Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2848/19.3T8ALM.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: FACTOS RELEVANTES
ADITAMENTO
PODERES DE COGNIÇÃO
CAUSA DE PEDIR
ALTERAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (do relator):
1. Configurando-se a decisão da sentença como um corolário lógico da matéria de facto declarada provada e pertinente para decisão da causa, a invocada contradição entre um facto declarado provado e motivação da decisão em matéria de facto e entre um facto declarado provado e um facto declarado não provado, ainda que existisse, não é suscetível de integrar a nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil.
2. Tais contradições, a existirem, poderiam servir de fundamento a um pedido de alteração da sentença em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
3. Como decorre do disposto no n.º 1, do art.º 596.º, do C. P. Civil e de toda a sua génese, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova é uma criação legislativa destinada a ultrapassar as dificuldades processuais anteriormente existentes, não se confundindo com os factos pertinentes para decisão da causa, relativamente aos quais rege o disposto no n.º 1, do art.º 5.º, do C. P. Civil, no que respeita à ação da partes, no n.º 2, do mesmo art.º 5.º, no que respeita à interação em audiência de julgamento das partes e do Tribunal e no n.º 4, do art.º 607, do C. P. Civil, no que respeita à elaboração da sentença, a qual deve declarar os factos pertinentes para decisão da causa e não os temas da prova.
4. O n.º 3, do art.º 5.º, do C. P. Civil ao dispor que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, consagra o vetusto princípio processual ínsito no brocardo latino jura novit curia segundo o qual, ao contrário do que principio estabelecido no n.º 1, do mesmo art.º 5.º, o tribunal só pode socorrer-se na sua decisão dos factos articulados pelas partes (com as exceções previstas no n.º 2).
5. Tendo sido pedida na petição inicial a anulação de um contrato com fundamento na venda de bem alheio, prevista no art.º 892.º, do C. Civil, não incorre na nulidade prevista na al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil a sentença que, conhecendo desse pedido, não se pronuncia sobre o litigo dos autos na perspectiva substantiva do erro sobre o objeto do negócio, quando, tendo a apelante, já depois de fixados os temas da prova, apresentado articulado superveniente em que, grosso modo, reconduz o litígio dos autos a esse instituto do erro sobre o objeto do negócio, esse requerimento foi rejeitado pelo tribunal porque, nos termos do disposto no art.º 620.º, do C. P. Civil, essa decisão se impõe e vincula o próprio tribunal, que assim ficou impedido de alterar a sua decisão e porque, como aduzido nessa mesma decisão, nos termos previstos no n.º 1, do art.º 265.º, do C. P. Civil “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, previsão legal que não se verifica nos autos.
6. A apelação não é o meio processual próprio para requerer o aditamento de factos não articulados à matéria de facto provada da sentença, nos termos previstos no n.º 2, do art.º 5.º, do C. P. Civil, devendo tal ser requerido em plena audiência, em ordem a que possa ser contraditado pela contraparte e decidido pelo Tribunal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.


1. RELATÓRIO.
… Rústica, Lda propôs contra … Gestão, Lda esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a anulação do contrato de compra e venda celebrado a 03.03.2015, relativo a parcela para construção que identifica e a restituição do preço, acrescido de despesas e impostos, no total de €64.805,56, e juros desde a data da escritura até à decisão final, a reposição do prédio no estado em que se encontrava ou ao pagamento da quantia de €60.000,00, a condenação ao pagamento de indemnização no valor de €50.000,00 pelos prejuízos sofridos e a condenação na quantia de €104.325,04 correspondente ao valor despendido em obras no imóvel, com fundamento, em síntese, que a R  lhe vendeu um prédio que lhe não pertencia.
Citada, contestou a R dizendo, em síntese, que adquiriu o imóvel em 2012 em processo de insolvência, com a área de 2020m2, que foi a área que ficou a constar na escritura, e pedindo a absolvição do pedido.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo a R do pedido.
Inconformada com essa decisão, a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a procedência da ação, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
O Tribunal a quo alicerçou-se em erros manifestamente notórios, que culminam na nulidade da douta Sentença proferida, tendo ainda dado como não provados factos que deveriam ter sido dados como provados assim como descurou e fez total tábua da prova produzida em sede de audiência de julgamento que impunha que tivessem sido dados como provados factos que não foram dados como provados, nem como não provados e, consequentemente, sustentou a sua decisão com base em erro notório na determinação da norma jurídica aplicável.
No ponto 2.1.8 dos factos dados como provados e identificado na fundamentação com o número (5) o Tribunal a quo, deu como provado que “Em setembro de 2015, depois de a autora ter dado início às obras no prédio, surgiu no local ... S afirmando pertencer-lhe o terreno em compropriedade com mais duas pessoas e exigindo que o terreno seja reposto no estado anterior, o que importará em €60.000,00.”
Porém, em sede de fundamentação, e em clara contradição com o que deu como provado, menciona o Tribunal a quo que “5) o depoimento da testemunha … S revelou esta matéria, embora não tenha resultado do mesmo que tenha exigido a reposição do terreno no estado anterior às obras, nem que tal ascendesse à quantia de 60.000,00€ [...]”
Ora, ou bem que o Tribunal a quo dava como não provado o facto que deu como provado no ponto 2.1.8 dos factos dados como provados ou, tendo-o dado como provado, jamais a fundamentação que lhe subjaz poderá ser aceite por ser absolutamente contraditória com o facto dado como provado.
Acresce ainda que, o facto o ponto 2.2.10 dos factos dados como não provados encontra-se em clara oposição com o facto que foi dado como provado no ponto 2.1.8 dos factos dados como provados.
De facto, a Recorrente não consegue vislumbrar de que modo e com que fundamentos é que o douto Tribunal a quo dá como provado que “Em setembro de 2015, depois de a autora ter dado início às obras no prédio, surgiu no local … S afirmando pertencer-lhe o terreno em compropriedade com mais duas pessoas e exigindo que o terreno seja reposto no estado anterior, o que importará em €60.000,00.” e dá como não provado que “A Autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence, sentindo-se enganada.”
Resulta de mediana clareza que, tendo-se dado como provado que a Testemunha ... S, surgiu no local “afirmando pertencer-lhe o térreo em compropriedade com mais duas pessoas e exigindo que o terreno seja reposto no estado anterior [...]”, a Autora/Recorrente foi acusada pelo mesmo (e por outro comproprietário do terreno que também foi ouvido como testemunha – Sr. ... L), sentindo-se naturalmente enganada como ditam as regras da experiência comum. Temos assim que, também nesta parte a douta sentença padece de ambiguidade e contradição.
Nestes termos, dúvidas não subsistem que a sentença proferida padece de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC.
Por outro lado,
Não logrou o Tribunal a quo efetuar a divisão dos temas da prova pelos factos provados e não provados da forma correta já que, compulsado o facto dado como não provado no ponto 2.2.2, facilmente se constata que o mesmo corresponde ao tema da prova elencado sobre o número 3) e não sob o número 8) como consta da douta sentença proferida.
Termos em que se requer também pelo presente recurso a correção do que se crê ser um lapso vertido na sentença, passando a constar o número 3) à frente do facto dado como não provado no ponto 2.2.2, ao invés do número 8.
