Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3888/16.0T8LSB.L2-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
PROPRIEDADE HORIZONTAL
INEFICÁCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Uma assembleia de um proprietário e de condóminos de um conjunto de 4 prédios que não foi constituído em propriedade horizontal não tem competência para tomar deliberações referentes aos prédios constituídos em propriedade horizontal, sendo, por isso, essas deliberações ineficazes em relação aos condóminos destes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

Em 12/02/2016, A intentou contra R-Lda, uma acção comum, que epigrafou como de impugnação e anulação de decisões de assembleia geral, pedindo que: se determine a anulação da obrigação de pagamento da verba destinada ao serviço de recepção e do sustento dos funcionários, referente aos condóminos que não subscreveram o contrato de prestação de serviços, do ano de 2015 e anteriores, por ilegal e inadmissível.
Isto com os seguintes fundamentos, em síntese: o autor é proprietário de um apartamento incluído num condomínio, gerido pela ré; das partes comuns desse condomínio não faz parte nenhuma recepção. No entanto, as despesas com uma recepção (pessoal e equipamentos) têm sido pedidas ao autor, como condómino, desde 1985, e na AG de 2016 foram aprovadas as despesas do condomínio de 2015 e o orçamento das despesas de condomínio para 2016, incluindo nessas despesas as da recepção (uma verba, todos os anos, a rondar os 18.000€ [para todos os condóminos]. Como não são despesas com os encargos de conservação e fruição de bens comuns do condomínio, não são devidas pelos condóminos (art.º 1424 do Código Civil). Pelo que pede a anulação da obrigação desse pagamento.
A ré contestou, excepcionando a sua ilegitimidade passiva por preterição de litisconsórcio passivo necessário e a ineptidão da petição inicial; também impugnou aquilo que o autor possa ter querido dizer, em alguns artigos da PI, não os factos, porque entende, como referido, que o autor não alegou factos; não impugnou os documentos apresentados pelo autor.
A 12/04/2016, o autor replicou, impugnando as excepções, mas, à cautela, quanto à legitimidade disse que “sempre se deverá considerar a possibilidade de o autor aperfeiçoar o seu pedido considerando até que o autor não possui todos os elementos necessários para identificar todos os condóminos presentes na AG de 16/01/2016, e considerando ainda que a mandatária da ré, exerceu nesse acto as funções de secretária; requer […] seja notificada a ré para vir juntar aos autos, para efeitos de aperfeiçoamento, a identificação (nomes, moradas completas) dos condóminos presentes ou representados na dita AG.”
Por despacho de 07/11/2016, foi determinada a notificação da ré para que viesse identificar os condóminos presentes/representados na AG de 16/01/2016, com fundamento de que, nos termos do disposto no art.º 1433/6 do Código de Processo Civil, a acção tinha, necessariamente, de ser proposta contra todos aqueles que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende e o autor alega não possuir tais elementos.
A 11/11/2016 a ré enviou um mapa de identificação dos condóminos, presentes e representados na AG, num total de 37 pessoas, entre elas vários residentes em países estrangeiros (França, Bélgica, Finlândia, USA, Inglaterra e Irlanda do Norte; entre eles incluiu, sem o referir, um condómino que se tinha abstido na votação (o C6 – T-Lda).
A 05/01/2017, foi proferido o seguinte despacho: Atenta a informação que a ré fez chegar aos autos, notifique-se o autor para, no prazo de 10 dias, corrigir a petição inicial apresentada e suprir a excepção de ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário que neste momento se verifica (art.º 1433/6 do CC).
 A 10/01/2017, o autor apresenta nova petição inicial dando cumprimento ao despacho.
A 01/02/2017, foi proferido despacho a julgar sanada a ilegitimidade passiva do réu e a dar andamento ao processo.
A 27/03/2017, a ré contesta a petição aperfeiçoada, no essencial idêntica à anterior, como não podia deixar de ser, pois que a PI aperfeiçoada só tinha acrescentado réus à acção.
A 04/05/2017 foi proferido o seguinte despacho: Por forma a garantir o regular exercício do contraditório e evitar decisões-surpresa face aos factos invocados na contestação apresentada à PI aperfeiçoada, notifique-se o autor para exercer desde já o devido contraditório.
A 14/05/2017, o autor repete a réplica.
A 29/06/2017, é proferido despacho a continuar a dar andamento ao processo e a fixar o valor do mesmo.
