Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
179/06.8PLLSB-A.L1-5
Relator: MANUEL JOSÉ RAMOS DA FONSECA
Descritores: CONTUMAZ RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
APRESENTAÇÃO À AUTORIDADE JUDICIÁRIA ROGADA
TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA
MORADA ATUALIZADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I - O contacto pessoal do Arguido contumaz residente no estrangeiro, materializado pela via da apresentação ou da detenção junto de Autoridade Judiciária rogada nos termos e limites solicitados por via de instrumento de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, é equiparável à apresentação do Arguido mencionada no art.º 336.º/1CPP.
II - A tal não obsta a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 5/2014.
III – Fornecida pelo Arguido às Autoridades Rogadas, que o comunicaram aos autos, morada atualizada para efeitos de TIR anteriormente prestado, pela mesma via feita notificação da acusação e do despacho que designa data para audiência de discussão e julgamento, não é possível realizar a mesma na sua ausência – requerida ou consentida -, sem que previamente se declare a caducidade da situação de contumácia do Arguido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na 5.ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Lisboa:
I- RELATÓRIO
1. Decisão recorrida
Mediante despacho datado de 29março2023 (ref. 424563996), foi consentida ao Arguido AA, que se encontra contumaz, a por si requerida audiência de discussão e julgamento na ausência, nos termos do art. 334.º/2CPP.
2. Recurso
Inconformado com o referido despacho, do mesmo e junto do Tribunal a quo interpôs o Ministério Público recurso (entrado a 27abril2023 - ref. 35801253) motivando-o e delimitando-o no objeto com as conclusões (sintéticas e adequadas) que se transcrevem (SIC, com exceção do itálico):
i) Conclusões
“1) O arguido AA foi declarado contumaz nos autos em epígrafe e foram emitidos MDI/MDE de forma à sua localização.
2) Localizado, a Eurojust, a Interpol/Gabinete Sirene e as autoridades ...s (país onde o arguido se encontra) realizaram as diligências necessárias para o arguido ser recolhido, transportado e entregue para julgamento em Portugal.
3) Designada data para realização de julgamento, o mesmo constituiu mandatário e juntou aos autos declaração de consentimento para realização da audiência de julgamento na sua ausência (referência 35428015 de 21.03.2023).
4) O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferido o pretendido pelo arguido por inadmissibilidade uma vez que a contumácia só cessa com a apresentação pessoal do arguido em juízo (ou com a sua detenção e não com qualquer notificação feita a seu requerimento de designação para julgamento) – cfr. art.º 336.º, n.º 1 do CPP. (referência 424498804 de 28.03.2023)
5) A Mm.ª Juíza “a quo” proferiu despacho sentido de considerar prestado o consentimento para realização da audiência de julgamento na ausência do arguido, ordenou que se informasse as autoridades indicadas em 2) supra que não era necessário transportar o arguido para o nosso país e deu sem efeito os MDE/MDI emitidos (referência 424563996 de 29.03.2023).
6) Estando o arguido declarado contumaz não se pode realizar a audiência de julgamento nem proferir sentença sem que o mesmo seja detido ou se apresente em juízo não bastando o recebimento nos autos de requerimento por ele assinado consentindo que o julgamento se realize na sua ausência, sendo que esta, não substitui a sua apresentação em juízo, violando-se, deste modo, o disposto no art.º 335.º, n.º 3 do CPP nem faz acionar a caducidade de tal declaração.
7) A contumácia só caduca com a apresentação pessoal do arguido em juízo ou com a sua detenção e não com qualquer notificação feita a seu requerimento de designação de data para julgamento.
8) Não podendo o tribunal decidir como decidiu deve o douto despacho judicial ser revogado e indeferida a pretensão do arguido em ser julgado na ausência.
Vossas Excelências, porém, farão, como habitualmente, a melhor
JUSTIÇA!”
3. Resposta ao recurso
Regularmente admitido o recurso (a 11maio2023 - ref. 425514078, com retificação pelo despacho de 14junho2023, ref. 425514078), o Arguido, ainda que regularmente notificado (ref. 426117932 de 25maio2023) quedou-se sem resposta.
4. Tramitação subsequente
Recebidos os autos nesta Relação, o processo foi com vista ao Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, o qual, com concreta e circunstanciada explanação, acompanhando a posição exarada pelo Ministério Público na 1.ª instância, emitiu parecer (a 10outubro2023 - ref. 20562371) pugnando pela procedência do recurso interposto, sublinhando em acrescento que “o despacho recorrido mostra-se contraditório nos seus próprios termos ao permitir a audiência de julgamento na ausência do arguido, mantendo, no entanto, a declaração de contumácia”.
Este parecer foi notificado (a 3janeiro2024 - ref. 20931958) para efeito de eventual contraditório, inexistindo resposta do Arguido.
Efetuado o exame preliminar, foi determinado que o recurso seja julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso
Sem prejuízo de questões de conhecimento oficioso, é a partir das conclusões que o recorrente extrai da sua fundamentação de motivação que se determina o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem na sede de recurso (arts. 402.º; 403.º; 412.º/1CPP e jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19outubro1995, in DR I-Série-A, de 28dezembro1995).
Nos termos do disposto no art.º 428.º/1CPP “[a]s relações conhecem de facto e de direito.”
O presente recurso versa em exclusivo matéria de direito, sendo que se enuncia, em exclusivo, a seguinte questão que importa decidir:
a. Sem que previamente se declare a caducidade da situação de contumácia, é possível realizar, na sua ausência (requerida ou consentida), a audiência de discussão e julgamento dum Arguido declarado contumaz nesses autos, a residir no estrangeiro, onde, nos termos e limites solicitados por via de instrumento de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, fornecera morada atualizada para efeitos de TIR anteriormente prestado, fora notificado da acusação e do despacho que designa data para audiência de discussão e julgamento?
2. Apreciação do recurso
A) Ocorrências processuais antecedentes com relevo
Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão da questão suscitada importa verter aqui as ocorrências processuais com relevo que culminam no despacho recorrido.
(com anonimização e, quando se trate de citação, com uso de itálico e, por vezes, de sublinhado, o que se anotará)
(ref. 384538828 de 17janeiro2008)
1 – Despacho de acusação
Na sequência de entendimento de existência de indícios suficientes, o Ministério Público deduziu acusação na qual imputa ao Arguido a autoria material de factos, ocorridos na noite de 11/12março2006, integrantes de crime de furto qualificado (art.º 204.º/2, a), e) CP, por referência ao art.º 202.º, b), d) CP e 203.º/1CP).
O Ministério Público não promoveu qualquer alteração de medida de coação com o argumento de “Verificando-se estar o arguido detido à ordem de outro processo, nada se requer por ora”.
(ref. 411093064 de 19março2009)
2 – Despacho de “recebimento da acusação”
Verificada a regularidade processual, foi recebida a acusação, nos precisos termos, bem como designada data para audiência de discussão e julgamento (21maio2009) e, quanto a medida de coação estabeleceu-se que “O arguido aguardará os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes da prestação de termo de identidade e residência, a solicitar à autoridade competente, assim que for conhecido o seu paradeiro, já que o mesmo se encontra em liberdade desde 11-10-2007, sendo certo que a residência constante do T.I.R. de fls. 88 como sendo a do arguido é o Estabelecimento Prisional de ....”
(ref. 2640612 de 23outubro2009)
3 – Despacho de “declaração de contumácia”
Por não se ter logrado conhecer o paradeiro do Arguido nem efetivar qualquer notificação ao mesmo com reporte ao despacho de recebimento da acusação, cumpridas as formalidades processuais exigidas por Lei, foi declarada a sua contumácia.
(ref. 381734466 de 26novembro2018)
4 – Despacho de “marcação de audiência de discussão e Julgamento”
Após quase uma década em que os autos foram reiterada e regularmente tramitados no sentido de obtenção de informações que conduzissem à descoberta de paradeiro do Arguido contumaz, foi proferido despacho no sentido de:
“Conforme resulta do despacho que recebeu a acusação, datado de 07.02.2011, o arguido prestou TIR a fls. 88, tendo sido advertido que no caso de mudar a sua residência teria que informar de tal alteração, o que não sucedeu, tendo portanto de considerar-se que o mesmo foi devidamente notificado nos termos das disposições conjugadas dos art.º 113º, 196º e 333º do C.P.Penal.
Assim, existem condições legais para a realização da audiência de julgamento, não obstante a declaração de contumácia proferida nos autos e que se fará cessar no inicio da audiência de julgamento.
Para realização da audiência de julgamento nas instalações deste Tribunal, designa-se o próximo dia 19 de Fevereiro de 2019, pelas 14h00m horas, para tomada de declarações ao arguido (caso o mesmo pretenda prestá-las) e inquirição das testemunhas indicadas na acusação.
Designa-se ainda o dia 26 de Fevereiro de 2019, pelas 14h00m horas, para continuação da audiência de julgamento ou para audição do arguido nos termos do disposto no art. 333º, n.ºs 2 e 3, ex vi art. 312º, n.º 2, todos do Cód. Processo Penal.
(…)
Notifique o arguido considerando a morada do TIR.
Oficie ao Consulado da ... para que informe se tem conhecimento da actual morada do arguido e ou outras informações sobre o mesmo.”
(sublinhado nosso)
(desde já se consigna que a referência a “07.02.2011” terá que consubstanciar manifesto lapso de escrita uma vez que o dito despacho é de 19março2009)
(ref. 21926820 de 18fevereiro2019)
5 – Requerimento apresentado pelo Ministério Público
“Encontra-se designada a data 19.02.2019 para julgamento do processo em epígrafe em que é arguido AA.
A Magistrada do Ministério Público junto deste Juízo Central Criminal de Lisboa contactou hoje, via telefone, a secção de reclusos do Estabelecimento Prisional Regional de...tendo obtido a informação de que o mesmo encontra-se em liberdade desde 11.10.2007, ou seja, não se encontrava naquele E.P. (morada do TIR) aquando do envio da notificação via postal simples / depósito em 05.12.2018.
Mais foi informada que no registo existente naquele E.P. consta como morada do arguido AA - Vale do ..., Leiria.
Colocam-se dúvidas quanto a considerar-se o mesmo notificado. Trata-se de uma ausência imposta pelo Estado português, aos cuidados de quem o arguido esteve desde a data do encarceramento, pelo que, seria razoável ser o próprio Estado que o tinha preso a informar os demais serviços públicos/colaboração entre serviços da (nova) situação daquela pessoa. Não é aceitável que se onere o arguido com a obrigação de comunicação da ausência da “residência” – neste caso, o E.P..
Vem requerer a Vossa Excelência que, caso a morada ora indicada não seja conhecida do processo, seja a mesma tentada, via O.P.C./G.N.R., se possível, com o pedido efectuado ainda hoje.”
(ref. 384298757 de 18fevereiro2019)
6 – Despacho
“A morada indicada na promoção que antecede, já era conhecida nos autos, cfr. fls. 239 e 249 e ss., tanto assim que foi essa a morada considerada para efeitos de editais, fls. 177 e ss.
Assim, atendendo ao teor do TIR de fls. 88 e à devolução da notificação do arguido a fls. 281, não se encontrando o arguido notificado, fica sem efeito a data designada para julgamento.”