Consequentemente, e tendo o Tribunal a quo feito tábua rasa dos demais factos dados como provados, e que resultaram direta e necessariamente da prova produzida, deixou o Tribunal a quo de se pronunciar sobre questões que se impunha que se pronunciasse, de dar como provado factos que resultaram provados, fundamentando a sua decisão com recurso à extensa e objetiva prova testemunhal que foi produzida.
De igual modo se impunha ao douto Tribunal, nos termos que infra melhor se explanarão, fazer uso do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do CPC.
Porém, e ao invés, preferiu o Tribunal a quo, limitar-se a mencionar que “Não se [pode] confundir uma eventual identificação errónea no local com a falta de titularidade do direito sobre o bem alienado.” apreciando a causa apenas ao abrigo do instituto da venda de bem alheio, ao invés de ter efetuado, em favor da verdade material e boa decisão da causa, o enquadramento jurídico normativo que lhe competia (erro sobre o objeto do negócio).
O que é certo é que, nos moldes em que o douto Tribunal proferiu a sentença, mormente no que concerne aos factos dados como provados e não provados, coartou o direito da Autora/Recorrente de interpor o seu recurso, uma vez que simplesmente se deixou de pronunciar sobre questões que se impunha que apreciasse, não deu como provados factos que se impunham que fossem dados como provados - atenta a prova produzida - e, consequentemente, porque não os considerou como deveria, não fez o enquadramento jurídico-normativo que se lhe impunha.
Assim, e nos termos em que a douta sentença se encontra proferida e que supra melhor se explanaram o douto Tribunal vedou ainda à Autora a possibilidade de intentar uma nova ação contra a Ré a fim de resolver o litigio uma vez que, como é evidente, a Recorrida alegará a exceção de caso julgado porquanto, esta exceção não deixa de se verificar apenas porque a parte, in casu a Autora, fará um enquadramento jurídico-normativo distinto...
Ademais, compulsada a douta sentença, facilmente se conclui que da mesma não constam “as questões que ao tribunal cumpre solucionar”, nos termos do disposto no artigo 607.º, n.º 2 in fine, tendo-se limitado o Tribunal a quo a explanar, em traços genéricos os tramites que foram seguidos nos presentes autos, aludindo às pretensões apresentadas pelas partes, seus requerimentos e respetivos despachos sobre os mesmos.
Em face de tudo o anteriormente exposto, e pelo que infra ainda se dirá em sede de impugnação da matéria de facto e de direito, a douta Sentença enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Caso assim não se entenda, o que por mera cautela se equaciona e não se concede, e salvo o devido respeito por melhor e justificada opinião, para concluir pela improcedência da ação intentada pela Recorrente, o Tribunal a quo alicerçou-se ainda em erros manifestamente notórios na apreciação da matéria de facto.
Senão vejamos:
Os concretos pontos de facto dados como não provados que a Recorrente considera incorretamente julgados são os seguintes:
iv) “A autora após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um espaço para exposição de materiais, foram-lhe enviados pela Encarregada da Venda os documentos juntos sob os n.ºs 2 e 3 com a petição Inicial” – Ponto 2.2.1 dos factos dados como não provados
v) “A autora manifestou à Encarregada da Venda o propósito de adquirir o terreno que
visitaram tendo esta informado que o terreno se mantinha disponível para venda mas que as áreas se encontravam incorretas nas Finanças, pelo que a realização da escritura implicava a correção/atualização das mesmas.” – Ponto 2.2.3 dos factos dados como provados
vi) “A autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence, sentindo-se enganada.” - Ponto 2.2.10 dos factos dados como não provados
O Tribunal a quo deu como não provado, no ponto 2.2.1 que “A autora após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um espaço para exposição de materiais, foram-lhe enviados pela Encarregada da Venda os documentos juntos sob os n.ºs 2 e 3 com a petição Inicial” fundamentando tal decisão no facto de “a prova produzida não logrou convenção positiva do tribunal, não só porque inexiste prova documental idónea a ilustrar as questões aí colocadas, como da prova testemunhal não emergiu a dilucidação acerca da alegada deslocação ao prédio que foi vendido antes da aquisição, nem que os lotes onde a autora levou a cabo a intervenção com vista à construção de muro e outras obras coincidissem com o prédio objeto da compra e venda indicada em 2.1.4..”
Em sede de Audiência de Julgamento, a Testemunha ... R, afirmou que foi o mesmo que, sendo conhecedor de que a Autora pretendia adquirir um terreno para construção de um Estaleiro na zona de Fernão Ferro, e sendo a testemunha Engenheiro Civil há vinte e um anos e uma pessoa atenta aos imóveis da banca, encontrou um lote de terreno à venda no site da Ré/Recorrida na localização pretendida pela Autora/Recorrente. [Minuto 01:02 a 01:05 e Minuto 01:30 a 01:38]
Nessa sequência mencionou a Testemunha ... R que contactou a Ré e foi ver o terreno com um trabalhador da Ré, Sr. ... Ss [Minuto 03:00 a 04:49]
Mais afirmou a mencionada testemunha que houve coincidência entre o terreno que lhe foi mostrado pelo Sr. ... Ss (trabalhador da Ré) e as fotos que lhe foram enviados pela Ré e que se encontram juntas com a Petição Inicial como DOC. 2 e 3, sendo certo que se veio a revelar posteriormente, e dai o fundamento da ação que foi intentada pela Autora/Recorrente, que o Terreno que foi mostrado a esta testemunha, não foi o terreno que foi vendido à Autora por escritura Pública. [Minuto 06:00 a 08:57; Minuto 09:08 a 10:07; Minuto 12:44 a 12:55]
De igual modo, a Testemunha da Ré, ... Vg afirmou que os documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial são da autoria da Ré e que correspondem aos documentos que são enviados pela mesma aos potenciais compradores [Minuto 03:53 a 09:25 e Minuto 09:53 a 09:56]
A Testemunha da Ré (Sr. At ...) confirmou ao Tribunal que os documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial foram enviados à Autora pela Testemunha ... Vg [Minuto 10:45 a 11:59]
Assim, e em face de tudo o anteriormente exposto, resulta evidente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que “A Autora, por intermédio do Sr. ... R, após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um estaleiro, foram-lhe disponibilizados, quer por acesso pelo link do banco quer por posterior envio por e-mail, os documentos juntos sob os números 2 e 3 com a Petição Inicial.
O que expressamente se requer.
O Tribunal a quo deu ainda como não provado, no ponto 2.2.2) dos factos não provados, que “A autora visitou o terreno acompanhado por aquela verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3.”
Não obstante não ter resultado provado que a Autora visitou o terreno acompanhado pela Encarregada da Venda, Sra. ... Vg, resultou provado e demonstrado que a deslocação ao terreno foi efetuada pela testemunha ... R, cliente da Autora/Recorrente que, nas palavras do próprio, montou o negócio para que a Autora/Recorrente efetuasse posteriormente a compra do terreno em apreço, como efetivamente se veio a verificar.
Resultou igualmente do depoimento da testemunha ... R, que revelou ser ali da zona e passar na estrada onde se situa o terreno, pelo menos dia, dia não, que o terreno que lhe foi mostrado pelo Sr. ... Ss (trabalhador da Ré) corresponde ao terreno que se encontra identificado com o pin amarelo no Documento 2 junto com a Petição Inicial, tendo ainda conseguido identificar que as fotografias constantes do DOC. 3 junto com a Petição Inicial correspondem ao terreno que foi visitar juntamente com o Sr. ... Ss [Minuto 03:59 a 04:48]
Assim, resulta evidente que, tendo as Testemunhas da Ré (Sra. ... Vg e Sr. At ...) confirmado que os documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial foram elaborados e enviados pela Ré e, bem assim, tendo a Testemunha ... R confirmado que o terreno identificado no DOC. 2 e cujas fotografias se encontram no DOC. 3, correspondem ao terreno que foi visitar juntamente com o Sr. ... Ss, não poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado o facto constante do ponto 2.2.2), nos moldes em que o fez.
