Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
17440/23.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TERESA FONSECA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DIREITO DE AÇÃO
Nº do Documento: RP2024031817440/23.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 5. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O procedimento cautelar destinado à suspensão dos efeitos da comunicação do senhorio de não renovação de contrato de arrendamento obstaculiza à possibilidade de aquele vir a propor ação tendente a reaver o imóvel arrendado.
II - As providências cautelares não constituem mecanismo destinado a impedir o exercício do direito de ação, pelo que não deve ser admitido que sejam intentadas com esse propósito.
III - A comunicação de oposição à renovação de contrato de arrendamento, por si só, é insuscetível de causar lesão grave e dificilmente reparável do eventual direito do arrendatário à manutenção do arrendamento, pelo que falece um dos pressupostos do decretamento de procedimento cautelar
IV - Em caso de oposição do senhorio à renovação de contrato de arrendamento, objetando o arrendatário à mesma, restará ao senhorio propor ação que lhe permita ver a oposição confirmada.
V - Nessa sede, terá o arrendatário oportunidade de fazer vingar a sua posição, pelo que está garantida a proibição da indefesa constitucionalmente consagrada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 17440/23.0T8PRT- A. P1


Relatora: Teresa Fonseca
1.º adjunto: José Eusébio Almeida
2.º adjunto: Miguel Baldaia de Morais



Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I - Relatório

“A..., Lda.” intentou o presente procedimento cautelar comum contra AA.
Pede que seja declarada a suspensão imediata dos efeitos da comunicação da requerida de 15-5-2023 de não renovação de contrato de arrendamento comercial celebrado em 1-10-2013.
Alega:
- que se opôs à não renovação do contrato de arrendamento celebrado com a requerida;
- que, por carta de 11-9-2023, a requerida reiterou o conteúdo da comunicação realizada no mês de maio;
- que a oposição à renovação do contrato de arrendamento não é válida;
- que a desocupação do imóvel lhe causaria um prejuízo significativo e
- que teme que a requerida recorra a meios coercivos para conseguir a desocupação.
A requerida opôs-se. Alegou que se opôs validamente à cessação do arrendamento e considerou que não se mostram reunidos os pressupostos do decretamento da providência.
Com recurso à prova documental produzida, o procedimento cautelar foi julgado improcedente com fundamento na ausência de prova de fundado receio de que a requerida, antes da propositura da ação ou na pendência dela, cause lesão grave ou dificilmente reparável ao direito da requerente.
Inconformada, a requerente interpôs o presente recurso, finalizando com as conclusões que em seguida se reproduzem.
1 - O presente recurso versa sobre a sentença que decretou a improcedência da providência requerida pela Recorrente.
2 - Acontece que, desde logo, constata-se que a sentença está ferida de nulidade por falta de fundamentação de direito.
3 Com efeito, do teor da decisão recorrida não é possível alcançar o enquadramento jurídico subjacente ao sentido decisório.
4 - Sendo que, a conclusão do Tribunal a quo não se coaduna com as normas legais aplicáveis, designadamente, o artigo 1097.º do Código Civil e o artigo 59.º do NRAU.
5 - Violando assim o disposto no artigo 607.º, n.º 3, do CPC.
6 - O que determina a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, atenta a absoluta ausência de fundamentação de direito, o que se requer seja declarado.
Acresce que,
7 - Entende a Recorrente que o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e valoração da prova produzida, pelo que deve a decisão proferida sobre a matéria de facto ser alterada, nos termos do disposto no artigo 662.º do C.P.C.
8 - O Tribunal a quo considerou que, entre outros, não se mostram suficientemente indiciados os factos alegados nos artigos 16.º, 22.º e 27.º da Petição Inicial:
9 - No entanto, a prova produzida contraria a conclusão do Tribunal a quo.
10 - Da escritura pública de trespasse outorgada em 09 de Março de 1982 resulta que foi adquirido, por trespasse, “o estabelecimento de taberna, instalado no rés do chão com entrada pelo número ... do prédio urbano sito na rua ..., ... a ... (…) pertencente a BB, a quem é paga a renda anual de doze mil escudos (…)”.
11 - Desde essa data, a Recorrente explora, no prédio arrendado, o seu estabelecimento de restauração.