(…)
Oficie no sentido de ser inserido pedido de paradeiro em relação ao arguido ao Gabinete SIRENE.
Expeça pedido de auxílio às autoridades … no sentido de apurar o actual paradeiro do arguido e de proceder à notificação do mesmo da acusação.
(sublinhado nosso)
(ref. 384360859 de 19fevereiro2019)
7 – Pedido de auxilio - ...
Emitido, dirigido às autoridades judiciárias competentes da ..., foi solicitado no sentido de:
“ser descoberto o paradeiro do arguido nesse país, bem como ser notificado da acusação proferida nestes autos
(sublinhado nosso)
(ref. 22997338 de 28maio2019)
(ref. 23163380 de 12junho2019 - tradução)
8 – Resposta ao pedido de auxilio - ...
Decorre da resposta que o Arguido não se encontra na ..., sim encontrar-se-á na ....
(ref. 387962926 de 17junho2019)
9 – Despacho
“Face ao que resulta de fls. 339, com cópia expeça nova carta rogatória, nos termos já anteriormente determinados, desta feita em relação às autoridades da ....
(sublinhado nosso)
(ref. 388462196 de 3julho2019)
10 – Pedido de auxilio - ...
Emitido, dirigido às autoridades judiciárias competentes da ..., foi solicitado no sentido de:
“ser descoberto o paradeiro do arguido nesse país, bem como ser notificado da acusação proferida nestes autos
(sublinhado nosso)
(ref. 409273325 de 11outubro2021)
11 – Despacho
Após mais de dois anos em que os autos foram reiterada e regularmente tramitados no sentido de obtenção da informações solicitadas às autoridades judiciárias competentes da ... e que conduzissem à descoberta de paradeiro do Arguido contumaz, foi proferido despacho no sentido de:
“1) Atento o que resulta do oficio enviado pelas autoridades ...s, solicite à Interpol para que informe se tem alguma informação sobre o paradeiro do arguido, uma vez que o mesmo se encontra em paradeiro incerto e ainda não foi possível realizar o julgamento dos presentes autos, em que o arguido se encontra acusado da prática de um crime de furto qualificado, em virtude de apesar de todas as diligências efectuadas, não ter sido possível a notificação do mesmo.
2) Atento tudo o que resulta dos autos, quanto ao paradeiro do arguido, notifique a Defesa do arguido para se pronunciar quanto à alteração do estatuto do mesmo, no prazo de 10 dias e após abra vista ao M.P.”
(ref. 410415028 de 16novembro2021)
12 – Promoção, para alteração de medida de coação, apresentada pelo Ministério Público
“O arguido AA encontra-se acusado pela prática do crime de furto qualificado p.p. pelos art.ºs 203.º/204.º, n.º 2, alíneas a), e), por referência aos art.ºs 202.º, alíneas b), d) e 203.º, n.º 1, todos do C.P.
Tal crime é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
O arguido prestou T.I.R.. Porém, o seu atual paradeiro é desconhecido não obstante diligências efetuadas nesse sentido verificando-se, em concreto, fuga por parte do mesmo e perigo de continuação da atividade criminosa (cfr. art.º 204.º, alíneas a) e c), do C.P.P.). Deste modo, entende-se que a única medida de cocção adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, é a de prisão preventiva, o que se promove (cfr. artºs 202º, n.º 1, alínea a) e 193º, nºs 1 e 2, ambos do C.P.P.).”
(ref. 410521863 de 17novembro2021)
13 – Despacho de alteração de medida de coação
“Reexame das medidas de coacção
O arguido AA encontra-se acusado pela prática do crime de furto qualificado p.p. pelos art.ºs 203.º/204.º, n.º 2, alíneas a), e), por referência aos art.ºs 202.º, alíneas b), d) e 203.º, n.º 1, todos do C.P. , mas ainda não foi notificado do despacho de acusação.
Tal crime é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
O arguido encontrava-se sujeito à medida de coacção de termo de identidade e residência, já prestado mas cuja presunção legal se encontra ilidida uma vez que o arguido não recebe as notificações e encontra-se em paradeiro desconhecido, sendo certo que resultaram frustradas as cartas rogatórias expedidas, inclusivamente a expedida para o país de que é nacional o arguido.
Não recebe as notificações, tendo-se desinteressado completamente pelo devir processual.
Não foi encontrado nem nas moradas constantes do respectivo TIR prestado, nem através das cartas rogatórias expedidas.
Face ao supra exposto, impõe-se ponderar acerca da situação processual do arguido nos termos do art.º 212º do C.P.Penal.
O M.P. pronunciou-se nos termos que constam da promoção que antecede e a defesa do arguido, apesar de ter sido notificada, nada requereu.
Cumpre apreciar e decidir.
Pese embora a prisão preventiva constitua a medida de coacção mais gravosa do elenco taxativamente previsto na lei processual penal, devendo apenas ser aplicada quando as outras medidas se afigurem insuficientes e desadequadas às finalidades cautelares, a verdade é que no caso dos autos, tendo em consideração o teor da acusão e acima de tudo a posição do arguido, que se ausentou do país, se encontra em paradeiro desconhecido, (não obstante a inserção do pedido de paradeiro, até hoje nada se conseguiu no sentido da notificação da acusação), verifica-se a alteração dos pressupostos que determinaram o respectivo estatuto coactivo, uma vez que apesar de volvidos muitos anos, o arguido persiste em subtrair-se à acção da justiça, o que permite concluir pela alteração da medida de copacção que lhe foi imposta, tanto assim que o mesmo não se consegue localizar.
Além do mais, a verdade é que se verifica o perigo de fuga e de continuação da actividade perigosa, que justificam a aplicação de tal medida mais gravosa.
Assim, face à alteração dos pressupostos que fundamentaram o actual estatuto coactivo do arguido, conclui-se que é de alterar o estatuto processual coactivo em que se encontra o arguido e portanto, deverá o mesmo arguido aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a prisão preventiva, nos termos dos art. 202º, 204º, alíneas a) e c), 212º, todos do C.P.Penal.
Concluindo, mostrando-se alterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a sujeição do arguido ao anterior estatuto coactivo, deverá o arguido AA, aguardar os demais trâmites processuais sujeito à medida de prisão preventiva decretada nos autos, nos termos dos art. 202º, 204º, 212º, todos do C.P.Penal.
Notifique, devendo ser emitidos MDE´s nos termos da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, bem como MDI´s, tendo em vista a execução da presente decisão e a notificação da acusação proferida.”
(sublinhado nosso)
(ref. 410791572 de 24novembro2021)
14 – Mandado de Detenção Europeu - MDE
Entre o mais, deste consta:
“Residência (último paradeiro conhecido): Estabelecimento Prisional de ..., ...
(…)
Tipo: Despacho Judicial de 17 de Novembro de 2021, que aplica ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva e determina a notificação da acusação e dos posteriores despachos proferidos.”
(sublinhado nosso)
(ref. 410791578 de 24novembro2021)
15 – Mandado de Detenção Internacional - MDI
Entre o mais, deste consta:
“Residência (último paradeiro conhecido): Estabelecimento Prisional de ...,...
(…)
Tipo: Despacho Judicial de 17 de Novembro de 2021, que aplica ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva e determina a notificação da acusação e dos posteriores despachos proferidos.”
(sublinhado nosso)
(ref. 31211461 de 17dezembro2021)
16 – Oficio/informação – PGR – Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal
Entre o mais, deste consta:
“Tenho a honra de devolver a V.Exa a documentação recebida, informando que o MDI não poderá ser utilizado também para notificação pessoal do arguido. A notificação deverá ser solicitada através de pedido de auxílio judiciário mútuo em matéria penal, após localização do mesmo.
(sublinhado nosso)
(ref. 411876689 de 6janeiro2022)
17 – Despacho – novo MDI
“O crime de furto (híper) qualificado pelo qual o arguido se encontra acusado nos presentes autos ocorreu em 11.03.2006 (cfr. acusação de fls. 114 e ss.), sendo que a pena máxima aplicável pela prática do mesmo é de 8 anos, nos termos do art. 204º, n.º 2 do C.Penal.
In casu, o prazo de prescrição do procedimento criminal é de 10 anos, contados após a data da prática dos factos, nos termos do disposto no art. 118º, n.º 1 alínea b), do C.Penal. Ora, este prazo já expirou há muito tempo.
Mas, para além deste prazo haveria sempre que considerar o prazo de 15 anos conforme o disposto no art. 121º, n.º 3 do citado diploma legal, que estabelece um prazo máximo de prescrição, com vista a que não se eternize a possibilidade de proceder criminalmente contra o agente de uma infracção. Também este prazo já foi largamente ultrapassado.
No entanto podem aqui invocar-se a ocorrência de factos suspensivos do prazo prescricional, a que aludem os art.ºs 120º e 121º do diploma legal supra citado, pois atenta a declaração de contumácia datada de 23.10.2009, constante de fls. 180, e embora esta não possa ultrapassar o prazo de prescrição, nos termos do art. 120º do C.Penal, 10 anos acrescem ao tempo de prescrição, ou seja tem de considerar-se decorrido o prazo prescricional de 25 anos após os factos, que ocorre em 11.03.2031.
Verifica-se, assim, que o presente procedimento criminal não se encontra prescrito, pelo que se determina que se emitam novos MDI´s com informação da data de interrupção (data de declaração da contumácia) e data da prescrição.”
(ref. 412159983 de 16janeiro2022)
18 – Mandado de Detenção Internacional - MDI
Entre o mais, deste consta:
“Residência (último paradeiro conhecido): Estabelecimento Prisional de ..., ...
(…)
Tipo: Despacho Judicial de 17 de Novembro de 2021, que aplica ao arguido a medida de coacção de prisão preventiva.
O Arguido praticou o crime indicado no Ano de 2006, foi declarado Contumaz em 23.10.2009 pelo que o crime prescreve em Março de 2031.”
(ref. 31534600 de 1fevereiro2022)
19 – Oficio/informação – PGR – Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal
Entre o mais, deste consta:
“Tenho a honra de informar V.Exa de que (…) foi autorizada a difusão internacional dos mandados emitidos contra AA.”
(ref. 32325012 de 20abril2022)
20 – Oficio/informação – Gabinete Nacional SIRENE
Entre o mais, deste consta:
“Tenho a honra de informar V.Exª. que o Sirene ... cfr. mensagem em anexo, nos comunicou que o arguido AA, de nacionalidade …, nascido a 1984/08/06, foi detido hoje, 2022/04/19, pelas 17:30, pela Polícia daquele país, devido a estar inserido no Sistema de Informação Schengen II (SIS II) no âmbito do artigo 26º da Decisão 2007/533/JAI do Conselho de 12.06.2007, com a retificação JO L 211 de 18.08.2011, com vista à sua entrega às autoridades portuguesas, com base no Mandado de Detenção Europeu emitido por esse Tribunal no âmbito do processo 179/06.8PLLSB..