Ao invés, deveria ter sido dado como provado que, “O Sr. ... R, no interesse da Autora e tendo em vista a aquisição por parte desta de um terreno em Fernão Ferro para construção de um estaleiro, visitou o terreno acompanhado pelo trabalhador da Ré, Sr. ... Ss, verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3.”
Assim, expressamente se requer que seja dado provimento ao presente recurso também nesta parte, dando-se como provado o facto mencionado no parágrafo imediatamente precedente.
Também não poderia o Tribunal a quo ter dado como não provado o facto constante do ponto 2.2.3 dos factos dados como não provados porquanto, tal como resultou do depoimento da testemunha ... R e, bem assim, do depoimento da Testemunha da Ré, Sra. ... Vg, dúvidas não subsistem que a Autora/Recorrente transmitiu à Sra. ... (Encarregada de Venda) a sua pretensão em adquirir o terreno que o Sr. ... R foi visitar com o Sr. ... Ss (trabalhador da Ré) e que corresponde ao terreno cuja localização e fotografias se encontram juntas aos autos como DOC. 2 e 3 juntos com a Petição Inicial [Minuto 14:03 a 14:26]
Ora, o facto de o terreno se encontrar com as áreas incorretas nas Finanças e, bem assim, o facto de a realização da escritura implicar a correção/atualização das mesmas resulta da prova documental junta, mormente do documento 9 junto pela Recorrente com o seu Requerimento datado de 18-01-2021, resultando também da parte final do ponto 2.1.4 dos factos dados como provados (“pendente de retificação de área”).
Mais resulta do mencionado documento que o pedido de retificação junto do Serviço de Finanças foi realizado em 26-02-2015 (como aliás foi dado como provado no último ponto dos factos dados como provados que, certamente por lapso se encontra identificado com o ponto 2.1.9 quando deveria ser 2.1.11) e a escritura de compra e venda foi realizada em 03-03-2015, conforme resulta do Documento 4 junto com a Petição Inicial.
Pelo que, o facto constante do ponto 2.2.3 dos factos não provados, deveria ter sido dado como provado nos seguintes termos:A Autora manifestou à Encarregada de Venda o propósito de adquirir o terreno visitado pelo Sr. ... R, encontrando-se o mesmo com as áreas incorretas junto das Finanças, pelo que a realização da escritura implicava a correção/atualização das mesmas.
Termos em que, também nesta parte deverá ser dado provimento ao presente recurso.
De facto, da prova produzida não resultou, como se menciona na fundamentação da douta Sentença proferida, “[...] que os lotes onde a autora levou a cabo a intervenção com vista à construção de muro e outras obras coincidissem com o prédio objeto da compra e venda indicada em 2.1.4..” e este é precisamente o ponto que deveria ter sido apreciado e decidido e não foi, como infra melhor se explanará no capítulo intitulado (Dos factos que deveriam ter sido dados como provados e foram totalmente desconsiderados pelo Tribunal a quo)
No ponto 2.2.10 o Tribunal a quo deu como não provado que “A Autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence, sentindo-se enganada.”
Nesta sede, veja-se o depoimento da Testemunha ... S e da Testemunha ... L (dois dos três comproprietários do terreno que foi mostrado pela Ré, na pessoa do Sr. ... Ss, à Autora, na pessoa do Sr. ... R, e no qual a Autora iniciou as suas obras na legítima convicção de que havia sido esse o terreno que adquiriu através da escritura de compra e venda celebrada) Minuto 13:03 a 13:10 do depoimento do Sr. ... S e Minuto 08:54 a 09:19 do depoimento do Sr. ... L, que foram consentâneos a mencionar que o Sr. ... S queixa contra a Autora/Recorrente por esta se encontrar a fazer obras num terreno que é compropriedade das testemunhas ... S e ... L e do Sr. At.
Pelo que, dúvidas não subsistem de que “A autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence.”
Ora, o facto de a Autora/Recorrente se sentir enganada resulta das regras da experiência comum.
Termos em que, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, o facto constante do ponto 2.2.10 dos factos dados como não provados deverá passar a constar como facto provado.
Acresce ainda que,
A douta Sentença proferida desconsiderou, por completo, factos que, pese embora não integrassem, pelo menos diretamente, os temas da prova, enquadram-se na causa de pedir e foram, indubitavelmente, dados como provados.
Resulta da prova documental junta e dos depoimentos prestados, alguns deles nem sequer mencionados na douta Sentença como é o caso do depoimento da Testemunha ... St, que o terreno cuja localização e fotografias foram enviadas à Autora/Recorrente e ao Sr. ... R e que foi visitado por este acompanhado pelo trabalhador da Ré, Sr. ... Ss, não corresponde ao terreno que foi vendido por escritura pública à  Autora/Recorrente.
Tal como resultou do depoimento do Sr. ... R, o terreno cuja localização e fotografias lhe foram enviadas (DOC. 2 e 3 juntos com a Petição Inicial) corresponde ao terreno que foi visitar com o Sr. ... Ss, tendo afirmado perentoriamente, que esse terreno se localiza em frente às bombas da Galp [Minuto 07:35 a 08:57]
Por seu turno, resultou também provado que o terreno que a Testemunha ... S foi visitar, acompanhado pelo Sr. ... (sócio gerente da Autora/Recorrente) - e não pelo Sr. ... como consta da douta Sentença proferida em sede de fundamentação - e no qual a Autora/Recorrente levou a cabo as obras, se situa em frente às bombas da Galp [Minuto 05:17 a 05:25]
Minuto 04:38 a 04:48
Testemunha ... S: Porque na altura em que ele... [sócio gerente da Autora/Recorrente] Portanto, que andava interessado em comprar ali um terreno para fazer o dito estaleiro e depois lá prosseguiu, e fui lá uma vez ter com ele e ele foi-me lá mostrar aquilo.
Mais se provou que as obras que foram levadas a cabo pela Autora/Recorrente foram realizadas no terreno à frente das bombas da Galp [04:30 a 04:45 do depoimento da testemunha ... Ss]
As testemunhas ... R, ... Ss, ... St, … e ... L, foram unânimes em afirmar que o terreno que consta da localização identificada no DOC. 2 junto com a Petição Inicial e cujas fotografias foram juntas como DOC. 3 com a Petição Inicial (documentos estes, sublinhe-se, elaborados e enviados pela Ré) correspondem ao terreno que se situa à frente da GALP. Testemunha ... R: Minuto 08:39 a 08:58; Testemunha ... St: Minuto
05:03 a 05:45; Testemunha ... Ss: Minuto 10:41 a 10:54; Testemunha ... L: Minuto 06:44 a 06:49 e Minuto 07:34 a 07:38; Testemunha ... Ss: Minuto 06:29 a 07:03
Ora, o terreno cujas fotografias e localização foram enviadas/disponibilizadas pela Ré, corresponde aos lotes 11 e 12, correspondente ao artigo matricial … descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …e que anteriormente se encontravam inscritos sob os artigos 57 e 58 e descritos sob o número …, conforme resulta dos documentos juntos aos autos, a saber: documento 14 junto com a Petição Inicial, documentos 5 e 6 juntos com o Requerimento apresentado pela Autora/Recorrente, datado de 18-01-2021, com a referência CITIUS 37752743.