12 - Aliás, em clara contradição, o Tribunal a quo considerou tal facto suficientemente indiciado no artigo 8 do ponto III da sentença: “A requerente, no local arrendado, explora o restaurante B..., o qual surge nos roteiros turísticos “on line” da cidade do Porto, tendo sido já alvo de distinções.”
13 - Posteriormente, a Recorrida declarou dar de arrendamento a CC, que declarou tomar de arrendamento “como complemento do já arrendado rés do chão(estabelecimento), com entrada pelo n.º ...24, o primeiro andar, (exceto a sala da frente do mesmo) do prédio urbano sito na Rua ... (…)”, com início em 1/7/2002, fixando o valor global da renda mensal devida (rés do chão e 1.ºandar) no montante de 448,92 euros, conforme contrato de arrendamento comercial junto aos autos.
14 - A Recorrente outorgou um novo documento com vista à extensão do arrendamento ao primeiro andar do prédio, para cumprir com as exigências legais relativas ao estabelecimento comercial de restauração.
15 - Sendo que tais factos resultam documentalmente demonstrados nos autos.
16 - Deste modo, e em cumprimentos do disposto no artigo 640.º do CPC, devem ser aditados os seguintes factos à matéria assente:
Desde 1982 que o Requerente explora diariamente e comercialmente, o seu estabelecimento de restauração,
No decurso do ano de 2003, e exclusivamente para cumprir com as exigências legais relativas ao estabelecimento comercial de restauração, o Requerente acedeu a outorgar um novo documento referente à extensão do arrendamento,
Quanto ao r/c vigora um contrato por tempo indeterminado
17 - O Tribunal a quo limitou-se a afirmar que não estamos perante um contrato de arrendamento do ano de 1982, mas antes perante um contrato de arrendamento não habitacional, celebrado em outubro de 2003, pelo prazo de um ano, renovável, subsumível às regras previstas no artigo 1097.º do CC e do artigo 59.º do NRAU.
18 - Ignorando o contrato inicial celebrado pelas partes, o único que tem por objeto o R/C no qual está instalado o estabelecimento comercial explorado pela Recorrente.
19 - Contudo, o contrato existente é, segundo a nossa jurisprudência um “contrato vinculístico”
20 - Posteriormente, a Recorrente outorgou um novo documento com vista à extensão (complemento) do arrendamento, ao primeiro andar do imóvel, o que constitui apenas uma ampliação do contrato existente.
21 - Pelo que não se aplica a figura da oposição à renovação, prevista no artigo 1097.º do Código Civil.
22 - Desta forma, caso a Recorrida pretendesse cessar o contrato de arrendamento, deveria ter recorrido à figura da denúncia contratual, nos termos constantes do artigo 1101.º do Código Civil,
23 - Sendo que, neste caso, a Recorrida sempre teria de indemnizar a Recorrente por todas as benfeitorias realizadas no locado, nos termos do artigo 29.º, n.º 3 da Lei 6/2006.
24 - Nos presentes autos, o Tribunal a quo admitiu a prova documental junta, mas apenas concluiu da mesma a respetiva data e valor.
25 - Contudo, resulta do disposto no artigo 29.º da Lei 6/2006 que o legislador não definiu temporalmente o direito do arrendatário de exigir as benfeitorias realizadas no arrendado, não tendo fixado prazo para o exercício de tal direito,
26 - Não sendo igualmente requisito para a sua reclamação junto do senhorio o facto de o arrendatário ter ou não recuperado tal investimento.
27 - Pelo que, teria o Tribunal a quo de concluir pela verificação do pressuposto referente ao prejuízo que se pretende acautelar e, a final, pela procedência da providência requerida.
28 - Nestes termos, tendo decidido em sentido contrário o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1097.º do CC e 362.º, n.º 1 do CPC.
Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis que V/ Exas. mui doutamente suprirão, dando provimento integral ao presente recurso, deve a sentença proferida pelo Tribunal a quo ser declarada nula, com as inerentes consequências legais. Sem prescindir, caso assim não se entenda, deve a sentença em crise ser revogada e substituída por decisão deste Tribunal que determine a procedência da providência, assim se fazendo, como se crê que fará, a costumada Justiça!
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A requerida contra-alegou, terminando como se segue.
1.ª Vem a Recorrente apresentar recurso de apelação da douta sentença recorrida proferida nestes autos.
2.ª Sucede que o referido recurso de apelação é destituído de sentido, pois não se podem admitir os motivos que a Recorrente utilizou para o tentar fundamentar, o qual deve ser julgado improcedente.
