Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3220/20.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP202403183220/20.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O ónus consagrado na alíneas a), do nº1, do art. 640º, do CPC, (de especificação de concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados), pressuposto do conhecimento do mérito da impugnação da decisão de facto, cuja função é delimitar o objeto do recurso, tem de se mostrar cumprido nas conclusões das alegações, impondo a falta de tal especificação, bem como a falta de especificação da al. b) e da al. c), do referido nº1, e, ainda a da al. a), do nº2, em toda a peça das alegações (mesmo no seu corpo), a rejeição do recurso, na vertente de facto (cfr. nº1, do art. 639º e nº1 e 2, al. a), do art. 640º, daquele diploma legal).
II – Na aplicação casuística dos referidos preceitos devem ser preservados os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, modelando-se, na medida do possível, adequado, justificado e necessário, os requisitos de forma para dar prevalência à substância.
III – Justifica-se no caso menor exigência de rigor na observância da regra da al. a), do nº2, do art. 640º, observadas se encontrando as do nº1, do referido artigo, por estar em causa na impugnação apenas um elemento de prova, o depoimento de parte da Ré, circunscrito se mostrando o mesmo às específicas questões de facto em causa nesta vertente do recurso.
IV – Dependendo a reapreciação da matéria de direito do recurso da procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto fixada, mantendo-se esta, o conhecimento daquela fica, necessariamente, prejudicado (nº2, do artigo 608º, ex vi da parte final, do nº2, do art. 663º, e, ainda, do nº6, deste artigo, ambos do CPC).
V - Observado que se mostre, pelo Autor, o ónus de alegação fáctica no articulado com que introduz a sua pretensão em juízo, levanta-se a, subsequente, questão da observância do ónus da prova dos factos essenciais densificadores da causa de pedir e perante a falta de prova dos factos constitutivos do direito do Autor (cfr. nº1, do art. 342º, do CC), vê este surgir, como consequência da mesma, a improcedência da ação em que pretendia fazer valer o alegado direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 3220/20.8T8VNG.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 2


Relatora: Des. Eugénia Cunha
1º Adjunto:  Des. Manuel Fernandes

2º Adjunto: Des. António Mendes Coelho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):

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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA

Recorrida: BB

AA, propôs ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, pedindo que se declare e se condene a ré a reconhecer:

i) - que as prestações devidas pelo autor e pela ré ao Banco 1..., entre 25 de julho de 2004 e 25 de setembro de 2019, em cumprimento das obrigações que ambos contraíram, solidariamente, pela via dos contratos de empréstimo referidos nos artigos 5 a 9 desta petição, foram integralmente pagas pelo autor, com dinheiro seu;

ii) - que, por esses pagamentos terem sido feitos pelo autor, a ré lhe deve metade desse valor.

Alegou, para tanto e resumidamente, que contraiu, juntamente com a ré, empréstimo bancário, que apenas o autor pagou as prestações do mesmo e com dinheiro próprio[1], motivo pelo qual pretende reaver metade dos valores pagos, quantia com a qual entende ter-se a ré enriquecido à sua custa.

Na contestação, que apresentou, a ré impugnou a factualidade alegada pelo autor [2], negando quer o pagamento exclusivo, pelo Autor, das prestações quer o seu enriquecimento à custa do mesmo, pois que, vivendo ambos em união de facto, pagou com o rendimento do seu trabalho despesas do agregado familiar, incluindo prestações ao banco, com o rendimento do seu trabalho, e realizou as tarefas domésticas, pretendendo a sua absolvição do pedido.

O Autor apresentou resposta.


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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:

“Em face do exposto, decido julgar a presente acção inteiramente improcedente e, em consequência:

a) Absolver a ré dos pedidos contra si formulados pelo autor.

b) Condenar o autor no pagamento das custas processuais, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil”.


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Apresentou o Autor recurso de apelação, pugnando por que seja alterada a decisão recorrida com base nas seguintes