Informação aliás corroborada também pela Testemunha ... St, que, confrontado com o DOC. 1 e 2 juntos pela Autora através do seu Requerimento datado de 18-01-2021, com a referência CITIUS 27752743 esclareceu inequivocamente que o antigo artigo matricial nos lotes 11 e 12 eram os artigos 57 e 58 [Minuto 30:49 a 32:55]
Nesta sede, importa ainda remeter-nos para o relatório pericial porquanto,
Compulsada a Introdução do Relatório resulta claro e evidente que o lote 11 e 12 se situam à frente das bombas da Galp, como se refere nesse relatório “Posto GALP” e, bem assim, que a perícia incidiu sobre o lote 13/14, uma vez que foi este lote que, efetivamente, foi vendido à Autora, não obstante esta ter criado a legitima convicção que o lote 14 se situava no local onde estão identificados os lotes 11 e 12, por terem sido esses que foram identificados pela Ré e visitados pela testemunha ... R juntamente com o Sr. ... Ss (funcionário da Ré/Recorrida).
Basta compulsar a penúltima fotografia constante do Documento 3 elaborado e enviado pela Ré à Autora e junto como DOC. 3 com a Petição Inicial e a fotografia 11 junta com o relatório pericial para facilmente se constatar que ambas têm como referência uma casa visível ao fundo e relativamente à qual as testemunhas ... da S e ... L afirmaram que, essa casa é a que é visível do terreno de que são comproprietários (lotes 11 e 12) e que se situa na parte traseira do seu terreno. Testemunha ... S: Minuto 11:01 a 11:19; Testemunha ... L: Minuto 08:40 a 08:48.
 De igual modo, resultou do depoimento da Testemunha ... S, ... L, ... R, ... M e ..., que esse terreno tinha um poço! Testemunha ... R: Minuto 10:36 a 10:46; Testemunha ... S: Minuto 06:20 a 06:24; Testemunha ... Ss: Minuto 05:25 a 05:38
Temos assim que, a Ré/Recorrida anunciou como estando para venda o lote 14, mas a identificação que fez, seja através da colocação do pin amarelo para identificar a localização (DOC. 2 junto com a PI), seja através das fotografias que tirou ao terreno e que promoveu para venda (DOC. 3 junto com a Petição Inicial) corresponde aos lotes 11 e 12.
Não obstante, o lote que foi vendido pela Ré à Autora corresponde ao lote 14, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na conservatória do registo predial do Seixal sob o número …, como resulta da escritura de compra e venda junta com a Petição Inicial como DOC. 4 e bem assim da caderneta predial junta como Documento 9 (fls. 5) com o Requerimento apresentado pela Ré, datado de 18-01-2021, com a referência CITIIUS 37753097 e da certidão predial junta como Documento 8 com a Petição Inicial.
Porém, como esclarecido pela Testemunha ... St, o lote 14, não se situa em frente às bombas da Galp mas sim, “mais para o lado do fogueteiro” [Minuto 19:27 a 19:48]
Também a Testemunha ... Ss (funcionário da Ré) afirmou que o terreno vendido pela Ré não corresponde ao terreno que se encontra assinalado com o pin amarelo no DOC. 2 junto com a Petição Inicial [Minuto 09:22 a 09:39]
Ou seja, o próprio funcionário da Ré, reconheceu e assumiu que o terreno que foi vendido pela Ré à Autora tem uma localização distinta daquela que consta no DOC. 2 junto com a petição e que corresponde a um documento elaborado e enviado pela Ré.
Dúvidas não subsistem de que a Ré identificou incorretamente o terreno cuja localização e fotografias enviou para a Autora (DOC. 2 e 3 juntos com a Petição Inicial), tendo mostrado esse mesmo terreno ao Sr. ... R e este ficado com a convicção de que era efetivamente esse o terreno que estava para vender por existir uma total coincidência entre a localização e fotografias enviadas com o terreno que visitou com o Sr. ... Ss e que posteriormente indicou ao sócio gerente da Autora como sendo o terreno que esta iria adquirir e onde esta iniciou posteriormente as obras tendentes à construção de um estaleiro.
De facto, dúvidas não subsistem – e tal ficou por demais provado e demonstrado quer pela prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, quer da prova documental que supra melhor se identificou – que o terreno que foi vendido à Autora NÃO CORRESPONDE ao terreno que foi mostrado à testemunha ... R e que foi identificado pela própria Ré nos documentos 2 e 3 que se encontram juntos com a Petição Inicial e que foram elaborados e enviados pela Ré!
Temos assim que, a Autora fez essa escritura achando que o que estava a comprar eram os lotes 11 e 12.
Acresce ainda que, tal como foi alegado e provado, a Autora pretendeu adquirir o terreno em causa a fim de aí construir um estaleiro.
Pelo que, era essencial que o mencionado terreno tivesse viabilidade construtiva.
O que é certo é que, não obstante na escritura de compra e venda se ter feito a menção de que o terreno vendido era “uma parcela de terreno para construção”, a verdade é que se veio a apurar que o mesmo não tinha, assim como não tem, viabilidade construtiva, tal como resulta provado do documento 4 junto pela Autora/Recorrente, por requerimento datado de 18-01-2021, com a referência CITIUS 37752743 e do depoimento do Sr. ... St [Minuto 08:21 a 08:37] e ... S [Minuto 12:00 a 12:48]
Termos em que, resulta evidente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provado os seguintes factos:
i) O terreno identificado pela Ré nos documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial situa-se à frente das bombas da GALP e corresponde aos lotes 11 e 12, correspondentes ao artigo matricial …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número …
e que anteriormente se encontravam inscritos sob os artigos 57 e 58 e descritos sob o número …;
ii) A Ré identificou o terreno erradamente na documentação que remeteu para a Ré, uma vez que deles fez constar referir-se ao lote 14 quando, na verdade, as fotografias e localização remetidas se reportam aos lotes 11 e 12;
iii) O terreno mencionado em i) corresponde ao terreno que a Autora pretendia comprar;
iv) O terreno que foi vendido pela Ré à Autora por escritura celebrada em 03 de março de 2015, no Cartório Notarial do Dr. … (prédio urbano designado como lote 14 sito em …, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …, da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …) não corresponde ao terreno identificado pela mesma nos documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial e, como tal, não tem correspondência com o terreno que a Autora pretendeu adquirir.
v) O terreno vendido pela Ré à Autora não tem viabilidade construtiva.
O Tribunal a quo fez um incorreto enquadramento jurídico do caso em apreço, uma vez que o mesmo apenas teve por base o elenco dos temas da prova que o Tribunal a quo se limitou a enquadrar em factos provados e não provados, descurando e ignorando toda a restante (e extensa) matéria alegada e prova produzida, que implica decisão diversa da que ficou vertida na douta Sentença.
Temos assim que, o douto Tribunal a quo se limitou a apreciar se “existe fundamento para declarar a nulidade do negócio de compra e venda celebrado entre a ré e a autora, sem prejuízo das que não venham a ser conhecidas face à decisão dada à primeira”, tendo analisado “se o negócio é nulo nos termos estipulados no artigo 892.º do Código Civil.”
