a proposta, o que foi confirmado, mais explicando que a visita prévia era para garantir que o apartamento não estava num estado deplorável, pois nesse caso tinha de se negociar consoante a avaliação dos estragos. Se o imóvel estivesse mais ou menos conforme as fotografias, mantinha a proposta, mas nunca teve resposta à proposta por si feita, começando a exisir “feedback” à imobiliária e eles muito atrapahados não sabiam o que se estava a passar, até sair deste negócio, continuar à procura, tendo conseguido encontrar outro apartamento no mesmo prédio.

- A partir do minuto 09:30 explica a testemunha que a preocupação do apartamento ter estado arrendado e que implicava a visita para atestar a conformidade do estado físico com as fotografias residia no facto de muitas vezes os arrendatários, ou por vingança e retaliação, ou até por mau uso deixarem em péssimo estado e precisava de confirmar o estado até para avaliar o custo de reparação nessa eventualidade, negociando a oferta nesse montante; e

- A partir do minuto 11:30 e até final, a solicitação do Tribunal, foram vistas as propostas que a testemunha apresentou à autora para adquirir o imóvel em questão (e que acabaram por ser juntos aos autos), tendo ainda a Meritíssima Juíza confrontado a testemunha com os documentos já juntos aos autos para aferir de alguma intervenção da mesma, o que durou até ao minuto 14:30, tendo depois deste minuto apenas respondido ao mandatário do réu que efectivamente só compraria o imóvel se lhe fosse permitido conferir que as fotografias correspondiam ao estado do apartamento, não entregando qualquer sinal sem ver, para não comprar “às cegas”.

K. Atento todo o exposto, segundo se acredita, terá de se concluir que a autora logrou mesmo angariar um efectivo interessado pela compra do imóvel e pelo preço pretendido pelo réu!

L. Perante estas declarações da testemunha, o Tribunal entendeu que “em face de tal incerteza, julga-se não se poder concluir pelo efectivo sucesso da angariação, enquanto pressuposto necessário à emergência do direito da mediadora a haver a comissão.”

M. No entanto, como é natural, o comprador apenas precisava de atestar que o apartamento estava “mais ou menos” conforme as fotografias publicitadas e não estava num estado deplorável, conforme lembrou em Audiência, não se podendo retirar que não houve sucesso da angariação.

N. A pessoa angariada pela autora/recorrente não foi um simples “curioso” na visita do imóvel, mas sim alguém que declarou mesmo que comprava o imóvel pelo preço pretendido pelo réu/recorrido!

O. Conforme bem se refere na sentença, “o direito a haver a remuneração emerge na esfera jurídica da mediadora se e na medida em que esta tenha encontrado um efectivo interessado, disposto a celebrar o contrato mediado e a fazê-lo nos moldes ou com os pressupostos exigidos pelo cliente na celebração do contrato de mediação (ainda Higina Orvalho Castelo, ob. cit., pps. 131 e 132), e de tal forma que se possa afirmar que o contrato mediado só não se veio a concretizar por causa imputável ao cliente.”

P. O que se acredita ter mesmo sucedido nos presentes.

Q. As fotografias são naturalmente fornecidas pelo vendedor, o preço foi pelo mesmo determinado e a autora conseguiu encontrar mesmo um efectivo interessado na compra que apenas solicitou à contraparte o mais básico que se pode pedir a qualquer outorgante de boa-fé, ou seja, apenas precisando de verificar presencialmente se as fotografias correspondiam “mais ou menos” (como disse em audiência) à situação real e física do imóvel, o que se compreende e não retira qualquer eficácia à proposta de aquisição.

R. Se as fotografias estiverem “mais ou menos” conforme a realidade, compraria o imóvel pela totalidade do preço pedido, conforme proposta apresentada.

S. O facto do réu/recorrido não ter querido vender o imóvel cuja mediação foi objecto do contrato junto aos autos, não respondendo, apresentando falsas justificações e não permitindo que o comprador atestasse que as fotografias correspondiam à realidade, confere à autora/recorrente, nos termos do artigo 19.º, nº 2 da Lei 15/2013, o direito à sua remuneração.

T. Pelo que, de acordo com a factualidade dada como provada e ao abrigo do disposto na referida Lei 15/2013, teria forçosamente de proceder a presente acção, segundo se crê.

U. O Tribunal a quo entendeu que, interpretando a declaração/proposta do comprador que implicava que o mesmo confirmasse mediante visita que o imóvel se encontrava “mais ou menos” como anunciado, tal proposta estava sujeita a “condição resolutiva”, pelo que não considerou o declarante como real interessado, o que se discorda nos termos já expostos.