As autoridades ...s informam que o cidadão se encontra sob custódia policial para ser presente à autoridade judicial competente, e solicitam o envio, no prazo de 14 dias, por via Sirene Portugal ou diretamente por parte desse Tribunal, do Mandado de Detenção Europeu (MDE) traduzido em inglês”(…)
(sublinhado nosso)
(ref. 415418773 de 3maio2022)
21 – Despacho
Entre o mais, deste consta:
(…)
“2) Atendendo ao facto de o arguido se encontrar detido, solicite através do SIRENE que seja este Tribunal informado se o mesmo já se encontra notificado da acusação, a fim de ser designada data para audiência de julgamento.”
(sublinhado nosso)
(ref. 422050892 de 12janeiro2023)
22 – Despacho
Após obtenção de inúmeras informações solicitadas pelas autoridades judiciárias competentes da ..., foi proferido despacho no sentido de:
(…)
“2) Informe as autoridades ...s, que no caso de condenação em pena efectiva de prisão, o arguido poderá cumprir a mesma no E.P.L. conforme informação da DGRS.
3) Atendendo à informação das autoridades ...s de que o arguido iria ser presente a Tribunal superior em dezembro de 2022, solicite informação sobre tal diligencia e sobre a data em que o mesmo será entregue às autoridades portuguesas para realização de julgamento ou se o mesmo consente na realização de audiência de julgamento na sua ausência, informando da data ora designada – tudo com recurso a prévia tradução.
4) Desde já se designa o dia 21 de março de 2023, pelas 13h30 para audiência de julgamento.”
(…)
(sublinhado nosso)
(ref. 35214905 de 1março2023)
23 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Junção de procuração forense.
(ref. 35236288 de 2março2023)
24 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Junção de contestação e rol de testemunhas.
(ref. 423853280 de 8março2023)
25 – Despacho
“1) REFª: 44861503: Tenha-se em consideração a procuração forense ora junta. Cessa funções o defensor nomeado.
2) REFª: 44890047: Admite-se a contestação do arguido e o respectivo requerimento probatório, nos termos do disposto no art. 315º do C.P.Penal. Notifique, convocando as testemunhas para a data já designada.
(…)
4) Oficio das autoridades ...s: Com cópia, solicite ao Sirene, à PJ e à Eurojust que articulem para providenciar pela recolha, transporte e entrega do arguido. Notifique o mandatário do arguido. Informe as autoridades ...s.”
(…)
(ref. 35353035 de 14março2023)
26 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Entre o mais, deste consta:
(…)
“O arguido nunca se desinteressou pelo processo em Portugal.
Pura e simplesmente a sua vida seguiu outro rumo e foi viver para ....
O arguido está bem integrado, encontra-se a residir em ..., com 2 filhos B, nascida 30-10-2011, D, nascido a 18-04-2015
Está casado com ATS.
Trabalha e é o sustento de toda esta familia.
Assim, tem a maior dificuldade em vir a Portugal e requer possa a audiência realizar-se na sua ausência e que seja alterada a medida de coação. Vamos juntar requerimento assinado pelo arguido.
Não há qualquer perigo de fuga, o arguido está no espaço europeu e pode sempre ser encontrado.
O arguido vai juntar comprovativos da sua situação laboral, pessoal e profissional.
Está previsto que o arguido seja detido a 21 ou 22 de Março e enviado a Portugal.
Salvo erro tal operação implica 2 agentes viajarem de avião para a ... e regressarem de avião com o arguido, ou seja 5 bilhetes, 4 dias de trabalho.
De seguida o arguido ficaria num estabelecimento prisional com custos de 70€ por dia.
Ora, tudo isto tem custos de tempo, deslocações, traduções, sendo na nossa opinião escusados.
Acresce que, se houve alteras menos felizes na vida e mais complicadas, hoje o arguido está integrado, trabalha, sustenta uma família.
Tudo isto ponderado, requer-se seja alterada a medida de coação para TIR com apresentações semanais na polícia local e mais uma vez requer-se possa a audiência realizar-se na sua ausência.”
(ref. 424108437 de 15março2023)
27 – Despacho
Entre o mais, deste consta:
(…)
“a) Tomei conhecimento da declaração de consentimento do arguido para realização da audiência de julgamento na ausência. b) Abra vista ao M.P. para expressamente se pronunciar sobre a revisão do estatuto coactivo do arguido.
(ref. 414115926 de 15março2023)
28 – Despacho
Entre o mais, deste consta:
(…)
“Se se encontra tudo articulado com as autoridades/entidades responsáveis para o arguido ser recolhido, transportado e entregue para julgamento não se compreende a declaração de consentimento de realização daquele na sua ausência, tanto mais que, encontrando-se o arguido declarado contumaz, só apresentando-se em juízo é que caduca a contumácia.
Por agora nada a p. quanto ao estatuto do arguido aguardando-se a sua apresentação em juízo.”
(ref. 424128933 de 16março2023)
29 – Despacho
Entre o mais, deste consta:
“1) Notifique o defensor do arguido da promoção que antecede.”
(…)
(ref. 35402770 de 17março2023)
30 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Entre o mais, deste consta:
(…)
“Das testemunhas e da sua notificação
Nos presentes autos estamos face crime praticado há 17 anos, face a um arguido com registo criminal e imaculado, que não é português e reside a mais de 10 anos na ....
A sociedade Lesada já não existe, foi declarada insolvente há 9 anos e nem veio ao crime pedir qualquer intervenção, indemnização ou qualquer outro pedido.
Verificamos que as cartas registadas datadas de ontem ainda não foram enviadas ref RE329300512PT.
Ou seja, vamos ter um julgamento sem testemunhas e que vai ser uma perda de tempo, pois o sócio da sociedade comercial e a administradora judicial nomeada não vão ser notificados atempo e horas.
Da Instrução Do Processo - Traduções E Elementos A Pedir A ...
Por outro lado correu processo de detenção europeu na ..., no qual o arguido prestou termo de identidade e residência, não está em prisão preventiva e faz apresentações diárias no posto da polícia local.
Curiosamente, nos presentes autos de comunicações autoridades ...s que não estão traduzidas para a língua portuguesa e não consta qualquer do expediente referente a TIR prestado na ..., nem sobre quais as medidas aplicadas pelo Tribunal ....
Hoje é feriado na ..., Dia de São Patrício, mas talvez o Eurojust tenha estas informações, que devem ser solicitadas com a máxima urgência.
Ou seja, é falso que não haja TIR, nem qualquer outra medida de coação aplicada na ....
Ou bom rigor, deveria ter sido solicitado um pedido de colaboração para a prestação de TIR e não um mandado de detenção, no qual já foi prestado TIR, estando o arguido a fazer apresentações diárias.
Modestamente, parece-me que face ao comprovativo do alegado e ao requerimento do arguido deve o Tribunal desistir no mandato de detenção.
Da necessidade de obtenção de elementos urgentes e a sugestão de adiamento
Com a maior franqueza, compreendemos a necessidade de avançar com este processo, mas o arguido já prestou TIR e está sujeito e a cumprir apresentações diárias na ... e já consentiu na realização da audiência na ausência, pelo que se requer com a máxima urgência e ainda hoje:
• Seja dada sem efeito a data do julgamento, pois vai ser uma perda de tempo.
• Sejam traduzidos todos os emails recebidos do sirene/eurijust e notificados ao mandatário do arguido
• Seja solicitado à Justiça da ... informação se o arguido prestou TIR e se foi sujeito a alguma medida de coação e qual, o que é questão prévia para a validade do consentimento do julgamento na ausência.
Vamos juntar ainda hoje comprovativo de medidas de coação aplicadas, que Ilustre Mandatário ... irá enviar ao longo da tarde. Indicamos o nome do Ilustre Mandatário:”
(…)
(ref. 35414644 de 20março2023)
31 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Entre o mais, deste consta:
(…)
“O arguido vem juntar decisão ... e indicar que desde 20 de Abril 2022 faz apresentações diárias.”
(ref. 35414645 de 20março2023)
32 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Entre o mais, deste consta:
(…)
“O Julgamento está marcado para amanhã. No entanto há ainda traduções, notificações em falta, sendo que arguido tem prazo para se pronunciar sobre elementos.
Como a deslocação de todos os intervenientes têm custos consideráveis, requer-se que, caso haja qualquer entrave à realização do julgamento, impedimento ou qualquer outra alteração, tal seja comunicado ao mandatário, às partes e às testemunhas a fim de evitar encargos e perda de tempo.”
(ref. 424245770 de 20março2023)
33 – Despacho
Entre o mais, deste consta:
“a) Considerando que parte das testemunhas ainda não se encontram notificadas e convocadas, fica sem efeito a audiência de julgamento agendada para amanha, reagendando-se a mesma para o dia 11 de Abril de 2023, pelas 13h30m. Notifique, convocando e desconvocando pela via mais expedita. b) Notifique o mandatário dos ofícios da Eurojust juntos aos autos, sem se afigura necessária qualquer tradução, uma vez que os mesmos se encontram em português ou inglês. c) Oficie às autoridades judiciárias da ... informação se o arguido prestou TIR e se foi sujeito a alguma medida de coação e, em caso afirmativo, qual a medida.
(…)
3) REFª: 45058701: Após resposta do ponto 1.al. c) abra vista ao M.P..”
(…)
(ref. 35428015 de 21março2023)
34 – Requerimento apresentado pelo Arguido
Entre o mais, deste consta:
(…)
“O arguido requer possa a audiência realizar-se na sua ausência.”
(…)
(ref. 424323734 de 23março2023)
35 – Despacho
Entre o mais, deste consta:
(…)
“Requerimento do arguido no sentido de consentir a realização da audiência de julgamento na sua ausência: Abra vista ao M.P.”
(ref. 35496805 de 27março2023)
36 – Informação – autoridade judiciária ...
Entre o mais, deste consta:
(…)
“At his arrest hearing before the High Court on 20 April 2021, Mr. AA confirmed his identity and his place of residence as ...
Mr. AA was arrested on a SIS alert on 19 April 2021 at 17.30 and was granted bail by the High Court on 20 April 2021. He remained on bail for the entirety of his proceedings.”
(sem tradução)
(tradução da responsabilidade deste Tribunal Superior: “Na sua audiência de detenção perante o Tribunal Superior, em 20 de abril de 2021, o Sr. AA confirmou a sua identidade e local de residência como .... AA foi detido na sequência de alerta do SIS em 19 de abril de 2021, às 17h30, e recebeu fiança do Tribunal Superior em 20 de abril de 2021. Permaneceu sob fiança durante todo o processo.”)
(ref. 424498804 de 28março22023)
37 – Promoção apresentada pelo Ministério Público
“O arguido está declarado contumaz nos autos pelo que só com a sua apresentação em juízo é que caduca a contumácia.”
B) Despacho recorrido
(ref. 424563996 de 29março2023)
“O arguido foi declarado contumaz e em virtude do seu desrespeito com o devir processual foram emitidos MDI/MDE, única forma de localizar o arguido.
Localizado o mesmo, foi designada data para realização de audiência de julgamento, tendo o mesmo constituído mandatário e junto declaração de consentimento para realização de audiência de julgamento na sua ausência.