CONCLUSÕES:
1º O presente recurso de apelação tem por objeto a sentença proferida que julgou a ação inteiramente improcedente, e, em consequência absolveu a Ré dos pedidos contra si formulados.
2.ª O Recorrente não se conforma com a referida decisão, pois entende o Recorrente que existiu erro tanto no julgamento da matéria de facto, como na aplicação do Direito. As conclusões, incidirão, também, em primeiro sobre as discordância da decisão da matéria de facto, e posteriormente da aplicação do Direito.
3.ª Assim, a decisão em recurso considerou como factos não provados, os seguinte:
“C. Todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, ate Setembro de 2019, foram integralmente pagas com parte dos rendimentos do trabalho do autor.
D. Entre 30 de Junho de 2004 e o mês de Setembro de 2019, a Ré nada pagou ao Banco 1..., relativamente as dividas que, perante este Banco, construiu com o autor, nesse dia 30 de Junho de 2004.
E. Desde antes do mês de junho de 2004 até ao mês de Setembro de 2019, todas as remunerações do trabalho que o autor recebeu, em todos esses meses, foram integralmente depositadas ou transferidas para a conta identificada no artigo 15 desta petição.”
4.ª A referida decisão para o Recorrente foi uma absoluta surpresa, a medida em que entendia que tais factos não constituíam matéria controvertida, pois estavam perfeitamente admitidos pelas partes em sede de articulados.
5.ª Isto porque, pese embora a Recorrida, em sede de contestação não ter como lhe competia tomado posição especificada sobre os factos alegados na petição inicial, pois limitou-se apenas a dizer que uma serie de factos eram um amontoado de deturpações da verdade e indesculpáveis omissões, não os tendo mesmo impugnado.
6.ª Sem prejuízo, analisando a defesa ou contestação no seu todo, resulta claro e evidente que a Recorrida disse que foi aberta a conta no Banco 1..., na qual passaram a depositar o vencimento do autor (veja-se artigos 38, 39 e 40 da contestação). E que foi aberta uma conta na Banco 2... onde era depositado o vencimento da Re (artigo 42 da contestação).
7.ª Por conseguinte, estava e está perfeitamente assente que as prestações que foram pagas ao banco mutuante para aquisição das frações que adquiriram em comum foram pagas através da conta do Banco 1... (este facto está assente sob o n.º 3) onde era depositado o salário do Recorrente. Sendo que, o salario da Recorrida, como a mesma admitiu, era depositado na Banco 2....
8.ª Tanto o foi que, o Recorrente, em sede de resposta a contestação, desde logo, disse que a Recorrida quis sim dizer que os empréstimos bancários eram pagos através da conta no Banco 1..., com os salários do Autor, e que as despesas da casa e do sustento dos dois e da filha eram pagos como seu salário, através da conta na Banco 2.... (veja-se artigo 65 do articulado de resposta). Isto foi o que disse a Recorrida.
9.ª Aliás, em abono da verdade, o que a Recorrida disse, em sede de contestação, e que apesar disso (conclusão anterior) teria existido um acordo entre Recorrente e Recorrida antes de passarem a viver como marido e mulher, que todos os bens que viessem a adquirir seriam adquiridos em partes iguais, e, suportadas por ambos com o rendimento dos respectivos trabalhos, independentemente do valor que um e outro auferissem (artigos 20º, 21º e 22º da contestação. O que e seguro não ficou provado.
10.ª Por conseguinte sempre esteve e assim deve estar assente que os empréstimos eram pagos com o dinheiro do Recorrente. Acrescendo, ainda, que isso mesmo foi confirmado pela Recorrida em sede de depoimento de parte prestado em audiência de julgamento.
11.ª Sobre isso mesmo veja-se o que consta na decisão em recurso sobre tal matéria “A este propósito, a autora explicou o modo como ambos contribuíam para as despesas do lar (…). Quanto as despesas que habitualmente suportava, referiu-se ao pagamento da água, da eletricidade, da farmácia das consultas médicas da filha e das roupas”  (sublinhado nosso). Isto é, nada a propósito dos pagamentos dos mútuos ao banco, pois tal facto estava e esta perfeitamente aceite que era pago através da conta do Banco 1... (facto 5 da matéria de facto provada) onde era depositado o salario do Recorrente, pois obviamente caso não o fosse não haveria fundos para o pagamento da prestação.
12.ª Cumprindo, ainda, dizer que a Recorrida não fez qualquer prova, sendo certo que também nunca o disse, que alguma vez tenha feito qualquer deposito na referida conta do Banco 1... de onde eram pagas as prestaçoes dos mutuos.
13.ª Face ao exposto, a decisão em recurso laborou em claro erro na decisão sobre a matéria de facto, na medida em que os factos constantes nos pontos C, D e E da matéria de facto não provada, foram admitidos pela Recorrida em sede de contestação, bem como confirmados em sede de depoimento de parte, o que se colhe mesmo da leitura da motivação sobre a matéria de facto provada.
14.ª Pelo que, existe assim não só um claro erro entre a fundamentação e a decisão da matéria de facto na decisão em recurso (artigo 615º, n.º1, alinea c)). Bem como os factos em causa estavam aceites em sede de articulados, e foram posteriormente admitidos pela Recorrida em sede de depoimento de parte.
15.ª Por conseguinte, deve a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, devendo os factos das alíneas C, D e E que foram considerados não provados devem ser alterados, devendo os mesmos ser dados como provados, o que se requer.
16.ª Esta alteração da decisão sobre matéria de facto que se requer e de extrema importância não só pelo repor da verdade dos factos, como terá que ter como consequência que a decisão de Direito deveria e deve ser outra.
17.ª Assim sendo, como consta dos autos Recorrente e Recorrida adquiriram a frações em causa em compropriedade. Não foi provado a existência de qualquer acordo entre ambos sobre essa aquisição, nomeadamente os ditos contratos de coabitação, de modo que as relações patrimoniais entre os mesmos ficam sujeitas ao regime geral das relações obrigacionais e reais.
18.ª As obrigações assumidas por Recorrente e Recorrida perante o banco nos mútuos destinados a adquirir essas frações são obrigações solidarias.
19.ª Isto é, cada um dos contraentes, no caso Recorrente e Recorrida, pagou a sua metade do preço das frações que adquiriram em compropriedade e devida aos vendedores, com metade da quantia que o Banco lhes emprestou. E constituíram-se numa obrigação solidária de restituir ao Banco as quantias mutuadas. Por isso, se um qualquer dos mutuários tiver pago mais do que metade de qualquer prestação mensal que lhe competia pagar ao Banco para que a prestação por ambos devida ao Banco mutuante seja paga, com esse pagamento fica constituído no direito de exigir do outro o que pagou a mais, e que era por este devido.
20.ª No caso dos autos como vimos todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, desde a data da celebração do contrato ate Setembro de 2019, foram integralmente pagas pelo Recorrente, através de desconto em conta bancaria de onde era depositado o seu salario. Isto e, foram integralmente pagas com o produto dos seus rendimentos.
21.ª E também seguro que durante esse período a Recorrida nada pagou ao Banco mutuante, relativamente a divida que havia contraído perante o mesmo.
22.ª Pelo que, a Recorrida deve ao Recorrente metade do valor das prestações que este pagou ao Banco 1..., desde Junho e 2004 ate Setembro de 2019, ou seja, metade do valor de 58.106,00 euros.
 23.ª E, por conseguinte, deve a decisão proferida ser revogada e proferida sentença que julgue a ação totalmente provada e procedente, e consequentemente, seja declarado que as prestações devidas pelo Recorrente e Recorrida ao Banco 1..., entre Julho de 2004 e Setembro de 2019, em cumprimento das obrigações que ambos contraíram solidariamente, por via dos contratos de empréstimo celebrados foram integralmente pagas pelo Recorrente, com dinheiro seu, e como tal, deve ser declarado que em virtude desses pagamentos feitos pelo Recorrente, a Recorrida deve-lhe metade desse valor, ou seja, metade do valor de € 58.106,00.