V. Mas mesmo que se considerasse que a declaração tinha aposta a referida “condição resolutiva”, somos impelidos a lembrar que a não verificação do evento futuro resultou intencionalmente da conduta do réu/recorrido.

W. E a este propósito dispõe o artigo 275.º, nº 2 do Código Civil: “Se a verificação da condição for impedida, contra as regras da boa fé, por aquele a quem prejudica, tem-se por verificada; se for provocada, nos mesmos termos, por aquele a quem aproveita, considera-se como não verificada.”

X. Em anotação a tal norma, na pág. 254 do Código Civil Anotado de “Pires de Lima e Antunes Varela” da Coimbra Editora, 2ª Edição pode ler-se:

“A doutrina do nº 2 é uma consequência da regra geral expressa no artigo 272º A boa fé tem aqui um sentido ético, semelhante ao que tem no artigo 227.º A disposição revela que, com a celebração do negócio condicional, nascem deveres secundários ou acessórios, especiais, de conduta para uma das partes ou para ambas delas.

A solução consagrada no nº 2 representa, por outro lado, um corolário da ideia de que a ninguém deve ser lícito tirar proveito dos actos que pratique, violando as regras da boa fé.”

Y. Ora, a proposta foi apresentada ao réu/recorrido e o mesmo tira agora proveito da sua recusa em permitir mostrar o imóvel e recusa em celebrar o contrato, violando as regras da boa fé.

Z. A haver proposta condicional, certamente V.Exas reconhecerão que a não verificação da mesma se deve única e exclusivamente ao réu/recorrido, não se podendo beneficiar quem viola tais elementares regras de boa fé.

AA. Ainda a este propósito, pode ler-se também na página 190 da 13ª Edição do Código Civil Anotado de Abílio Neto (2001):

“(...) O nº 2 do artigo estabelece uma limitação a esta doutrina geral, nos casos de «sabotagem» da condição, i.é., quando a parte a quem a condição prejudicaria impede a sua verificação contra as regras da boa fé ou quando a parte a quem ela benificiar a faz produzir contra as referidas regras. Comporta-se contra a boa fé quem não se comporta como se pode esperar, segundo o sentido do contrato de um contraente que pense com lealdade (Mota Pinto, Teoria Geral, 3ª Ed., 567).”

BB. Ora, perante todo o exposto e demonstrada falta de lealdade e de boa fé do réu/recorrido ao não permitir que o comprador angariado pudesse confirmar que as fotografias correspondiam ao anunciado, não poderá o mesmo tirar proveito da sua conduta violadora das regras da boa fé para se eximir ao pagamento da remuneração acordada com a autora/recorrente.

CC. Não se podendo ainda ficar indiferente ao determinado pelo Tribunal no final da sua decisão:

“Tendo em conta a factualidade provada – concretamente o preço pretendido (259.000,00€) tal-qual vertido no contrato de mediação imobiliária e reiterado na mensagem de correio electrónico de 11 de Maio de 2021 em que o réu recusou a proposta de um potencial comprador por tal preço, bem como a venda por preço substancialmente inferior apenas um mês depois (190.000,00€) –, denunciadora da prática de um eventual crime de fraude fiscal, e em obediência ao disposto no art. 242.º, n.º1, al. b), do CPP, determino que seja extraída certidão da petição inicial, de todos os documentos com que foi instruída e da presente sentença e a mesma remetida aos serviços do Ministério Público para os efeitos tidos por convenientes. ”

DD. Impondo-se, pois, a revogação da sentença proferida que, ainda que não intencionalmente, acaba por encontrar uma solução que apenas beneficia o infractor, não cuidando de apreciar que, mesmo que a proposta fosse condicional, a não verificação da condição é completamente imputável ao recorrido, tendo pleno cabimento in casu o disposto no artigo 19.º, nº 2 da Lei 15/2013.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas mui doutamente suprirão, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal de Primeira instância, substituindo-se a decisão por outra que considere a acção totalmente procedente (...)”.

O recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II.OBJECTO DO RECURSO

A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.

B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- se é devida a remuneração reclamada pela mesma.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

III.1. Pelo tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes factos:

1) A autora dedica-se à actividade de mediação imobiliária.

