Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1016/23.4TELSB-A.L1-5
Relator: MARIA JOSÉ MACHADO
Descritores: SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS
DESPACHO JUDICIAL DE CONFIRMAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
SEGREDO DE JUSTIÇA
NOTIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA DECISÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I. A decisão judicial de confirmação do despacho do DCIAP que determinou a suspensão temporária de operações bancárias (SOB) deve ser fundamentada, como expressamente se refere no n.º 3 do artigo 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18/8, e ser comunicada ao visado, ainda que essa comunicação possa ser sustada por 30 dias, quando a notificação imediata possa ser suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato.
II. O despacho que confirmou judicialmente a SOB, ao indicar os crimes que se indiciam, a norma jurídica aplicável e ao remeter para a promoção do Ministério Público, na qual constam os fundamentos para a aplicação da medida, pode considerar-se que satisfaz a exigência legal de fundamentação.
III. O visado pela decisão de SOB pode suscitar a revisão e a alteração da medida, após ser notificado da mesma e, sendo a medida aplicada no âmbito de um inquérito criminal ao qual é subsidiariamente aplicável a legislação processual penal (artigo 49.º, n.º 7 daquela lei), pode também recorrer da decisão que a determinou (artigo 401.º, n.º 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Penal), para o que é pressuposto ter conhecimento dos fundamentos que a determinaram.
IV. Não constando os fundamentos do despacho, mas de uma decisão do Ministério Público para a qual ele remete, esse conhecimento deverá abranger, em princípio, a decisão para a qual o despacho remete. De outro modo torna-se incompreensível a fundamentação do despacho para a visada e difícil, senão mesmo impossível, a sua impugnação ou o seu pedido de alteração e/ou revisão, o que acaba por se traduzir numa restrição absoluta de a visada poder exercer os seus direitos.
V. Uma vez que o inquérito se encontra em segredo de justiça, admitindo-se que o conhecimento integral dessa decisão possa fazer gorar a pretensão punitiva do Estado, deve, pelo menos, haver notificação dos elementos essenciais da decisão do Ministério Público que permitam o exercício daqueles direitos ao recorrente, pelo menos quanto à informação respeitante aos movimentos suspeitos na conta da recorrente, que fizeram despoletar o procedimento, sendo certo que, por força do n.º10 do artigo 86.º do Código de Processo Penal, fica o visado vinculado pelo segredo de justiça quanto ao conhecimento de tais elementos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - Relatório
1. No âmbito do inquérito supra identificado foi proferido despacho pelo Sr. Juiz de instrução, a …/…/2023, a validar a sujeição do inquérito a segredo de justiça e a confirmar a decisão do DCIAP de suspensão provisória e bloqueio, pelo período de três meses, de todas as operações a débito, incluindo através de meios à distância (também acesso homebanking) sobre determinada conta bancária. No mesmo despacho foi sustada por 30 dias a comunicação ao visado da suspensão temporária e bloqueio sobre a aludida conta, nos termos do artigo 40.º, n.º 3 da lei n.º 83/2017, de 18/08.
2. A ... de ... de 2023, a visada por aquela medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias, AA, requereu que lhe fosse notificada a promoção do Ministério Público e o subsequente despacho de confirmação judicial na sequência dos quais foi decretada aquela medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias.
3. O Ministério Público pronunciou-se sobre esse requerimento no sentido de ser dado cumprimento ao disposto no artigo 49.º, n.º 3 da Lei 83/2007, notificando-se o visado do despacho judicial de confirmação da aplicação da medida SOB, e de ser-lhe negada a pretensão quanto ao envio de cópia do despacho do Ministério Publico que determinou a aplicação de tal medida. Simultaneamente requereu a renovação da referida medida SOB por mais três meses.
4. Sobre o requerimento da AA recaiu, a .../.../2023, o seguinte despacho do Sr. Juiz de instrução:
«Requerimento de fls. 258-260:
Renovam-se os fundamentos já esgrimidos no despacho que antecede a este propósito e aderindo-se na íntegra ao promovido peio Ministério Público, determina-se que se diligencie nos termos promovidos».”
5. Inconformada com esse despacho, a AA interpôs o presente recurso, nos termos da motivação junta aos autos, da qual extrai as seguintes conclusões: (transcrição)
1. A Recorrente é titular da conta bancária com o IBAN..., sita no Banco ..., sujeita a medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias.