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Respondeu a Autora pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão do tribunal de primeira instância, sustentando que o A. não deu cumprimento ao disposto no artº 640º, nº 1 e 2, do CPC, pois que não alude aos meios probatórios que autorizam as conclusões que retira e não indica as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, donde resulta que o recurso quanto à matéria de facto tem de ser rejeitado, sendo, sempre, improcede a alteração pretendida, por a matéria objeto da impugnação da decisão de facto não ter sido aceite na contestação, tendo sido impugnada, não ter sido confessada pela Ré nas suas declarações de parte e se mostrar não provada e da matéria provada da sentença recorrida, outra solução de Direito não resultar senão a improcedência da ação, devendo confirmar-se a sentença recorrida.

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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.

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II. FUNDAMENTOS

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos, por ordem lógica, as questões objeto do recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº3 e 4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil -, ressalvado o estatuído no artigo 665º, de tal diploma legal.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1ª- Quanto à impugnação da decisão de facto:
1.1 - Da observância ou não dos ónus de impugnação da decisão de facto;
1.2 - Da alteração da decisão de facto, por erro, discordância ou nulidade.
2ª- Da modificabilidade da decisão de mérito:
2.1- Da verificação do direito do autor a exigir da Ré metade das prestações do empréstimo bancário que ambos contraíram e que pagou com dinheiro exclusivamente seu.
3ª - Da responsabilidade tributária.


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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1. FACTOS PROVADOS

São os seguintes os factos considerados provados com relevância para a decisão (transcrição):

1. Em 30 de Junho de 2004, o autor e a ré adquiriram, em comum e na proporção de metade para cada um, de CC e mulher DD, a Fracção Autónoma designada pelas letras “AQ”, que corresponde ao segundo andar, do lado esquerdo e frente, do corpo 2, com entrada pelo número ..., da Rua ..., com área de 97 m2, e destinada a habitação, do Prédio Urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., na freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob a descrição n.º ...-AQ, e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...-AQ.