2) A autora e o réu celebraram um contrato em 16 de Junho de 2020, que reduziram a escrito e denominaram de “contrato de mediação imobiliária n.º...”, pelo qual a autora obrigou-se a diligenciar pela angariação de um interessado na compra da fracção autónoma designada pelas letras “JE” do imóvel constituído em propriedade horizontal sito na rua ..., n.º..., 18.º Esquerdo, ..., concelho de Matosinhos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o numero ... e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ..., pelo preço de 259.000,00€, obrigando-se o réu a pagar à autora a título de remuneração a quantia de 5% do preço do negócio concretizado, com o valor mínimo de 5.000,00€, acrescida de IVA à taxa legal de 23%.

3) O acordo foi celebrado pelo prazo de seis meses a contar da celebração do contrato, renovando-se tal prazo automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não fosse denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

4) As partes convencionaram sujeitar o contrato ao regime de exclusividade, estipulando que tal “implica que só a Mediadora tem o direito de promover o negócio objeto do contrato de mediação imobiliária, durante o respectivo período de vigência”.

5) A autora publicitou a venda da fracção no seu site da internet.

6) Publicou imagens fotográficas da fracção na montra da agência.

7) E introduziu a fracção na plataforma comercial “B...”.

8) O “B...” é um programa informático desenvolvido para a C... para difusão da informação relativa à actividade e publicitação de dados de propriedades/negócios e compradores.

9) O réu remeteu à autora em 14 de Abril de 2021 a carta datada de 25 de Março de 2021, registada e com aviso de recepção, pela qual declarou denunciar o contrato com efeitos a partir do dia 16 de Maio de 2021.

10) Em 6 de Maio de 2021, a autora angariou um interessado na compra da fracção com a proposta inicial de 235.000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa.

11) A autora comunicou ao réu ter obtido uma proposta de compra por 235.000,00€.

12) O réu respondeu em 11 de Maio de 2021, declarando não aceitar a proposta, reiterando o preço de 259.000,00€ e informando ter rescindido o contrato com termo no dia 12 desse mês.

13) Em 12 de Maio de 2021, o mesmo interessado aceitou comprar a fracção pelo preço de 259 000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa.

14) E na mesma data a autora comunicou ao réu ter obtido a proposta de compra por 259.000,00€.

15) O réu não respondeu à comunicação.

16) A autora insistiu e fez tentativas de contacto com o réu para realizar uma reunião com o interessado.

17) A autora remeteu ao réu em 24 de Maio de 2021 a comunicação com o seguinte teor: “O comprador está a pressionar a outra agência que, por sua vez, me está a pressionar a mim para assinar o contrato de promessa de compra e venda o mais rápido possível. Estou a estranhar o teu silêncio no que diz respeito à venda do apartamento. Já não queres vender?”.

18) No dia 25 de Maio de 2021, o réu respondeu informando que a sua avó tinha falecido e que tinha realizado uma doação do imóvel à sua Mãe.

19) A autora solicitou que o réu remetesse cópia da escritura de doação.

20) O réu não respondeu nem remeteu à autora tal documento.

21) Em 14 de Junho de 2021 e mediante escritura pública, o réu celebrou um contrato pelo qual vendeu a fracção pelo preço de 190.000,00€.

III.2. E julgou não provados os seguintes factos:

a.- A autora publicou imagens fotográficas da fracção na sua revista.

b.- O comprador teve conhecimento de que a fracção estava à venda na sequência das actividades de promoção realizadas pela autora.

c.- Na carta referida em 9), o réu declarou resolver o contrato.

d.- Na sequência da declaração do réu expressa na carta referida em 9), a autora aceitou fazer cessar o contrato.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
No requerimento de interposição de recurso afirma a Ré que, por não se conformar com a sentença, dela interpõe recurso de apelação para esta Relação, “com reapreciação da prova gravada”.
Resulta, porém, das conclusões e das próprias alegações de recurso que a recorrente não impugna a decisão relativa à matéria de facto – e ainda que a impugnasse, sempre o recurso teria, nessa parte, de ser rejeitada por falta de cumprimento dos ónus exigidos ao recorrente pelo artigo 640.º do Código de Processo Civil -, nunca reclamando a alteração da decisão que apreciou a matéria de facto, a qual, de resto, aceita, discordando apenas da interpretação jurídica extraída a partir dos factos dados como provados, pois que, na visão da apelante, os mesmos permitem concluir ter a mesma angariado interessado para a compra da fracção objecto do contrato por si celebrado com o Réu.
Versando o recurso apenas sobre matéria de direito, a factualidade - provada e não provada – assente na sentença recorrida considera-se definitivamente fixada, sendo desprovida de qualquer sentido a alusão a “reapreciação da prova gravada”.
Dito isto, cumpre conhecer do objecto do recurso.

