Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
244/18.9T8VNG-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA VIIERA
Descritores: INIBIÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Nº do Documento: RP20240321244/18.9T8VNG-G.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de última ratio: só em situações em que os progenitores se comportem de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor podem ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esse filho
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 244/18.9T8VNG-G.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, V.Conde, Juízo Fam. Menores – Juiz 2,

Relatora: Ana Vieira
1º Adjunto Juiz Desembargador Dr. António Carneiro da Silva
2º Adjunto Juiz Desembargador Dr.ª Maria Manuela Barroco Esteves Machado

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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação para inibição ao exercício das responsabilidades parentais contra BB, pedindo que as responsabilidades parentais em relação ao filho de ambos, CC , nascido a ../../2017 , sejam limitadas nos seguintes termos:

a) SER A REQUERIDA DECLARADA COMO INCAPAZ DE EXERCER OS PODERES PARENTAIS QUE LHE FORAM INVESTIDOS;

b) SER DECLARADA A SUA INIBIÇÃO PARA EXERCER AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DO MENOR CC;

c) SER A GUARDA ENTREGUE AO PAI/REQUERENTE, QUE PASSARÁ A CONCENTRAR O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS


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Na petição inicial da presente acção o requerente invoca em resumo o seguinte: «…AA, ..Vem Requerer e fazer seguir CONTRA: BB, Alteração das Responsabilidades Parentais com vista à Inibição das Responsabilidades Parentais o que faz nos termos e fundamentos seguintes:

É do conhecimento dos autos os sucessivos incumprimentos por parte da requerida, em manifesto prejuízo para o menor, cujo bem-estar e interesses o requerente sempre quis proteger.

Porém, e sequência da última ocorrência cujo teor se dá por integralmente reproduzido, no Apenso F dos presentes autos, veio o requerente a apurar que a requerida se deslocou até ao Brasil, levando consigo o menor, sem que  previamente o tenha comunicado ou tenha dado a conhecer tais intensões.

De facto, o requerente apurou que a requerida premeditou a sua “fuga” para o Brasil, mantendo o seu paradeiro em segredo. – vide doc. 1.

Não obstante, o requerente não consegue, sequer, contactar com o seu filho, desconhece as condições em que se encontra a viver, vendo-lhe vedado o direito de manter-se em contacto com o menor por qualquer modo.

Sem prejuízo das razões que tenham levado a progenitora mãe a tomar tal decisão, a verdade é que não cuidou dos interesses de seu filho – que se alicerça no facto de ter a sua guarda, não se coibindo de fazer o que bem entende – ao afastá-lo repentinamente dos laços familiares do pai e dos avós paternos, das rotinas, dos telefonemas que amiúde mantinha com o requerente, da escola onde se encontrava integrado, dos amigos.

Enquanto mãe, impunha-se-lhe o dever de não separar o menor de seu pai, antes abortando todos os laços e afetos em desenvolvimento – dada a sua tenra idade – não zelando pelos superiores interesses da criança.

E são superiores por isso mesmo, por se sobreporem às desavenças, aos interesses pessoais dos progenitores e porque são interesses de tal ordem importantes que se espera que – especialmente por ser mãe – por eles zelasse em detrimento dos seus próprios interesses, sejam eles quais forem.

Os sucessivos incumprimentos que se encontram autuados por apenso demonstram bem o seu desinteresse pelos superiores interesses do menor CC e, pese embora a relativa relevância que os Tribunais (com o devido respeito) têm decidido, encarando-os com meras desavenças pessoais entre os progenitores, contribuíram para a confiança da progenitora em fazer o que bem entendesse, já que tinha a guarda judicialmente decretada a seu favor.

Infelizmente, os receios do requerente confirmaram-se e hoje está coartado de qualquer contacto com o seu filho, desconhecendo o seu paradeiro, das suas necessidades e bem-estar.

10º

A conduta tida pela progenitora é violadora dos mais elementares direitos do pequeno CC, desde logo, porque violou o direito fundamental previsto na nossa Constituição – artigo 36º, nº 6 – separando-o do pai, da família paterna, amigo, entre outros;

11º

por outro lado, o facto de não informar o seu paradeiro, querer mantê-lo em segredo sem que nada o justifique, retirar subitamente o menor do estabelecimento de ensino que frequentava, cortar os laços – de forma tão súbita – com o meio onde aquele se encontrava inserido, não protegeu os superiores interesses do CC como lhe competia, pondo em risco o seu crescimento harmonioso, desprotegendo-o dos cuidados necessários ao seu bem-estar;

12º

São, pois, manifestas, por parte da requerida, as violações dos direitos – enquanto criança – do pequeno CC, designadamente:

a) deslocou-se para o estrangeiro sem o conhecimento e acordo prévio do pai, não lhe dando nunca – alguma vez – conhecimento dessa intenção;

b) afastou abruptamente o progenitor/requerente da responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança;

c) privou o CC do seu direito em manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com o pai e família paterna;

d) violou, simulada e deliberadamente o acordo homologado das responsabilidades parentais, privando o pai e avós paternos das visitas estabelecidas;

d) O interesse superior da criança deixou de constituir a sua preocupação fundamental, deixando que os seus próprios interesses se impusessem.

13º

Sem prejuízo do desespero e enorme preocupação do requerente, move-o a circunstância de não saber do paradeiro de seu filho e de se ver arredado do seu crescimento, das condições em que se encontra e de estar inibido de contribuir para o seu bem-estar onde quer que o CC se encontre.

14º

Do exposto, resulta inequívoco que a requerida não reúne as condições para exercer a responsabilidade parental que lhe cabe, poder este que lhe deve ser inibido exercer.

15º

A responsabilidade parental cuja guarda se veio a decretar a favor da requerida, concretiza-se num poder-dever cujo conteúdo do seu exercício não pode ficar ao seu livre-arbítrio, com efetivo prejuízo para o menor CC.

16º

Antes disso, trata-se de uma responsabilidade, com carácter de compromisso, de zelar pelos interesses superiores da criança – como sejam, saúde, educação, afetos, confiança, estabilidade e equilíbrio emocional, nomeadamente.

17º

Tais interesses não conseguem ser satisfeitos sem a intervenção do requerente, enquanto pai, enquanto educador, enquanto fonte de afetos, e cozelador dos interesses do menor.

18ºO facto de a custódia ter sido entregue à requerida, pressupôs a sua idoneidade para prosseguir a execução de tais interesses.

19º

O facto é que, paulatinamente, a requerida tem mostrado a sua incapacidade em assegurar as condições materiais, sociais, morais e pscicológicas com vista ao desenvolvimento são, estável e harmonioso do menor.

20º

Exemplo disso são os sucessivos incumprimentos autuados e, maxime do seu desnorte e dificuldade em manter a capacidade afetiva e emocional do CC é este abrupto afastamento, sem prévia comunicação a uns e outros.

21º

Recorde-se, a tal título, em 2018 não se coibiu a requerida de alterar a residência habitual do menor CC, apenas com cerca de 1 ano de idade, para Mafra, sem qualquer conhecimento e/ou comunicação ao ora requerente dessa alteração,

22º

Acrescente-se ainda a circunstância de a requerida ter comunicado ao Tribunal a alteração de residência –para ...- sendo que nunca habitou no imóvel, segundo atestou a própria G.N.R. da Póvoa do Varzim.

23º

É inegável reconhecer-se que o pai deveria ter sido – no mínimo – informado desta deslocação da requerida para o Brasil; trata-se de uma decisão que influencia e afeta diretamente os interesses essenciais do menor e denega o dever de participação do progenitor nessa decisão, contribuindo para o afastamento do seu filho, o qual sempre fez questão em manter-se próximo.

24º

A requerente não foi de férias, ou seja, o seu afastamento não é temporário; não diz onde está e nesse segredo se mantém; não tem emprego, nem condições para suprir as suas necessidades básicas e, consequentemente, as do seu filho;

25º

A sua fuga é demonstrativa da sua incapacidade em exercer o seu papel de mãe; se o fosse, não o teria feito ou, pelo menos, não escondia o seu paradeiro, não ocultava o menor, nem lhe cerceava os contactos.

26º

É, pois, patente a sua inabilidade de exercer qualquer poder parental, o que se requer.

27º

Por via disso, deverá a guarda do menor ser-lhe retirada com efeitos imediatos e, consequentemente inibir a requerida de ter consigo o menor.

28º

Consequentemente, deverá ser promovida a localização da criança, nomeadamente através da cooperação internacional da Autoridade Central Portuguesa junto da Autoridade Central Administrativa e Federal do Brasil, no sentido de dar início ao pedido de Cooperação Jurídica Internacional de regresso do menor e ser imediatamente entregue aos cuidados do aqui requerente, o qual já se encontra a tratar da vinda definitiva para Portugal.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVERÁ A PRESENTE QUESTÃO INCIDENTAL SER PROVADA POR PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA:

a) SER A REQUERIDA DECLARADA COMO INCAPAZ DE EXERCER OS PODERES PARENTAIS QUE LHE FORAM INVESTIDOS;

b) SER DECLARADA A SUA INIBIÇÃO PARA EXERCER AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DO MENOR CC;

c) SER A GUARDA ENTREGUE AO PAI/REQUERENTE, QUE PASSARÁ A CONCENTRAR O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS.

MAIS SE REQUER:

A LOCALIZAÇÃO DA CRIANÇA, ATRAVÉS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL - AUTORIDADE CENTRAL PORTUGUESA JUNTO DA AUTORIDADE CENTRAL ADMINISTRATIVA E FEDERAL DO BRASIL - NO SENTIDO DE DAR INÍCIO AO PEDIDO DE COOPERAÇÃO JURÍDICA COM VISTA À ENTREGA IMEDIATA DA CRIANÇA AOS CUIDADOS DO PROGENITOR.

Na petição inicial é indicada a junção de prova documental e testemunhal.


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Nestes autos após a petição inicial foi proferido o seguinte despacho a 24-10-2022 : «.. O progenitor do CC vem, agora, pedir a inibição das responsabilidades parentais atribuídas e exercidas pela progenitora, reclamando a guarda imediata do filho.

Pese embora a manifesta incompatibilidade e contraditoriedade deste pedido com o que fundamenta o Apenso F – onde o progenitor agora requerente pediu que a guarda do mesmo filho seja entregue aos avós paternos -, por ora, cumpra-se o disposto no artigo 54º do RGPTC, citando a requerida.

Quanto às diligências para “dar início ao pedido de cooperação jurídica com vista à entrega imediata da criança aos cuidados do progenitor”:

Por não terem cabimento nesta ação de inibição, nem nos assistir competência para o efeito, nada a determinar…»(sic).