2. No mesmo dia 30 de Junho de 2004, o autor e a ré adquiriram, em comum e na proporção de metade para cada um, de CC e mulher DD, a fração autónoma designada pelas letras “BJ”, que corresponde a uma garagem na cave do prédio identificado no artigo 1 desta petição, assinalada pelas respetivas letras, com entrada pelos números ... e ... da Rua ..., com a área de 20 m2, destinada a aparcamento de viaturas, do Prédio Urbano, em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., freguesia ..., concelho de Vila Nova de Gaia, descrita na Conservatória do Registo de Vila Nova de Gaia sob a descrição n.º ...-BJ, e inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...-BJ.

3. Para pagamento das frações autónomas indicadas aos vendedores, o autor e a ré contraíram a 30 de junho de 2004 dois empréstimos junto do Banco 1..., sendo um empréstimo no valor de € 76.300,00 e o outro empréstimo no valor de € 6.000,00.

4. O autor e a ré obrigaram-se, solidariamente, a restituir as quantias que o Banco mutuante lhes emprestou.

5. O pagamento das prestações devidas pelo empréstimo que o Banco mutuante fez ao autor e à ré tem sido feito através da conta n.º ..., no Banco 1....

6. Os pagamentos ao banco mutuante somam, até setembro de 2019, € 58.106,00.

7. Autor e Ré viveram em condições análogas às dos cônjuges desde o ano de 1999 e até finais do ano de 2019.

8. Dessa relação nasceu, em 31 de maio de 2015, uma filha, de nome EE.

9. Enquanto durou a união de facto, o autor e a ré declararam os rendimentos à autoridade tributária de forma conjunta.

10. Durante tal período, a autora contribuiu com o seu salário para a economia doméstica do casal que então formavam as partes, pagando as despesas de eletricidade, água, gás, telecomunicações e outras despesas correntes do imóvel, alimentação, vestuário e saúde do agregado familiar.

11. A autora contribuía ainda para a economia doméstica do lar com a execução das tarefas domésticas.

12. A autora pagava consultas médicas e medicamentos da filha de ambos.

13. Enquanto viveram em união de facto, o réu passava a maior parte dos seus dias de cada ano no estrangeiro, como condutor de camião de longo curso.

2. FACTOS PROVADOS

Foram os seguintes os factos considerados não provados (transcrição):

A.  O autor entregava à ré dinheiro, fruto do seu trabalho, para pagar as despesas da casa.

B. O autor pagava todas as compras que faziam no supermercado, para sustento de ambos e da filha.

C. Todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, até setembro de 2019, foram integralmente pagas com parte dos rendimentos do trabalho do autor.

D. Entre 30 de junho de 2004 e o mês de setembro de 2019, a ré nada pagou ao Banco 1..., relativamente às dividas que, perante este Banco, contraiu com o autor, nesse dia 30 de junho de 2004.

E. Desde antes do mês de junho de 2004 até ao mês de setembro de 2019, todas as remunerações do trabalho que o autor recebeu, em todos esses meses, foram integralmente depositadas ou transferidas para a conta identificada no artigo 15 desta petição.

F. O autor pagava o condomínio e entregava à ré dinheiro para o vestuário da filha e para consultas médicas.


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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