3.ª Ora, importa referir que os factos declarados como indiciados na apreciação do mérito da causa tiveram como suporte a documentação junta pelas partes aos autos com os respetivos articulados, não tendo sido arrolada qualquer testemunha.
4.ª Esteve bem o tribunal a quo quando refere que “No caso concreto que nos ocupa, considerando que a requerente assenta o fundado receio na impossibilidade de recuperação das quantias investidas no imóvel caso tenha de proceder à sua entrega e com tal deixar de exercer a sua atividade comercial, uma vez que a requerente não logrou demonstrar, ainda que indiciariamente, tal facto entendemos que não se pode concluir pela verificação do segundo requisito enunciado. Isto é, pela existência de fundado receio de que outrem, antes da ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave ou dificilmente reparável a tal direito”.
5.ª Acresce ainda referir que, a Requerente junta diversas faturas de 2003 e 2004, referentes a obras de adaptação do imóvel à exploração da atividade comercial de restauração desenvolvida pela Requerente e às licenças para exercício dessa mesma atividade, sendo certo que já decorreram 20 anos sobre a data das mesmas.
6.ª A fatura mais recente, leia-se, relativa ao ano de 2016 (já decorreu 8 anos), não sendo verosímil que a Requerente não tenha recuperado tal valor com o exercício da sua atividade, nem tão pouco este valor justifica
7.ª Além disso, todas as obras alegadamente realizadas no locado não foram feitas em substituição da Requerida, por recusa ou negligência desta em proceder à sua execução, mas sim para adaptar o locado à exploração da atividade comercial de restauração desenvolvida pela Requerente e obter as respetivas licenças camarárias.
8.ª A Requerida não logrou provar, mínima nem indiciariamente, que a recuperação do suposto investimento de € 80.000,00 (oitenta mil euros) ainda esteja em curso e que a desocupação / entrega do imóvel impede a recuperação de tais quantias.
9.ª É que, a Requerida juntou nos autos documento contabilístico – Declaração de rendimentos IRC modelo 22, relativo ao ano período de 01/01/2021 a 31/12/2021 apresentado em 06/06/2022, do qual resulta inequivocamente que a Requerida em ano de COVID, pasme-se, apresenta um volume de negócios superior a € 190.000,00 (cento e noventa mil euros).
10.ª Imagine-se o volume de negócios da Requerida em 2022 ou 2023, para não falar em ao longo das últimas décadas que lá se encontra a laborar na zona mais nobre do Porto, em plena ..., a pagar uma renda irrisória de € 448,92, por mês.
11.ª Portanto, a Requerente não demonstrou estar a recuperar ou a tentar recuperar as quantias alegadamente investidas no imóvel locado, nem mesmo o valor despendido no imóvel para o adequar ao exercício da sua atividade, muito pelo contrário até, sendo certo que a responsabilidade de pagar os custos inerentes ao licenciamento e adaptação do locado à atividade comercial de restauração correm exclusivamente por conta e a expensas únicas do arrendatário.
12.ª Nenhuma censura merece a decisão judicial proferida quando conclui que não se encontram verificados todos os requisitos necessários ao decretamento da providência cautelar.
13.ª Além disso, e de acordo com o alegado pelas partes no que toca às normas legais aplicáveis ao presente caso no que toca à cessação do contrato de arrendamento comercial, vem o tribunal a quo referir e bem que:
“Por outro lado, e ao contrário do afirmado pela requerente, não resultou provou estarmos perante um contrato de arrendamento do ano de 1982, mas antes um contrato de arrendamento não habitacional celebrado em outubro de 2003 (não se pode confundir como o faz, a requerente, a pessoa singular com a pessoa coletiva. Ainda que fisicamente a pessoa singular seja quem represente a pessoa coletiva, tratam-se de duas pessoas juridicamente distintas), pelo prazo de 1 ano, renovável, subsumível às regras previstas no artigo 1097.º do Código Civil de acordo com o preceituado pelo artigo 59.º no Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
14.ª Assim, não se compreende como pode a Requerida entender que a sentença proferida é nula por alegada falta de fundamentação de direito, nem tão pouco se compreende como é que a Recorrida não consegue alcançar o quadro jurídico subjacente ao sentido decisório.