O contrato de mediação imobiliária traduz-se na actividade de procura, em nome dos respectivos clientes, de interessados na realização de negócios, reais ou obrigacionais, que tenham como seu objecto bens imóveis. As funções de imediação imobiliária consistem na prospecção e recolha de informações, assim como na promoção desses bens imóveis, mediante divulgação ou publicitação, incluindo a realização de leilões. É o que se extrai do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro (DR I, n.º 28), alterada pelo Decreto-Lei n.º 102/2017, de 23 de Agosto (DR I, n.º 162).

Para Antunes Varela[1], “o contrato de mediação imobiliária é uma das modalidades do contrato de prestação de serviços, segundo o qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para certo negócio e a aproximar esse interessado da outra parte. Isto, normalmente, como é óbvio, em contrapartida de uma remuneração, uma vez que tal contrato se tem, em princípio, como oneroso”.

Explica Menezes Cordeiro[2] que “Em sentido amplo, diz-se mediação o acto ou efeito de aproximar voluntariamente duas ou mais pessoas de modo a que, entre elas, se estabeleça uma relação de negociação eventualmente conducente à celebração de um contrato definitivo. Em sentido técnico ou estrito, a mediação exige ainda que o mediador não represente nenhuma das partes a aproximar e, ainda, que não esteja ligado a nenhuma delas por vínculos de subordinação”.

Ao contrário do que sucedia no âmbito de aplicação do anterior Decreto-Lei n.º 411/2004[3], actualmente a actividade do mediador já não é definida por uma obrigação de diligenciar, mas antes de procurar (... destinatários para a realização de negócios).

Constitui actualmente obrigação do mediador diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato. Mas não constitui obrigação do mesmo encontrar interessado que concretize o negócio. Não depende, com efeito, do mediador a realização do negócio visado, o qual depende apenas das vontades do seu cliente e do interessado encontrado. Daí que não faça parte da obrigação do mediador garantir o negócio, mas, sim, a procura de destinatário para o mesmo.

Como precisa Higina Orvalho Castelo[4], “O mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. A faculdade do mediador tem como contraponto a liberdade do cliente relativamente à celebração do contrato desejado – sem prejuízo de casos especiais, como o contrato com cláusula de exclusividade ou o contrato de leilão, e da proibição do abuso de direito”.

Segundo o acórdão do STJ de 1.04.2014[5], “Para que ocorra uma mediação basta que, como consequência dos actos de promoção e facilitação envidados pelo mediador, se perfeccione o contrato a que as mesmas tendem, através da concorrência da oferta realizada por uma das partes e a consequente aceitação pela outra, não se exigindo a sua posterior consumação, pois que este resultado é independente da vontade do mediador, a não ser que se haja responsabilizado expressamente de o obter, através de um pacto especial de garantia no qual assuma o bom fim da operação”.

Tem natureza formal, formalizando-se através de mero documento particular (artigo 16.º, n.º 1), devendo nele constar os requisitos legais necessários e exigíveis sob pena de nulidade do respectivo contrato, considerando-se como seis (6) meses, na falta de indicação em contrário, o prazo contratual regra (artigo 16.º, n.º 2, 3 e 5).

Tendo natureza bilateral, o contrato de mediação caracteriza-se pela sua onerosidade, constituindo a remuneração elemento essencial do contrato.

Dispõe, com efeito, o artigo 19.º do RJAMI, sob a epígrafe Remuneração da Empresa:

1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

3 - Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respectivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.

4 - O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objecto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.

5 - O disposto nos números anteriores aplica -se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.

Como se extrai da letra do artigo 2.º, n.º 1 do aludido diploma, a obrigação do mediador consiste em procurar interessado e aproximá-lo do comitente para a realização de negócio no sector imobiliário. Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir tal negócio, sendo indiferente que nele intervenha.

Em contrapartida, é obrigação do comitente remunerar o mediador pelos serviços prestados no âmbito da sua actividade.

Para Pinto Monteiro[6], “a obrigação fundamental do mediador é conseguir interessado para certo negócio que, raramente, conclui ele próprio. Limita-se a aproximar duas pessoas e a facilitar a celebração do contrato, podendo a sua remuneração caber a ambos os contraentes ou apenas àquele que recorreu aos seus serviços. A remuneração do mediador (…) é independente do cumprimento do contrato, diversamente do que sucede com a retribuição do agente (…), podendo exigi-la logo que o mesmo seja celebrado.