1. Da impugnação da decisão de facto:

1.1 - Da observância dos ónus de impugnação.
Cumpre começar por decidir da impugnação da decisão de facto para que, ante a definitiva definição dos contornos fácticos do caso, possamos entrar na reapreciação da decisão de mérito.
Antes, porém, cabe analisar a questão da observância dos ónus, para tanto, impostos ao recorrente que impugne a matéria de facto (questão adjetiva, prévia à análise da apreciação de mérito da impugnação).
Encontram-se os ónus de impugnação da decisão de facto enunciados nos nº1, do art. 639º e nos nº1 e 2, a), do art. 640º, decorrendo eles dos princípios da cooperação, da lealdade e da boa-fé processuais, visando garantir a seriedade e a consistência do recurso e assegurar o exercício do contraditório.
Comecemos por referir que os ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
Na verdade, a lei adjetiva, que no nº1, do art. 639º, consagra o ónus de alegar e de formular conclusões, estabelece que “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que:
 “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
“a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Verifica-se, no caso, que o apelante não cumpriu todos os ónus que lhe estão cometidos pelo nº1 e 2, a), do referido artigo 640º, para cujo incumprimento a lei comina a rejeição do recurso, nesta vertente.
E como analisou o STJ, na Decisão de 27/9/2023, proferida no proc. nº2702/15.8T8VNG-C.S1 que, por bem esclarecedora, se cita:
Com ampla sedimentação na jurisprudência deste tribunal, no funcionamento dos efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, do CPC, devemos distinguir, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da  indicação dos concretos meios probatórios convocados e da decisão a proferir, a que aludem as alíneas a), b) e c) do nº1 do artigo 640º, que integram o denominado ónus primário, atenta a sua função de delimitação do objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
 De outro lado, o requisito da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, para permitir que a Relação aceda de forma dirigida aos meios de prova gravados, que o recorrente entende necessários à reapreciação do sentido probatório dos factos impugnados.
Ora, perante alguma dificuldade na aplicação do dispositivo legal em certas casuísticas, na aferição do cumprimento dos aludidos ónus pelo recorrente, devem perseverar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, modelando na medida necessária, os requisitos de forma.
Tal como reiterado em diversos arestos deste Supremo Tribunal, v.g., «I.  Constitui jurisprudência do STJ que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640.º do CPC deve ser compaginada com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo-se maior relevo aos aspectos de  ordem matérial em detrimento das questões formais.(…)»; « (…)III - De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal.(...)» .[3]
 No mesmo percurso, salienta o Acórdão do STJ de 19.01.2023 - «Entre os corolários do ónus de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consagrado no n.º 1 do art. 640.º do CPC, está o de que o recorrente deve sempre indicar nas conclusões do recurso de apelação os concretos pontos de facto que julgou incorrectamente julgados
Por último, ainda na órbita do debate das exigências previstas no artigo 640º,  nº1, do CPC, desenha-se como jurisprudência constante deste tribunal, o limite  do cumprimento do ónus primário (al) a) nas conclusões de recurso , como  pontifica, entre outros, o Acórdão do STJ de 22.09.2022 - « II -Nesta linha  interpretativa, tem vindo a admitir-se que, no que se refere às exigências das alíneas b) e c) do n.º 1 do art. 640.º do CPC, possam as mesmas ser cumpridas apenas no corpo das alegações. Já quanto ao ónus da alínea a) da mesma disposição legal, afigura-se que a jurisprudência não se encontra estabilizada, não obstante se admitir que tem vindo a prevalecer o sentido de que o incumprimento de tal ónus nas conclusões recursórias implica a rejeição do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto. »[4] (negrito e sublinhado nosso).
Pacífico vem sendo, na verdade, na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, ónus este que permite circunscrever o objeto do recurso no que concerne à decisão de facto. Deste modo, mesmo na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vem a ser manifestada, reiteradamente, posição no sentido de, para cumprimento dos ónus impostos pelos art.s 639º e 640º, do CPC, o recorrente ter que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso, podendo os demais ónus impostos vir cumpridos apenas no corpo das alegações.
Com efeito, fixada foi, até, já, jurisprudência no sentido de “Nos termos da alínea c), do nº1, do artigo 640º, do Código de Processo Civil, o recorrente que impugne a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, nas alegações[5].
Ora, manifesto é que o Recorrente não cumpriu todos aqueles ónus nas alegações, pois que apesar de ter indicado nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (al. a), do nº1), e nas alegações (podendo sê-lo no corpo das mesmas), os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa (al. b), do nº1) e a decisão que entende dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c), do nº1) não cumpriu o estatuído na al. a), do nº2, do art. 640º, ao não indicar, em toda a peça em causa, com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, convocado estando, para a reapreciação da prova, depoimento de parte da Ré, não confessório (sem assentada).
Assim, não tendo o apelante cumprido integralmente os ónus que lhe estão cometidos pelo nº1 e 2, a), do referido artigo, os requisitos habilitadores ao conhecimento impugnação, não estando preenchidos os pressupostos de ordem formal para se proceder à reapreciação da decisão de facto, sempre seria, na verdade, em estrita exigência de rigor, de rejeitar o recurso, na vertente da impugnação da decisão de facto.
Olhando, contudo, às circunstâncias do caso, não podemos deixar de considerar justificada uma menor exigência de rigor na observância da regra da al. a), do nº2, do art. 640º, observadas se encontrando, como vimos, as do nº1, do referido artigo, por na impugnação da decisão da matéria de facto apenas estar em causa um elemento de prova, o depoimento de parte da Ré, o qual está circunscrito, conforme resulta do despacho que o admitiu, às específicas questões de facto que são suscitadas nesta vertente do recurso.
Assim, para se não incorrer em excessivos formalismos, e na observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, passamos a analisar da substância da impugnação, na constatação, que se passa a efetuar, de os factos em causa, que o apelante pretende que passem de não provados a provados, não terem sido confessados pela Ré, nem na contestação nem no depoimento de parte que prestou em audiência de julgamento. 
Analisemos das pretendidas alterações.