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Após a citação da requerida por carta rogatória e de a mesma não ter apresentado contestação foi proferida nos autos a seguinte decisão recorrida: «.. I - RELATÓRIO

AA intentou a presente ação para inibição ao exercício das responsabilidades parentais contra BB, pedindo que as responsabilidades parentais em relação ao filho de ambos, CC , nascido a ../../2017 , sejam limitadas nos seguintes termos:

a) SER A REQUERIDA DECLARADA COMO INCAPAZ DE EXERCER OS PODERES PARENTAIS QUE LHE FORAM INVESTIDOS;

b) SER DECLARADA A SUA INIBIÇÃO PARA EXERCER AS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DO MENOR CC;

c) SER A GUARDA ENTREGUE AO PAI/REQUERENTE, QUE PASSARÁ A CONCENTRAR O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS

Para o efeito, alega, em suma, que:

A mãe se deslocou com o menor ao Brasil, sem que previamente tenha dado a conhecer a sua intenção, desconhecendo as condições em que se encontra a viver o menor, tendo afastado a criança dos laços familiares do pai e dos avós paternos, das rotinas, dos telefonemas que amiúde mantinha com o progenitor bem como do seu meio escolar.

Regularmente citada, a requerida não contestou.

Entende o tribunal que nos termos do disposto no art.º 55º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível está em condições de decidir, sem mais produção de prova:


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O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. Nada ocorre que determine a nulidade de todo o processo.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e, dado o seu interesse na causa, são legítimas.

Não existem nulidades, exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.


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II - FUNDAMENTAÇÃO.

O objeto do litígio consiste em saber se estão demonstrados os requisitos para a inibição do exercício das responsabilidades parentais, da requerida BB, relativas ao menor CC. nascido a ../../2017.


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A) Factos provados:

Compulsados os presentes autos e os apensos, bem como no documento junto com a petição inicial e o atual processado, tem-se em conta, com interesse para a decisão da causa:

1) CC nasceu em 20.10.2017.

2) Do assento de nascimento do mencionado CC encontram-se inscritos, como mãe a requerente e como pai o requerido, ela no estado de divorciado, ele no estado de solteiro.

3) Por acordo de 08.03.2018, celebrado e homologado nos autos principais, foram reguladas as responsabilidades parentais do CC fixando-se a sua residência habitual no domicilio da progenitora, com exercício conjunto das responsabilidades parentais em questões de particular importância, definindo-se um regime de convívios com o progenitor em fins de semana quinzenais, uma pernoita quinzenal, quinze dias de férias no Verão, em dois períodos interpolados, com especificação de dias festivos.

4) Mais ficou imposta ao progenitor uma prestação alimentícia de € 150,00 mensais, acrescida da comparticipação em metade de despesas médicas, medicamentosas e escolares da criança.

5) Por acordo de 07.11.2019, celebrado e homologado no apenso A, foi alterado o regime convivial do CC com o progenitor, estabelecendo-se que: 1: O menor CC estará com os avós paternos aos fins-de-semana quinzenalmente, indo a avó paterna DD buscar o menor à sexta-feira ao equipamento escolar no final das atividades, e entregando-o na segunda feira de manhã no equipamento escolar. 2. Na semana em que o menor não está com os vós paternos, na quarta-feira, a avó paterna vai buscar o menor ao equipamento escolar no final das atividades, entregando-o na quinta-feira de manhã, novamente no equipamento escolar.

3. Quando o progenitor AA vier a Portugal em férias, cerca de 21 dias, o menor passará todo o período de férias do progenitor com o mesmo, sendo que o progenitor se compromete a permitir que o menor, pelo menos uma vez por semana, faça uma videochamada para a progenitora.

6) Por acordo de 25/08/2021, celebrado e homologado no apenso E, foi alterado o regime convivial do CC, depois de o progenitor ter tido a criança aos seus cuidados, sem acordo e contrariamente ao determinado no tribunal: nos seguintes termos:

- Em período de férias escolares ou quando por qualquer motivo o estabelecimento de ensino frequentado pelo menor estiver encerrado:

- Os avós vão buscar o menino à 6.ª feira a casa mãe pelas 15h00m; e

- a mãe vai buscar o menor à 2.ª feira a casa dos avós pelas 15h00m.

7) A progenitora deslocou-se para o Brasil, levando o CC consigo.

8) Por email datado de 13/10/2022, comunicou ao progenitor o seguinte:

Como este fim de semana os seus pais iriam buscar o CC, gostaria de informar que não vai ser possível, nas nossas férias acabei por decidir ficar a morar aqui no Brasil, sendo o CC Brasileiro nato, ele não teve problema em questões de papéis, sei que você como pai tem direitos de ver e estar com ele e vai ser notificado por meu advogado em relação ao processo já então dado entrada aqui no Brasil para regularização de guarda. Ele está extremamente feliz, nunca vi meu filho tão feliz em toda a vida, está na escola em adaptação para o próximo ano letivo, come muito bem, onde estamos tem muitas frutas ele come todas, ama brincar com todas as crianças aqui, ele chorando me pediu para não voltar, queria ficar aqui com o mano é que eu, ele e a mana pudesse estar aqui.

Diante de tudo que você nos fez passar, pensei muito e analisei ele não perguntar nem pelos avós, quando falei ele disse que poderia ir nas férias ver mas que queria ficar, disse então e o pai? Ele disse meu pai não mora em Portugal, qualquer coisa ligo do teu telemóvel. Você deve ter pensado muitas das vezes que fazia mal só a mim provando meu filho do meu convívio quase 10 meses, falando mal de mim em jantares e almoços em família, esqueceu foi que o CC já tem quase 5 anos, ele ouve, sente e tem inteligência suficiente para saber o certo e errado. Até o tribunal, pode deixar meus amigos em paz, ninguém sabe onde estamos, nem mesmo parentes. Bom Cumprimentos, BB

9) A mãe foi citada na Rua ..., ..., ..., ... – PE, Brasil.

a)  Não se provaram quaisquer outros factos, com relevância para a decisão a proferir.


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- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Os pais encontram-se investidos na titularidade das responsabilidades parentais por mero efeito do estabelecimento da filiação, configurando-se essas responsabilidades parentais como um conjunto de poderes-deveres atribuídos legalmente aos pais no interesse dos filhos (art. 1878º, n.º 1, do C. Civil), sendo que os filhos estão sujeitos às responsabilidades parentais até à maioridade ou emancipação (art. 1877º, do C. Civil).

De acordo com o citado art. 1878º, n.º 1, do C. Civil, “compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens”.

Assim, deve-se entender que apesar da alteração formal introduzida na lei da denominação de “poder paternal” para “responsabilidades parentais”, o conteúdo essencial dessas responsabilidades parentais coincide com aquele que já vinha sendo afirmado anteriormente, quer em termos doutrinais, quer em termos jurisprudenciais.

De facto, as “responsabilidades parentais” devem ser encaradas não como “um conjunto de faculdades de conteúdo egoístico e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas de um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com o direito, consubstanciadas no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral…” (Armando Leandro, Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões da prática judiciária. Separata. Do Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto, pág. 119).

Ou, como referem Helena Bolieiro e Paulo Guerra (A Criança e a Família – uma Questão de Direito(s)”, Coimbra Editora, 2009, pág. 156), “o poder paternal não é um direito subjectivo sobre os filhos menores, uma vez que a sujeição destes às responsabilidades parentais se faz nos limites e na conformidade com o quadro de direitos e deveres estabelecidos no Código Civil, não no interesse dos pais mas sim em benefício da criança.”

Trata-se, pois, de um poder-dever de conteúdo funcional que deve ser exercido no interesse exclusivo dos filhos e visando sempre assegurar a guarda, vigilância, auxilio, assistência (arts. 1874, n.º 2, 1878, n.º1, 1879º e 1880º do C. Civil), educação (arts. 1885º e 1886º do C. Civil) e a administração de bens do menor (arts. 1888º e segs. do C. Civil).

Neste particular, cabe ainda dizer que, na medida em que se trata de um valor primordial, sobrepondo-se a quaisquer outros valores de diferente natureza, o “interesse do menor” (a que apelam, designadamente, os arts. 40º, do RGPTC; 1878º, n.º 1, 1906º, n.º 7, 1978º, n.º 2, do C. Civil; 36º e 69º da CRP; 3º e 9º da Convenção sobre os Direitos da Criança) é o critério que deve presidir a qualquer decisão, sem olhar ao que os pais ou terceiros possam sofrer com isso (Cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 14.04.1988, CJ, 1988, Tomo II, pág. 68).

Todavia, este interesse, porque consubstancia um conceito jurídico indeterminado, reclama a extensão dos poderes interpretativos do julgador e a atenção às particularidades do caso decidendo. Efetivamente, o interesse do menor é uma realidade, um valor cujo conteúdo não é imutável, que se altera e evolui à medida que as conceções prevalecentes na sociedade também mudam (Cfr. Ac. da Rel. de Coimbra de 02.11.1994, CJ, 1994, Tomo V, pág. 34).

Com efeito, a concretização do que seja o “interesse do menor” deve buscar-se, em cada momento histórico, nos valores familiares, educativos e sociais dominantes que integram a complexidade do contexto vivencial das pessoas envolvidas.

O exercício das responsabilidades parentais não é, pois, uma realidade intangível, estando o seu exercício, pelo titular respetivo, sujeito, em dadas condições, a controlo jurisdicional.

É disso claro exemplo a previsão do art. 1915º do C. Civil.

Neste se dispõe, no seu n.º 1, que “a requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres”.

A inibição das responsabilidades parentais apenas deve ter lugar nos casos mais graves de infração dos deveres parentais (nosso sublinhado), uma vez que a carga negativa e o efeito estigmatizante que lhes estão associados envolvem, necessariamente, para a criança, o perigo de danos afetivos e morais particularmente graves (Neste sentido, cfr. Armando Leandro, Temas de Direito da Família, p. 127).

Trata-se de medida que só pode ser decretada quando se verifica uma situação de violação culposa, ainda que não necessariamente dolosa, de algum dos deveres inerentes à responsabilidade parental e que dela resulte um grave prejuízo para o filho, que não carece de ser excecional (cfr., a propósito, no mesmo sentido os acórdãos do TRC de 29-04-2014 e de 17-05-2016, respeitantes aos processos n.º 241/10.2TMCBR.C1 e 3001/09.0TBFIG-B.C1, respetivamente, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).

Por seu turno, o art. 1918º, do C. Civil, dispõe que quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontrem em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no n.º 1 do artigo 1915º, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-lo a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência.

Da conjugação dos arts. 1915º e 1918º do C. Civil resulta que a inibição do exercício das responsabilidades parentais é uma medida de última “ratio”, sendo que, a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho, haverá sempre que apurar se o regime consagrado no segundo preceito mencionado (medida de limitação das responsabilidades parentais) não constitui resposta adequada a obviar tal perigo, de modo a preservar no progenitor o exercício dessas responsabilidades.