2. O presente recurso tem por objeto o segmento decisório contido no Despacho proferido pelo Juiz 6 do Tribunal Central de instrução Criminal com a Referência … (o qual foi notificado à aqui Recorrente no passado dia ... de ... de 2023), através do qual o Tribunal a quo notificou a Recorrente do Despacho de confirmação judicial proferido em ... de ... de 2023, com a Referência … (totalmente remissivo para o Despacho antecedente do Ministério Público que decretou medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias), mas não notificou a Recorrente deste Despacho precedente do Ministério Público, o que a Recorrente não aceita, por limitar de forma inadmissível os seus direitos de reação e defesa face a uma medida limitativa de direitos patrimoniais seus.
3. Este Despacho com a Referência …, de que ora se recorre, foi proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal na sequência de requerimento apresentado pela Recorrente no dia ... de ... de 2023, no qual esta arguiu, nos termos do art. 123.º, n.º 1 do CPP, a irregularidade do Despacho com a Referência … (datado de ... de ... de 2023), proferido pelo mesmo Tribunal, que lhe negara a notificação dos fundamentos que estiveram na base da aplicação da medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias.
4. Sendo o Despacho de confirmação judicial com a Referência … inteiramente remissivo para Despacho anterior do Ministério Público, que não foi notificado à Recorrente, esta desconhece os pressupostos de facto e de Direito que, em concreto, estiveram na base da tomada de posição do Ministério Público e que mereceram acolhimento por parte do Tribunal Central de Instrução Criminal.
5. Nos termos do disposto no art. 97.º, n.º 5 do CPP, os atos decisórios são “(...) sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão".
6. No caso em análise, o vício de falta de fundamentação decorre precisamente da circunstância de a Recorrente não conhecer os argumentos do Ministério Público que terão sido validados pelo Juiz de Instrução Criminal.
7. O facto de os autos se encontrarem sujeitos a segredo de justiça não impede a notificação à Recorrente do Despacho do Ministério Público que aplicou a medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias, pois decorre do art. 49.º, n.º4 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, na sua redação atualizada que os visados em medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias têm o direito de suscitar a revisão ou alteração de tal medida, resultando igualmente do art. 86º, n.º 9, al. b), do CPP que deve ser dado a conhecer o conteúdo dos atos ou documentos em segredo de justiça quando estes se afigurem indispensáveis ao exercício de direitos pelo interessado, o que é aqui o caso.
8. O Tribunal Central de Instrução Criminal a quo, ao decidir não notificar a Recorrente do Despacho do Ministério Público que antecedeu o seu Despacho de confirmação judicial, com fundamento na sujeição dos presentes autos a segredo de justiça, violou o disposto nos arts. 86.º, n.º 9, al. b) e 97.º, n.º 5, ambos do CPP e no art. 49.º, n.º 4 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, na sua redação atualizada,
9. Uma vez que, da correta aplicação das normas acabadas de referir ao caso concreto, e considerando que o Despacho de confirmação judicial com a Referência … é, no que à fundamentação da decisão de confirmação judicial diz respeito, inteiramente remissivo para o Despacho antecedente do Ministério Público, resulta a obrigatoriedade de a Recorrente ser também notificada deste último Despacho.
10. Assim, o Despacho proferido pelo Tribunal Central de Instrução Criminal a quo com a Referência …, datado de ... de ... de 2023 (que não declarou a irregularidade tempestivamente arguida pela ora Recorrente e que manteve a decisão de não a notificar dos fundamentos da medida de suspensão temporária de execução de operações bancárias contidos no Despacho do Ministério Público que a decretou) deverá ser revogado, ordenando- se a sua substituição por outro que ordene a notificação à Recorrente do dito Despacho do Ministério Público
11. Refira-se, por fim, que a interpretação do disposto nos arts. 48.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, conjugado com o disposto no art. 97.º, n.º 5 do CPP no sentido de acordo com o qual, confirmando o Mmo. Juiz de Instrução Criminal a aplicação da medida de suspensão de execução de operações bancárias, fazendo remissão à fundamentação contida no Despacho do Ministério Público que antecedeu tal decisão, sem que, na notificação dirigida ao visado, seja junta cópia de tal Despacho (do Ministério Público), sempre redundará em norma materialmente inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de Direito Democrático, da restrição mínima de direitos, liberdades e garantias, da tutela jurisdicional efetiva, do direito ao recurso e do dever de fundamentação das decisões judiciais, constantes, respetivamente, dos arts. 2.º, 18.º, n.º 2, 20.º, n.º 1, 32.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, todos da Constituição da República Portuguesa - inconstitucionalidade que, para todos os efeitos legais, aqui se deixa expressamente invocada.