Considerando que o arguido está a colaborar com as autoridades e que a deslocação do mesmo para Portugal acarreta elevados custos e poderá implicar outras delongas, atenta a informação veiculada pelas autoridades, decide-se:
a) Considerar validamente prestado o consentimento para realização da audiência de julgamento na ausência do arguido.
b) Dar sem efeito os MDE/MDI emitidos, devendo ser informadas a Eurojust, a Interpol/Gabinete SIRENE e as autoridades ...s, com cópia do presente despacho, informando que face ao decidido não será necessário transportar o arguido para Portugal.
c) Mantém-se a declaração de contumácia até ao transito em julgado da decisão que vier a ser proferida.”
C) Análise da questão de direito objeto de recurso:
Sem que previamente se declare a caducidade da situação de contumácia, é possível realizar, na sua ausência (requerida ou consentida), a audiência de discussão e julgamento dum Arguido declarado contumaz nesses autos, a residir no estrangeiro, onde, nos termos e limites solicitados por via de instrumento de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, fornecera morada atualizada para efeitos de TIR anteriormente prestado, fora notificado da acusação e do despacho que designa data para audiência de discussão e julgamento?
Os autos, duma forma simples, espelham que à data da acusação (17janeiro2008) o Arguido tinha prestado TIR, sendo que nesse TIR, e para os devidos efeitos legais, a morada constante era a do Estabelecimento Prisional (EP) de....
Decorre daqui, uma imediata conclusão/consequência, qual seja a de que não estamos perante um caso em que o Arguido desconhece a existência dum processo crime em que o mesmo é visado, tal qual é o “típico e comum” caso em que o Arguido nunca prestou TIR. Estamos antes perante um diferente caso, gerador dum outro problema, qual seja o de a morada constante do TIR ser uma morada, a partir de certo momento, “inviável” para válidas notificações, uma vez que à saciedade se sabe que na mesma o Arguido não permanece (nem pode, sem título que não depende da sua livre vontade, permanecer), sendo ainda necessário perceber que consequências desse incumprimento retirou o Tribunal a quo. Tudo a determinar que, por seu turno, se tome posição sobre quais os efeitos que decorrem para os autos, e para o Arguido, duma obtenção de informação de nova morada, ainda que no estrangeiro e por via de instrumento de cooperação judiciária internacional, no pressuposto de que não se está perante uma tomada de TIR, sim perante a sua atualização ao nível de morada. Tal quadro não é diretamente objeto do recurso, mas como influencia sobre toda a solução do recurso – também pela ponderação e, se for caso, diferenciação com relação a quem nunca teve, porque nunca o prestou, TIR válido nos autos - merece ser percebido e apreciado.
Retomando o caso dos autos, como decorre do despacho de reporte a saneamento do processo (art. 311.ºCPP) (19março2019), constata-se que à data da dita acusação (17janeiro2008) e subsequente notificação o Arguido já não estava no EP de ..., o que ocorria desde 11outubro2007.
No subsequente entendimento de que não se logrou o seu paradeiro e notificação, necessariamente tendo como subjacente que a presunção de validade de notificação efetuada para a morada constante do TIR se mostrava ilidida, cumprida a tramitação processual inerente, acabou o Arguido declarado contumaz a 23outubro2009. É dizer, a impossibilidade de descoberta de paradeiro e de notificação eficaz foi tida pelo Tribunal a quo como razão idêntica, como tal bastante, àquela que surge na ausência de TIR com vista à declaração contumácia.
Daqui resulta, como consequência processual imediata, a expressa determinação estipulada no art. 335.º/3CPP: suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da realização de atos urgentes nos termos do artigo 320.º.” (sublinhado nosso)
Líquido é que in casu não estamos perante quadro de conexão processual (referência ao n.º 4 do art. 335.º CPP).
Sobre as definições práticas inerentes ao instituto da contumácia, recorrer-se-á basicamente ao texto da fundamentação do Acórdão do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 5/2014 (26março2014, rel. Juiz Conselheiro Eduardo Maia Costa, publicado no DR – I.ªS-A, 21maio2014 acessível in www.dre.pt), do qual resultou a seguinte fixação de jurisprudência: “Ainda que seja conhecida a morada de arguido contumaz residente em país estrangeiro, não deve ser expedida carta rogatória dirigida às justiças desse país para ele prestar termo de identidade e residência, porque essa prestação não faz caducar a contumácia”.
A suspensão dos ulteriores termos do processo, tem como significância que o processo não corre mais a sua normal tramitação, a qual só se retoma com a caducidade da declaração de contumácia, operando as faculdades de reporte ao art. 336.º/3CPP. É dizer, fica o processo “num certo estado de «letargia», mas essa imobilidade é aparente ou em todo o caso precária, uma vez que a contumácia caduca com a apresentação do arguido ou a sua detenção.” (art. 336.º/1CPP)
Tal suspensão está, porém, coartada quando se esteja perante atos urgentes uma vez que “o mesmo preceito admite a prática de atos urgentes, embora não os defina.”. Resta, pois, perceber quais sejam os atos urgentes nos termos do art. 320.ºCPP a que se reporta a norma. Ora, desde logo este art. 320.ºCPP “trata de atos relativos à aquisição e conservação da prova, da «memória futura», prevendo que, mesmo em contumácia, podem praticar-se atos que seriam já atos de julgamento. (…) Como densificar esse conceito? Nesses atos deverão sem dúvida caber desde logo a apreciação de questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa, como a verificação de qualquer das causas de extinção da responsabilidade criminal ou a descriminalização dos factos imputados ao arguido, pois seria evidentemente inútil, contrariando o princípio básico da economia processual, manter pendente um processo destinado inevitavelmente ao arquivamento.” Por seu turno, resulta do art. 337.º/1CPP que a declaração de contumácia “implica para o arguido a passagem imediata de mandado de detenção para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo anterior ou para aplicação da medida de prisão preventiva, se for caso disso” (…) o que faz concluir que este ato é necessariamente um dos urgentes que a norma permite – melhor dizendo, exige seja praticado - por necessário à prossecução da função jurisdicional do Estado que não pode ser cabalmente exercida sem que opere a cessação da declaração de contumácia. (sobre a questão de atos urgentes, cfr. a Decisão Sumária, Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juiz Desembargador Pedro Cunha Lopes, 12junho2021, NUIPC 329/16.T9GMR-A, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) (sublinhado nosso)
“Assim, a declaração de contumácia não paralisa a procura do paradeiro do arguido. (…). Se os mandados não forem cumpridos, deverão fazer-se as diligências adequadas para localizar o arguido, passando-se novos mandados quando for conhecida a nova morada. (…) O tribunal deve, pois, manter uma atitude proativa na localização do paradeiro do arguido contumaz, enquanto ele não se apresentar voluntariamente em juízo.
Dir-se-á, desde já, que não se vislumbra do histórico eletrónico dos autos que tenham sido emitidos mandados de detenção nos termos supra referidos, ainda que seja certo que operaram as comunicações, incluindo as registais, da situação de contumácia. E tal resulta, certamente, de o próprio despacho de 23outubro2009 especificamente não o ordenar, ao contrário de outra diligências, essas sim cumpridas à luz do histórico eletrónico dos autos.
Aguardou-se, pois, pela apresentação – ato este dependente do contumaz, o qual “pressupõe uma actuação (…) de colocação à disposição do processo” – uma vez que não se colhe do histórico dos autos que se tenha diretamente providenciado pela detenção, caminhos estes os conducentes, nos termos da norma, à caducidade da contumácia.
E nesse estado de suspensão se mantiveram os autos, sempre no mesmo sentido de exclusiva diligência de obtenção de informações com vista à localização do Arguido, quase uma década e até ao despacho de 26novembro2018, momento a partir do qual opera uma diferenciada interpretação da situação processual e do modo de tramitação dos autos perante um quadro de contumácia.
Ora, neste despacho começa a diferenciada tramitação que vem a embocar no despacho recorrido e que, por isso, aqui urge reportar, uma vez que só desse modo se compreende o que foi o processado, quiçá o porquê do mesmo.
O despacho em causa (de 28novembro2018) firma três considerações: a) o comportamento do Arguido; b) a marcação de audiência de discussão e julgamento; c) a manutenção da contumácia.
A primeira das novidades é que ali se afirma, logo no parágrafo inicial, que o arguido incumpriu as suas obrigações inerentes ao TIR, em concreto a de informação em prazo legal da alteração de morada. Extraindo consequência, nesse mesmo trecho, é afirmado que se tem o Arguido por notificado.
Crê-se que tal se afirma em relação à acusação. Mas sem certezas, pois o despacho que firmara (em 23outubro2009) a contumácia refere que à luz da mesma morada constante do TIR (a do EP de ...) (e neste particular afirme-se desde já se colhe uma especificidade, que não é de menor grau, pois para os aí referidos não opera a notificação nos termos gerais do art. 113.º, sim na especificidade do art. 114.º CPP, sendo que a razão de o Arguido ter dado a morada do EP de ... não se prende com o facto de ali ser a sua residência de trabalho, que o faria cair na previsão do n.º 2, sim o facto de estar ali privado da liberdade, como tal a fazer operar o n.º 1) não se lograra a notificação do despacho de recebimento da acusação e de marcação de audiência de discussão e julgamento. Se assim o era, sem ter sido mudada a morada constante do TIR, o que necessariamente implica que as notificações para a mesma se remetam com vista a serem cumpridas nos moldes especiais reportados, como então se tornaria possível a notificação desta nova designada data para audiência de discussão e julgamento?
Só se perceberia que assim fosse se aquela morada do TIR fosse tida como válida.
E se válida era e servia para agora notificar o Arguido de nova marcação de audiência de discussão e julgamento, então a notificação que há uma década se fizera necessariamente teria sido válida. Como as subsequentes, diga-se.
Daí a dúvida.
Mas mais, se a morada do TIR se mantinha válida, pelo incumprimento do Arguido de comunicação de nova em prazo legal, então necessariamente que todo o quadro de contumácia – que parte do pressuposto de não notificação e localização do Arguido – teria que, no mínimo, ser tido como que baseado em pressupostos de facto inexistentes, logo a determinar a sua imediata cessação, não pela habitual caducidade, sim pela constatação de aplicação de tão gravoso instituto – para os direitos do Arguido – destituído dos mais elementares pressupostos.
Não foi, porém, esse o caminho processual seguido.
Antes foi o de marcar data para audiência de discussão e julgamento, ordenar que a sua notificação operasse ao Arguido na morada constante do TIR, a tudo acrescendo que se mantinha a contumácia, a qual se faria “cessar no início da audiência de julgamento”.
Ainda assim, ao mesmo tempo que se ordenava a notificação para a morada constante do TIR, ordenava-se que se oficiassem entidades para que as mesmas, entre o mais, informassem qual era a morada atual do Arguido. Ou seja, notifica-se o Arguido para uma morada em que se sabe que o mesmo não permanece, mas que se tem por válida uma vez que se entende que o Arguido era quem estava obrigado a informar os autos que alterara morada, mas em simultâneo e ao invés leva-se oficiosamente a cabo o labor de tentar saber qual é a morada atual do Arguido.
Todo este quadro é assim, e em si mesmo, contraditório.