Nestes termos, e nos mais de Direito, por V. Exa. aplicáveis, deve o presente recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente, devendo a sentença proferida manter-se na ordem jurídica, em obediência à Lei e assim se fazendo inteira Justiça.
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Prefigurando-se conhecer do procedimento cautelar levando em linha de conta que este não constitui um mecanismo que deva impedir o exercício do direito de ação, ordenou-se a notificação das partes para, querendo, dizerem o que se lhes oferecer.
A recorrente pronunciou-se no sentido de ter demonstrado a existência do direito que pretende acautelar, o direito à manutenção do arrendamento, bem como a verificação dos restantes pressupostos de que depende a procedência da providência cautelar.
A recorrida aduziu não se encontrarem verificados os requisitos para fundamentar a providência cautelar.
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II - A questão a dirimir, que prejudica as demais suscitadas de nulidade da sentença por falta de fundamentação de direito, reapreciação da matéria de facto e da verificação dos pressupostos do procedimento, consiste na inadequação do procedimento cautelar ao propósito visado pela requerente.
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III - Fundamentação de facto
1. Por escritura pública de trespasse outorgada em 9/3/1982, DD e mulher declararam dar de trespasse e CC declarou tomar de trespasse “o estabelecimento de taberna, instalado no rés do chão com entrada pelo número ... do prédio urbano sito na rua ..., ... a ... (…) pertencente a BB, a quem é paga a renda anual de doze mil escudos (…)”.
2. Por escrito de 1/6/2002, BB declarou dar de arrendamento a CC, que declarou tomar de arrendamento “como complemento do já arrendado rés do chão(estabelecimento), com entrada pelo n.º ...24, o primeiro andar, (exceto a sala da frente do mesmo) do prédio urbano sito na Rua ... (…)”, pelo período de 1 ano, renovável, com início em 1/7/2002, fixando o valor global da renda mensal devida (rés do chão e 1.ºandar) no montante de 448,92 euros, acordando, ainda, que “o arrendado destina-se ao exercício de qualquer atividade comercial” e que ficava o inquilino autorizado “a efetuar no arrendado todas e quaisquer obras necessárias ao exercício da sua atividade.”
3. Por escrito de 1/10/2003, BB declarou dar de arrendamento a A..., Lda., que declarou tomar de arrendamento “o rés do chão e parte do primeiro andar, (exceto a sala da frente do mesmo) do prédio urbano sito na Rua ... (…)”, pelo período de 1 ano, renovável, com início em 1/10/2003, fixando o valor da renda mensal devida no montante de 448,92 euros, acordando, ainda, que “o arrendado destina-se ao exercício de qualquer atividade comercial” e que ficava a inquilina autorizada “a efetuar no arrendado todas e quaisquer obras necessárias ao exercício da sua atividade.”.
4. O imóvel referido em 1, 2 e 3 mostra-se descrito na conservatória do registo predial sob o n.º ...32/20021008 e inscrito a favor da requerida, por sucessão testamentária de BB, mediante a Ap. ...19 de 2019/03/04.
5. Por carta datada de 15/5/2023 recebida pela requerente, a requerida comunicou à requerente que:
6. A requerente, em resposta à carta referida em 5., por carta datada de 26/5, comunicou à requerida que:
7. A requerida, por carta datada de 11/9, recebida pela requerente a 13/9 respondeu à requerente afirmando que:
8. A requerente, no local arrendado, explora o restaurante B..., o qual surge nos roteiros turísticos “on line” da cidade do Porto, tendo sido já alvo de distinções.
9. A requerida, em 13/10/2023, instaurou contra a requerida uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, a qual corre termos neste Juízo Local Cível, perante o J3, com o n.º 17440/23.0T8PRT na qual peticiona a condenação da requerente a “1. Reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o imóvel aqui reivindicado – sito na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...16 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº...32/20021008;
2. Declarar a cessação do contrato de arrendamento celebrado entre a Autora e a Ré, a que se refere o documento nº 3, por caducidade do mesmo;
3. Deve a Ré ser condenada a proceder à desocupação do imóvel arrendado, entregando-o à Autora, livre e devoluto de pessoas e bens e no estado em que o recebeu;
4. Devem ser a Ré condenada a pagar à Autora uma quantia de € 100,00 (cem euros) por dia, desde a data da citação para os presentes autos até à data da efectiva desocupação e entrega do prédio à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do previsto no artigo 829º-A do Código Civil; (…)”.