No mesmo sentido, vejam-se, além dos dois acórdãos acima mencionados, Castro Mendes, TGDC, Ed. AAFDL, 1978, p. 132; Antunes Varela, CC Anotado, vol. V., 2ª ed., p. 426, nota 2; L. Carvalho Fernandes, TGDC, vol. I, 2ª ed., p. 243-244; Pais do Amaral, Direito da Família, 2ª ed., 2015, p. 242- 243.

No caso em apreço, temos como assente que o menor CC é filho do Requerente e da Requerida.

Está invocado como fundamento do pedido de inibição das responsabilidades parentais da Requeria a deslocação da progenitora guardiã para Brasil com o filho, sem ter dado conhecimento prévio ao progenitor.

De facto, a progenitora comunicou ao progenitor o facto já consumado, ou seja que aproveitando umas férias no Brasil, decidiu ficar ali.

É evidente a conflitualidade entre os progenitores e que resultou em inúmeros apensos de alteração e incumprimento das responsabilidades parentais.

Desde sempre a criança esteve à guarda e cuidados da progenitora.

Não se descura que a deslocação da Requerida para o Brasil, aliada à conflitualidade dos progenitores, é suscetível de provocar um afastamento da criança do seu meio e é suscetível de resultar num prejuízo para o menor, em termos de convívios com o progenitor e com os avós paternos.

Contudo, se bem que se verifique que a mãe incumpriu com um dever inerente ao exercício das responsabilidades parentais, não consultando e obtendo o consentimento do mesmo para se deslocar para Brasil ou providenciando pelo suprimento do consentimento, nada mais vem alegado em termos factuais acerca da incapacidade de continuar a assumir o cuidado parental ou, que por via disso, a mãe tenha colocado o seu filho em perigo. E para além do evidente afastamento afetivo com o pai, que até nem era diário, nada é sequer alegado que sustente uma factualidade de perigo para a criança.

Com o comportamento da progenitora ficou o progenitor privado dos contactos quinzenais com o filho. Considerando até a citação efetuada à Requerida é conhecido o seu paradeiro.

Por decisão do tribunal foi sempre atribuída à guarda da criança à mãe.

Se bem que a deslocação para o Brasil não tenha sido consentida pelo progenitor, face ausência de alegação de mais circunstâncias de perigo para a criança, há que atender, que não é possível presumir que a mudança de residência de um país para outro provoque, por si só, um dano significativo na estabilidade das condições de vida da criança, além dos simples e normais transtornos que qualquer mudança de residência de um local para outro acarretam. Nem aceitar que a rutura na estabilidade social da vida do menor constitua fundamento para a intervenção do Estado na família, uma vez que os pais casados gozam em absoluto da liberdade de mudarem de terra ou de país, sem que o Estado pretenda controlar os efeitos dessa decisão na personalidade do filho. Mas o fator mais importante a ter em conta é o da relação do menor com o progenitor guardião, por este ser a sua figura primária de referência e esta relação ser inevitavelmente afetada com a alteração da guarda a favor do outro progenitor. Sendo que, para o desenvolvimento da criança é menos traumatizante a redução do contacto com o progenitor sem a guarda do que uma rutura na relação com o progenitor com quem tem vivido, que será aquele com quem construiu uma relação afetiva mais forte.

Mas, independentemente destas considerações, no caso dos autos, não resultou sequer alegada factualidade que sustente a inibição das responsabilidades parentais peticionada, pois não está sequer verificado o grave prejuízo para a criança. Com isto, não se está a legitimar a conduta da progenitora, na medida em que não deu a conhecer ao progenitor a sua intenção de afastamento de território nacional, mas também não é por via do pedido de inibição ao exercício das responsabilidades parentais que o progenitor logrará os convívios com o seu filho. Terá de ser lançada mão de outra providência, pelo progenitor.

Não estando, assim, verificados os pressupostos para a declaração de inibição do exercício das responsabilidades parentais, tanto basta para se concluir, ressalvando o devido respeito por opinião diversa, pela improcedência do peticionado.


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III - DECISÃO.

Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente ação improcedente e, consequentemente, decide-se não inibir o exercício das responsabilidades parentais relativas ao menor CC, nascido a ../../2017, no que à requerida, BB, respeita.

Custas a cargo do requerente.

Valor da causa: € 30.000,01 (art. 303º, n.º 1, do C. P. Civil). Registe e notifique…»(sic)


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Inconformado com tal decisão, veio o requerente interpor o presente recurso o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

O requerente com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: «… CONCLUSÕES

I – O recorrente interpôs pedido de inibição das responsabilidades parentais da progenitora atualmente guardiã, carreando prova, nomeadamente audição de seis testemunhas com vista ao apuramento da verdade material.

II - Contudo, e sem qualquer fundamentação, o Tribunal “a quo” decidiu pela improcedência do pedido sem que tenha avaliado a prova testemunhal arrolada.

III – Verificando-se, assim, uma nulidade por violação do princípio do inquisitório, previsto nos artigos 21º, nº 1 e 54º do R.G.P.T.C. e, bem assim, do artigo 411º do C.P.C..

IV – Tal nulidade consuma-se ainda na violação do direito de defesa prevista no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

V – Pelo que deverá a Sentença ser substituída, depois de ouvidas as testemunhas arroladas e respeitando os princípios do processo civil vigente em matéria de produção de prova e inquirição de testemunhas, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

VI - A progenitora, em Outubro de 2022, titular da guarda da criança, deslocou-se para o Brasil, levando consigo o menor, sem que, previamente, tenha comunicado ao aqui recorrente, mantendo o seu paradeiro em segredo;

VII - O Recorrente não teve conhecimento prévio da deslocação do menor da sua residência habitual, fixada judicialmente em Portugal, à Rua ..., ..., freguesia ..., concelho da Póvoa de Varzim, nem prestou o necessário consentimento.

VIII - A subtração da criança sem o consentimento do progenitor, ora recorrente, assume grave prejuízo para os superiores interesses do menor, já que ao ora recorrente estão negados os contactos com o menor, há mais de um ano, desconhecendo onde se encontra a residir, bem assim quais as condições físicas, psíquicas, e saúde de seu filho e, além disso, assumindo a alteração da residência do menor questão de particular interesse na vida do menor, deveria o recorrente ter intervindo, sendo necessário o seu consentimento para legitimar tal alteração.

IX - Mostra-se, assim, violado o direito fundamental, plasmado no artigo 36º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”

X - O Tribunal “a quo” ao Sentenciar como improcedente o pedido de inibição das responsabilidades parentais da progenitora, demitiu-se, assim, do seu dever de promover e acautelar o superior interesse da criança, que sempre residiu em Portugal, cometendo erro grosseiro na aplicação do Direito ao caso concreto.

XI - Ignorar a aplicabilidade da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças ao nível das normas e procedimentos nela contidos, como fez o Tribunal “a quo”, é negar Direitos Fundamentais a uma criança, designadamente, ao nível da Carta dos Direitos das Crianças, ao nível do artigo 24º, segundo o qual as crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, e têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, exceto se isso for contrário aos seus interesses.

XII – A deslocação da progenitora com a criança para outro País sem o consentimento prévio do outro progenitor, além de ilícita, determina que aquela não acautelou o superior interesse do menor, comportou-se de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor.

XIII – O progenitor encontra-se sem contacto de seu filho há cerca de um ano consubstanciando manifesta alienação parental.

XIV – O afastamento abrupto do menor do seu progenitor causa, inquestionavelmente, sequelas emocionais gravíssimas e viola de forma culposa e consciente os direitos da criança e os princípios da dignidade da pessoa humana, negando o superior interesse da criança.

XV – A conduta tida pela progenitora é violadora do direito constitucionalmente previsto no artigo 36º, nº 6, segundo o qual “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”

XVI – O Tribunal “a quo” foi imprudente ao relativizar o facto da criança estar longe do seu pai, cerceado de qualquer contacto, demitindo-se, assim, de investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes.

XVII – O Tribunal “a quo” demonstrou incúria na averiguação dos factos carreados no pedido de inibição das responsabilidades parentais ao escudar-se nos outros apensos dos autos, justificando, para tal, a incompatibilidade dos progenitores.

XVIII – O Tribunal “a quo” não atendeu à culpa da progenitora quando sai de território nacional, abandona a morada onde o menor reside e consta da regulação das responsabilidades parentais, sem que disso informasse o progenitor e à revelia deste e sem o seu consentimento, prosseguiu os fins de afastamento do menor do pai.

XIX – Escuda-se, porém, o Tribunal “a quo” no facto de a progenitora ser a guardiã, acobertando e permitindo a mesma de, por tal facto, fazer e agir com o menor como se um direito de propriedade se tratasse.

XX - A inibição das responsabilidades parentais da progenitora é a única decisão que acautela o superior interesse do menor e priva a guardiã de provocar sequelas emocionais gravíssimas ou até irreversíveis na criança, tendo em conta a violação culposa e conscientemente por parte da progenitora dos direitos da criança e os princípios da dignidade da pessoa humana.

NESTES TERMOS, DEVERÁ A SENTENÇA SER CONSIDERADA NULA, DEVENDO SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE ACAUTELE O DIREITO DE DEFESA POSTERGADO AO RECORRENTE, OUVINDO AS TESTEMUNHAS INDICADAS;

CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, DEVERÁ A SENTENÇA SER REVOGADA E DECIDIR-SE PELA PROCEDÊNCIA DA INIBIÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DA PROGENITORA NOS TERMOS REQUERIDOS,

SE FARÁ INTEIRA E SÃ JUSTIÇA…»(sic).


*

O Ministério Público juntou resposta ás alegações pugnando em resumo pela improcedência do recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: «.. Conclusões:

1. O art.º 55.º n.º 1, do RGPTC, estabelece expressamente que as diligências instrutórias que devam ter lugar antes da audiência de discussão e julgamento, só serão realizadas se o processo houver de prosseguir.

2. Significa isto que, nesse momento processual, após a citação do requerido, o tribunal pode fazer uma apreciação liminar do pedido, determinando o prosseguimento do mesmo ou decidindo o seu indeferimento.

3. Este regime é em tudo idêntico ao que regula o pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais cuja tramitação está prevista no art.º 42.º, do RGPTC

4. Também nesse caso, pode o tribunal apreciar liminarmente o pedido e, se o considerar infundado, pode mandar arquivar o processo.

5. Ao poder de indeferir liminarmente o pedido, não obsta o princípio do inquisitório que caracteriza os processos de jurisdição voluntária.

6. Do princípio do inquisitório, próprio da jurisdição voluntária, não decorre que o tribunal deve levar a cabo diligências de prova que visem suprir insuficiências da matéria de facto alegada na petição.