De facto, se a morada do TIR fora tida como válida para efeitos de notificações, à luz da imputação de incumprimento de obrigações por parte do Arguido, não se vislumbra a necessidade de o Tribunal procurar saber através de entidades qual é a sua “atual morada”, uma vez que qualquer que seja a mesma, a válida para ao autos seria a do TIR (a do EP de ..., de onde saíra em 11outubro2007…), só passando a ser a nova uma vez que fosse alterada para aqueles efeitos (o que parece ter sido, como infra se analisará, uma das funções do expediente de auxílio internacional em matéria penal encetado nos autos). Do mesmo modo, se afinal era condição para o avanço dos autos conhecer a “atual morada”, então somente se estava no processamento, tido como urgente, de tentativa de localização do Arguido, pelo que somente se compreenderá pelo encadeado de actos infra a expor, o já avanço para a notificação na morada do TIR duma, também já avançada, designação de audiência de discussão e julgamento.
Cumpre, pois, reportar esta concreta especificidade dos autos, uma vez que parece ser entendimento do Tribunal a quo que tal designação será possível por ser um ato tido como urgente, como tal permitido em momento em que se mantenha a situação de suspensão dos autos pela via de contumácia. Mesmo não sendo os autos de natureza urgente.
Sobre tal diremos, tão só, que ainda que não seja este o tradicional processado que comummente se vê encetado nas situações de contumácia, certo é que o mesmo não contende com os direitos essenciais do Arguido, uma vez que – pelo menos em teoria – este ao tomar contacto direto com o Tribunal (por apresentação ou detenção), de imediato (leia-se, tudo no mesmo dia e em sucessivos atos) poderá ver ser declarada a caducidade da sua contumácia, tomado TIR (ou constatada nova e válida morada para TIR existente), notificado da acusação e logo declarar prescindir de instrução, pelo que até se pode seguir a marcação de audiência de discussão e julgamento.
Se tal assim pode operar no caso da caducidade da contumácia, não vislumbramos que impedimento exista em que sejam esses os conjuntos e globais moldes solicitados com vista a ser cumprido no imediato à dita apresentação geradora de caducidade da contumácia.
Sem que tal agregado, complexo e sequencial ato contrarie o AUJ 5/2014 que vimos a seguir, antes parecendo uma específica e ousada atitude prática em que se agrega o sucesso da proativa (…) localização do paradeiro do arguido contumaz aos atos processuais subsequentes e que a lei define no art.º 336.º/3 in fine como “seguindo-se os demais termos previstos para o processo comum”.
É o contacto pessoal com o contumaz, materializado pela via da apresentação ou da detenção, que caduca a contumácia (a qual tem por base precisamente a impossibilidade desse contacto). Sequer é com a prestação de TIR (como o AUJ refere) – que no caso até existe, só que com morada que foi tida como não válida, mas que agora parece ser tida como válida. E também não o é com uma qualquer notificação do Arguido – como poderá parecer ser pretendido na decisão recorrida, não diretamente, mas sim só através da consequência da mesma que se traduz na realização da audiência de discussão e julgamento, no início da qual se cessaria a contumácia.
Só dizer-se que não é, nem a prestação de TIR (que até já existe nos autos), nem a notificação para julgamento que precedem e provocam a caducidade da contumácia. Pelo contrário, é a caducidade da contumácia, em consequência da apresentação ou da detenção do Arguido, que determina e provoca a prestação (no caso, pelos vistos e numa das interpretações que se colhem dos autos, somente no que se reporta ao fornecimento de atual morada) de TIR e a realização da notificação, para os ulteriores termos do processo. Com a apresentação ou com a detenção, a implicar a caducidade da contumácia, o arguido prestará TIR (art. 336.º/2CPP) (no caso, pelos vistos e numa das interpretações que se colhem dos autos, somente no que se reporta ao fornecimento de atual morada) e subsequentemente é notificado, desde logo e na normalidade, da acusação e não do julgamento (ainda que o possa ser na tese supra), desde logo porque este até pode nem ser ato de fase subsequente, uma vez exercida a faculdade do art. 336.º/3CPP (daí, também, a dúvida supra exposta). Se assim é, a prestação de TIR (aqui lida nos limitados moldes supra expostos de alteração de morada do mesmo constante) e a notificação para julgamento, sem serem precedidas de apresentação ou de detenção, não fazem, só por si caducar a contumácia, então é pura perda, sem sentido, absolutamente inútil, ser o Tribunal a tomar a iniciativa de providenciar pela prestação de TIR e pela dita notificação, antes das ditas apresentação ou detenção.
Mas, igualmente, se ocorrer o contacto gerador da caducidade da contumácia e na tese sequencial exposta se praticarem no imediato os atos processuais subsequentes, mais quando com expressa aceitação do Arguido, mal se compreenderá que se mantenha a situação de contumácia, uma vez que são consabidos os seus efeitos, quer para o Arguido, que já não se justificarão, quer para os autos, que dos mesmos já não necessitarão.
É esta desde já uma nota a reter, para o infra a decidir.
Tudo a redundar, ao que parecerá ser a tese do Tribunal a quo, numa leitura que não é seca, na prática dum ato que antes necessariamente estaria vedado: a efetiva realização de julgamento com o andamento do processo suspenso, tudo a implicar, como se verá, a prolação do despacho ora sob recurso. O que cumpre perceber se assim é, e sendo-o se pode assim ser.
E daí, a necessidade de apontar a estranheza que causa a passividade do Ministério Público de 1.ª instância, uma vez que notificado deste despacho de 26novembro2018 só em 18fevereiro2019 – véspera da agendada audiência de discussão e julgamento – vem aos autos dar conta que se levantam dúvidas sobre a notificação ao Arguido do dito despacho de 26novembro2018, uma vez que entende que tratando-se da especial situação de alteração de morada por restituição do Arguido à liberdade, se pode aventar que não cabia ao Arguido a comunicação em causa aos autos (mormente para efeitos de TIR, subentende-se), sim caberia tal comunicação ao EP de ..., mais quando o Arguido aquando da libertação de 11outubro2007 ao mesmo forneceu morada concreta.
Resulta daqui que o Ministério Público de 1.ª instância, ainda que só revele a dúvida quanto à mais recente notificação – a do despacho de 26novembro2018 – certamente a estenderá à da própria notificação da acusação de 17janeiro2008, bem como à notificação do próprio despacho de reporte ao art. 311.ºCPP, de 19março2009, uma vez que nessas datas (porque já desde 11outubro2007) o Arguido não estava no EP de ..., morada essa a que consta do TIR. Tudo, então, a presumir que o Ministério Público de 1.ª instância estará de acordo com a elisão de presunção de notificação e com a consequente declaração de contumácia pelas condicionantes já referidas, mesmo que não atribua responsabilidade ao Arguido no incumprimento, sim o aponte a entidade oficial.
Eis que, em consequência, surge o despacho de 18fevereiro2019, do qual resulta que se entende que a notificação do despacho de 26novembro2018, para a morada do TIR – EP de ...–, não operara. Conclusão esta que, então, necessariamente parece contrariar a afirmação de ónus do Arguido em comunicar a alteração de morada, como fora afirmado na parte inicial do dito despacho de 26novembro2018, uma vez que aí já se sabia que a notificação fora e seria para o EP de ..., onde desde 11outubro2007 já não estava, assim se constatando a desnecessidade de tal despacho, dando razão ao Ministério Público quanto ao nesse dia invocado.
Acrescenta, então o despacho, como necessária consequência, o dar sem efeito da convocada audiência de discussão e julgamento, parecendo fazer retomar os autos à normalidade das típicas diligências que conduzissem à obtenção de informação sobre paradeiro do Arguido.
E deste modo, se percebe o raciocínio que na tese do Tribunal a quo esteve na base declaração de contumácia, porque no pressuposto de inviabilidade de notificação do Arguido para a morada constante do TIR, o que se aceita na sua validade.
Acrescenta o dito despacho de 18fevereiro2019, porém, uma novidade, qual seja a de o pedido de paradeiro se estender ao recurso a instrumento de pedido de auxílio em matéria penal, visando-se a obtenção de informação sobre paradeiro do Arguido – assim se conhecendo a morada do mesmo - e subsequente notificação da acusação ao Arguido.
Sanar-se-á, então, a dúvida supra, pois parecerá que fica reconhecido pelo Tribunal que sequer a acusação de 17janeiro2008 está notificada na pessoa do Arguido.
E aqui começa o vero problema dos autos, uma vez que há que dilucidar se tal tramitação processual, pela via de pedido de auxílio em matéria penal e com a extensão ordenada pelo despacho de 18fevereiro2019, colide com a doutrina fixada no AUJ 5/2014, ou se antes a mesma é viável.
Diga-se, desde já, que é abundante a jurisprudência sobre a questão, sendo que a mais recente – com a qual tendemos a concordar – é de manifesta oposição àquela que era a de pendor maioritária após o dito AUJ 5/2014, não por do mesmo discordar, sim porque entende que ao caso o mesmo se não aplica.
No mais, relembre-se que do histórico dos autos continua sem resultar que tenham sido emitidos mandados para os efeitos do art. 337.º/1CPP, mormente para a morada que foi a dos éditos, ou outra (para a do EP de ..., é certo, compreende-se que não fossem emitidos).
Desenvolvidos os autos, surge a informação que o Arguido não se encontraria no seu pais de nacionalidade – ... – sim encontrar-se-ia na ..., pelo que o foco de localização, sempre acrescido de notificação da acusação, para ali necessariamente se dirigiu.
Somente após mais de dois anos volvidos, fruto de constatados reiterados insucessos de localização na ..., surge nova diferenciada interpretação da situação processual do Arguido, agora através do despacho de 11outubro2021, o qual dá mote a que o Ministério Público de 1.ª instância, através de promoção de 16novembro2021, reconhecendo que o Arguido havia, em tempos idos e distantes, prestado TIR e invocando não perigo de fuga, sim concreta fuga, a que acresce perigo de continuação da atividade criminosa, se socorra (quase 12 anos após a declaração de contumácia de 23outubro2009 e quase 14 anos após a saída do ..., operada a 11outubro2007) de prementes exigências cautelares para justificar a promoção da mais gravosa das medidas de coação: a prisão preventiva. Ou seja, o Ministério Público de 1.ª instância que supra entendeu que não seria vera obrigação do Arguido informar alteração de morada, uma vez constatando que a “processualmente válida” mais não era do que uma “pura inviabilidade”, entende que à luz do desconhecimento de paradeiro do Arguido se está perante fuga deste. É dizer, nesse raciocínio do Ministério Público de 1.ª instância, o Arguido ao momento da libertação do EP de... não tinha que dizer nestes autos para onde ia e em que morada estava – isso era dever do EP de … -, mas como não o disse e o Tribunal não o logra saber, então o mesmo está em fuga. Daí que juntando o mote à promoção, a 17novembro2021, reconhecendo que a presunção de notificação para a morada do TIR vigente se mostra ilidida, operando insucesso de diligências de localização, tal medida de coação foi determinada.
E, decretada que foi a dita medida de coação, permitiu-se a emissão de Mandado de Detenção Europeu (MDE) e de Mandado de Detenção Internacional (MDI) – os primeiros mandados que, de acordo com o histórico eletrónico, existem nos autos – com vista a execução da medida de coação em causa, necessariamente com localização do Arguido e contacto deste com os autos, e, uma vez mais, notificação da acusação.