10. A requerente, ali na qualidade de ré, contestou, defendendo-se por exceção, impugnando a pretensão da requerida (autora) e pugnando pela improcedência da sua pretensão, não tendo deduzido reconvenção.
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Factos não indiciados na decisão de 1.ª instância: os factos alegados nos artigos 10.º, 12.º, 16.º, 22.º, 27.º, 53.º (no que se refere a ser a única atividade da requerente), 56.º, 57.º e 59.º do requerimento inicial.
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IV - Fundamentação jurídica
A requerente pretende que seja declarada a suspensão imediata dos efeitos da comunicação efetuada pela requerida em 15 de maio de 2023 de oposição à renovação do contrato de arrendamento entre ambas celebrado.
Invoca que a oposição é inválida e que se a requerida lançar mão dos meios coercivos destinados à desocupação e entrega do imóvel tal lhe causará um prejuízo considerável, senão irreparável. Assenta o fundado receio subjacente ao procedimento na alegação de impossibilidade de recuperação das quantias investidas no imóvel caso tenha de proceder à sua entrega, deixando de exercer a sua atividade comercial.
A oposição à renovação traduz-se numa forma de cessação do contrato de arrendamento privativa dos contratos com duração limitada ou com prazo certo. Resulta do regime previsto nos arts. 1097.º/1 do C.C., 9.º e 10.º do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) que a oposição à renovação opera por comunicação à contraparte.
Nos termos do disposto no art.º 362.º/1 do C.P.C. sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado.
As providências cautelares previstas nos arts. 362.º e ss. do C.P.C. são decretadas desde que haja probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris) e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão antes de a ação ser proposta ou na pendência dela, cause lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora) (art.º 368.º/1 do C.P.C.).
As providências cautelares conservatórias destinam-se a conservar a situação jurídica ou o direito que é objeto da ação até à decisão. Visam acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente quando se espoletou o litígio ou aquando da verificação de periculum in mora.
As providências cautelares antecipatórias destinam-se a conceder ao requerente os efeitos práticos que resultariam da procedência da ação. Visam a antecipação da realização do direito que, previsivelmente, será reconhecido na ação principal.
No presente procedimento, a requerente alega pretender a suspensão imediata dos efeitos da comunicação da requerida de não renovação de contrato de arrendamento comercial, ou seja, pretende manter a situação de arrendamento.
Não se põe em dúvida que a requerente tem direito a fazer valer em juízo a sua posição enquanto arrendatária.
O art.º 20.º/1 da Constituição da República Portuguesa prevê que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
O direito de ação está previsto no art.º 2.º/2 do C.P.C., de acordo com o qual todo o direito, exceto quando a lei determine o contrário, corresponde a ação adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da ação.
Está em causa a garantia de acesso aos tribunais.
O princípio da proibição da indefesa, ínsito no direito fundamental de acesso à justiça, tem sido caracterizado pelo Tribunal Constitucional como a proibição da privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito (in ac. TC n.º 286/11 disponível ‘in’ www.tribunalconstitucional.pt).
O princípio da proibição da indefesa concretiza-se na garantia de que a todo aquele que seja interpelado para aquiescer à pretensão de outrem seja dada a possibilidade de discutir a validade dessa pretensão perante um juiz. (in ac. RL. de 6-12-2011, proc. 447/10.4TBLSB-A.L1-1, Rijo Ferreira in http://www.dgsi.pt),
O que importa é que seja dada oportunidade ao visado de se defender e fazer apreciar por um terceiro independente a pretensão com que foi confrontado.
Em função desta garantia, assiste à requerente o direito a obstaculizar à oposição de renovação do arrendamento manifestada pela ora requerida através do presente procedimento? Será admissível o uso de procedimento cautelar para este fim?
Afigura-se-nos que a resposta a dar à questão é negativa.
Vejamos os factos do caso concreto, perspetivando-os ainda para o futuro.
A reação da requerente deixa antever que não se conforma com a intenção da requerida de pôr cobro ao contrato de arrendamento. Restará, assim, a esta última, na qualidade de senhoria, o recurso a ação fundada na cessação do contrato de arrendamento por se ter validamente oposto à sua renovação. Quer no âmbito dessa ação, quer no de uma futura e eventual ação executiva, a ora requerente terá ao seu alcance mecanismos de defesa que acautelam suficientemente a posição em que se venha a encontrar, sem necessidade de uma qualquer medida cautelar como a presente.