7. Idêntica conclusão se pode retirar, aliás, da própria redacção do art.º 55.º, n.º 1, (e do art.º 42.º, n.º 4), pois que a norma expressamente refere que só se o processo houver de prosseguir é que se efetuam as «diligências que devam ter lugar antes da audiência de discussão e julgamento e que o juiz considere necessárias, nos termos do artigo 21.º»

8. O tribunal apreciou correctamente os factos alegados e fundamentou devidamente a sua decisão de arquivar o processo.

9. A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de última ratio, a aplicar quando não existe outro meio de repor a violação dos deveres para com o filho.

10. O progenitor pretende a inibição das responsabilidades parentais com fundamento na mudança de residência da progenitora para o Brasil sem a sua autorização, e no consequente afastamento da criança do convívio com o próprio e com os familiares paternos.

11. Na nossa opinião, tal facto não constitui fundamento para decretar a inibição.

12. Constitui fundamento para, em abstrato, pedir o regresso da criança ao seu domicílio habitual acionando os mecanismos previstos na Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças., ou, mais concretamente (porque consideramos que não há factos que justifiquem uma alteração da guarda), constitui fundamento para pedir que seja garantido o exercício do direito de visitas do pai.

13. A mudança de residência, não é necessariamente contrária aos interesses da criança quando globalmente considerados.

14. Por isso, parece-nos que a mudança de residência, não constitui uma violação dos deveres para com os filhos da qual resultam graves prejuízos para estes.

Pelo exposto, negando provimento ao recurso, farão V. Exas. a costumada Justiça!»


*

 Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.


***


         II - DO MÉRITO DO RECURSO

1. Definição do objecto do recurso

      O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].

         Neste caso as questões a decidir são:
A) Nulidade da Sentença
B) Alteração da decisão de mérito (se o tribunal a quo errou ao não inibir o  exercício das responsabilidades parentais por parte da Recorrida).

***


         III - FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de apreciação do objecto do presente recurso é a que dimana do antecedente relatório, e do fixado na decisão recorrida, e bem como da seguinte factualidade que resulta da consulta destes autos e apensos:

1- Estes autos estão apensos ao processo instaurado por AA, de REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS, relativamente ao menor CC, contra BB, sendo que nesses autos foi feito um acordo entre as partes no sentido e em resumo de se fixar a residência da criança, CC no domicílio da progenitora, junto de quem a mesma se encontra e a quem competirá a decisão relativa aos atos da vida corrente do filho, sendo as  responsabilidades parentais relativas a questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas por ambos os progenitores e foram fixadas visitas.

2- Por apenso por apenso à acção principal de regulação exercício das responsabilidades parentais (apenso A) foi instaurada acção de alteração regulação das responsabilidades parentais por  AA, contra a requerida tendo peticionado que deve ser decretado que o menor CC passe a ter residência, no domicílio do pai, ora requerente, a quem deve ser confiada a guarda e cuidados do seu filho e fixado regime de contactos com a mãe, requerida BB e família desta.

Nesses autos foi homologado por sentença o acordo realizados pelas pares nos seguintes termos: «…1.1. O menor CC estará com os avós paternas aos fins-de-semana quinzenalmente, indo a avó paterna DD buscar o menor à Sexta-feira ao equipamento escolar no final das actividades, e entregando-o na Segunda-feira de manhã no equipamento escolar.-

1.2. Na semana em que o menor não está com os avós paternos, na Quarta-feira a avó paterna vai buscar o menor ao equipamento escolar no final das actividades, entregando-o Quinta-feira de manhã novamente no equipamento escolar.-

1.3. Quando o progenitor pai AA vier a Portugal em férias, cerca de 21 dias, o menor passará todo o período de férias do progenitor com o mesmo, sendo que o progenitor se compromete a permitir que o menor, pelo menos uma vez por semana, faça uma videochamada para a progenitora.-

1.4. No restante mantém-se o já anteriormente acordado…».

3- BB, veio por apenso (apenso B) suscitar Incidente de Incumprimento das Responsabilidades Parentais, com requerimento de entrega judicial do menor, contra AA, tendo sido homologado acordo entre as partes nos seguintes termos: «.. A) - O progenitor compromete-se a entregar a criança CC, durante esta manhã, em casa da progenitora.

B) - O progenitor poderá entrar em casa da progenitora para ver as respectivas condições de habitabilidade.

C) – A requerida compromete-se a fazer chegar aos autos mail a informar se a criança foi entregue.».

4- A requerida nestes autos instaurou por apenso (apenso C) ,nos termos do art. 41.º, nº 1 e art.º 3º alínea e) do Regime Geral de Processo Tutelar Cível, suscitar ENTREGA JUDICIAL DO MENOR, Incidente de Incumprimento das Responsabilidades Parentais, contra AA, português, residente legal em Angola, mas que em Portugal identifica a morada dos requeridos: Rua , ... ..., Vila Nova de Gaia, onde foi peticionado:a) Serem encetadas diligências que entenda necessárias para o cumprimento coercivo do estipulado na regulação das responsabilidades parentais, ou b) Ser designada audiência, com dispensa de citação prévia, e ser o requerido condenado à proceder à imediata entrega judicial do CC à mãe. Tendo sido preferida sentença com a seguinte decisão: «… Decisão: Pelo exposto, julgo totalmente procedente o incumprimento suscitado e, em

conformidade: - declaro incumprida a decisão de regulação do exercício das responsabilidades parentais de CC por AA, no que concerne ao regime de residência habitual da criança, após 04/2020; - nos termos do artigo 41º do RGPTC, condeno o requerido AA em multa que fixo em quinze unidades de conta; - absolvo a requerente do pedido de condenação como litigante de má fé…».

5- AA, veio por apenso (apenso D)  nos termos do disposto no artigo 42º do RGPTC, requerer ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS Quanto ao menor CC, nascido a ../../2017, contra a requerida tendo peticionado o seguinte: DEVE A REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADE PARENTAL RELATIVAMENTE AO MENOR CC SER CONFIADO EXCLUSIVAMENTE AO AQUI REQUERENTE, POR O EXERCÍCIO POR PARTE DA REQUERIDA SER IMPOSSÍVEL E SE MOSTRAR DESCONFORME AOS INTERESSES DO MENOR, DEVENDO A CONTRIBUIÇÃO DA REQUERIDA PARA ALIMENTOS AO MENOR SER FIXADA EM € 150,00/MÊS, ACRESCIDO DO ABONO QUE SE REQUER A SUA TRANSFERÊNCIA PARA O AQUI REQUERENTE, SENDO A PENSÃO DE ALIMENTOS SUJEITA A ATUALIZAÇÃO ANUAL, NA TAXA DE INFLAÇÃO FIXADA PELO INE. MAIS SE REQUER A OBRIGATORIEDADE DE COMUNICAÇÃO ENTRE OS PROGENITORES AQUANDO DA MUDANÇA DE RESIDÊNCIA, VIA CORREIO ELETRÓNICO, BEM COMO QUALQUER OUTRA QUE IMPORTE MUDANÇA RADICAL NA VIDA DO MENOR. REQUER-SE, DESTA FORMA, A ALTERAÇÃO DAS CLÁUSULAS DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS DEVIDAMENTE HOMOLOGADAS, NOS SEGUINTES TERMOS:

CLÁUSULA 1ª- 1.1 – FIXA-SE A RESIDÊNCIA DA CRIANÇA NO DOMICÍLIO DO PROGENITOR;

CLÁUSULA 2ª- ONDE SE LÊ “PAI”, PASSARÁ A CONSTAR “MÃE”;

CLÁUSULA 4ª- 4.1 – ONDE SE LÊ “PROGENITOR”, PASSARÁ A CONSTAR “PROGENITORA”;

EM TUDO O MAIS SE MANTENDO O REGIME ATUALMENTE EM VIGOR…».

Na acta desse processo consta que o requerente desistiu da instância, tendo sido homologado por sentença constando o seguinte: «.. ATA DE CONFERÊNCIA DE PAIS..Aberta a diligência pelas 11:16 horas pela Mm.ª Juíza, foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário Dr. EE, o qual no seu uso disse que: A situação profissional do Requerente sofreu uma alteração substancial no final de 2020, altura em que viu cessado o seu contrato de trabalho e celebrou um outro, por força do qual se encontra, ainda atualmente, a exercer funções em Angola. Perante este novo contexto, desiste da instância.

6- No apenso E, BB, veio suscitar a Entrega Judicial do Menor, contra AA, progenitor, residente em Angola, e DD, avó, residente em Vila Nova de Gaia, nos termos do art.º 3.º alínea e) do RGPTC com dispensa da notificação a que alude o n.º3 do Art.º 41.º RGPTC. Por despacho proferido nesses autos consta em resumo:«…Em suma, o processo de entrega judicial de criança não é adequado para entrega do menor ao progenitor a quem foi confiado no âmbito de regulação das responsabilidades parentais (no caso dos autos, a mãe). O que existe antes é, alegadamente, violação do regime de visitas fixado pelos avós paternos, sendo o procedimento adequado o previsto no art.º 41º do RGPTC.

Face ao exposto, sendo o incidente de incumprimento o adequado à pretensão da Requerente, tendo o mesmo também sido suscitado nestes autos, ao abrigo dos princípios consagrados do dever de gestão processual (art.º 6.º do CPC) e adequação formal (art.º 547.º do CPC), convola-se o procedimento de entrega judicial e incidente de incumprimento instaurados neste processo em incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, previsto no art.º 41.º do RGPTC..».. Nesses autos foi homologado um acordo entre as partes nos seguintes termos: «… ACORDO 1. O menor será entregue à mãe pelos avós no dia de hoje

2. Aditar ao regime vigente a seguinte cláusula: Em período de férias escolares ou quando por qualquer motivo o estabelecimento de ensino frequentado pelo menor estiver encerrado:

- os avós vão buscar o menino à 6.ª feira a casa mãe pelas 15h00m; e - a mãe vai buscar o menor à 2.ª feira a casa dos avós pelas 15h00m. Excecionalmente e porque a mãe se encontra em fase final da gravidez, nos próximos três meses, nos fins-de-semana ou dias que caibam aos avós e o estabelecimento de ensino estiver encerrado, os avós vão buscar e levar a criança…».