Constitui entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência que no contrato de mediação imobiliária a regra[7] é a de que a remuneração da empresa mediadora só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua actividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros para o efeito.

Defende-se no acórdão da Relação de Lisboa de 2.02.2014[8] que “a mediadora imobiliária tem direito à retribuição convencionada quando a sua actuação é determinante/causal para a concretização da venda, tendo sido as diligências por si desenvolvidas que conduziram à aproximação dos interesses na concretização do negócio, proporcionando que o mesmo se tivesse efectivamente concluído”.

De acordo com o entendimento dominante da jurisprudência do STJ, “o juízo positivo a formular sobre a relação de causa efeito deve assentar na verificação de um nexo de causalidade adequada: o mediador tem direito à comissão quando, embora não sendo a sua actividade a única determinante da cadeia de factos que deram lugar ao negócio pretendido pelo comitente, contribuiu para ela”[9].

Sobre a questão do nexo de causalidade no contrato de mediação imobiliária defende Higina Castelo[10] ser necessário que “a atividade do mediador tenha contribuído para essa celebração, ou seja, que se verifique um nexo entre a sua atividade e o contrato a final celebrado, aferindo-se o cumprimento do mediador pela existência desse nexo. A necessidade de um tal nexo decorre dos compromissos assumidos pelas partes no âmbito da relação contratual de mediação imobiliária e é incansavelmente lembrada pela jurisprudência. Tem por função afastar a retribuição quando o nexo causal não se estabelece, mas também mantê-la quando, após o seu estabelecimento, actos alheios ao comportamento do mediador conduzem à sua aparente quebra”.

Tratando-se de mediação em regime de exclusividade, o direito à remuneração pressupõe que o mediador demonstre que praticou todos os actos necessários à concretização do negócio visado entre o seu cliente e o terceiro interessado e que só por conduta imputável ao primeiro tal negócio não se concretizou.

Nestas circunstâncias, o direito à remuneração não existe apenas nos casos de “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, mas também quando o negócio visado não se realize por “causa imputável ao cliente”.

Como esclarece o acórdão do STJ, de 12.04.2023[11], “No contrato de mediação simples a mediadora o direito à remuneração está dependente da conclusão e perfeição do negócio visado, exigindo o nexo de causalidade adequada entre a actividade da mediadora e tal conclusão.

No contrato de mediação imobiliária com cláusula de exclusividade, em que o contrato visado não se concluiu, o direito à remuneração pressupõe a comprovação de que a falta de conclusão do negócio se deveu a “causa imputável” do cliente”.

Pese embora a referida “causa imputável ao cliente” possa ser perspectivada como desvio à regra geral do dever de remuneração decorrente da “conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação”, não devemos descurar a finalidade da contrapartida da remuneração do mediador que está ínsita naquele artigo 19.º, n.º 1, quer disponha de meios para angariar comprador, quer realize o negócio mediado. A partir deste segmento normativo é possível estabelecer uma específica relação de causa/efeito entre a conclusão do negócio e o dever do cliente/direito de remuneração da mediadora, porquanto aquela causa é geradora destes efeitos. A propósito do nexo de causalidade propriamente dito o Código Civil estipula no seu artigo 563.º que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A propósito tem sido encontrado neste normativo um nexo de causalidade adequada, ou seja, que os acontecimentos têm a aptidão e a propensão para produzir certo resultado – ainda que tal comando legal possa ser uma “fórmula vazia” para alguma situações mais complexas, a necessitar de uma interpretação integrativa. No entanto, nada impede que o evento inicial se insira com outros eventos sucessivos num processo causal conducente a certo efeito ou resultado correspondente a um prejuízo. 

Tem considerado a jurisprudência que “Nem todas as causas fácticas ou naturalísticas poderão ser juridicamente havidas como causa do dano ocorrido; para tanto, hão-de integrar o critério da causalidade adequada, constante do citado art. 563.º do Código Civil”[12].

Para o efeito em análise poder-se-á concluir existir uma “causa imputável ao cliente” geradora do dever deste remunerar o agente de mediação imobiliária e do direito deste receber, quando o evento criado pelo cliente seja uma causa factual suficientemente forte, remota ou mais próxima, que obste à conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

O n.º 2 do citado artigo 19.º introduz, com efeito, um desvio à regra de que o direito à remuneração do mediador imobiliário depende da conclusão e perfeição do negócio visado, a que o n.º 1 do preceito em causa dá expressa guarida.