Em suma, ao abrigo da proibição da indefesa, a requerente poderá vir a opor-se à eventual ação que venha a ser proposta pela senhoria, bem como em sede executiva, sendo caso disso, sempre se poderá vir a opor mediante embargos (arts. 860.º e 861.º do C.P.C., ex vi art.º 862.º do mesmo Código).
Veja-se que a comunicação de oposição à renovação, por si só, é insuscetível de causar lesão grave e dificilmente reparável do eventual direito do arrendatário à manutenção do arrendamento. A comunicação de não renovação não tem outro efeito imediato que não o de colocar a arrendatária de sobreaviso quanto à intenção da senhoria, dando-lhe a possibilidade de, sendo caso disso, se opor à não renovação.
Já enquanto efeito útil do decretamento do procedimento entrevemos a inutilização jurídica da comunicação de não renovação. Ora, não produzindo a comunicação efeitos, o contrato ter-se-á como renovado. Mantendo-se este em vigor, a senhoria não terá fundamento para ver o imóvel restituído à sua posse por falta de título da inquilina para aí se manter. O presente procedimento consubstancia, assim, uma antecipação de defesa que se poderia ter como admissível não fora o facto de através deste a requerida ver obstaculizada possibilidade de propor ação tendente a reaver o imóvel de que é proprietária.
É que, sendo declarada a suspensão imediata dos efeitos da comunicação da requerida de não renovação de contrato de arrendamento comercial, a senhoria deixa de poder fazer uso da comunicação da não renovação, pelo que o contrato de arrendamento se terá forçosamente que ter como renovado.
Tal significa que o acolhimento de uma pretensão como aquela formulada coarta o direito da requerida propor ação de reivindicação ou de despejo com o fito de reaver o imóvel, ação comum com as devidas garantias, ao contrário do que ocorre com o procedimento simplificado associado aos procedimentos cautelares.
Em princípio, o procedimento cautelar não se destina, atentas a sua natureza e tramitação, a substituir a ação própria. Daí que se diga que no procedimento cautelar não podem ser formulados, apreciados e decididos pedidos próprios de uma ação declarativa, em substituição desta, isto sem prejuízo da possibilidade de inversão do contencioso (art.º 369.º do C.P.C.). Veja-se, porém, que no caso vertente a requerente vai além da substituição da ação por procedimento cautelar. O que a requerente visa alcançar através da providência, entenda-se, do respetivo decretamento, é que a requerida fique impedida de ver o seu direito apreciado pelo tribunal, em ação declarativa comum, com as garantias e meios de prova adequados a esse efeito.
No caso sub judice, com o decretar do procedimento, preclude-se a hipótese de existência da ação. Ora a proibição de que a requerente se veja indefesa não pode avantajar-se à proibição da indefesa da requerida.
Mesmo sob o estrito ponto de vista dos requisitos do procedimento cautelar comum veja-se que o direito que a requerente se arroga é o direito a ver suspensos os efeitos da comunicação da requerida de não renovação do contrato de arrendamento comercial identificado. Como se disse, a comunicação de não renovação, por si só, não gera qualquer efeito. Não existe nenhuma lesão eminente cuja verificação eminente cumpra acautelar e na hipótese, futura e incerta, de a senhoria vir a propor ação tendente a reaver o imóvel arrendado, como se disse, existem outros meios processuais adequados à pretensão da ora requerente, pelo que não se vislumbra que a não propositura ou o não decretamento do procedimento cautelar gere lesão grave e de difícil reparação.
Não será a mera propositura de ulterior ação pela ora requerida que afetará a possibilidade de a requerente continuar a usufruir do imóvel, mas sim a prova de que se verificam os pressupostos para a cessação do contrato de arrendamento, nomeadamente, como invocado pela requerida, por ser lícita a sua não renovação.
Não assiste, assim, à requerente o direito a ver suspensos os efeitos da notificação de não renovação do contrato de arrendamento porque essa notificação não contém a aptidão de, direta e em si mesma, obviar à manutenção do contrato de arrendamento.
Neste sentido, não se verifica o pressuposto do decretamento do procedimento cautelar contido no art.º 362.º/1 do C.P.C. de existência de fundado receio de lesão ao direito.