A 19/09/2017, a T-Lda, um dos réus aditados, “contesta” defendendo que a presente acção devia ser julgada procedente por provada, e em consequência deve ser declarada ineficaz e ilegítima, ou em alternativa e subsidiariamente nula a deliberação da Assembleia de Condóminos do Aldeamento, realizada no dia 16/01/2016, que aprovou as contas de 2015 e o orçamento de 2016, e consequentemente declarar ineficazes ou em alternativa e subsidiariamente nulos, todos os seus efeitos, seguindo-se os demais termos até final.
A 03/02/2020 e a 06/02/2020, a mandatária da ré junta mais de 30 procurações dos réus a seu favor (todas de Fevereiro e Março de 2017 e todas com referência a este processo).
A 02/03/2020 é apresentada uma contestação destes réus “dando por reproduzidas todas as peças processuais subscritadas pela então ré.”
A 06/06/2020, é proferido despacho a notificar o autor para exercer o contraditório relativamente à matéria de excepção invocada pelos réus na contestação (art.º 3 do CPC), o que o autor não fez [mas já tinha feito antes por duas vezes].
A 18/10/2020 foi proferido saneador-sentença julgando improcedente a excepção de litispendência e procedente a de ineptidão da petição inicial.
A 17/11/2020, o autor recorreu do saneador-sentença e os réus não contra-alegaram.
O recurso foi admitido e remetido a este TRL a 22/04/2021.
Por acórdão deste mesmo colectivo, de 27/05/2021, julgou-se o recurso procedente, revogando-se o saneador-sentença recorrido que considerou a petição inicial inepta, devendo os autos continuar a seguir os seus termos normais.
O processo regressou ao tribunal recorrido a 07/07/2021.
Foi designada audiência prévia para 12/10/2021. Nesse dia, em acta, o autor foi convidado a aperfeiçoar a sua alegação de facto contida na PI, no prazo de 10 dias e nos seguintes termos:
- Quais as partes comuns do prédio discriminadas no respectivo título constitutivo da propriedade horizontal (artigo 4º da Petição Inicial);
- Quais as permilagens de cada fracção autónoma constantes do registo predial (artigo 8º da Petição Inicial);
- Esclarecer como é que a 1ª ré “impõe” todos os anos uma verba a ser liquidada pelos condóminos (artigo 15º da Petição Inicial);
- Esclarecer quais são os orçamentos anteriores em que estão imputados “custos de serviços externos”, quais as assembleias em que os mesmos foram aprovados e qual o valor dessa verba em cada um desses orçamentos (artigo 17º da Petição Inicial).
A 19/10/2021, o autor apresentou a PI aperfeiçoada: na parte que importa, disse:
1- As partes comuns do prédio urbano descrito na CRP sob o 0000/19900713, corresponde à área envolvente com 3.556,27 m2, área destinada a estacionamento com 737,5 m2, os arruamentos com 1.740,83 m2, a piscina com 289,53 m2 e respectivos anexos, bem como aos Blocos Z-1, Z-2 e Z-4 - Doc. 1
2- As permilagens das fracções autónomas são as seguintes: fracções A a N: permilagem 37,4 cada; fracção O: permilagem 37; fracções P a AD: permilagem: 34,03, Fracção AE: permilagem: 34,02 - Doc. 1
[…]
9\ Por último, refira-se que não se entende o próprio entendimento da administração do condomínio quanto às permilagens de cada uma das fracções autónomas quando em 15/02/1997 atribui os valores referidos na Assembleia Geral de Condóminos realizada nesse dia e que parece estarem em contradição com aquilo que está registado na Conservatória do Registo Predial e na Autoridade Tributária. Doc. 14, 1 e 2.
[o doc.1 tem uma informação predial em vigor, da descrição 00000 agora 0000/19900713, do urbano denominado Bloco Z-3 – com a área total de 1293,6m2 (coberta 782,6m2 e descoberta 511m2); consta a apresentação de uma autorização de utilização de 10/05/2011 e a aquisição pela R em 1981. Bem como a informação predial com a apresentação da constituição da propriedade horizontal em 17/05/1984, com as permilagens que constam do facto 2. E o registo da aquisição da fracção pelo autor. O doc. 2 é a certidão matricial da fracção do autor].