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1.2 - Da alteração da decisão da matéria de facto: por erro, diversa convicção e invocada nulidade.

Conclui o Autor estar a matéria de facto constante das alíneas C), D) e E), dos factos não provados, assente, por, tendo sido, por si, alegados tais factos, na petição inicial, não foram impugnados na contestação, e que, de qualquer modo, tal matéria mostra-se confessada pela Ré no seu depoimento de parte, sempre se encontrando provada com base nesse depoimento, por a Ré a ter admitido.

São os seguintes os factos em causa:

C. Todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, até setembro de 2019, foram integralmente pagas com parte dos rendimentos do trabalho do autor.

D. Entre 30 de junho de 2004 e o mês de setembro de 2019, a ré nada pagou ao Banco 1..., relativamente às dividas que, perante este Banco, contraiu com o autor, nesse dia 30 de junho de 2004.

E. Desde antes do mês de junho de 2004 até ao mês de setembro de 2019, todas as remunerações do trabalho que o autor recebeu, em todos esses meses, foram integralmente depositadas ou transferidas para a conta identificada no artigo 15 desta petição”.

Ora, do confronto da petição com a contestação, bem resulta terem os referidos factos, alegados nos artigos 16º a 19º daquele articulado sido impugnados neste último, motivadamente, bem resultando a sua negação pela Ré.

Com efeito, alegando o Autor, na petição inicial:
“16 Todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, até Setembro de 2019, foram integralmente pagas com parte dos rendimentos do trabalho do DEMANDANTE.
17 Desde antes do mês de Junho de 2004 até ao mês de Setembro de 2019, todas as remunerações do trabalho que o DEMANDANTE recebeu, em todos esses meses, foram integralmente depositadas ou transferidas para a conta identificada no artigo 15 desta petição.
18 E foi com parte do dinheiro do DEMANDANTE, depositado nessa conta, que todas as prestações, que ele e a DEMANDADA deviam ao Banco 1..., foram pagas a este Banco.
19 Entre 30 de Junho de 2004 e o mês de Setembro de 2019, a DEMANDADA nada pagou ao Banco 1..., relativamente às dividas que, perante este Banco, contraiu com o DEMANDANTE, nesse dia 30 de Junho de 2004”.
resulta que a Ré, que assumiu a posição manifestada no art. 2º e 3º, da contestação, acima transcritos, sustenta expressamente não ser isso verdadeiro por ter pago, também, com o produto do seu trabalho (cfr. supra citados artigos, designadamente os 34º e 35º - “que foram restituindo ao banco mutuante com o produto dos respetivos vencimentos” - 38º a 43º e 56º, da contestação).
Assim, impugnados pela Ré, motivadamente, os factos agora em causa, bem fundamenta o Tribunal a quo a decisão de considerar não provados os factos constantes das alíneas C), D) e E) “por ausência de elementos probatórios nesse sentido”, e bem resulta não ter a Ré confessado os referidos factos, pelo que não foi lavrada assentada.
Na verdade, a Ré não confessou os referidos factos alegados, nem no articulado nem no depoimento de parte que prestou em audiência de julgamento, bem resultando do seu depoimento de parte, não confessório, que a mesma se apresentou a manter a posição que assumiu no articulado, tendo afirmado ter pago prestações ao banco mutuante e ser o dinheiro depositado nessa conta, também, fruto do rendimento do seu trabalho.
Nenhuma alteração cabe efetuar à decisão da matéria de facto, pois que, revisitada toda a prova, bem se pode constatar que nenhuma das testemunhas inquiridas, seja do Autor seja da Ré, mostrou saber o que quer que seja da referida matéria e, contrariamente ao que o Autor conclui, a Ré nada confessou.
Ao invés, a Ré, de forma convincente e credível, negou que fosse verdade o afirmado pelo Autor, afirmando que as prestações ao banco foram pagas com dinheiro proveniente, também, do seu trabalho, desenvolvido quer em Portugal, quer, antes disso, em França.
Assim, bem resulta que se não provou que:

- Todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, até setembro de 2019, foram integralmente pagas com parte dos rendimentos do trabalho do autor;

- Entre 30 de junho de 2004 e o mês de setembro de 2019, a ré nada pagou ao Banco 1..., relativamente às dividas que, perante este Banco, contraiu com o autor, nesse dia 30 de junho de 2004;
- Desde antes do mês de junho de 2004 até ao mês de setembro de 2019, todas as remunerações do trabalho que o autor recebeu, em todos esses meses, foram integralmente depositadas ou transferidas para a conta do Banco 1....
Destarte, não confessados os factos, nem no articulado nem em julgamento, não se mostram os mesmos provados por total falta de prova, como afirmado pelo Tribunal a quo.