Porém, tal como resulta de tudo o anteriormente exposto e tal como se veio a provar dos documentos que foram juntos aos autos e, bem assim, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, o que se verificou não foi a venda de um bem alheio, mas antes um erro sobre o objeto do negócio, já que, como supra exaustivamente se deixou exposto, a Autora comprou à Ré o lote 14 na legitima convicção que estava a comprar o lote 11 e 12 (por terem sido estes os lotes cuja localização e fotografias foram enviadas à Autora e que coincidem com o terreno que foi visitado pela testemunha ... R).
Ora, dispõe o artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (doravante CPC) que: “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
Ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, sempre competiria ao Tribunal
Como se viu, resultou por demais provado e demonstrado que, de facto, não estamos perante uma venda de bem alheio, mas ante sobre um erro sobre o objeto do negócio, já que foi mostrado à Recorrente um terreno como sendo aquele de que a Recorrida era proprietária e que iria ser escriturado (Lote 11 e 12) quando, na verdade, o terreno que efetivamente foi vendido à Recorrente, e do qual a Recorrida era proprietária, foi o lote 14.
Resulta claro que, no caso em apreço, o douto Tribunal a quo errou na determinação da norma jurídica aplicável.
Como já supra se mencionou e ora se reitera, compulsados os factos alegados e que deveriam ter sido dados como provados facilmente se conclui que estamos perante um erro sobre o objeto do negócio e, como tal, o caso sub judice deveria ter sido analisado e decidido ao abrigo do disposto nos artigos 251.º e 247.º do Código Civil.
Assim, face ao que determinam as normas legais citadas constantes dos artigos 251.º e 274.º do Código Civil, a ação deveria ter sido apreciada e julgada ao abrigo das mesmas e, julgando-a procedente e, consequentemente, deveria ter-se decidido pela anulação da escritura de compra e venda celebrada entre a Autora e a Ré, com a consequente condenação da Ré na devolução dos valores pagos pela Autora na escritura de compra e venda, no qual se incluem despesas e impostos, e demais valores que constam como provados no elenco dos factos dados como provados na douta sentença recorrida, a saber: 2.1.4, 2.18., 2.1.9 (certamente por lapso, existem dois factos dados como provados na douta sentença com a numeração 2.1.9, sendo que a Recorrente pretende referir-se ao facto dado como provado no segundo ponto identificado como 2.1.9) e 2.1.10.
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO DEVE SER DECLARADA A NULIDADE DA SENTENÇA PROFERIDA, NOS TERMOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 615.º, N.º 1 AL. C) E D DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
OU
SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS
*
A apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica à Extracção, … de Pedra Rústica. (a))
2. A ré dedica-se à compra e venda de imóveis. (b))
3. Pela Ap. 181 de 2012/12/17 foi inscrita a titularidade do direito de propriedade em nome da ré sobre o imóvel descrito sob o nº…, por aquisição em processo de insolvência. (c))
4. No dia 03 de Março de 2015, no Cartório Notarial de Dr. …, sito …, em Lisboa, foi celebrada escritura pública entre a autora, como adquirente e a ré, como vendedora, pelo preço de €60.000,00, do prédio urbano, parcela de terreno para construção, com a área de 2.020,0000 m2, sito em … freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal, sob o nº …, da dita freguesia, registado a favor da sociedade vendedora pela apresentação 1801/17122012, inscrito na respectiva matriz sob o art.º …, pendente de rectificação de área, com o valor patrimonial de €27.240,00. (d))
5. O prédio descrito no ponto que antecede, encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial da freguesia de Fernão Ferro, sob o nº… e inscrita a titularidade do direito de propriedade a favor da autora, pela AP 2949 de 2015/03/03. (e))
6. No dia 03 de Março de 2015, a autora apresentou reclamação no Serviço de Finanças do Seixal – 1 requerendo o averbamento como nova proprietária, identificando o imóvel nos seguintes termos: ‘’… que proveio do Art.º 4247”. (f))
7. Em 04 de Maio de 2015, a autora outorgou contrato de empreitada com a sociedade …e Filhos, Lda. para realização de vários trabalhos, entre os quais, a modelação geral do terreno, execução de muros de delimitação, a vedação, o nivelamento, montagem de caixas de esgotos.
8. Em Setembro de 2015, depois de a autora ter dado início às obras no prédio, surgiu no local ... S afirmando pertencer-lhe o terreno em compropriedade com mais duas pessoas e exigindo que o terreno seja reposto no estado anterior, o que importará em €60.000,00.
9. Nessa sequência a autora suspendeu os trabalhos referidos em 4).
9. Pelos trabalhos executados pela empreiteira é devida pela autora a quantia de €65.595,04 correspondente a parte do preço dos serviços adjudicados, ficando por pagar a importância de €38.730,00.
10. A autora despendeu na escritura as seguintes quantias: €3.900,00 Imposto Municipal sobre Transações; €480,00 de Imposto de Selo; €200,56 de honorários do Notário; €225,00 do registo do imóvel.
9. A ré requereu em 26.02.2015 a rectificação da área constante da caderneta predial, por incorrecção da que aí constava (220,00m2), para a área de 2.020,000m2.
*
A. 2. Não provados os seguintes factos:
1) A autora após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um espaço para exposição de materiais, foram-lhe enviados pela Encarregada da Venda os documentos juntos sob os nºs 2 e 3 com a petição inicial.
2) A autora visitou o terreno acompanhado por aquela verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3.
3) A autora manifestou à Encarregada da Venda o propósito de adquirir o terreno que visitaram tendo esta informado que o terreno se mantinha disponível para venda mas que as áreas se encontravam incorrectas nas Finanças, pelo que a realização da escritura implicava a correção/actualização das mesmas.
4) Após reunião realizada com a responsáveis da ré esta propôs à autora a anulação da escritura e devolução do valor pago pelo prédio, o que foi aceite pela autora com a condição de ser reembolsada do valor despendido com as obras.
5) Tendo a ré em Maio de 2018 alterado a posição antes expressa, dizendo ter sido a autora que ocupou terreno diferente daquele que lhe havia sido vendido.
6) Em 20 de Janeiro de 2013, a ré apresentou na AT - Serviços de Finanças do Seixal -1, declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, que determinou que o prédio passava a urbano, não indicando qualquer área.
7) Antes da escritura, a ré apresentou na AT – Serviços de Finanças do Seixal -1, nova declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz, que determinou que o prédio passava a urbano, indicando a área de 2.020.000m2 e que o prédio urbano tinha passado a urbano em 03.07.2000, sem precedência de autorização da respectiva Câmara Municipal para efeito de determinação da área de construção que indicou à AT (156,0000m2).
8) Tendo a ré consciência que as informações vertidas na declaração referida na alínea anterior não correspondiam à verdade.
9) Atuando com o propósito de vender um bem que não tinha existência física.
10) A autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence, sentindo-se enganada.