7- No apenso F AA, portador do C. C. nº ...91 2ZX7, válido até 06/05/2029, NIF ...87, residente na ... - ...  ... – Vila Nova de Gaia, ausente no estrangeiro por motivos profissionais, Vem, nos termos do disposto no artigo 42º do RGPTC, requerer ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS, tendo peticionado em resumo o seguinte: «…NESTES TERMOS…, DEVE A REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DA RESPONSABILIDADE PARENTAL RELATIVAMENTE AO MENOR CC SER ALTERADA, E COMO TAL SER CONFIADO QUANTO À SUA GUARDA E RESIDÊNCIA AOS AVÓS PATERNOS EE E DD, RESIDENTES NA RUA ... – ... ... – VILA NOVA DE GAIA, POR O EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS POR PARTE DA REQUERIDA SE MOSTRAR INADEQUADO E DESCONFORME AOS INTERESSES DO MENOR, PONDO EM PERIGO A SEGURANÇA, SAÚDE, A FORMAÇÃO MORAL E PSICOLÓGICA BEM COMO A EDUCAÇÃO DO MENOR, E COMO TAL: 1-COM CARÁCTER DE URGÊNCIA, SER DETERMINADO POR ESTE DOUTO TRIBUNAL A FREQUÊNCIA DO MENOR CC NA ESCOLA “...”, EM VILA NOVA DE GAIA, ONDE O MESMO SE ENCONTRA INSCRITO JÁ NO PRESENTE ANO LETIVO, INCUMBINDO OS AVÓS PATERNOS DE O IR DEIXAR E BUSCAR NA ESCOLA;…».

Nessa acção foi proferido despacho que referiu em resumo que :«… o requerente, já depois de instaurada esta ação (em que pede que a guarda do filho CC seja entregue aos avós paternos), instaurou, além do mais, a ação de inibição das responsabilidades parentais (apenso G) onde pede que a guarda da mesma criança lhe seja, agora, a atribuída a si. Ora, estes dois pedidos são, entre si, contraditórios, sendo que um inviabiliza o outro. Em conformidade, e porque ambos os pedidos são formulados pelo progenitor, antes do mais, deverá ele esclarecer qual o pedido que pretende fazer seguir, para apreciação e decisão, com consequente desistência da instância ou pedido do outro…».

O requerente veio desistir da instância tendo a mesma sido homologada.

8- Por apenso (Apenso H) Processo  Apenso H AA, veio requerer contra BB, ENTREGA JUDICIAL DE CRIANÇA, DO MENOR CC, tendo peticionado em resumo o seguinte: «… , DEVERÁ A PRESENTE QUESTÃO INCIDENTAL SER PROVADA POR PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA SER ORDENADA PERANTE AS AUTORIDADES COMPETENTES A ENTREGA IMEDIATA DO MENOR CC AO PAI AA; REQUER-SE AINDA, SEJA DECLARADA COM EFEITOS IMEDIATOS A INIBIÇÃO PROVISORIAMENTE PARA EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS POR PARTE DA PROGENITORA BB.

1) - REQUER-SE A NOTIFICAÇÃO URGENTE DA AUTORIDADE CENTRAL PORTUGUESA, ATRAVÉS DO GABINETE JURÍDICO E DE CONTENCIOSO (GJC@DGRSP.MJ.PT), SITO À TRAVESSA ... – ... LISBOA, PARA QUE EM CUMPRIMENTO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL PROCEDA, JUNTO DA AUTORIDADE CENTRAL ADMINISTRATIVA E FEDERAL DO BRASIL, À LOCALIZAÇÃO DA CRIANÇA NO BRASIL, NO SENTIDO DE DAR INÍCIO AO PEDIDO DE ENTREGA IMEDIATA DA CRIANÇA AOS CUIDADOS DO PROGENITOR AA;

2) - REQUER-SE A NOTIFICAÇÃO DA C.P.C.J. DA PÓVOA DO VARZIM PARA JUNÇÃO AOS AUTOS DE TODO O PROCESSO DE ACOMPANHAMENTO AO MENOR CC;

3) - REQUER-SE A NOTIFICAÇÃO DO SEF NO SENTIDO DE APURAR AS VIAGENS EFETUADAS PELO MENOR CC, NOMEADAMENTE VOOS MARCADOS EM SEU NOME….».

Nessa acção foi proferida a seguinte decisão:«.. Por requerimento de 05.11.2022, vem AA peticionar a entrega judicial do filho CC, nascido em 20.10.2017.

Fá-lo depois de, por requerimento de 17.10.2022, ter instaurado o processo de inibição das responsabilidades parentais da progenitora guardiã da criança, BB.

Em ambas as ações invocou como fundamento a tomada de conhecimento de que “a requerida se deslocou até ao Brasil, levando consigo o menor, sem que, previamente o tenha comunicado ou tenha dado a conhecer tais intensões.”

Alegando que a criança se encontrará na morada da avó materna, em “Rua ..., ... Bairro: ..., ...: ...30”, pede que seja “promovida a localização da criança, nomeadamente através da cooperação internacional da Autoridade Central Portuguesa junto da Autoridade Central Administrativa e Federal do Brasil, no sentido de dar início ao pedido de Cooperação Jurídica Internacional de regresso do menor e ser imediatamente entregue aos cuidados do aqui requerente, o qual já se encontra a tratar da vinda definitiva para Portugal.” Mais pede que, ao abrigo do artigo 11º da Convenção de Haia, “sejam adotados procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança a Portugal aos cuidados do seu Pai e avós paternos.”

O Ministério Público emitiu o douto parecer que antecede, pugnando pelo indeferimento da providência, por falta de fundamento.

Ora, o regime legal para a Entrega Judicial de Criança, regulado nos artigos 49º e ss. do RGPTC, prevê nos seus n.ºs 1 e 2, que Se a criança abandonar a casa dos pais ou aquela que estes lhe destinaram ou dela for retirada, ou se encontrar subtraída à responsabilidade da pessoa ou da instituição a quem esteja legalmente confiada, deve a sua entrega ser requerida ao tribunal com jurisdição na área em que ela se encontre. que (…) emite mandados de comparência para audição imediata da criança na sua presença, podendo ainda ouvir a pessoa que a tiver acolhido, ou em poder de quem ela se encontre.

Compulsados os numerosos apensos, verifica-se que, por decisão proferida em 08/03/2018, foram reguladas as responsabilidades parentais do CC cuja residência foi fixada junto da mãe, com um regime de convívios com o pai.

Por decisão proferida de 07/11/2019, tal regulação foi alterada no apenso A onde, mantendo-se a criança à guarda da sua mãe, se estabeleceu que: «Cláusula 1ª – Direito de Convívio regular/organização dos tempos da criança: 1.1. O menor CC estará com os avós paternos aos fins-de-semana quinzenalmente, indo a avó paterna DD buscar o menor à Sexta-feira ao equipamento escolar no final das atividades, e entregando-o na Segunda-feira de manhã no equipamento escolar.

1.2. Na semana em que o menor não está com os avós paternos, na Quarta-feira a avó paterna vai buscar o menor ao equipamento escolar no final das atividades, entregando-o Quinta-feira de manhã novamente no equipamento escolar.

1.3. Quando o progenitor pai AA vier a Portugal em férias, cerca de 21 dias, o menor passará todo o período de férias do progenitor com o mesmo, sendo que o progenitor se compromete a permitir que o menor, pelo menos uma vez por semana, faça uma videochamada para a progenitora.-»

Decorre do exposto que a residência da criança está fixada junto da mãe, a quem está confiada a sua guarda, pelo que é à progenitora que está atribuído o exercício exclusivo das responsabilidades parentais em questões do dia-a-dia, com exceção das questões de particular importância que competem a ambos os progenitores.

Ou seja, o requerente não tem a guarda do filho.

Aliás, o requerente, emigrado em Angola, por requerimento de 03.09.2021, instaurou ação de alteração das responsabilidades parentais do filho, a correr termos como apenso F, onde pede que a criança seja entregue aos cuidados dos avós paternos, pedido que ainda se mostra pendente!

Temos assim que o requerente, que pede que o filho seja confiado aos avós paternos, pede agora que o filho – cuja guarda lhe não está atribuída – lhe seja de imediato entregue, apesar de, de acordo com o próprio, não estar em condições de, de imediato, o receber, já que estará “a tratar da vinda definitiva para Portugal”.

Ou seja, por via da presente providência, pretende o requerente executar uma guarda que não lhe está atribuída (e que, de acordo com o pedido que formulou e ainda mantém pendente no apenso F não pretende) e obter uma inibição da progenitora que ainda não foi apreciada.

Sucede que a pretendida entrega judicial da criança pressupõe que tal entrega seja devida e exigível, o que não ocorre no caso, como resulta dos regimes da guarda e visitas do/ao requerente em vigor.

A imputada conduta da progenitora, a comprovar-se, poderá consubstanciar um incumprimento do exercício conjunto das responsabilidades parentais, na medida em que traduzirá a decisão unilateral em questão a decidir em conjunto, porque de particular importância. Tal incumprimento poderá, até, fundamentar uma alteração da regulação em vigor ou, até mesmo, a inibição do exercício das responsabilidades parentais pelo incumpridor, se verificados os respetivos pressupostos.

Sucede que o âmbito e sede para a apreciação de tais questões é o das competentes ações, ambas pendentes (e, repete-se, contraditórias entre si), não o da presente providência já que o CC não foi retirado ou subtraído à responsabilidade da pessoa a quem ele está legalmente confiado, que no caso e como vimos, é a progenitora, com que se encontra, de acordo com a alegação do requerente.

Por fim, sempre se diga que o pretendido acionamento da Convenção de Haia de 1980 tendo em vista a localização da criança não carece da intervenção deste tribunal já que, nos termos dos seus artigos 8º e 21º pode, e deve, ser efetuado diretamente pelo requerente junto da competente Autoridade Central.

Em face do exposto, como o Ministério Público, conclui-se que a presente providência carece de fundamento razão por que vai liminarmente indeferida. Custas a cargo do requerente…»

9- O requerente veio recorrer quanto á predita decisão desse apenso e foi proferido o seguinte acórdão cujo teor aqui se dá por reproduzid0:«… Acordam no Tribunal da Relação do Porto

AA veio requerer contra BB a entrega judicial do menor CC, alegando que a requerida cometeu violações dos direitos do filho, designadamente:

a) Deslocou-se ao estrangeiro sem o conhecimento e acordo prévio do pai, não lhe dando conhecimento dessa intenção.

b) Afastou abruptamente o progenitor/requerente da responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança.

c) Privou o menor CC do seu direito em manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com o pai e família paterna.

d) Violou, simulada e deliberadamente, o acordo homologado das responsabilidades parentais, privando o pai e avós paternos das visitas estabelecidas.

e) O interesse superior da criança deixou de constituir a sua preocupação fundamental, deixando que os seus próprios interesses se impusessem.

Conclui, pedindo que seja ordenada perante as autoridades competentes a entrega imediata do menor CC ao requerente.

Requer, ainda, que seja declarada com efeitos imediatos a inibição, provisoriamente, para o exercício das responsabilidades parentais por parte da progenitora BB.