Depreende-se desta tese sufragada pelo Tribunal a quo que considerando o AUJ 5/2014 não ser adequado o recurso a instrumentos de cooperação internacional unicamente para a prestação de TIR por parte de um Arguido contumaz que se encontre no estrangeiro, o certo é que nada obstaria à sua detenção, conhecimento de morada, notificação da acusação e comparência na audiência de julgamento, através do uso dos competentes instrumentos jurídicos de cooperação internacional em matéria penal que, verificados os seus requisitos específicos, possibilitem a entrega do Arguido às autoridades portuguesas para efeitos de procedimento criminal (cfr. arts. 1.º/1 e 31.ºss da Lei 144/99-31agosto e 1.º/1, da Lei 65/2003-23agosto).
Resta, porém, saber e perceber se o Tribunal de 1.ª instância considerará que operando tal detenção (ou, seja caso, apresentação voluntária), a subsequente presença do Arguido perante as autoridades judiciais do Estado a quem se requer a cooperação equivale a um contacto direto do Arguido com os autos, gerador de caducidade de contumácia. Estranhamente – em especial face à mais recente posição jurisprudencial, que infra referiremos e da qual o Tribunal a quo quase parece ser visionário – assim não parece ser entendido.
Tais mandados, uma vez emitidos, têm contudo um acréscimo que não consta do despacho de base, qual seja o de também servirem para notificar despachos proferidos posteriormente à acusação (como dos mandados consta).
Devolvidos os MDI, por não serem aptos a qualquer notificação ao Arguido, sim tão só para execução da medida de coação determinada, foram efetuados cálculos de prescrição – em que se consideraram os efeitos da contumácia – e subsequentemente emitidos novos MDI para as viáveis finalidades – detenção com vista a execução da aplicada medida de coação de prisão preventiva.
Em 20abril2022 o SIRENE informa os autos que as competentes autoridades da ... executaram o MDE, com vista à entrega do Arguido às autoridades portuguesas, sendo que a subsequente atuação processual retoma a questão da notificação da acusação, a fim de ser designada audiência de discussão e julgamento. Ou seja, parte o processado do pressuposto de existência de TIR válido (em que somente cumpre firmar informação de nova morada), sendo que com a detenção operada e a obtenção de informação sobre a localização do Arguido – pelo conhecimento de qual a sua morada – se seguirá a notificação da acusação e a possibilidade de designação de audiência de discussão e julgamento.
E é nesta fase que surge mais uma especificidade no modo de tramitação dos autos, pela via do despacho de 12janeiro2023, qual seja o acréscimo do facultar processual ao Arguido, pelo Tribunal a quo, da possibilidade de este requerer/conceder a audiência de discussão e julgamento na sua ausência, à luz do art. 334.º/2CPP, audiência a qual fica designada para 21março2023.
Notificado deste despacho o Arguido procede à junção de contestação e rol de testemunhas (o que vale por dizer que não fez uso da faculdade de requerer a abertura de instrução, como aludido no art. 336.º/1CPP), sendo que no demais os autos são tramitados com vista à dita audiência de discussão e julgamento, pelo que se solicitam às autoridades competentes que articulem o transporte e entrega do Arguido.
Nestes pressupostos, duas necessárias conclusões desde já se tiram: a) a de que o Arguido se mantém contumaz, pois nenhum despacho no sentido da caducidade foi proferido (o que pressupõe a conservação da afirmação inicial – de 26novembro2018 - de que a contumácia cessaria no inicio da audiência de discussão e julgamento), e como tal os autos se mantêm suspensos; b) a de que a medida de coação determinada se mantém como sendo a de prisão preventiva, legitimadora do MDE, razão do mesmo e da solicitação de entrega que ali se mostra expressa.
É então o momento processual em que o Arguido (a 14março2023) requer aos autos o seu julgamento na ausência, sendo que perante tal o Ministério Público de 1.ª instância (promoção de 15março2023) vem assumir aos autos que estando articulada a entrega daquele com vista à realização do julgamento, mantendo-se o mesmo contumaz, não se compreende a declaração de consentimento em causa, uma vez que só com a apresentação em juízo a contumácia caducará. Insiste, pois, o Ministério Público de 1.ª instância na manutenção da tese de que não basta o contacto do Arguido com os autos pela via de auxílio colhido junto das Autoridades Judiciárias da ..., sendo necessário que esse contacto seja feito presencialmente perante o Tribunal onde os autos correm.
É este, pois, um momento essencial à compreensão do processado, uma vez que reconhecido está que o Arguido foi presente a Autoridade Judiciária da ...no âmbito de cooperação judiciária internacional, certo é que não se colhe que o Tribunal a quo tenha disso extraído consequências como afinal parece que vem a extrair, sem que contudo as indique e quando as indica afinal entra na contradição a que alude o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto.
E assim é porque cabia ao Tribunal a quo firmar se assiste ou não, razão às várias conclusões que se evidenciam da atitude processual do Ministério Público de 1.ª instância aquando da dita promoção de 15março2023, quais sejam: a) a de que a detenção via MDE operada na ... não constituiu apresentação em juízo; b) a de que se aguarda a entrega para julgamento, necessariamente não em liberdade, sim sob a égide da medida de coação de prisão preventiva decretada; c) que o consentimento para julgamento na ausência não se afigura possível para quem deverá ser julgado sob medida de coação de prisão preventiva decretada; e, d) que só com a apresentação em juízo inerente à entrega do Arguido às autoridades portuguesas, pela via da execução do MDE, se pode considerar ter operado razão para a caducidade da contumácia.
Tudo a levar à final conclusão de que o Ministério Público de 1.ª instância entende, como vem a entender pela via da interposição do presente recurso, que estando os autos suspensos, face à declaração de contumácia do Arguido, não será, afinal, admissível o ato de marcação de audiência de discussão e julgamento, marcação válida sem a qual não há lugar à viabilidade de aplicação do art. 334.º/2CPP, ainda que no mais, nada promova em termos de alteração de medida de coação, o que vale por dizer que entende que a aplicada - prisão preventiva, base do MDE, repete-se – se deve manter. Mas, igualmente, se não entende que restrinja o Ministério Público de 1.ª instância esta limitação à marcação de julgamento, mas já não à notificação da acusação.
Eis que então vem o Arguido aos autos (a 17março2023, sexta-feira, com uma audiência designada para 21março2023, terça-feira), dando conta que junto das autoridades da ... prestou TIR (note-se que o Tribunal a quo nunca tal solicitou, sim solicitou localização e informação de inerente morada), que não está em prisão preventiva (entenda-se, a aguardar a entrega às autoridades portuguesas) e que faz apresentações diárias em posto policial (o que igualmente não foi solicitado e que a assim o ser só se poderá depreender como a resultar de execução à luz da legislação da ... com vista à oportuna execução final do MDE). E, tecendo tese, afirma o Arguido que o quanto devia ter sido solicitado às autoridades da ... era uma colaboração para prestação de TIR (ainda que, como já se viu, este esteja prestado nos autos) e não um MDE, renovando o pedido de julgamento na ausência e solicitando que seja dada sem efeito a audiência de discussão e julgamento, bem como se solicite às autoridades da ... que confirmem a prestação de TIR, a sujeição a medida de coação, por serem questões prévias à validade do consentimento de julgamento na ausência.
Ou seja, é o próprio Arguido que duvida da validade do seu consentimento à audiência de discussão e julgamento, uma vez que entende que tal só pode operar se confirmado for que prestou TIR (sem que se perceba se está a fazer a leitura supra apontada de dever ler-se ter o Arguido indicado nova morada a valer para o TIR já prestado, ou se está a falar de TIR tout court, olvidando que um prestado existe).
Ora, como já se reportou – e se insiste – não só não foi solicitada qualquer simples e exclusiva prestação de TIR às autoridades da ..., nem tal seria viável para a caducidade da contumácia à luz do referido AUJ 5/2014 (mesmo que nas limitações de fim já expressas).
Com base na ausência de notificação de testemunhas, por despacho de 20março2023, foi desconvocada a agendada audiência de discussão e julgamento. Simultaneamente solicitou-se às competentes autoridades da ... que informassem se (ainda que não solicitado pelo MDE) o Arguido aí havia prestado TIR (terá que se ler, se aí indicou morada a valer para o TIR já prestado) e sujeito a qualquer outra medida de coação.
Obteve-se a informação de que em audiência perante essas Autoridades ...s foi confirmada a identidade e local de residência do Arguido e que o mesmo se mostra sob fiança.
É neste ínterim que o Arguido insiste que lhe seja consentida a realização da audiência de discussão e julgamento na sua ausência, ao que o Ministério Público de 1.ª instância se opõe uma vez que o mesmo se mostra contumaz, contumácia a qual só poderá cessar com a apresentação em juízo – subentenda-se sob detenção ou de forma voluntária.
É nesta consequência que surge o despacho sob recurso, mediante o qual se tem como válido o consentimento à realização da audiência de discussão e julgamento na ausência, se dão sem efeito os MDE/MDI, determinando a desnecessidade de transporte do Arguido para Portugal.
Ou seja, depreende-se daqui que o Tribunal a quo considerou que o êxito da solicitada, por via de instrumento de auxilio, localização, seguida de efetivo contacto do Arguido com as Autoridades Judiciais da..., a quem comunicou morada, a qual foi pelas mesmas transmitida ao Tribunal a quo, lhe permitia não só a notificação da acusação, como a manutenção da designada audiência de discussão e julgamento, que pressupõe válida, como permitia deferir a pretensão de ausência do Arguido à audiência de discussão e julgamento.
E esta tese, à luz do quanto foi efetivamente objeto do MDE, que não se confunde com o referido no caso objeto do AUJ 5/2014 é até possível, como decorre da mais recente jurisprudência sobre a matéria, infra a reportar.
Contudo, uma vera dificuldade surge nos autos, quanto à efetividade da aplicação dessa jurisprudência, uma vez que o Tribunal a quo, que considerou a tramitação supra, da mesma não só não extraiu uma consequência linear, qual seja a de perante válido contacto pessoal do Arguido com os autos defender que operou caducidade da contumácia, como até agrava esse quadro uma vez que altera o “limite” de manutenção da contumácia firmado no despacho de 26novembro2018 (onde a contumácia cessaria no inicio da audiência de discussão e julgamento) e estende o mesmo até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida.
E, repetindo, esse é o inicial cerne da questão, que muito bem o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal Superior aponta quando nos diz que “o despacho recorrido mostra-se contraditório nos seus próprios termos ao permitir a audiência de julgamento na ausência do arguido, mantendo, no entanto, a declaração de contumácia”.
Adiante, sendo que uma nota, desde já, cumpre firmar: a de que em nenhum lado do histórico eletrónico dos autos consta que a aplicada medida de coação de prisão preventiva tenha sido alterada.
É então, momento de tomar posição.