6. O recurso foi admitido com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, e ao mesmo respondeu o Ministério Público junto da 1ª instância, pugnando pela sua improcedência, tendo finalizado a sua resposta com as seguintes conclusões: (transcrição)
1 - Não merece qualquer reparo o douto despacho recorrido que notificou a Recorrente do Despacho de confirmação judicial de aplicação da medida de Suspensão de Operações Bancárias, o qual é remissivo para o despacho antecedente do Ministério Público que decretou a aludida medida, mas omitiu a notificação à Recorrente deste Despacho do Ministério Público.
2 - Estando o processo sujeito a segredo de justiça, tal implica a ausência de publicidade. De tal forma, a nosso ver, o despacho do Ministério Público que determinou a SOB não tem e não deve ser comunicado ao requerente.
3 - De todo o modo, ponderando a natureza, a gravidade e o modo de execução dos crimes indiciados, em particular, o de branqueamento, o acesso aos autos pelas pessoas abrangidas pela medida de suspensão, seria suscetível de pôr em risco a eficácia e rigor da investigação, razão pela qual se submeteu os autos a segredo de justiça
3 - Assim, a notificação do despacho do Ministério Público que determina a aplicação da SOB ao próprio visado, não se mostra compaginável em face da sujeição dos autos a segredo de justiça.
7. Neste tribunal, o Ministério Público, no âmbito da vista prevista no artigo 416.º, n.º1 do Código de Processo Penal (doravante designado C.P.P.), emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente, remetendo para tanto para os argumentos da resposta apresentada na 1ª instância.
8. Após exame preliminar e vistos legais, foram os autos à conferência, por na mesma o recurso dever ser julgado, nos termos do artigo 419, n.º 1, al. b) do C.P.P., cumprindo agora decidir.
II – Fundamentação
1. Do objecto do recurso:
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso e das nulidades que não devam considerar-se sanadas, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação nas quais sintetiza as razões do pedido (art.º 412º, nº1 do CPP).
A questão que é suscitada pelo recorrente é apenas a de saber se à recorrente deve ser dado conhecimento do despacho do Ministério Público para o qual remete o despacho judicial que confirmou a medida de suspensão temporária de operações bancárias (doravante designada por SOB) sobre uma conta bancária da sua titularidade.
2. Apreciação
A suspensão temporária da execução de operações a débito das contas bancárias (também designada por SOB) é um medida preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo que está prevista na Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, que transpôs parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva 2015/849/EU, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015 e a Directiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de dezembro de 2016.
Perante a obrigação a que estão sujeitas determinadas entidades, designadamente os Bancos, sempre que saibam, suspeitem ou tenham razões suficientes para suspeitar que certos fundos ou outros bens, independentemente do montante ou valor envolvido, provêm de atividades criminosas ou estão relacionados com o financiamento do terrorismo, de comunicarem esse facto ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal da Procuradoria-Geral da República (DCIAP) e à Unidade de Informação Financeira, pode o DCIAP determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada – artigos 43.º, n.º1 e 48.º da referida Lei.
Fora desses casos a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações: (art.º 48.º, n.º2)
a) Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo 47.º, sendo os mesmos devidos;
b) Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo;
c) Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes.
Quanto ao âmbito de abrangência da medida, prescreve o n.º 3 do artigo 48.º que a decisão de suspensão temporária:
a) Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio;
b) Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos:
i) O tipo de operações ou de transações ocasionais;
ii) As contas ou as outras relações de negócio;
iii) As faculdades específicas e os canais de distribuição.
Uma vez determinada essa medida pelo DCIAP, deve a mesma ser judicialmente confirmada pelo juiz de instrução, no prazo de dois dias úteis, sob pena de caducidade, por período não superior a três meses, especificando-se no despacho os elementos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º.
Estabelece ainda o artigo 49.º da mesma lei, nos seus n.ºs 3 e 4:
«3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato.
4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver.»