B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consistem em saber se a) a sentença enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 alínea c) do C. P. Civil, por contradição entre o facto provado sob o n.º 8 e a motivação da decisão em matéria de facto no que respeita ao depoimento da testemunha ...  e por contradição entre o facto não provado sob o n,º 10, b) a sentença incorre em lapso devendo passar a constar o número 3) à frente do facto dado como não provado no ponto 2.2.2, ao invés do número 8, por este facto declarado não provado corresponder ao n.º 3) do temas da prova, c) o tribunal a quo deveria ter feito uso do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do C. P. Civil  fazendo o enquadramento jurídico normativo que lhe competia, ou seja, na perspectiva do erro sobre o objeto do negócio, incorrendo em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C. P. Civil, d) a decisão em matéria de facto da sentença deve ser alterada em relação aos factos que declarou não provados sob os n.ºs 1, 2, 3 e 10, declarando-se provado o facto não provado sob o n.º 10 e:
- em relação ao facto não provado sob o n.º 1 que “A Autora, por intermédio do Sr. ... R, após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um estaleiro, foram-lhe disponibilizados, quer por acesso pelo link do banco quer por posterior envio por e-mail, os documentos juntos sob os números 2 e 3 com a Petição Inicial.”,
- em relação ao facto declarado não provado sob o n.º 2, em relação ao qual deve ser declarado provado que “O Sr. ... R, no interesse da Autora e tendo em vista a aquisição por parte desta de um terreno em Fernão Ferro para construção de um estaleiro, visitou o terreno acompanhado pelo trabalhador da Ré, Sr. ... Ss, verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3”,
- em relação ao facto declarado não provado sob o n.º 3 que ““A Autora manifestou à Encarregada de Venda o propósito de adquirir o terreno visitado pelo Sr. ... R, encontrando-se o mesmo com as áreas incorretas junto das Finanças, pelo que a realização da escritura implicava a correção/atualização das mesmas”,
e) o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos:
i) O terreno identificado pela Ré nos documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial situa-se à frente das bombas da GALP e corresponde aos lotes 11 e 12, correspondentes ao artigo matricial …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e que anteriormente se encontravam inscritos sob os artigos 57 e 58 e descritos sob o número …;
ii) A Ré identificou o terreno erradamente na documentação que remeteu para a Ré, uma vez que deles fez constar referir-se ao lote 14 quando, na verdade, as fotografias e localização remetidas se reportam aos lotes 11 e 12;
iii) O terreno mencionado em i) corresponde ao terreno que a Autora pretendia comprar;
iv) O terreno que foi vendido pela Ré à Autora por escritura celebrada em 03 de março de 2015, no Cartório Notarial do Dr… (prédio urbano designado como lote 14 sito em …, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …, da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …) não corresponde ao terreno identificado pela mesma nos documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial e, como tal, não tem correspondência com o terreno que a Autora pretendeu adquirir.
v) O terreno vendido pela Ré à Autora não tem viabilidade construtiva”,
 f) o Tribunal a quo errou na determinação da norma jurídica aplicável pois compulsados os factos alegados e que deveriam ter sido dados como provados estamos perante um erro sobre o objeto do negócio pelo que o caso sub judice deveria ter sido analisado e decidido ao abrigo do disposto nos artigos 251.º e 247.º do Código Civil.
Conhecendo.
1) Quanto à primeira questão, a saber, se a sentença enferma de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1 al. c), do C. P. Civil, por contradição entre o facto provado sob o n.º 8 e a motivação da decisão em matéria de facto no que respeita ao depoimento da testemunha ... e por contradição entre o facto não provado sob o n,º 10.
Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. c), do C. P. Civil, que “É nula a sentença quando…c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”.
Esta nulidade ocorre quando a decisão e os seus fundamentos, de facto e de direito, ao invés de se encontrarem numa sequência lógico-jurídica, se encontram em oposição, ou seja, quando aqueles fundamentos conduziam necessariamente a uma decisão e o juiz proferiu outra.
Trata-se de um “…vício lógico na construção da sentença”, pois, querendo a lei processual que o juiz justifique a sentença, os fundamentos que este invoca para a sua decisão “…conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”[1].
Na síntese do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/02/1997[2], existe tal nulidade: “quando o raciocínio do Juiz aponta num sentido e no entanto decide em sentido oposto ou pelo menos em sentido diferente”.
Este vício, que quebra a sequência lógica e racional entre o raciocínio fundamentador e a decisão que se lhe segue não abrange o erro de julgamento[3].
A apontada dupla contradição, primeiramente, entre um facto declarado provado e a invocação de um depoimento de uma testemunha na motivação da decisão em matéria de facto e em seguida entre um facto declarado provado e um facto declarado não provado, ainda que existisse, não é suscetível de integrar a invocada nulidade, uma vez que a decisão da sentença se configura como um corolário lógico da matéria de facto declarada provada e pertinente para decisão da causa.
A existirem tais contradições poderiam as mesmas servir de fundamento a um pedido de alteração da sentença em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
Sob o n.º 8 da matéria de facto provada o tribunal a quo declarou provado que “8. Em Setembro de 2015, depois de a autora ter dado início às obras no prédio, surgiu no local ...  S afirmando pertencer-lhe o terreno em compropriedade com mais duas pessoas e exigindo que o terreno seja reposto no estado anterior, o que importará em €60.000,00.
Este facto é um excerto do tema da prova sob o n.º 5, a fls. 99, verso dos autos e a ela se reporta a motivação da sentença quando se reporta ao depoimento da testemunha ....
O tema n.º 5 dos temas da prova tem o seguinte conteúdo:
Em Setembro de 2015, depois de a autora ter dado início às obras no local que lhe havia sido mostrado pelo Encarregado da Venda e que correspondia às fotografias juntas como documento n.º 3, surgiu no local ... S afirmando pertencer-lhe o terreno em compropriedade com mais duas pessoas e exigindo que o terreno seja reposto no estado anterior, o que importará em €60.000,00”.
Em relação a este complexo facto o tribunal declarou provado o facto circunstancial sob o n.º 8, mas não deu como provado o facto central, a saber, que “…no local que lhe havia sido mostrado pelo Encarregado da Venda e que correspondia às fotografias juntas como documento n.º 3…”.
Com a referência ao depoimento da testemunha ... propõe-se o tribunal a quo expor as razões pelas quais não deu como provado este facto central, quais sejam, a ausência de prova, como aliás também decorre dos factos não provados sob os n.ºs 2 e 3, os quais se reportam à expressão constante do tema da prova n.º 5, como decorre da sua própria literalidade, a saber “1) A autora após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um espaço para exposição de materiais, foram-lhe enviados pela Encarregada da Venda os documentos juntos sob os nºs 2 e 3 com a petição inicial. 2) A autora visitou o terreno acompanhado por aquela verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3”.
Ao invés da invocada contradição envolvendo fatos, temas da prova e motivação da decisão em matéria de facto, constatamos que a sentença é clara e coerente no seu sentido decisório.
Sob o n.º 10 dos factos não provados o tribunal a quo declarou não provado que “10) A autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence, sentindo-se enganada”.
Pretende a apelante que esta decisão se encontra em contradição com a decisão que declarou provado o facto sob o n.º 8, mas também aqui lhe não assiste razão.
Para além a impossibilidade de contradição entre um facto provado (existente) e um facto não provado (inexistente), como decorre do simples confronto das espécies factuais em presença, o universo dos sujeitos processuais é substancialmente diferente, pois, enquanto no facto provado sob o n,º 8, o tribunal declarou provada a alocução da testemunha ..., no n.º 10 declarou não provada a acusação (pública) por um número indeterminado de sujeitos.