O direito que, num primeiro momento, importa acautelar na ordem jurídica é o direito da senhoria pôr cobro ao contrato de arrendamento através da sua renovação. Não se conformando a arrendatária com a não renovação, só na decorrência da propositura de ação pela senhoria com vista a que o imóvel lhe seja restituído, seja mediante ação de reivindicação, seja de despejo, se constitui o direito da arrendatária a opor-se à pretensão correspondente.
Aceitar diversamente corresponderia a consentir que em sede de procedimento cautelar se obstaculizasse a direito de ação.
O acolhimento de uma pretensão como aquela formulada coartaria o direito da requerida propor ação de reivindicação ou de despejo com o fito de reaver o imóvel, ação comum com as devidas garantias, ao contrário do que ocorre com o procedimento simplificado associado aos procedimentos cautelares.
Vejam-se os seguintes artigos do requerimento inicial:
51.º
Atenta a comunicação remetida pela Requerida, e posteriormente confirmada pelo seu Mandatário, poderá esta recorrer aos meios judiciais com vista à desocupação coerciva do imóvel a partir do dia 2 de outubro de 2023.
60.º
Caso a Requerida avance com ação com vista à desocupação do imóvel, ainda que fundamentando tal ação num ato ilegal, poderá requerer a condenação do Requerente no pagamento de uma indemnização alegando a mora na entrega do locado (cf. artigo 1045.º do Código Civil).
61.º
Pelo que, apenas o recurso à presente providência cautelar permitirá acautelar, não só o efeito útil da ação a propor, como ainda, evitará que o Requerente sofra prejuízo sério e irreparável.
(…)
Remata a requerente com o seguinte pedido:
Atento o supra exposto, requer-se a V/Exa. se digne declarar a suspensão dos efeitos da missiva remetida pela Requerida ao Requerente, impedindo assim, que a Requerida possa recorrer aos meios coercivos com vista à desocupação do imóvel.
Lê-se no ac. da Relação de Lisboa de 28-4-2009 (proc. 7797/06.2TCLRC-A.L1-7, Abrantes Geraldes):
Através do procedimento cautelar comum o arrendatário não pode obter a intimação do senhorio a abster-se de fazer uso, como título executivo, do contrato de arrendamento e da notificação judicial avulsa de denúncia do contrato para o fim do prazo.
As providências cautelares constituem mecanismos adequados a tutelar, por via conservatória ou antecipatória, direitos subjetivos ou interesses juridicamente relevantes. Mas não podem constituir, por si, mecanismos que impeçam o exercício do direito de ação. Mais concretamente, os meios de que o interessado disponha para se opor a uma qualquer pretensão que o requerido pretenda apresentar em tribunal devem ser suscitados quando lhe for conferida a oportunidade de exercer o direito de defesa, sem que seja legítimo, através de medida cautelar inibitória (ou mesmo mediante o recurso a uma ação), impedir outrem de recorrer aos tribunais para fazer valer direitos que considere existirem. Trata-se de uma situação que foi apreciada no Ac. da Rel. do Porto, de 8-4-97, CJ, tomo II, pág. 207, onde se decidiu que a intenção de propor uma ação tendente a obter a restituição de um bem não configura uma situação de ameaça de lesão. Estando assegurado o exercício do contraditório, deve o interessado guardar para esse momento a oportunidade para se opor ao direito que a outra parte pretenda invocar. Se houver manifestações de abuso de direito, na modalidade de abuso do direito de ação, existem no ordenamento suficientes meios de defesa, sem que se mostre necessária uma medida de antecipação como a pretendida pelos apelantes.
Os efeitos da comunicação pela requerida de oposição à renovação do contrato de arrendamento são insuscetíveis de gerar na esfera jurídica da requerente lesão grave ou dificilmente reparável do seu direito.
Em súmula, nos termos sobreditos, não é de acolher que as providências cautelares constituam mecanismos que impeçam o exercício do direito de ação, pelo que o recurso interposto deve improceder, confirmando-se, ainda que com fundamentação diversa, a decisão de improcedência do procedimento.
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V - Dispositivo
Nos termos sobreditos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão de indeferimento de decretamento do procedimento cautelar.
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Custas pela recorrente por ter decaído na sua pretensão (art.º 527.º/1/2 do C.P.C.).
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Porto, 18-3-2024
Teresa Fonseca
José Eusébio Almeida
Miguel Baldaia de Morais