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Cumpre, ainda, referir que, pese embora o que o Autor conclui, não se verifica o apontado vício, o consagrado na al. c), do nº1, do art. 615º, do CPC.
Existe nulidade da sentença quando se verifica contradição entre fundamentação e a decisão e não em caso de incorreta decisão, por insuficiência, excesso, omissão ou deficiente apreciação, sobre a matéria de facto ou por errada subsunção jurídica.
Verificando-se contradição entre os fundamentos e a decisão quando no raciocínio do julgador existe vício tal que apontando a fundamentação num sentido a decisão segue em sentido oposto, pelo menos diferente, constata-se que, no caso, a decisão se orienta e bem no mesmo sentido da fundamentação.
A apontada nulidade não se verifica, pois que nenhuma oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre, antes os fundamentos aduzidos conduzem, necessariamente, à decisão, que de ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível não padece, antes a mesma tem um só sentido e é clara, evidente e bem percetível.
Não estamos, pois, perante a apontada nulidade, dado ser a decisão consequente com o exarado na fundamentação e inteligíveis e consequentes são as razões exaradas, pelo que a decisão não padece do apontado vício formal consagrado na al. c), do nº1, do art. 615º, do CPC, que improcede.
*
Assim, bem foram os referidos factos, controvertidos, considerados não provados, por falta de elementos probatórios que permitam outra decisão, tendo, por isso, dada a total falta de suporte probatório de resposta diversa, de ser mantida a decisão de facto, válida e consentânea com a prova produzida.
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2. Da modificabilidade da decisão de mérito:

2.1 – Da inobservância do ónus da prova.  

Observado que se mostre, pelo Autor, o ónus de alegação fáctica no articulado com que introduz a sua pretensão em juízo, levanta-se a, subsequente, questão da observância do ónus da prova dos factos essenciais densificadores da causa de pedir.

E sem o seu cumprimento nunca a ação pode proceder.

Ora, dependendo a procedência do recurso em termos jurídicos, no que à interpretação e aplicação do direito respeita, da prévia procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não tendo o apelante logrado impugnar, com sucesso, tal matéria, que assim se mantém inalterada, prejudicado ficaria o conhecimento daquela - v. nº2, do art. 608º, aplicável ex vi parte final, do nº2, do art. 663º e do nº 6, deste artigo.
Sempre se decide, contudo, que não resultou provado que o Autor tenha utilizado dinheiro exclusivamente seu para o pagamento das prestações em causa ao banco mutuante.

Com efeito, as partes adquiriram, em regime de compropriedade, duas frações autónomas com recurso a mútuos bancários, vivendo, elas, em união de facto, e, alegando o autor que apenas ele pagou as prestações inerentes aos contratos de empréstimos, pretende, cessada que se encontra a união de facto, a restituição de metade do que foi sendo pago ao banco no período em que a união de facto durou. Ora, e resultando, mesmo, ter a ré contribuído para despesas do agregado familiar, certo é que sequer logrou o Autor provar ser o dinheiro utilizado para o pagamento das prestações exclusivamente seu.
E, na verdade, consagra o nº1, do artigo 342º, do C. Civil, que regula a questão do ónus da prova, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.
Não tendo o Autor logrado provar os factos que alegou, constitutivos do direito de que se arroga, como bem refere o Tribunal a quo, tem o mesmo de sofrer, como consequência desvantajosa de o não ter conseguido, a improcedência da ação.

Neste conspecto, improcedem as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pelo apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida.


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3. Da responsabilidade tributária.

As custas do recurso são da responsabilidade do recorrente dada a total improcedência da sua pretensão recursória (nº1 e 2, do artigo 527º, do Código de Processo Civil).


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III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.


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Custas pelo apelante – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.