Tomemos como inicial mote a argumentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (rel. Juíza Desembargadora Ausenda Gonçalves, 21maio2018, NUIPC 158/12.6GDGMR-A.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) (idem, 3dezembro2018, NUIPC 153/09.2GEGMR-C.G1) no qual se discute a situação em que um Arguido contumaz, uma vez encontrado num pais do espaço da União Europeia, pode, ou não, ver cessada a contumácia pela via de notificações cumpridas no âmbito de cooperação judiciária internacional. Aí se discutiu, argumentando que o AUJ 5/2014 tão só se debruçou sobre a ineficácia das notificações realizadas por via postal de Arguido residente no estrangeiro e, consequentemente, na irrelevância da recolha de TIR para efeitos de cessação da contumácia; mas nunca no dito AUJ 5/2014 se defendeu, direta ou indiretamente, que a notificação de Arguido contumaz residente no estrangeiro não faz cessar os efeitos da declaração de contumácia; e também o AUJ 5/2014 não fez uma só menção relativamente à notificação de Arguido contumaz residente no estrangeiro, nos termos previstos no art. 113.º/1a)CPP. No fundo, chama-se à colação o teor do voto de vencido constante do AUJ 5/2014. Conclui-se, no dito Acórdão, que “não foi esse o caminho trilhado pelo Supremo Tribunal na fixação de jurisprudência, como se infere do seu segmento uniformizador e da fundamentação deste. Desde logo, porque, não se podendo admitir a expedição de carta rogatória para aquela finalidade, como se rematou naquele segmento, também se não pode admitir que a notificação pessoal através dum pedido de auxílio judiciário internacional corresponda à apresentação do arguido nos termos em que a lei o determina, tanto mais que essa “notificação” nenhuma garantia ofereceria à ulterior tramitação processual ou, sequer, a que o arguido se deslocaria ao território nacional para prestar TIR.” No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (rel. Juíza Desembargadora Maria Leonor Botelho, 5novembro2020, NUIPC 1489/11.8PGALM-A.L1-9, acessível in www.dgsi.pt/jtrl) onde se discutia a questão de o Arguido contumaz estar no estrangeiro e impossibilitado de se deslocar a Portugal, caso em que ainda que conhecida a sua residência, a prestação de TIR solicitada às autoridades competentes ou o contacto pessoal do arguido com as ditas autoridades não foi tido como apto à caducidade da contumácia, entendendo-se que a mesma só ocorre mediante o contacto direto do Arguido com os autos - voluntariamente, isto é, pela sua apresentação em Tribunal, ou coercivamente, através da sua detenção, sendo que só após a sua apresentação é que será prestado TIR pelo arguido tendo em vista o normal prosseguimento dos autos. (quanto à abrangência do conceito de “impossibilitado”, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, rel. Juíza Desembargadora Fátima Furtado, 20novembro2017, NUIPC 415/08.6GBVVD.G1 acessível in www.dgsi.pt/jtrg, o qual cuida de situação de recluso no estrangeiro, equiparando a especificidade de localização do mesmo a modo de apresentação, determinante de cessação de contumácia e de viabilidade de deferimento da solicitação de audiência nos termos do art. 334.º/CPP; no sentido inverso, igualmente para quadro de recluso, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, rel. Juiz Desembargador Francisco de Sousa Pereira, 24março2022, NUIPC 6731/19.4T8LSB-A.L1-9 acessível in www.dgsi.pt/jtrl; neste último sentido, quanto à questão de impossibilidade de obtenção de documentação, cfr. o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, rel. Juiz Desembargador José António Rodrigues da Cunha, 15dezembro2021, NUIPC 76/09.5T3AND.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrp) (sublinhado nosso)
É dizer, na tese supra referida, a parte do MDE que determina o contacto (via detenção ou mediante apresentação voluntária) do Arguido com o Tribunal “rogado”, onde se colhe a sua morada, se equiparada a uma tomada de TIR, e onde se firma a notificação da acusação, não teria a viabilidade de fazer cessar a contumácia.
Não foi isso que o Tribunal a quo concluiu. O que este concluiu é bem diferente. Concluiu – como já vinha firmando desde o despacho de 19fevereiro2019 em que pela primeira vez se recorre ao expediente de pedido de auxílio - que ainda que os autos estejam suspensos – porque a contumácia se mostra vigente – podiam ser tramitados os mesmos para além da intenção de localização, no sentido de que logrando-se efetivar esta através de cooperação judiciária internacional então já – consequentemente, mas pela mesma via solicitada - se podia notificar o Arguido da acusação e subsequentemente designar audiência de discussão e julgamento e, em consequência da validade desta designação, até se podia autorizar a dispensa do Arguido à presença na mesma.
Será tal per se possível? E sendo-o, mesmo que se mantenha o Arguido contumaz?
O processo penal português consagra a regra geral de obrigatoriedade da presença do Arguido, expressa no art. 332.º/1CPP, o qual, sob a epígrafe “presença do arguido” dispõe que é obrigatória a sua presença na audiência, “sem prejuízo do disposto nos ns. 1 e 2 do artigo 333.º e nos ns. 1 e 2 do artigo 334.º”.
Obrigatoriedade essa que não é plena, uma vez que desde a Lei Constitucional 1/97-20setembro se consagra no art. 32.º/6CRP que “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento.” Quadro constitucional este que deu azo às reforma operadas pela Lei 59/98-25agosto, posteriormente consolidada com as alterações impostas pelo DL 320-C/2000-15dezembro.
Não cumpre neste recurso cuidar de qualquer bondade ou fundamento do Arguido para lhe ser conferido o direito a ser julgado na ausência à luz do imposto nesse art. 334.º/2CPP, na certeza de que aqui se prevê como uma das suas específicas razões de aplicação o facto de a residência do Arguido ser no estrangeiro.
A questão em análise no recurso é a esse momento prévia, uma vez que à própria admissibilidade do consentimento para julgamento na ausência por parte do Arguido sempre se teria que aquilatar se a notificação para audiência de discussão era, ou não, válida. Mas também, e na essência, se tal ausência é possível deferir a quem está contumaz, como tal tecnicamente “ausente” dos autos.
É que o preceito do art. 334.º/2CPP pressupõe essa notificação e, não a havendo – por inexistente ou não válida – a pretensão é inviável. Tanto assim é que o art. 334.º/3CPP igualmente pressupõe a hipótese de concedida a “dispensa” o Tribunal vir a determinar a presença do Arguido em audiência de discussão e julgamento, sendo que não se vislumbra como fazer comparecer o Arguido em audiência se nem para tanto esteja notificado da sua realização.
Dir-se-á, então, que o quanto é permitido pelo art. 334.º/2CPP é um julgamento a realizar com Arguido “processualmente presente” que opta por não se deslocar ao local onde se realiza a audiência por razões compreensíveis e atendíveis.
Ora, só chegaremos a tal quadro de viabilidade de ausência se previamente se tiver chegado a processualmente tramitável fase de julgamento, pois só faz sentido requerer e viabilizar a audiência nos termos do art. 334.º/2CPP se a notificação para a audiência de julgamento se mostrar válida.
Novamente aqui entra a divergência entre aquela que é a jurisprudência próxima do AUJ 5/2014 e que entende que este é aplicável a todas as situações, e aquela mais recente sobre a matéria, infra a reportar.
Na primeira insere-se o quanto resulta do Acórdão da Relação de Guimarães (rel. Juíza Desembargadora Isabel Cerqueira, 22março2021, NUIPC 1770/13.1TAGMR-C.G1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) (citado na peça de recurso do Ministério Público) onde nos é dito que “a contumácia só cessa quando deixam de estar suspensos os termos ulteriores à sua declaração, o que apenas acontece, como estipula o n.º 2 com a apresentação ou detenção do arguido, que é logo seguida de prestação de TIR, medida cautelar que é a única possibilidade de que o agente possa vir a ser julgado na sua ausência e que como é referido no AUJ n.º 5/2014 não pode preceder a cessação da contumácia, sendo uma consequência desta” (…). “Pode, pois, o arguido ser julgado na sua ausência. Mas desde que regularmente notificado (art. 333º, nº 1, do CPP), notificação essa a realizar por meio de via postal simples, como se referiu. Sem essa notificação o julgamento na ausência do arguido não é admissível.” (no mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa, rel. Juíza Desembargadora Maria do Rosário da Silva Martins, 11novembro2021, NUIPC 1682/15.4T9FNC.L1-9, acessível in www.dgsi.pt/jtrg, igualmente citado na peça de recurso do Ministério Público, onde se enfatiza que “Estando o arguido declarado contumaz não se pode realizar a audiência de discussão e julgamento nem proferir sentença sem que aquele seja detido ou se apresente em juízo, não bastando o recebimento nos autos de um requerimento assinado pelo arguido consentindo que o julgamento se realize na sua ausência, sendo que esta não substitui a sua apresentação em juízo, violando-se assim o disposto no artigo 335º nº 3 do CPP, nem faz acionar a caducidade de tal declaração.”)
E daí que neste último referido Acórdão se diga “não há qualquer fundamento legal para se entender que basta a manifestação de que o arguido autoriza o julgamento na sua ausência para cessar a sua contumácia – em lado nenhum a lei consagra tal causa de cessação de contumácia.”
É dizer, tal notificação de audiência de discussão e julgamento só poderia operar uma vez caduca a contumácia pela via de contacto direto e presencial do Arguido com os autos no Tribunal onde os mesmos correm, e só com o subsequente conhecimento de morada e notificação válida de acusação e de audiência de discussão e julgamento se poderia cogitar a hipótese de julgamento na ausência.
Como já decorre do que se vem explanando, não seguiremos essa limitada tese, sim seguiremos uma segunda via.
Antes sufragamos a mais recente, reportada pela Juíza Desembargadora Ligia Trovão (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 25janeiro2023, NUIPC 720/03.8PUPRT-A.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) a qual defende que deve considerar-se verificada a caducidade da declaração de contumácia do arguido residente em país estrangeiro, nos termos previstos no artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, se o arguido se apresentou voluntariamente perante a autoridade judiciária desse país, por ter sido convocado pelo tribunal rogado que, em execução da carta rogatória expedida pelo tribunal português, o notifica pessoalmente da acusação, do despacho que a recebeu e do despacho que designou data para realização da audiência de julgamento, com a advertência de que se faltar, tal julgamento poderá ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos pelo defensor, do direito de requerer que o julgamento se realize na sua ausência ao abrigo do artigo 334.º, n.º 2 do Código de Processo Penal ou solicitar a sua inquirição por videoconferência nos termos do artigo 10.º, n.º 9, da Convenção Relativa ao Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados Membros da União Europeia. II – Tal situação é equiparável à apresentação do arguido mencionada nesse artigo 336.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. III – A tal não obsta a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2014.” (sublinhado nosso)
A fundamentação expendida no citado Acórdão dispensa-nos de a repetir, ainda que buscássemos outras palavras ou expressões para afinal exprimir a mesma ideia e juízo. O que não quer dizer que se concorde com todas as conclusões a que no mesmo se chegou, mormente a do momento válido para cessação da contumácia.