Improcede, pois, esta primeira questão, por não se configurar a invocada nulidade e por os termos em que a mesma é suscitada não permitirem o seu aproveitamento, por parte deste Tribunal da Relação para efeitos de alteração da decisão recorrida em matéria de facto, nos ternos previstos no n.º 1, do art.º 640.º, e no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.    
2) Quanto à segunda questão, a saber, se a sentença incorre em lapso, devendo passar a constar o número 3 à frente do facto dado como não provado no ponto 2.2.2, ao invés do número 8, por este facto declarado não provado corresponder ao n.º 3) dos temas da prova.
Como decorre do disposto no n.º 1, do art.º 596.º, do C. P. Civil e de toda a sua génese que, por pública e notória aqui não reproduzimos, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova é uma criação legislativa destinada a ultrapassar as dificuldades processuais anteriormente existentes, não se confundindo com os factos pertinentes para decisão da causa, relativamente aos quais rege o disposto no n.º 1, do art.º 5.º, do C. P. Civil, no que respeita à ação da partes, no n.º 2, do mesmo art.º 5.º, no que respeita à interação em audiência de julgamento das partes e do Tribunal e no n.º 4, do art.º 607, do C. P. Civil, no que respeita à elaboração da sentença, a qual deve declarar os factos pertinentes para decisão da causa e não os temas da prova.
Nesta perspectiva conceptual, a única possível com fundamento nos textos processuais citados, não vislumbramos que a sentença tenha incorrido em qualquer lapso que este Tribunal da Relação possa e deve corrigir no âmbito dos poderes que lhe são conferidos no âmbito desta apelação.
Improcede, pois, também esta segunda questão.
3) Quanto à terceira questão, a saber, se o tribunal a quo deveria ter feito uso do disposto no artigo 5.º, n.º 3 do C. P. Civil fazendo o enquadramento jurídico normativo que lhe competia, ou seja, na perspectiva do erro sobre o objeto do negócio, incorrendo em nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do C. P. Civil.
Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. Civil, que “É nula a sentença quando: d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
O n.º 3, do art.º 5.º, do C. P. Civil ao dispor que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, consagra o vetusto princípio processual, ínsito no brocardo latino jura novit curia, segundo o qual, ao contrário do principio estabelecido no n.º 1, do mesmo art.º 5.º, o tribunal só pode socorrer-se na sua decisão dos factos articulados pelas partes (com as exceções previstas no n.º 2).
No caso sub judice a sentença estava processualmente impedida de enquadrar o litigo dos autos na perspectiva substantiva do erro sobre o objeto do negócio por duas ordens de razões.
A primeira, porque, tendo a apelante, já depois de fixados os temas da prova, apresentado articulado superveniente em que, grosso modo, ao contrário do expendido na petição inicial em que fundamenta o seu pedido no instituto da venda de bens alheios, previsto no art.º 892.º, do C. Civil, reconduz o litígio dos autos a esse instituto do erro sobre o objeto do negócio, esse requerimento foi rejeitado pelo tribunal a quo.
Nos termos do disposto no art.º 620.º, do C. P. Civil, essa decisão do tribunal a quo impõe-se e vincula o próprio tribunal, que assim ficou impedido de alterar a sua decisão a qual, se não mostra impugnada, nos termos previstos na al. d), do n.º 2, do art.º 644.º, do C. P. Civil.
A segunda porque, também em virtude de regra processual, como aduzido nessa mesma decisão, nos termos previstos no n.º 1, do art.º 265.º, do C. P. Civil “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, previsão legal que não se verifica nos autos.
A sentença não enferma, pois, da nulidade de omissão de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), do C. P. Civil, pelo que improcede esta terceira questão.
4) Quanto à quarta questão, a saber, se a decisão em matéria de facto da sentença deve ser alterada em relação aos factos que declarou não provados sob os n.ºs 1, 2, 3 e 10, declarando-se provado o facto não provado sob o n.º 10 e:
- em relação ao facto não provado sob o n.º 1 que “A Autora, por intermédio do Sr. ... R, após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um estaleiro, foram-lhe disponibilizados, quer por acesso pelo link do banco quer por posterior envio por e-mail, os documentos juntos sob os números 2 e 3 com a Petição Inicial.”,
- em relação ao facto declarado não provado sob o n.º 2, em relação ao qual deve ser declarado provado que “O Sr. ... R, no interesse da Autora e tendo em vista a aquisição por parte desta de um terreno em Fernão Ferro para construção de um estaleiro, visitou o terreno acompanhado pelo trabalhador da Ré, Sr. ... Ss, verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3”,
- em relação ao facto declarado não provado sob o n.º 3 que ““A Autora manifestou à Encarregada de Venda o propósito de adquirir o terreno visitado pelo Sr. ... R, encontrando-se o mesmo com as áreas incorretas junto das Finanças, pelo que a realização da escritura implicava a correção/atualização das mesmas”.
Estes factos sob os n.ºs 1, 2, 3 e 10 têm o seguinte conteúdo:
1) A autora após ter encontrado em pesquisa na internet terreno para construção com vista a construir um espaço para exposição de materiais, foram-lhe enviados pela Encarregada da Venda os documentos juntos sob os nºs 2 e 3 com a petição inicial.
2) A autora visitou o terreno acompanhado por aquela verificando que correspondia às fotografias dos documentos 2 e 3.
3) A autora manifestou à Encarregada da Venda o propósito de adquirir o terreno que visitaram tendo esta informado que o terreno se mantinha disponível para venda mas que as áreas se encontravam incorrectas nas Finanças, pelo que a realização da escritura implicava a correção/actualização das mesmas.
10) A autora tem sido acusada de se ter apropriado de um bem que não lhe pertence, sentindo-se enganada”.
O facto a que respeita este n.º 1, reconduz-se à identificação do prédio e o facto a que respeita o n.º 3 reconduz-se à comprovação da sua implantação geográfica, constituindo o facto a que respeita o n.º 10 uma circunstância ampliada da que foi declarada provada sob o n.º 8 dos factos provados.
O tribunal a quo fundamentou profusamente a sua decisão, de não julgar provados os factos sob os n.ºs 1 e 3, aliás, em conjunto com o facto sob o n.º 2 que concretiza a visita referida sob o n.º 3 e estabelece a sua ligação com o prédio referido em 1, reportando-se aos depoimentos das testemunhas ... R, … Vg, Vt e ... S.
A apelante estrutura a sua pretensão de alteração num conjunto de considerações feitas a partir dos depoimentos das testemunhas ... R, ... Vg e At ... (factos sob os n.ºs 1, 2 e 3), sem que perceba como possam essas mesmas considerações recolherem sustentação verosímil nos depoimentos dessas testemunhas, sem prejuízo da convicção da apelante.
Como decorre do disposto no n.º 1, do art.º 640.º e no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, sobre a parte que impugna a decisão do tribunal de 1.ª instância em matéria de facto e pretende que a mesma seja alterada pelo Tribunal da Relação, para além da sua natural discórdia com essa decisão, impende o ónus de demonstrar o desacerto da decisão judicial impugnada e o melhor acerto da decisão que propõe.  
Ora, as elucubrações tecidas em redor do que as testemunhas citadas terão dito, em termos diversos da valoração que o tribunal a quo deles fez, não só não permitem que este Tribunal da Relação possa formar uma convicção sobre os factos em causa diversa daquela a que aportou o tribunal a quo como solidificam o juízo de ausência de prova exarado na decisão recorrida.