Segundo Higina Castelo[13], a “cláusula de exclusividade introduz alterações na disciplina da remuneração em dois grupos de situações: - quando é cliente da mediadora o proprietário do bem imóvel ou o arrendatário trespassante, e o contrato visado não se concretiza por causa imputável ao cliente da mediadora, esta tem direito à remuneração independentemente da concretização do contrato visado; - quando o cliente da mediadora infringe a cláusula de exclusividade e celebra o contrato visado com interessado que chegou até si por intermédio de outra mediadora, a mediadora exclusiva tem direito à remuneração, mesmo não tendo contribuído para a realização do contrato, ou seja, mesmo não havendo nexo causal entre a sua actividade e o contrato efectivamente celebrado

Refere a mesma autora que enquanto no regime geral do contrato de mediação, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, pelo que não se concretizando a celebração do negócio em causa ainda que por causa imputável ao cliente, não existe direito à remuneração, nos contratos celebrados com o proprietário ou com o arrendatário trespassante em que tenha sido “estipulada uma cláusula de exclusividade […] o panorama altera-se. Nestes casos, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente [...]. A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado)”, concluindo que “a aplicação da norma contida no n.º 2 do art. 19 implica a prova da efectiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Provando a mediadora que efectuou com sucesso a sua prestação, o cliente poderá eximir-se à remuneração mediante a prova de que o contrato não se concretizou por causa que não lhe é imputável (porque, por exemplo, recebeu, entretanto e inesperadamente, uma ordem de expropriação, ou porque o terceiro não obteve o crédito necessário à realização do negócio)”.

Reclamando a mediadora imobiliária direito à remuneração com fundamento no citado artigo 19.º, é sobre ela que recai o ónus quer da alegação da respectiva factualidade, quer da subsequente prova, de acordo, respectivamente, com os artigos 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil e 342.º, n.º 1 do Código Civil.

No caso em discussão, o contrato de mediação foi celebrado com o réu sob o regime de exclusividade – ponto 4) dos factos não provados.

Tendo sido convencionado o regime de exclusividade para o contrato de mediação, essa exclusividade pode comportar duas realidades distintas: a exclusividade simples, que implica que o comitente apenas não poderá celebrar com outro mediador um contrato que tenha por objecto o mesmo negócio, e a exclusividade reforçada, que determina não só que o comitente não possa celebrar contrato com outro mediador, como ainda que ele próprio não possa angariar terceiro interessado na conclusão do negócio.

Segundo o acórdão do STJ de 17.06.2021[14], “se o contrato não impedir expressamente a promoção directa do cliente (ou seja, não disser de forma inequívoca, que o cliente fica “impedido” de procurar directamente interessados para o negócio visado), teremos de nos quedar pela exclusividade simples e consequentes efeitos, isto é, que apenas se impede a contratação de outras mediadoras”.

É a situação dos autos. Tal como dá conta a sentença recorrida, “Nada ficou estabelecido especificamente quanto à possibilidade/limitação de o próprio cliente promover a venda pelos seus próprios meios.

Desta forma e por referência à cláusula relativa ao regime de exclusividade estipulada (a que resultou provada na alínea 4.), cumpre concluir que foi apenas acordada a exclusividade restrita e, por isso, o réu não estava impedido de promover a venda sem a obrigação, em caso de sucesso, de remunerar a autora”.

Resulta comprovada nos autos a seguinte factualidade:

- O réu remeteu à autora em 14 de Abril de 2021 a carta datada de 25 de Março de 2021, registada e com aviso de recepção, pela qual declarou denunciar o contrato com efeitos a partir do dia 16 de Maio de 2021.

- Em 6 de Maio de 2021, a autora angariou um interessado na compra da fracção com a proposta inicial de 235.000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa.

- A autora comunicou ao réu ter obtido uma proposta de compra por 235.000,00€.

- O réu respondeu em 11 de Maio de 2021, declarando não aceitar a proposta, reiterando o preço de 259.000,00€ e informando ter rescindido o contrato com termo no dia 12 desse mês.

- Em 12 de Maio de 2021, o mesmo interessado aceitou comprar a fracção pelo preço de 259 000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa.

- E na mesma data a autora comunicou ao réu ter obtido a proposta de compra por 259.000,00€.

- O réu não respondeu à comunicação.

- A autora insistiu e fez tentativas de contacto com o réu para realizar uma reunião com o interessado.

- A autora remeteu ao réu em 24 de Maio de 2021 a comunicação com o seguinte teor: “O comprador está a pressionar a outra agência que, por sua vez, me está a pressionar a mim para assinar o contrato de promessa de compra e venda o mais rápido possível. Estou a estranhar o teu silêncio no que diz respeito à venda do apartamento. Já não queres vender?”.