Ficam, porém, algumas notas, quais sejam: a) a da similitude da razão de ali se ter recorrido ao instituto da contumácia – perante situação de TIR existente, mas de inviabilidade conhecida, e reconhecida, de para a morada no mesmo constante operar válida notificação; b) o questionar e o responder, com expressiva fundamentação, à questão de inexistência de diferenciação entre o contacto pessoal do Arguido com os autos no Tribunal rogante a esse contacto pessoal no Tribunal rogado (art. 111.º/3b) CPP e art. 177.º/2CPC ex vi art. 4.ºCPP) nos moldes e limites do quanto lhe foi solicitado; c) o dilucidar da não perda de garantias de defesa para o Arguido, mormente ao nível da validade de notificação pela via de contacto pessoal, em confronto com a presumida pela via postal simples; d) o recordar das boas práticas, em termos de MDE como salientava a Comissão Europeia na sua Comunicação C(2017) 6389 final, de 28setembro2017 (Manual sobre a emissão e a execução de um Mandado de Detenção Europeu, p. 19) agora Comunicação C(2023) 7782 final, de 17novembro2023 (Manual sobre a emissão e a execução de um Mandado de Detenção Europeu, p. 24); d) a consideração final – importante para o presente caso, ainda que não faça parte do objeto do recurso, mas da solução do mesmo seja condição sine qua non – de que a caducidade de contumácia deveria, o mais tardar, ter sido declarada aquando da audiência de discussão e julgamento (o que parece inviabilizar quer a inicial posição assumida pelo Tribunal a quo, quer a mais recente).
Neste sentido, sendo que em ambos o inicial Acórdão é reportado, igualmente se decidiu nos Acórdãos da Relação do Porto de 12julho2023 (rel. Juiz Desembargador Pedro Vaz Pato, NUIPC 298/18.8GDVFR-A.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg), onde no corpo do Acórdão, numa forma que privilegia a materialidade prática do judiciário em detrimento dum formalismo exacerbado que não garante ao Arguido o mínimo das suas elementares garantias de defesa, mormente no que toca ao princípio constitucional contido no art. 32.º/2CRP, como direito a “ser julgado no mais curto prazo”, se diz “Trata-se de saber se, e de que modo, pode dar-se a apresentação em juízo de um arguido residente no estrangeiro e assim cessar a declaração de contumácia que o atinge. Essa apresentação em juízo supõe um contacto pessoal do arguido com o tribunal. Foi a falta desse contacto que levou à declaração de contumácia e será esse contacto que justificará a cessação da contumácia. Afigura-se-nos que nada impede que essa apresentação se dê num tribunal estrangeiro, o qual, no âmbito da cooperação judiciária internacional, funciona como legítima extensão (como “lunga manus”) do tribunal português. Assim sucede em geral em diligências solicitadas no âmbito da cooperação judiciária internacional. Se assim não for, tornar-se-á quase praticamente inviável a cessação de contumácia de um arguido residente no estrangeiro: só com a sua vinda a Portugal para se apresentar em juízo num tribunal português se dará tal cessação, com a consequente paralisia de um grande número de processos.” , bem como no de 28fevereiro2024 (rel. Juiz Desembargador Francisco Mota Ribeiro, NUIPC 73/18.0PAVFR.P1, acessível in www.dgsi.pt/jtrg) , onde em sumário desde logo se apontam as evoluções que desde o AUJ 5/2014, independentemente do alcance de conteúdo do mesmo, operaram ao nível dos meios jurídicos e tecnológicos ao dispor das instituições judiciárias, e se diz “I – Tendo em conta o quadro de cooperação judiciária internacional em matéria penal, e o surgimento no âmbito específico da União Europeia de uma constelação de diplomas, respeitantes à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo, bem como à aproximação ou harmonização das legislações dos Estados-Membros da União Europeia em matéria penal, ou ainda a experiência de cooperação entre as autoridades judiciárias desses mesmos Estados, nomeadamente ao abrigo da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, e ademais os meios de célere comunicação atualmente existentes, não só para a troca de informações, mas também para a comunicação entre pessoas e instituições, em tempo real, com som e imagem [de que é exemplo a videoconferência que o Segundo Protocolo Adicional à referida Convenção prevê, no seu art.º 9º, nº 5, al. a)], não vemos como possa ser considerada juridicamente inviável a pretensão deduzida pelo Ministério Público, de ver emitida carta rogatória, tendo em vista a cessação da contumácia e o prosseguimento do processo para julgamento dos factos objeto da acusação, de um modo que salvaguarde a eficiente realização da justiça penal e sem que daí resultem sacrificadas as garantias constitucionais de defesa do arguido, assegurando-se-lhe o direito a “ser julgado no mais curto prazo” e de um modo compatível com as suas “garantias de defesa”, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa. II – Assim sendo, deverá ser emitida carta rogatória para o ..., onde se apurou que o arguido residia atualmente, por tal ato não contender com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 5/2014, de 21/05, dado com ele se não visar apenas a prestação de TIR, e muito menos se fazer operar o regime de notificação postal simples, que pudesse resultar da conjugação das normas dos art.ºs 196º e 113º do CPP, mas somente a aplicação de tal medida de coação concomitantemente à apresentação pessoal do arguido no tribunal, no caso o tribunal rogado, após prévia convocação para o efeito, com observância do disposto no art.º 58º, nºs 2 e 5, do CPP, como decorre ainda das disposições conjugadas dos art.ºs 336º, nº 2, e 196º, nº 1, provocando-se assim a cessação da contumácia, ao abrigo do art.º 336º, nº 1, do CPP, e permitindo-se que o processo possa prosseguir os seus ulteriores termos, providenciando-se para tal as notificações pessoais que hajam de ser realizadas, e possibilitando-se a realização do julgamento na ausência do arguido, seja porque este expressamente o autorize, nos termos dos art.ºs 334º, nº 2, e 333º, nº 4, seja porque se verifiquem os pressupostos do art.º 333º, nºs 1 a 3, do CPP, mantendo o arguido, nos termos aí previstos, o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência, deslocando-se ao tribunal onde decorre o julgamento, se assim o entender, ou prestando declarações por videoconferência, que poderá ser realizada nos termos do disposto no art.º 9º, nº 5, do Segundo Protocolo Adicional à Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal.”
O instituto da contumácia acarreta ao Arguido determinadas inibições de âmbito pessoal e patrimonial e visa que o mesmo se coloque à disposição do Tribunal por forma a pôr termo à sua evasão do processo e, concomitantemente, à suspensão dos ulteriores termos do processo, sem prejuízo da prática de actos urgentes.
É entendimento pressuposto da atuação do Tribunal a quo que por via do socorro junto das Autoridades Judiciárias da... é permitido levar a cabo válida tramitação processual que culmina no julgamento nas circunstâncias descritas, onde sobressai a dispensa do Arguido.
Concluindo nesta parte, vista a situação nos moldes supra, pela via citada aceitamos que operou tramitação processual válida que conduz ao conceito de contacto pessoal do Arguido com os autos e que permite a subsequente caducidade da contumácia e a demais tramitação dos autos, sem que tal frustre o fim da norma do art. 336.º/1CPP.
Suscita-se, então, a necessidade de resolução do problema final face à solução do Tribunal a quo quanto ao momento da caducidade da contumácia.
É que o Tribunal a quo mantém a situação de contumácia ao Arguido, pelo que cumpre vislumbrar causa legalmente válida para a manutenção de contumácia quando se tiver logrado o contacto entre o Arguido contumaz e o Tribunal, contacto esse que na normalidade determina a caducidade da contumácia. Ora, não sendo os autos o protótipo da normalidade, será “normal” não declarar caduca a contumácia uma vez que se considere válido o contacto presencial do Arguido com os autos e se tramitem os mesmos com vista ao julgamento?
O art. 335.º/3CPP estabelece uma consequência rigorosamente clara quando define que a suspensão abrange os termos do processo ulteriores à declaração da contumácia e até à detenção ou apresentação do contumaz (com o que a contumácia caduca – art. 336.º/1CPP), sendo que a nenhum título se limita aquele efeito final.
E daí que a situação mesclada de autos suspensos por vigência de contumácia e autos com vigência de contumácia a serem tramitados para além dos atos urgentes e dos que a estes se associaram – como que a inviabilizar a natureza intrínseca da suspensão – inexiste, muito menos com os contornos de alteração de tempo de cessação da contumácia a fixar de forma diferenciada em relação ao Arguido que se apresente à audiência de discussão e julgamento (voluntariamente ou sob detenção, caso em que a contumácia caducaria no início de audiência) ou ao Arguido que esteja autorizado a não estar presente à audiência de discussão e julgamento (caso em que a contumácia somente caducaria com o trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida).
Essa contradição é patente, pelo que não deverá subsistir, devendo ser ponderada ao nível destes autos.
De facto, o Tribunal a quo nunca declarou a caducidade da contumácia, a qual na tese supra sufragada – que, como vimos a desenvolver, entendemos não contender com o AUJ 5/2014 – deveria ter sido declarada como imediata sequência do contacto direto do Arguido com as Autoridades Judiciárias rogadas na ..., momento em que operou uma atualização de morada, e lhe foi feita a notificação da acusação, só assim fazendo pleno sentido a consequência do despacho que determina a realização da audiência e o subsequente a deferir/consentir a ausência do Arguido na mesma.
Sim, porque sendo certo que aquelas notificações são subsequentes, dado serem em si mesmas decorrências do contacto direto determinativo de caducidade da contumácia, ainda assim se concede – como supra se justificou - que as mesmas sejam como que “quase” simultâneas, por contidas num mesmo pedido de auxílio (até pelo próprio obstar de reporte ao AUJ 5/2014).
O que já não se concede é que desta, já de si condescendente, interpretação se estendam consequências ao ponto a que nos autos se logrou, qual sejam a de manter a contumácia e deferir a realização de audiência de julgamento na ausência: nas lapidares palavras do Digníssimo Procurador-Geral Adjunto “contraditório nos seus próprios termos (…) permitir a audiência de julgamento na ausência do arguido, mantendo, no entanto, a declaração de contumácia”. É dizer, não se pode manter formalmente os autos sob a égide de suspensão, porque vigente uma contumácia, mas materialmente tudo – mesmo tudo - processar nos autos como se essa suspensão, decorrente de contumácia vigente, inexistisse.
E, assim sendo, como se entende ser, não pode o ser (suspensão pela via de contumácia) não o ser, nem pode o não ser (tramitação linear como se contumácia inexistisse) o ser.
III – DECISÃO
Nestes termos, em conferência, acordam os Juízes que integram a 5.ª Secção Penal deste Tribunal da Relação de Lisboa, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogam o despacho do Tribunal a quo, ora sob recurso - ref. 424563996 de 29março2023 – no que toca à admissibilidade e deferimento de requerimento/consentimento de realização de audiência de discussão e julgamento na ausência, nos moldes firmados no art. 334.º/2CPP, por parte de Arguido localizado no estrangeiro, com TIR e morada atualizada informada nos autos, concomitantemente notificado da acusação e da data de audiência de julgamento, nos termos e limites solicitados por via de instrumento de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal, sem que para tal previamente esteja declarada caduca a contumácia.
Sem custas.
Notifique (art. 425.º/6CPP).
D.N.
Lisboa, 23abril2024
• o presente acórdão foi elaborado pelo relator e integralmente revisto pelos seus signatários; com datação eletrónica – art. 153.º/1CPC e com aposição de assinatura eletrónica - art. 94.º/2CPP e Portaria 593/2007-14maio
Manuel José Ramos da Fonseca
Sara Reis Marques
Ana Cláudia Nogueira