Relativamente ao facto declarado não provado sob o n.º 10, tendo presente o acima expendido relativamente à sua conexão com o facto declarado provado sob o n.º 8, a apelante também não estrutura a sua pretensão em elementos de prova que lhe permitam extrapolar desse facto concreto para a generalização/massificação que agora pretende.   
Nestas circunstâncias, porque a contrario do disposto no n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, a prova produzida em audiência não impõe decisão diversa, não pode a apelação deixar de improceder quanto a esta quarta questão. 
5) Quanto à quinta questão, a saber, se o Tribunal a quo deveria ter dado como provados os seguintes factos:
i) O terreno identificado pela Ré nos documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial situa-se à frente das bombas da GALP e corresponde aos lotes 11 e 12, correspondentes ao artigo matricial …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e que anteriormente se encontravam inscritos sob os artigos 57 e 58 e descritos sob o número …
ii) A Ré identificou o terreno erradamente na documentação que remeteu para a Ré, uma vez que deles fez constar referir-se ao lote 14 quando, na verdade, as fotografias e localização remetidas se reportam aos lotes 11 e 12;
iii) O terreno mencionado em i) corresponde ao terreno que a Autora pretendia comprar;
iv) O terreno que foi vendido pela Ré à Autora por escritura celebrada em 03 de março de 2015, no Cartório Notarial do Dr. … (prédio urbano designado como lote 14 sito em …, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …, da dita freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo …) não corresponde ao terreno identificado pela mesma nos documentos 2 e 3 juntos com a Petição Inicial e, como tal, não tem correspondência com o terreno que a Autora pretendeu adquirir.
v) O terreno vendido pela Ré à Autora não tem viabilidade construtiva”.
Como decorre do disposto no n.º 1, do art.º 5.º, do C. P. Civil, o tribunal só pode atender aos factos articulados pelas partes, princípio que contém em si a proibição de o próprio tribunal, por sua iniciativa, inquisitoriamente, carrear factos para os autos.
Este princípio e proibição que a ele está associada sofrem as exceções previstas no n.º 2, do mesmo art.º 5, relativas a factos instrumentais (al. a)), a factos complementares (al. b)) e factos notórios (al. c)).
Ora, estes cinco factos que a apelante pretende, agora, terem resultado da audiência de julgamento não se compreendem em qualquer das exceções previstas no n.º 2, do art.º 5.º,do C. P. Civil, não sendo factos instrumentais nem complementares, mas factos essenciais relativos, grosso modo, à indeferida alteração da causa de pedir, de anulação do contrato por erro sobre o objecto do negócio, e não se podendo também incluir na categoria dos factos notórios.
Acresce que, se a apelante pretendia servir-se de tais factos no âmbito da causa de pedir da ação e dos factos pertinentes para decisão da causa, nos termos do disposto no n.º 4, do art.º 607.º, do C. P. Civil, deveria ter feito o respetivo requerimento em plena audiência, em ordem a que pudesse ser contraditado pela contraparte e decidido pelo Tribunal a quo, não sendo esta apelação o meio processual próprio nem meio processual substitutivo para o fazer.
Improcede, pois, também esta quinta questão da apelação.
6) Quanto à sexta questão, a saber, se o Tribunal a quo errou na determinação da norma jurídica aplicável pois compulsados os factos alegados e que deveriam ter sido dados como provados estamos perante um erro sobre o objeto do negócio pelo que o caso sub judice deveria ter sido analisado e decidido ao abrigo do disposto nos artigos 251.º e 247.º do Código Civil.
A resposta a esta questão encontra-se contida na sua própria formulação, uma vez que a mesma pressupõe factualidade que não integra os factos pertinentes para decisão da causa, como os que foram objeto da quinta questão da apelação.
E encontra-se também contida na apreciação da terceira questão da apelação na medida em que não foi admitido o articulado em que foi veiculada a alteração da causa de pedir da ação.
No mais, a sentença deu cumprimento ao disposto na parte final do n.º 3, do art.º 607.º, do C. P. Civil - interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes – e no n.º 2, do art.º 608.º do mesmo Código - resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Improcede, pois, também esta sexta questão e com ela a apelação.  
   
C) SUMÁRIO
1. Configurando-se a decisão da sentença como um corolário lógico da matéria de facto declarada provada e pertinente para decisão da causa, a invocada contradição entre um facto declarado provado e motivação da decisão em matéria de facto e entre um facto declarado provado e um facto declarado não provado, ainda que existisse, não é suscetível de integrar a nulidade prevista na al. c), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil.
2. Tais contradições, a existirem, poderiam servir de fundamento a um pedido de alteração da sentença em matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
3. Como decorre do disposto no n.º 1, do art.º 596.º, do C. P. Civil e de toda a sua génese, a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova é uma criação legislativa destinada a ultrapassar as dificuldades processuais anteriormente existentes, não se confundindo com os factos pertinentes para decisão da causa, relativamente aos quais rege o disposto no n.º 1, do art.º 5.º, do C. P. Civil, no que respeita à ação da partes, no n.º 2, do mesmo art.º 5.º, no que respeita à interação em audiência de julgamento das partes e do Tribunal e no n.º 4, do art.º 607, do C. P. Civil, no que respeita à elaboração da sentença, a qual deve declarar os factos pertinentes para decisão da causa e não os temas da prova.
4. O n.º 3, do art.º 5.º, do C. P. Civil ao dispor que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, consagra o vetusto princípio processual ínsito no brocardo latino jura novit curia segundo o qual, ao contrário do que principio estabelecido no n.º 1, do mesmo art.º 5.º, o tribunal só pode socorrer-se na sua decisão dos factos articulados pelas partes (com as exceções previstas no n.º 2).
5. Tendo sido pedida na petição inicial a anulação de um contrato com fundamento na venda de bem alheio, prevista no art.º 892.º, do C. Civil, não incorre na nulidade prevista na al. d), do n.º 1, do art.º 615.º, do C. P. Civil a sentença que, conhecendo desse pedido, não se pronuncia sobre o litigo dos autos na perspectiva substantiva do erro sobre o objeto do negócio, quando, tendo a apelante, já depois de fixados os temas da prova, apresentado articulado superveniente em que, grosso modo, reconduz o litígio dos autos a esse instituto do erro sobre o objeto do negócio, esse requerimento foi rejeitado pelo tribunal porque, nos termos do disposto no art.º 620.º, do C. P. Civil, essa decisão se impõe e vincula o próprio tribunal, que assim ficou impedido de alterar a sua decisão e porque, como aduzido nessa mesma decisão, nos termos previstos no n.º 1, do art.º 265.º, do C. P. Civil “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”, previsão legal que não se verifica nos autos.
6. A apelação não é o meio processual próprio para requerer o aditamento de factos não articulados à matéria de facto provada da sentença, nos termos previstos no n.º 2, do art.º 5.º, do C. P. Civil, devendo tal ser requerido em plena audiência, em ordem a que possa ser contraditado pela contraparte e decidido pelo Tribunal.
 
3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

TRL, 18-04-2024
Orlando Santos Nascimento
Higina Castelo
Laurinda Gemas
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[1] Prof. José A. Reis, C. P. Civil anotado, vol. V, pág. 141
[2] BMJ, 464, pág. 525
[3] Cfr. O Ac. S. T. J. de 21/05/1998, in Col. J. II, pág. 95