A decisão judicial de confirmação do despacho do DCIAP que determinou a suspensão temporária de operações bancárias deve, assim, ser fundamentada, como expressamente se refere no n.º3 do artigo 49.º e ser comunicada ao visado, ainda que essa comunicação possa ser sustada por 30 dias, quando a notificação imediata possa ser suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato, podendo o visado pela decisão suscitar a revisão e a alteração da medida, após ser notificado da mesma, para o que é pressuposto ter conhecimento dos fundamentos que a determinaram.
Sendo a medida aplicada no âmbito de um inquérito criminal (artigo 49.º, n.º 1), ao qual é subsidiariamente aplicável a legislação processual penal (artigo 49.º, n.º 7), aquele que tiver que defender um direito afectado por essa medida tem também legitimidade para recorrer do despacho que a determinou (artigo 401.º, n.º 1, alínea d), parte final, do Código de Processo Penal).
O despacho que confirmou judicialmente a medida de SOB sobre a conta da titularidade da recorrente é do seguinte teor:
«Com base nos elementos probatórios constantes dos autos indicia-se a prática dos crimes de burla qualificada (arts. 217º, n.º 1 e 218º, n.º 2, al. a) do C.P), e branqueamento de capitais (art. 368º-A do C.P.).
Assim sendo, atento o teor dos elementos probatórios constantes dos autos, o relatório da Polícia Judiciária devidamente suportado naqueles elementos, pelos fundamentos constantes da douta promoção que antecede — com os quais se concorda na íntegra e que aqui se dão integralmente por reproduzidos -, ao abrigo do disposto no art. 49º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 83/2017, de 18.8., confirmo a decisão de suspensão provisória e determino o bloqueio, pelo período de 3 (três) meses, de todas as operações a débito, incluindo através de meios à distância (tb. acesso homebanking), sobre a conta bancária identificada a fls. 91, parte final, al. a).
No mais, proceda-se como promovido (fls. 91, último parágrafo).
Susta-se, por 30 (trinta) dias, a comunicação ao visado da suspensão temporária e bloqueio ora determinado, já que a comunicação imediata colocaria em causa as diligências necessárias para a recolha de prova, essencialmente num caso como o presente em que a investigação ainda se encontra em fase embrionária (art. 49º, n.º 3 da Lei 83/2017, de 18.8.).»
Ainda que o recorrente alegue que este despacho viola o disposto no artigo 97.º, n.º5 do Código de Processo Penal, que determina que «os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão», o que está em causa não é este despacho que confirmou judicialmente a decisão de SOB sobre a conta da recorrente, mas antes o despacho que não deferiu a notificação à recorrente dos fundamentos constantes da promoção do Ministério Público para a qual se remete naquele despacho, com fundamento no facto de o processo se encontrar em segredo de justiça.
De todo o modo sempre se dirá que, sobre a fundamentação por remissão para promoção do Ministério Público já se pronunciaram os tribunais por diversas vezes, considerando o Tribunal Constitucional que a fundamentação de decisões pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz. Nesse sentido veja-se, entre outros, o acórdão n.º 391/2015 (Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16), que decidiu "…não viola qualquer parâmetro constitucional, designadamente o princípio da reserva de juiz e o dever de fundamentação das decisões judiciais, a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a fundamentação da decisão que decreta a medida de prisão preventiva, pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público…" ou o acórdão n.º 684/15 (Diário da República n.º 42/2016, Série II de 2016-03-01) referente à fundamentação dos despachos relativos à declaração de excepcional complexidade do processo e aos prazos máximos de prisão preventiva que, em ambas as situações, não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 97.º, n.º 5, do C.P.P., na interpretação segundo a qual a fundamentação dessas decisões pode ser feita por remissão para a promoção do Ministério Público, desde que revele o exercício de uma ponderação própria pelo juiz.
O despacho que confirmou judicialmente a SOB, ao indicar os crimes que se indiciam, a norma jurídica aplicável e ao remeter para a promoção do Ministério Público, na qual constam os fundamentos para a aplicação da SOB, pode considerar-se que satisfez a exigência legal de fundamentação.
A comunicação desse despacho à visada pela medida SOB, ora recorrente, deveria ter sido efectuada, decorridos 30 dias sobre a sua prolação, uma vez que se determinou a sustação de tal comunicação por esse prazo nos termos do artigo. 49º, nº 3, da Lei em referência, por se ter considerado que que a comunicação imediata seria suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato. É a própria lei que, independentemente de o processo estar sujeito a segredo de justiça, permite a sustação da comunicação da decisão fundamentada ao visado, por 30 dias, para não comprometer o êxito das diligências de investigação a realizar nesse período, obstando assim a que, durante esse período, o visado possa ter conhecimento dos fundamentos que determinaram a aplicação da medida.