Após parecer do Ministério Público, no sentido de que o requerido pelo progenitor carece de qualquer fundamento, foi proferida decisão a indeferir liminarmente a providência requerida.

Inconformado, o progenitor/requerente recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:

1. O recorrente, através de requerimento de 05.11.2022, peticionou a entrega judicial do filho CC, nascido em 20.10.2017, invocando que a progenitora, titular da guarda da criança, se deslocou para o Brasil, levando consigo o menor, sem que, previamente lho tenha comunicado, mantendo o seu paradeiro em segredo.

2. O recorrente não teve conhecimento prévio da deslocação do menor da sua residência habitual, fixada judicialmente em Portugal, à Rua ..., ..., freguesia ..., concelho da Póvoa de Varzim, nem prestou o necessário consentimento.

3. Consequentemente, a retenção do menor em local diferente da sua residência habitual é ilícita.

4. A subtração da criança sem o consentimento do progenitor, ora recorrente, assume grave prejuízo para os superiores interesses do menor, já que ao ora recorrente estão negados os contactos com o menor, desconhecendo onde se encontra a residir, bem assim quais as condições físicas, psíquicas, e saúde de seu filho e, além disso, assumindo a alteração da residência do menor questão de particular interesse na vida do menor, deveria o recorrente ter intervindo, sendo necessário o seu consentimento para legitimar tal alteração.

5. Mostra-se, assim, violado o direito fundamental, plasmado no artigo 36º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.”

6. O tribunal a quo, ao indeferir liminarmente a requerida providência tutelar cível de Entrega Judicial de Criança, baseado no facto de ser a progenitora a guardiã da criança, demitindo-se, assim, do seu dever de promover o regresso da criança, cometeu erro grosseiro na aplicação do Direito ao caso concreto.

7. O princípio do regresso da criança ao Estado da sua residência habitual não colide com a determinação da sua guarda, já que a decisão que ordene o seu regresso não é, tão pouco, uma decisão sobre o mérito da guarda.

8. Consequentemente, cabia ao tribunal a quo ter adotado os procedimentos de urgência com vista ao regresso da criança e, consequentemente fosse promovida a sua localização, nomeadamente através da Cooperação Internacional junto da Autoridade Central Administrativa e Federal do Brasil, como impõe a Convenção de Haia, nos termos do disposto no seu artigo 11º.

9. Ignorar a aplicabilidade da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças ao nível das normas e procedimentos nela contidos, como fez o tribunal a quo, negar direitos fundamentais a uma criança a, designadamente, ao nível da Carta dos Direitos das Crianças, ao nível do artigo 9º, nº 3, segundo o qual os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos.

10. O menor CC, pese embora esteja sob a guarda e cuidados da mãe, cuja guarda se encontra fixada a favor daquela, ao ser retirado da sua residência habitual, em Portugal, sem o consentimento do seu pai, ora recorrente, é ilícita, devendo ser ordenada a sua Entrega Judicial, aplicando-se os procedimentos internos, previstos no artigo 49º do RGPTC, bem com os internacionais, ínsitos na Convenção de Haia, promovendo a localização e entrega imediata da criança ao pai e, consequentemente, tal como já preliminarmente requerido, julgar procedente a inibição das responsabilidades parentais da progenitora.

O Ministério Público respondeu, concluindo pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do C.P.C.

A questão a decidir consiste em saber se deve ser ordenada a entrega judicial do menor ao progenitor.

I. O recorrente pretende a entrega judicial do filho CC, nascido em 20.10.2017, ao abrigo do disposto no artigo 49º do RGPTC e do artigo 11º da Convenção de Haia, com fundamento no facto da progenitora, titular da guarda do menor, se ter deslocado para o Brasil, levando-o consigo, sem que, previamente, tenha obtido autorização do requerente ou, sequer, dado conhecimento dessa sua intenção e, ainda, com fundamento no facto de não o informar do atual paradeiro do menor, impossibilitando os contactos com o mesmo.

No artigo 49º, nº 1, do RGPTC, dispõe-se que se a criança abandonar a casa dos pais ou aquela que estes lhe destinaram ou dela for retirada, ou se encontrar subtraída à responsabilidade da pessoa ou da instituição a quem esteja legalmente confiada, deve a sua entrega ser requerida ao tribunal com jurisdição na área em que ela se encontre.

Esta norma do RGPTC tem subjacente o disposto no artigo 1887º, nºs 1 e 2, do C.C:

1. Os menores não podem abandonar a casa paterna ou aquela que os pais lhes destinaram, nem dela ser retirados.

2. Se a abandonarem ou dela forem retirados, qualquer dos pais e, em caso de urgência, as pessoas a quem eles tenham confiado o filho podem reclamá-lo, recorrendo, se for necessário, ao tribunal ou à autoridade competente.

O filho deve residir com os pais ou, pelo menos, com o progenitor que o tenha à sua guarda, ou, excecionalmente, na casa que os pais lhe tenham destinado.

Consequentemente, como referem Pires de Lima e A. Varela, dada a eficácia interna e externa da norma – nem o filho pode abandonar essa residência, nem terceiros o podem retirar dela. Código Civil Anotado, Volume V, pág. 356.

No caso, foram reguladas as responsabilidades parentais, tendo sido fixada a residência do menor junto da mãe, a quem está atribuída a sua guarda.

O recorrente, por sua vez, encontra-se emigrado em Angola e, por requerimento de 3.9.2021, pediu a alteração das responsabilidades parentais, processo que ainda se encontra pendente, no qual peticiona que o filho menor seja entregue aos cuidados dos avós paternos.

Isto é, o recorrente pretende que o filho seja confiado aos avós paternos e agora pede que o mesmo lhe seja de imediato entregue, apesar de, como alega, não estar em condições de o receber de imediato, pois, ainda estará a tratar da sua vinda definitiva para Portugal.

Por isso, como se referiu, estando a residência do menor fixada junto da mãe, a situação concreta não se enquadra no disposto no citado artigo 49º do RGPTC, sendo que uma eventual decisão de entrega da criança passará, primeiro, por alterar as responsabilidades parentais, nomeadamente no que toca à residência e guarda da mesma para junto do pai, dos avós paternos ou de terceiro.

É claro que a deslocação da progenitora para o Brasil, aí fixando a sua residência, a comprovar-se, poderá consubstanciar uma violação grave do exercício das responsabilidades parentais, pois, aquela não podia mudar a residência do filho sem a autorização do pai ou sem obter uma decisão do tribunal que resolvesse essa questão de particular importância.

O pedido de regresso do menor a Portugal onde o mesmo tinha a sua residência habitual pode ser satisfeito, ao abrigo da Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças.

De acordo com o disposto nos artigos 8º e 21 da citada Convenção de Haia de 1980, o requerente pode efetuar o pedido diretamente à Autoridade Central e o tribunal também pode determinar o regresso do menor.

No entanto, os aspetos particulares deste caso aconselham que o regresso do menor não deve, pelo menos desde já, ser ordenado.

Por um lado, o progenitor/recorrente não tem a guarda do filho e reside em Angola e, portanto, o regresso que fosse determinado seria para junto dos avós paternos.

Por outro lado, o ora recorrente tem pendentes dois processos, um para que a guarda do menor seja confiada aos avós paternos e um outro para que essa guarda lhe seja confiada a si.

Neste contexto, as questões relativas à eventual alteração das responsabilidades parentais, ou até uma possível inibição das mesmas responsabilidades pela progenitora, se verificados os respetivos pressupostos, devem ser decididas nos processos que se encontram pendentes, e não nesta providência.

Antes das decisões a proferir nos referidos processos, o pedido a efetuar diretamente pelo ora recorrente, ao abrigo da Convenção de Haia de 1980, poderia destinar-se a garantir o exercício do direito de visitas, e não a entregar o menor ao progenitor a quem a guarda não foi atribuída.

Improcede, deste modo, o recurso do progenitor AA.

Dispositivo:

Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação e, consequentemente confirmar a decisão recorrida. Custas pelo apelante.

Porto, 27.2.2023..».(sic).


*

***


IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

A - Nulidade

Neste segmento o apelante veio invocar que o pedido de inibição das responsabilidades parentais requerida teve por fundamento a conduta da Recorrida, a qual, sem prévio conhecimento do progenitor/Recorrente e sem o seu consentimento, deslocou-se para o Brasil com seu filho e, tendo em conta a factualidade carreada, e, por outro lado, o facto de aí se encontrar há mais de um ano, é, pois, manifesta a sua intenção de não regressar a Portugal, circunstância que atentou contra a lei, na medida em que constitui facto de importância relevante na vida do menor, que exige o consentimento do progenitor, e, consequentemente, pelas circunstâncias de ter alterado a residência do menor, furtando-se ao cumprimento dos seus deveres, enquanto progenitora.

Mais refere que com a instauração desta acção de inibição das responsabilidades parentais, o recorrente, além da prova documental que juntou ao seu pedido, também requereu a audição de testemunhas, com vista ao apuramento da verdade.

E alega que, sem que fundamente a sua não audição, o Tribunal “a quo” decidiu pela improcedência da ação e, consequentemente, não inibir o exercício das responsabilidades parentais pela recorrida.

Entende que há , manifesta nulidade na instrução do processo, já que, tal como impõe o RGPCT, no seu artigo 21º, nº1 e, consequentemente, violou o princípio do inquisitório, previsto no artigo 411º do C.P.C., segundo o qual, incumbe ao juiz realizar todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.

Considera que o processo prosseguiu os seus trâmites, mas não foi observada e respeitada a prova carreada pelo recorrente, inculcando o Tribunal “a quo” na violação do direito de defesa, previsto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Com efeito, e abstendo-se o Tribunal de providenciar a produção da prova requerida, designadamente, ouvindo as testemunhas arroladas, impediu o recorrente de provar o seu direito.

Conclui que não permitindo a produção da prova requerida, o Tribunal “a quo”, comprometeu a descoberta da verdade e a justa composição do litígio.

De facto, e tal como resulta do disposto no artigo 54º do RGPTC, com os articulados, incumbia ao requerente da inibição das responsabilidades parentais, ora recorrente, de, com a petição, deverem ser arroladas testemunhas. Assim, tendo o recorrente cumprido com tal prerrogativa legal, não podia o Tribunal ignorar tal ato de instrução ou, pelo menos, fundamentar a desnecessidade da sua audição.

Refere que no caso concreto, nem se verificou a audição das testemunhas e existe total ausência de pronúncia quanto à sua não audição.

Conclui, assim que a sentença é nula e veio peticionar que tal sentença, seja substituída por outra que, respeitando os princípios do processo civil vigentes em matéria de produção de prova e inquirição de testemunhas, bem como os constantes, relativamente a tal matéria, e constante no RGPTC, admita, a realização da prova testemunhal requerida, seguindo-se os ulteriores termos do processo.