Porto, 18 de março de 2024

Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Manuel Domingos Fernandes
Mendes Coelho
_________________
[1] Foram alegados, na petição inicial, os seguintes factos:
“15 O pagamento das prestações devidas pelo empréstimo que o Banco mutuante fez ao DEMANDANTE e DEMANDADA tem sido feito através da conta n.º ..., no Banco 1....
16 Todas as prestações que foram pagas ao Banco mutuante, até Setembro de 2019, foram integralmente pagas com parte dos rendimentos do trabalho do DEMANDANTE.
17 Desde antes do mês de Junho de 2004 até ao mês de Setembro de 2019, todas as remunerações do trabalho que o DEMANDANTE recebeu, em todos esses meses, foram integralmente depositadas ou transferidas para a conta identificada no artigo 15 desta petição.
18 E foi com parte do dinheiro do DEMANDANTE, depositado nessa conta, que todas as prestações, que ele e a DEMANDADA deviam ao Banco 1..., foram pagas a este Banco.
19 Entre 30 de Junho de 2004 e o mês de Setembro de 2019, a DEMANDADA nada pagou ao Banco 1..., relativamente às dividas que, perante este Banco, contraiu com o DEMANDANTE, nesse dia 30 de Junho de 2004”.
[2] Tem a contestação o seguinte teor:
“2º Não passa dum amontoado de deturpações da verdade e indesculpáveis omissões,
3º O afirmado pelo Autor nos artigos (…) 16º, 17º, 18º, 19º (…)
10ºDurante o tempo que estiveram unidos, e que foi à roda de vinte anos, o Autor e Ré viveram em condições análogas às dos cônjuges,
11ºDado que viveram na mesma casa, e,
12ºPartilharam habitação, cama, refeições e as despesas com a alimentação,
13ºRelacionando-se afectiva e sexualmente. E,
14ºDessa relação nasceu uma filha, de nome EE, que conta 5 (cinco) anos de idade (Doc.1). (…)
15ºDurante aquele período, Autor e Ré passeavam e saíam juntos,
16ºAuxiliavam-se reciprocamente, no seu dia-a-dia,
17ºVivendo como se fossem marido e mulher,
18ºPor o ter sido em comunhão de leito, de mesa e de habitação,
19ºAssim sendo reconhecidos e tratados por todas as pessoas com quem se relacionavam.
(…) 32ºPara pagamento do preço dos imóveis comprados e seus recheios, Autor e Ré contraíram empréstimos bancários junto do Banco 1..., designadamente aquele a que se refere a presente acção e outros (Doc.s 2 a 7),
33ºDado ambos carecerem de empréstimo da totalidade do valor, sendo que,
34ºTodas as referidas quantias mutuadas foram pagas com dinheiro comum,
35ºE que foram restituindo ao Banco mutuante com o produto dos respectivos vencimentos,
(…) 38º O Autor e a Ré trabalharam em França no ano de 2000, tendo nessa ocasião decidido abrir uma conta conjunta no Banco 1..., num agência de Vila Nova de Gaia, em Portugal,
39ºNa qual passaram a depositar os valores que conseguissem aforrar, e,
40ºO vencimento do autor,
41ºSuportando a Autora as despesas diárias da vida do casal, à custa do seu vencimento, enquanto viveram em França nesse ano. E,
42ºNo ano de 2001, quando regressaram a Portugal, abriram uma outra conta, de que ambos eram titulares, na Banco 2..., numa agência de Vila Nova de Gaia, na qual era depositado o vencimento da Ré e que esta passou a movimentar para pagar continuar a pagar as despesas diárias do casal, como haviam acordado. Ora,
43ºDado que Autor e Ré pediram dinheiro emprestado ao Banco 1..., foi aproveitada a conta ali existente, titulada por ambos e com dinheiro comum, para pagar as rendas mensais devidas pelos contratos de mútuos celebrados, tanto para a aquisição das fracções autónomas sitas em Vila Nova de Gaia, como a moradia construída em Macedo de Cavaleiros.
44ºNunca tendo relevado o valor maior ou menor com que cada um dos conviventes contribuísse para os encargos da vida, como se disse,
45ºAté porque a Autora, além do seu salário, contribuía ainda com a execução de todas as tarefas domésticas,
46ºPrestava assistência ao lar,
47ºPagava as despesas de electricidade, água, gás, telecomunicações e outras despesas correntes do imóvel,
48ºSuportava despesas com a alimentação, o vestuário e a saúde do agregado familiar, e,
49ºPrestava assistência e todos os cuidados necessários à filha menor, suportando os respectivos encargos, designadamente com a frequência da creche, consultas médicas e medicamentos.
(…) valor dos encargos vencidos, e,
56ºQue esta sempre pagou…” (negrito e sublinhado nosso).
[3] De 07-11-2019 – Revista n.º 162867/15.0T8YIPRT.L1.S1; de 08-02-2018, Revista 8440/14.1T8PRT.P1.S1, ambos desta 2ª secção, in www.dgsipt
[4] Na Revista n.º 3160/16.5T8LRS-A.L1-A.S1 in www.dgsi.pt.
[5] AUJ de 17/10/2023, proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1