- No dia 25 de Maio de 2021, o réu respondeu informando que a sua avó tinha falecido e que tinha realizado uma doação do imóvel à sua Mãe.

- A autora solicitou que o réu remetesse cópia da escritura de doação.

- O réu não respondeu nem remeteu à autora tal documento.

- Em 14 de Junho de 2021 e mediante escritura pública, o réu celebrou um contrato pelo qual vendeu a fracção pelo preço de 190.000,00€.

Celebrado em 16 de Junho de 2020 o contrato aqui objecto de discussão, para o mesmo estipularam as partes o prazo de seis meses a contar da data da sua celebração, renovando-se tal prazo automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo.

Mais convencionaram as partes a possibilidade de denúncia para obstar à sua renovação, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo.

Tendo o contrato tido a sua renovação a 16 de Dezembro de 2020 por mais seis meses, a carta datada de 25 de Março de 2021 teve a virtualidade de pôr termo ao contrato, mas com efeito apenas no final do prazo de renovação, ou seja, em 16 de Junho de 2021 (não em 16 de Maio de 2021, conforme referido nessa carta).

Deste modo, quando a 12 de Maio de 2021 a Autora comunicou ao Réu ter angariado interessado para a compra do imóvel pelo preço por este pretendido, o contrato de mediação imobiliária ainda se achava em vigor, o mesmo ocorrendo a 14 de Junho do mesmo ano, quando o Réu procedeu à venda do imóvel objecto do referido contrato.

Tal como refere a sentença impugnada, “perdendo o cliente o interesse em concretizar o negócio mediado, desistindo do mesmo ou pretendendo celebrá-lo com diferentes pressupostos, naturalmente que nada o pode compelir a contratar, aceitando a proposta do interessado angariado, ou seja, com a celebração do contrato de mediação o cliente reserva-se ainda assim a liberdade de contratar ou não contratar.

Não estando, pois, o Réu vinculado a celebrar o negócio de venda do imóvel que lhe pertence com o alegado interessado comprador angariado pela Autora, nada impedindo aquele sequer de concluir o negócio com um terceiro por ele próprio angariado, resta equacionar se, face ao regime do contrato de mediação imobiliária convencionado pelas partes, é ou não devida a retribuição por estas contratualmente ajustada.

Para efeitos do n.º 2 do artigo 19.º do RJAMI, não basta que o mediador imobiliário cumpra a obrigação de diligenciar no sentido da obtenção de interessado para o negócio projectado com a celebração do contrato de mediação imobiliária. Exige-se ainda que o mediador faça prova do sucesso dessas diligências, isto é, que comprove a obtenção de um interessado, genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes convencionados no mencionado contrato de mediação[15].

Ora, dos autos resulta que Autora comunicou ao Réu haver angariado, a 6 de Maio de 2021, um interessado na compra da fracção com a proposta inicial de 235.000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa, tendo o Réu respondido, no dia 11 do mesmo mês, que não aceitava a proposta pelo valor proposto, reiterando o preço de 259.000,00€, constante do contrato, informando-a ainda haver rescindido o contrato com termo no dia 12 desse mês.

Precisamente nessa data - 12 de Maio de 2021 - o mesmo interessado declarou aceitar comprar a fracção pelo preço de 259.000,00€, condicionada à visita prévia da fracção antes da assinatura do contrato-promessa e, na mesma data, a Autora comunicou ao réu ter obtido a proposta de compra por 259.000,00€.

Este circunstancialismo factual, aliado à circunstância de a comunicação de 6 de Maio de 2021 ser imediatamente subsequente à carta enviada pelo Réu à Autora a 14 de Abril de 2021, mencionada no ponto 9.º dos factos provados, sendo que nunca antes, desde 16 de Junho de 2020, data da celebração do contrato de mediação imobiliária, a Autora havia comunicado ao Réu a angariação de qualquer outro interessado no negócio da venda da fracção, desperta alguns alarmes sobre aquela coincidência temporal .

Esses alarmes soam de forma ainda mais gritante quando confrontados os termos da proposta de negócio alegadamente apresentada pelo indicado interessado, identificado mecanograficamente no documento designado por “Proposta de Compra – Modelo 2”, do qual não consta qualquer assinatura e com preenchimento incompleto, designadamente os valores propostos, sem prévia visita do imóvel, para a aquisição do mesmo.