      Considera-se que este segmento do recurso deverá ser julgado improcedente porque a sentença não padece da invocada nulidade, desde logo, porque na mesma é indicado que após a citação o  tribunal entendeu, nos termos do disposto no art.º 55º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, estar em condições de decidir, sem mais produção de prova. Assim, é manifesto que houve pronuncia expressa do tribunal quanto ao motivo de não ouvir as testemunhas.

      Acresce que e acompanhando o entendimento do Ministério Público nas suas alegações o tribunal ao não inquirir as testemunhas não cometeu nenhuma nulidade porque nos ternos do artigo 54 do RGPTC só se realizam as diligências de prova se o processo dever prosseguir, tendo o tribunal considerado que o mesmo não poderia prosseguir os seus termos.

      Nos termos do art.º 54.º, do RGPTC :

«1 - Requerida a inibição, o requerido é citado para contestar.

2 - Com a petição e a contestação, as partes devem arrolar testemunhas e requerer quaisquer outras diligências de prova.»

Por sua vez, dispõe o art.º 55.º, n.º 1, do RGPTC que:

«1 - Se o processo houver de prosseguir, efetuam-se as diligências que devam ter lugar antes da audiência de discussão e julgamento e que o juiz considere necessárias, nos termos do artigo 21.º».

      Portanto nos termos do citado artigo 55 n1 após a citação o tribunal deverá fazer uma apreciação liminar do pedido determinado o seu prosseguimento e nesse caso fazendo a produção dos meios de prova, ou indeferindo e nesse caso não se produzem meios de prova (até porque a lei proíbe a prática de actos inúteis).

Este regime é em tudo idêntico ao que sucede no caso de um pedido de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais cuja tramitação está prevista no art.º 42.º, do RGPTC.

Este indeferimento liminar não contende com o  princípio do inquisitório que caracteriza os processos de jurisdição voluntária, dado que o requerente na petição inicial deverá alegar os factos que fundamentam a sua pretensão sob pena de indeferimento, por ineptidão ou por manifesta inviabilidade do pedido (artigo 234-A do CPCivil).

      Pelo exposto, o tribunal dado ter entendido indeferir o pedido por o considerar infundado não deverá proceder á produção das provas e nessa medida improcede a invocada nulidade da decisão.


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         B. Alteração do mérito

Alega o recorrente que a sentença padece de uma má aplicação do Direito.

Alega neste segmento que na avaliação dos factos o juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, podendo (devendo) adotar em cada caso concreto a solução que melhor defenda os interesses do menor (pois esta é a última ratio deste tipo de processo) e não está, por isso, apenas sujeito à reunião das provas indicadas pelo requerente; deve também investigar autonomamente os factos de modo a obter o melhor esclarecimento possível da situação tendo em consideração as pretensões do requerente e o interesse da criança, o que in casu nem tão pouco sucedeu.

Considera que o Tribunal “a quo”, descurou de julgar o pedido de inibição das responsabilidades parentais, perdendo-se na referência aos inúmeros apensos dos autos, reportando o pedido de inibição a factos concretos e objetivos que se destacava, quer pelo cometimento de factos pela progenitora quer pelo período de tempo a que tais factos diziam respeito, quem em nada de comum tinham com o pedido de inibição em questão.

Refere que a  conduta tida pela progenitora é violadora dos mais elementares direitos do pequeno CC, desde logo, porque violou o direito fundamental previsto na nossa Constituição – artigo 36º, nº 6 – separando-o do pai, da família paterna, amigos, entre outros;

E de forma premeditada e claramente culposa, ao contrário do entendimento do Tribunal “a quo”, foi o que a progenitora efetivamente fez.

É, pois, inequívoco que a criança foi retirada da residência e único país que sempre habitou, sem consentimento e conhecimento do progenitor, rompendo abruptamente os convívios com a família paterna, amigos do menor, estabelecendo igualmente uma rutura no período escolar do menor, o que sem qualquer margem de dúvidas, não acautela, de todo, o superior interesse do menor.

Considera que a sentença recorrida cometeu «atropelos da Lei» que se pretendem ver reparados, indicando vários pontos, que iremos acompanhar:

Primeiro:

A criança nasceu em Portugal, é portuguesa, filho de mãe brasileira e de pai português. A residência fixada por ambos os progenitores e confirmada pelo Tribunal é em Portugal, atualmente na Rua ..., ..., freguesia ..., concelho da Póvoa de Varzim.

Pese embora a guarda estar confiada à mãe, o direito de custódia inerente não está adstrito unicamente àquela, devendo o progenitor intervir em todas as questões de particular interesse na vida do menor.

Consequentemente, impunha-se que o ora recorrente conhecesse as intenções da requerida na pretendida deslocação para o Brasil, porque é evidente a interferência dessa decisão nos superiores interesses do menor CC.

Essa deslocação omitida assume, assim, um perigo evidente, quer pela grandeza geográfica do país, quer pelo desconhecimento absoluto onde o menor se encontra e em que condições psicológicas, físicas e de saúde se encontra.

A deslocação do menor para outro país não foi de comum de acordo, outrossim, unilateral por parte da progenitora e, tratando-se de questão de particular importância para a vida do menor a mudança de residência para um país diferente do que aquele em que sempre viveu e conheceu, deveria o recorrente ter sido informado, exigindo-se até o seu consentimento, quer pela própria natureza da alteração quer por não se tratar de um ato da vida corrente do menor.

A retirada do menor, sem o acordo e consentimento do pai, ora recorrente, viola - clara e irrefutavelmente - o texto constitucional plasmado no artigo 36º, nº 6 da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial.

Refere que a falta de concordância da retirada do menor pelo recorrente mantém-se, o qual de tudo tem feito com vista ao imediato regresso do menor, designadamente junto das autoridades internacionais competentes, lançando mão de todos os instrumentos disponíveis, ante a displicência censurável do Tribunal “a quo”.

Alega que encontra-se a decorrer inquérito, tendo em conta o rapto do menor bem como Processo junto das autoridades Brasileiras para que o menor possa regressar a Portugal, facto que o Tribunal “a quo” nem tão pouco pretendeu apurar.

Conclui, assim que a argumentação supra descrita é mais do que indiciária da conduta da progenitora – e bem reveladora do seu carácter - e que o Tribunal “a quo” não poderia nem deveria descurar. Tais circunstâncias factuais foram carreadas aos autos, o recorrente requereu e juntou prova capaz de comprovar isso mesmo e o Tribunal “a quo”, ignorou e não considerou para proferir a sua decisão.

Segundo:

O Tribunal “a quo” faz verdadeira tábua rasa dos atos perpetrados pela progenitora, bem como de tudo o já concretizado e alegado nos inúmeros apensos, como bem refere, e erradamente entende, pelo facto de a progenitora ter a guarda do menor CC, lhe confere o direito de agir e total disponibilidade de decidir a vida do menor, no seu todo, quase se tratando de um direito de propriedade sobre a criança, o que, aliás, se discorda e critica.

Não poderá, também, deixar de censurar-se a posição passiva e desinteressada pelos superiores interesses do menor CC por parte do Tribunal “a quo” e mais refere que o  Ministério Público nada requereu, tendo em conta a citação da progenitora no Brasil e a falta de posição processual perante a inibição requerida, considerando que, o seu silêncio vale como desapreço pelos interesses do progenitor e consequentemente a consubstanciação do tal direito de propriedade sobre o filho de ambos.

De facto, o tribunal ao não atender as razões que levaram o progenitor a requerer a inibição das responsabilidades parentais, não ouvindo as testemunhas por si arroladas, não quis saber, em concreto, das razões que movem o recorrente e, claramente, preteriu os superiores interesses do pequeno CC, votado à sua sorte no Brasil, onde nunca, até então, residiu, longe daqueles com quem estabeleceu laços afetivos, vendo-se de súbito longe dos telefonemas de seu pai, dos abraços dos avós, da escola, da educadora, dos amigos, preferindo aquele órgão judicial clamar pela guarda confiada à progenitora, como causa justificativa dos atos perpetrados pela mesma.

Alega ainda que, no caso concreto, arrepia a imprudência do Tribunal “a quo” ao relativizar o facto de uma criança estar longe de seu pai, cerceado de qualquer contacto, menosprezando princípios fundamentais que o evitam, não aplicando a Lei que ao caso, tal a gravidade, exige.

Nos termos do artigo 986º 2 do C.P.C., o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes. E quanto a isto também o tribunal “a quo” nada fez.

É de conhecimento do Tribunal “a quo” todos os atos perpetrados pela progenitora ofensivos, de forma culposa, dos direitos do menor, impactando o seu superior interesse, o que, de facto, descurou analisar e coligir para fundamentação da Sentença proferida, ora em crise.

Terceiro:

A conduta da requerida é ilícita, à luz da Convenção supra referenciada, facto que parece encontrar-se em concordância o Tribunal “a quo”, não considerando, no entanto, que se tratou de uma violação culposa da requerida, o que de todo se poderá concordar.

O facto de a criança não se encontrar no âmbito da sua residência habitual, sendo que, para o determinar, o Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se no sentido de que “o conceito de residência habitual deve ser interpretado no sentido de corresponder ao lugar que releve uma determinada integração do menor num ambiente social e familiar”. Nunca o menor CC se havia deslocado para o Brasil, nem tão pouco em férias, nunca tendo conhecido os seus avós maternos, não possuí qualquer laço afetivo ou social com a família materna, facto que o Tribunal “a quo” claramente olvidou.

É também inevitável invocar-se o desprezo que o Tribunal “a quo” teve pela Carta dos Direitos Fundamentais das Crianças, nomeadamente ao nível do artigo 24º, segundo o qual as crianças têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, e têm o direito de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos os progenitores, excepto se isso for contrário aos seus interesses.

No caso sub judice, é notório que os superiores interesses da criança foram relevados pelo Estado Português, representado pelo órgão judicial “a quo” ao dar como improcedente a ação de inibição e limitação ao exercício das responsabilidades parentais da progenitora.

E nessa medida viu o menor CC ver-lhe negada proteção pelo Estado a que pertence, devendo, nessa medida, fazer-se justiça. O Estado Português deve-lhe isso mesmo: proteção e cuidado ante a manifesta preterição do seu direito de não separar-se do seu pai e laços afetivos paternos, tanto mais que este nunca deu qualquer consentimento para a sua saída de território português, local onde a sua residência se encontra fixada.

 Quarto:

Embora seja a última ratio de aplicação a inibição das responsabilidades parentais, dúvidas não restam que a progenitora não acautelou o superior interesse do menor, comportando-se de uma forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor, o que sempre o fez.

Quer pela gravidade dos factos perpetrados, quer pela grave violação do superior interesse do menor, quer pela sua reiteração, dúvidas não restam que será devida e merecida a forte censura do aresto proferido, e, como tal, ser a progenitora inibida do exercício das responsabilidades parentais do menor CC.