Ora, a comunicação à visada, da decisão judicial que confirmou a aplicação da SOB só veio a ser efectuada, incompreensivelmente, após .../.../2023, na sequência de um requerimento da visada que entretanto teve conhecimento do bloqueio da conta. Com efeito, apenas através do despacho recorrido, proferido naquela data, veio a ser ordenado a notificação à recorrente do despacho que confirmou judicialmente a SOB, sendo-lhe contudo negado o acesso ao despacho do Ministério Público que determinou a aplicação da medida, onde constam os fundamentos para os quais remete aquele despacho de confirmação, com fundamento no facto de o processo se encontrar sujeito a segredo de justiça e a divulgação desse despacho contender com os interesses e a eficácia da investigação, como consta da promoção do Ministério Público para a qual o despacho recorrido remete.
O facto de a visada pela medida não ser arguida não altera a exigência dessa notificação uma vez que ela é objecto de uma decisão judicial que afectou os seus interesses, designadamente o seu direito de poder movimentar e utilizar os fundos da sua conta bancária e da qual pode recorrer e/ou pedir a alteração ou revisão da medida, nos termos do artigo 49.º, n.º 4 da Lei. Para tanto, há que reconhecer que a recorrente tem de dispor de informação suficiente para contrariar a medida tomada e poder exercer, de uma forma aceitável, esses direitos.
Daí que, em princípio, deva ter acesso ao despacho proferido e aos seus fundamentos.
Não constando os fundamentos do despacho, mas de uma decisão do Ministério Público para a qual ele remete, esse conhecimento deverá abranger, em princípio, a decisão para a qual o despacho remete. De outro modo torna-se incompreensível a fundamentação do despacho para a visada e difícil, senão mesmo impossível, a sua impugnação ou o seu pedido de alteração e/ou revisão, o que acaba por se traduzir numa restrição absoluta de a visada poder exercer os seus direitos.
Uma vez que o inquérito se encontra em segredo de justiça, admitindo que o conhecimento integral dessa decisão possa fazer gorar a pretensão punitiva do Estado, deve, pelo menos, haver notificação dos elementos essenciais da decisão do Ministério Público que permitam o exercício daqueles direitos ao recorrente, pelo menos quanto à informação respeitante aos movimentos suspeitos na conta da recorrente, que fizeram despoletar o procedimento, sendo certo que, por força do n.º10 do artigo 86.º do Código de Processo Penal, fica a visada vinculada pelo segredo de justiça quanto ao conhecimento de tais elementos.
Depois de analisado o despacho do Ministério Público que determinou a aplicação da SOB (que também não foi enviado inicialmente para conhecimento deste tribunal de recurso) constata-se ser possível, a partir do mesmo, extrair os elementos essenciais que fundamentaram a medida e para os quais remete o despacho judicial de confirmação, sem pôr em causa a investigação. Basta para tanto dar conhecimento à visada dos movimentos suspeitos, na sua própria conta, que determinaram a comunicação por parte da ... ao DCIAP e bem assim os elementos que constam dos pontos 30 a 36 (sob a designação de ponderação) que antecedem o referido despacho do Ministério Público, que supostamente serão do conhecimento da visada pois a ela respeitam, e cujo conhecimento não contende com a investigação e o sigilo da mesma relativamente a outras entidades.
Termos em que o recurso merece parcial provimento devendo a recorrente ser notificada dos elementos essenciais do despacho do Ministério Público para os quais remete o despacho que confirmou judicialmente a medida de suspensão temporária de operações bancárias, nos termos supra referidos.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam, os Juízes, na 5ª Secção deste Tribunal da Relação, em julgar parcialmente procedente o recurso quanto ao despacho do Sr. Juiz de Instrução proferido a ........2023, relativamente ao requerimento de fls. 258-260, dos autos principais, devendo, em consequência, ser dado conhecimento à recorrente dos elementos essenciais que constam do despacho do Ministério Público que determinou a aplicação da medida de suspensão temporária de operações bancárias sobre a conta da recorrente, a ela respeitantes, para os quais é feita remissão no despacho judicial de confirmação da medida.
Sem custas.

Lisboa, 23 de Abril de 2024
(Texto processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2 do C.P.P.)
Maria José Costa Machado
Sandra Oliveira Pinto
Carla Francisco