Com efeito, afronta as mais elementares regras de experiência comum que alguém se predisponha a adquirir formalmente um imóvel sem previamente o visitar para se inteirar das características do mesmo, designadamente das dimensões e distribuição dos diversos espaços interiores que o compõem, e, sobretudo, do seu estado de conservação, oferecendo, à partida, sem esse exame local prévio, o valor de € 235.000,00, e elevando-o, logo no dia seguinte à comunicação do Réu da recusa desse valor, para € 259.000,00, valor pelo qual estava anunciado.

Este circunstancialismo factual é suficientemente revelador para que se permita justificadamente duvidar da efectiva genuinidade e do interesse real da aquisição do imóvel pelo indicado proponente. Como sublinha o acórdão da Relação de Lisboa de 5.06.2018[16], “se quem se propor formalmente a outorgar numa compra e venda desconhece caraterísticas significativas da coisa a adquirir, tal constitui um indício da simulação da vontade negocial (indício nestientia; cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., p. 240)”.

É certo que, como adverte a sentença recorrida, “...a precipitada denúncia do contrato e a venda por preço declarado substancialmente inferior ao declarado como pretendido no contrato de mediação imobiliária e reiterado em 11 de Maio de 2021, um mês antes da alienação, são denunciadores de pelo menos antes de 25 de Março de 2021 já ser pretensão do réu vender a um cliente angariado pelo próprio e fazê-lo sem a frontalidade de o assumir perante a contraparte, evitando a alocação de recursosdesta à angariação de interessados como aconteceu.

Isto poderia constituir fundamento para equacionar a eventual responsabilidade do réu perante a autora com referência ao princípio da boa fé contratual mas, pelo supra explicado, não fundamenta já a emergência do direito da autora a haver a remuneração”.

Ora, o que pretende a Autora com a acção que propôs contra o Réu é a remuneração a que acha com direito no âmbito do contrato de mediação imobiliária que com este celebrou, segundo o regime de exclusividade, estruturando a acção com a alegação dos factos pertinentes àquele pedido formulado.

E neste enquadramento, teremos de concluir, no mesmo sentido da sentença recorrida, que não obteve a Autora sucesso suficiente para validar a sua pretensão, sucumbindo na tarefa probatória da demonstração de facto constitutivo do direito de que arroga (angariação de interessado real e genuíno para formalização do negócio de compra e venda abrangido pelo contrato de mediação imobiliária celebrado com o Réu).

Teria, consequentemente, que improceder a acção, nos termos decididos na sentença recorrida, que, assim, se mantém, improcedendo o recurso.


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Síntese conclusiva:

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Nestes termos, acordam os juízes desta Relação, na improcedência da apelação, em confirmar a sentença recorrida.

Custas: a cargo da apelante – artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
Notifique.


Porto, 21.03.2024
Acórdão processado informaticamente e revisto pela 1.ª signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Paulo Duarte Teixeira
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[1] “Código Civil Anotado”, Volume II, 4ª edição, 785.
[2] Do Contrato de Mediação, in O Direito 139.º, III, págs. 516 e seguintes.
[3] Que prescrevia que “a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise[...]”.
[4] “O Contrato de Mediação”, pág. 401.
[5] Processo 894/11.4TBGRD.C1.S1, www.dgsi.pt.
[6] Contrato de Agência (Anteprojecto), BMJ 360º, 85.
[7] Vigorando a liberdade contratual, podem as partes convencionar de modo diverso, sendo livres de acordar, por exemplo, que é devida indemnização mesmo que o negócio não se venha a concretizar.
[8] Proc. 2330/13.2TBSXL.L1, www.dgsi.pt.
[9] Acórdão do STJ de 18/03/97, CJ (Acórdãos do STJ), Ano V, Tomo I, 158.
[10] O Contrato de Mediação, Almedina, 2014, pág. 410.
[11] Processo 11768/19.0T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[12] Acórdão STJ 2.04.2017, Cons. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, www.dgsi.pt.
[13] Contratos de mediação imobiliária: simples e com exclusividade, www.revistadedireitocomercial.com. Julho de 2020, pág. 1433.
[14] Processo n.º 8373/19.5T8LSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[15] Neste sentido, cfr. Higina Castelo, Regime Jurídico da Atividade de Mediação Imobiliária Anotado, pág. 131, Contrato de Mediação, Estudo das Prestações Principais, FDUNL, 2013, págs. 387-388.
[16] Processo n.º 85/17.0T8VFX.L1-7, www.dgsi.pt.