Encontra-se o progenitor sem contacto com o seu filho há cerca de um ano, o que traduz uma clara violação do superior interesse do menor, maioritariamente para o CC, o que consubstancia clara alienação parental.

A progenitora ao utilizar o menor CC como um instrumento para atingir o aqui recorrente, algo que sempre fez e, de maneira bastante gravosa, ora com a deslocação ilícita para o Brasil, acaba por causar sequelas emocionais gravíssimas ou até irreversíveis, violando culposa e conscientemente os direitos da criança e os princípios da dignidade da pessoa humana e do superior interesse da criança.

Conclui, o apelante que andou mal o Tribunal “a quo” não fazendo tal interpretação jurídica, imiscuindo-se de proferir Sentença que acautelasse devidamente o superior interesse do menor.


*

         Cumpre decidir.

      As responsabilidades parentais são atribuídas aos progenitores como um fundamental e originário direito com um conteúdo destinado à promoção do bem-estar dos filhos, mas com respeito pela unidade, autonomia e intimidade da vida familiar, isto em conformidade ao disposto nos arts. 1874.º e ss. do C.C., arts. 36.º n.º 3, n.º 5 e n.º 6, 26.º, 43.º e  art. 67.º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e arts. 5.º, 9.º e 18.º da Convenção dos Direitos da Criança (C.D.C.).

      O primado dos interesses da criança é justamente um corolário da moderna conceção  das responsabilidades parentais e do menor como um sujeito privilegiado de direitos: a um integral desenvolvimento físico, intelectual e moral; direito ao respeito pelas suas ligações psicológicas profundas e pela continuidade das suas relações afetivas e familiares e direito a uma identidade, entre outros (cfr. arts. 1874.º, 1878.º, 1882.º e ss., 1997.º do C.C. e arts. 7.º, 9.º, 19.º, 20.º, 27.º da C.D.C.).

      Em sede do poder-dever de educação (atribuído em primeira linha aos pais, art. 36.º, n.º 3 e n.º 5, da C.R.P e Ato 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como arts. 1878.º, 1885.º e 1886.º do C.C.), deverão os pais promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, tendo a obrigação de lhes assegurar instrução geral e profissional adequada, mas com respeito pela personalidade demonstrada, aptidões e capacidades, sempre também em conformidade ao que forem os seus meios para tal fim.

      Quanto ao superior interesse do menor, critério que preside às decisões, refere-se tratar-se de um conceito indeterminado que deve ser ajustado à evolução da sociedade em todos os seus aspetos e concretizado em cada caso de acordo com os valores familiares, educativos e sociais dominantes que informam a vivência do menor e as várias comunidades em que simultaneamente se insere. O interesse superior da criança ou do jovem, deve ser entendido como a sua segurança, saúde, sustento, educação, representação e administração dos seus bens e; ainda a sua audição nos assuntos que lhe dizem respeito, de acordo com a sua idade e personalidade.

      Em resumo, no caso o apelante pretende a inibição das responsabilidades parentais com fundamento na mudança de residência da progenitora para o Brasil sem a sua autorização, e no consequente afastamento da criança do convívio com os avós paternos e, com o pai.

Estabelece o art.º 1915.º, n.º 1, do CC, que:

«1. A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres.».

      Para determinar tal inibição, determina o artigo 1915º nº 1 do Código Civil que, cumulativamente:

- o progenitor tenha infringido deveres para com o menor,

- de forma culposa;

- que este incumprimento tenha causado graves prejuízos ao menor,

- que seja do interesse do menor a colocação de uma inibição à responsabilidade parental do progenitor.

Também o artigo 52.º do RGPTC prevê que «O Ministério Público, qualquer familiar da criança ou pessoa sob cuja guarda se encontre ainda que de facto, podem requerer a inibição, total ou parcial, do exercício das responsabilidades parentais quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, se não mostre em condições de cumprir aqueles deveres».

A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de última ratio e só em situações em que os progenitores se comportem de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor podem ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esse filho.

A inibição tem lugar nos casos mais graves de desrespeito pelo cumprimento dos deveres parentais Importa apurar é se ocorre efetivamente incompatibilidade entre um normal desenvolvimento do filho e o exercício da responsabilidade parental pelos seus pais.

Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial - artigo 36º nº 6 da Constituição da República Portuguesa.

Só em situações de especial gravidade, considerando o interesse do filho, é que há que inibir ou limitar o progenitor do exercício das suas responsabilidades parentais.

“A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de última ratio: só em situações em que os progenitores se comportem de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor podem ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esse filho.” Cf acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/24/2020 no processo 2747/06.9TQPRT-C.P1

Para outros desenvolvimentos quanto aos pressupostos da inibição, vide a seguinte jurisprudência disponível na base de dados da DGSI:

- Ac da RC Processo: 3001/09.0TBFIG-B.C1 Relator: MOREIRA DO CARMO 17-05-2016  

Sumário: 1.- A relação pais-filhos deve ser considerada primordial, assumindo foros de excepção o seu afastamento.

2.- Competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum ou alguns dos assinalados deveres, daí resultando grave prejuízo para o filho, o que no caso não ocorre.

3.- A inibição é uma medida de última “ratio”, pelo que a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho menor sempre cumprirá indagar se o regime prevenido no art. 1918 CC não constitui remédio adequado, em ordem a preservar no progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

- Ac da RC Processo: 241/10.2TMCBR.C1 Relator: MARIA DOMINGAS SIMÕES 29-04-2014, Sumário: I. Competindo aos progenitores zelar pela saúde e segurança dos filhos, prover ao seu sustento e educação e diligenciar pela sua representação, em tudo tendo a sua actuação de se pautar e conformar pelo critério único e fundamental do interesse do filho menor, a inibição das responsabilidades parentais só pode ser decretada quando se perfilar uma situação de violação grave e culposa de algum (ns) do(s) assinalado(s) dever(es), daí resultando prejuízo importante para este.

II. Deste modo, sendo a inibição uma sorte de medida de última “ratio”, ainda a verificar-se uma situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação do filho menor -prova que no caso não foi feita- sempre cumprirá indagar se o regime prevenido no art.º 1918.º não constitui remédio adequado, em ordem a preservar no progenitor o exercício das responsabilidades parentais.

- Ac da RC Processo: 918/22.0T8CLD.C1 Relator: LUÍS RICARDO, 26-09-2023  Sumário:

I – A inibição do exercício das responsabilidades parentais depende da verificação dos pressupostos previstos no art 1915º, nº1, do Código Civil, a que corresponde o art. 52º do RGPTC.

II – Enquadra-se dentro desses pressupostos a actuação de um progenitor que demonstra um completo desinteresse pela sua filha menor, desde o nascimento da mesma, não acompanhando o seu desenvolvimento/crescimento nem procurando indagar as condições e o estado em que a criança se encontra.

III – Tal actuação assume uma gravidade que demonstra a inexistência de laços afectivos entre a criança e o progenitor biológico, o que permite decretar, a requerimento de quem tem legitimidade para o efeito, a inibição do exercício das responsabilidades parentais.

- Ac da RP Processo: 2747/06.9TQPRT-C.P1 Relator: JUDITE PIRES 24-09-2020

Sumário: I - O processo relativo à inibição e limitações ao exercício das responsabilidades parentais, regulado nos artigos 52.º a 59.º do RGPTC, tem natureza de processo de jurisdição voluntária, sendo-lhe também aplicável os artigos 986.º a 988.º do Código de Processo Civil.

II - Os interesses nele em discussão são objecto de decisão a proferir segundo um juízo de oportunidade ou conveniência e não de estrita legalidade.

III - A inibição do exercício das responsabilidades parentais em relação ao filho menor é uma medida de última ratio: só em situações em que os progenitores se comportem de forma grave e irreversível, colocando em risco, de forma grave, os interesses do menor podem ser inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a esse filho.;

E o Ac d STJ Processo: 82/17.6T8VPC-B.G1.S2  Relator: MARIA JOÃO VAZ TOMÉ 20-09-2023 Sumário: …III - Os requisitos cuja verificação é necessária para que o tribunal decrete a inibição do exercício das responsabilidades parentais são, por parte de um progenitor, a infração culposa dos deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes ou, então, quando um progenitor, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres.

A deslocação do menor para o estrangeiro sem o acordo do pai ou sem autorização judicial traduz-se numa deslocação ilícita (a qual poderá implicar questões de natureza civil e penal), mas esse facto por si só, não é o factor determinante para determinar uma alteração ao progenitor a quem o menor está confiado, nem determina por si só a inibição do poder paternal. O critério relevante é o superior interesse do menor e a manutenção da sua permanência com o progenitor tido por ser o seu progenitor de referência.

No caso dos autos, não resulta provado, nem foi alegado que a deslocação da menor para o estrangeiro a fim de aí passar a residir com a sua mãe, progenitor de referência, acarreta perigo para o desenvolvimento, segurança e saúde da criança.

Também não se mostra alegado nem demonstrado qualquer falta de cuidado por parte da recorrida no trato do menor, nem qualquer incompetência parental por parte da requerida.

      Assim, esta deslocação em nosso entender não se traduz num fundamento para decretar a inibição das responsabilidades parentais porque o apelante  não alga materialidade de facto que implique a inibição, isto porque o progenitor que tem a guarda do menor não está impedido em certas circunstancias de mudar o seu local de residência (um eventual pedido para essa mudança poderia vir a ser deferido em abstracto)

      Por isso, consideramos que a mera mudança de residência, não constitui uma violação dos deveres para com os filhos e que dela resultam graves prejuízos para estes e muito menos há fundamento para decretar a sua inibição do exercício das responsabilidades parentais.

      Tal como refere o Ministério Público, essa deslocação em abstracto poderá traduzir-se em fundamento para se pedir o regresso da criança ao seu domicílio habitual acionando os mecanismos previstos na Convenção de Haia de 1980 sobre os Aspectos Civis do Rapto Internacional de Crianças., ou, mais concretamente poderá traduzir-se num fundamento para pedir que seja garantido o exercício do direito de visitas do pai já que a guarda está desde sempre atribuída á mãe (questão que ultrapassa o objecto do recurso não estando em causa neste apenso, sem prejuízo do teor do acórdão proferido nos autos apensos sobre a questão).

      Assim, e quanto á fundamentação jurídica, conclui-se que o presente recurso de apelação terá, por conseguinte, de improceder.


***

V- DISPOSITIVO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a cargo do apelante (art. 527º, nºs 1 e 2).

Porto, 21/3/2024.
Ana Vieira
António Carneiro da Silva
Manuela Machado
_____________
[1] Diploma a atender sempre que se citar disposição legal sem menção de origem.