A 29/10/2021, os réus responderam, dizendo, na parte que importa:
1. O autor, convidado para aperfeiçoar a sua alegação de facto contida na petição inicial, veio responder ao convite da seguinte forma:
a) Quais as partes comuns do prédio discriminadas no respetivo título constitutivo da propriedade horizontal (artigo 4.º da p.i);
2. O autor limitou-se a reproduzir ipsis verbis o que havia alegado na petição inicial, artigo 5.º (que na p.i. anterior era artigo 4.º), nada acrescentando ou aperfeiçoando;
b) Quais as permilagens de cada fracção autónoma constantes do registo predial (artigo 8.º da p.i);
3. Quanto às permilagens o autor indicou as permilagens constantes do registo predial do edifício bloco Z3, tendo perfeito conhecimento, que conforme refere no n.º 1 do seu articulado de aperfeiçoamento “ 1- As partes comuns do prédio urbano descrito na CRP sob o número 0000/19900713, corresponde à área envolvente com 3.556,27 m2, área destinada a estacionamento com 737,5 m2, os arruamentos com 1.740,83 m2, a piscina com 289, 53 m2 e respectivos anexos, bem como aos Blocos Z-1, Z-2 e Z-4.”
4. Como é do conhecimento de todos os condóminos, nos quais se inclui o autor, o Condomínio do Aldeamento, é constituído pelos Edifícios, Bloco Z1, Bloco Z2, Bloco Z3 e Bloco Z4.
5. Constituem parte comum de cada edifício e das suas fracções, a área destinada a estacionamento, os arruamentos, a piscina e respectivos anexos, bem como, os demais Blocos (edifícios) - Bloco Z3 - Z1, Z2 e Z4. Cf. docs. que se juntam sob 1 a 4 e cujo teor se considera reproduzido para efeitos legais.
6. O Bloco Z3, no qual se situa a fracção V, propriedade do Autor, de acordo com o auto de vistoria, de 07/02/1984, esclarece que: “c) Constitui parte comum às fracções deste bloco Z3 e ainda às fracções dos blocos Z1, Z2 e Z4, constituindo área do condomínio, a área verde envolvente do empreendimento com 3556,27 m2, a área destinada a estacionamento com 737,5 m2, os arruamentos de acesso com 1740,83 m2, a piscina com a área de 289,53 m2 e respectivos acessos (casa das máquinas e instalações sanitárias de apoio) ao nível do rés-do-chão do bloco Z4 com a área de 67,911 m2.” Cf. auto de vistoria que se junta sob doc.5 e cujo teor se considera reproduzido para efeitos legais.
7. A essência material dos factos é esta e sempre assim foi, desde 1984.
8. Por esse facto, as permilagens constantes das fracções de cada Bloco, nomeadamente, do Bloco Z3, no qual, inicialmente, a fracção V, apresentava uma permilagem de 3,403%, em virtude da construção dos edifícios Bloco Z1, Z2 e Z4, foram ajustadas em função da área total de construção, correspondente a 7.207,03 m2 e da tipologia de cada fracção.
9. As actas n.ºs 4 e 5, que se juntam sob docs. 6 e 7, expressamente referem as permilagens aprovadas e aceites, já no ano de 1997 e seguintes.
10. De acordo com acta n.º 4, de 15/02/1997 (doc.6), e seguintes, a permilagem, é definida de acordo com “… valores orçamentados a comparticipação de cada condómino, por tipo de apartamento …. a permilagem correspondente, é a seguinte:
Apartamento A1 a A3 (3 fracções) – permilagem 1,9871 = 5,9613
Apartamento B1 a B3 (3 fracções) – permilagem 1,415 = 4,245
Apartamento B4 (1 fracção) – permilagem 1,6107 =1,6107
Apartamento B5 a B7 (3 fracções) – permilagem 1,415 = 4,245
Apartamento C1 e C7 (2 fracções) – permilagem 1,415 = 2,83
Apartamento C4 (1 fracção) – permilagem 1,6107 = 1,6107
Apartamento D1 a D9 (9 fracções) – permilagem 1,6107 = 14,4963
Apartamento E1 a E8 (8 fracções) – permilagem 1,6107 = 12,8856
Apartamento F1 a F6 (6 fracções) – permilagem 1,6107 = 9,6642
Apartamento C1, C3, C5 e C6 (4 fracções) – permilagem 1,7311 = 6,9244
Apartamento G1 a G14 (14 fracções) – permilagem 1,2043 = 16,8602
Apartamento H1 a H14 (14 fracções) – permilagem 1,2043 = 16,8602
Coffee Shop (1 fracção) – permilagem 1,8064 =1,8064
69 fracções = 100%
11. A permilagem encontra-se, assim, definida e aceite por todos os condóminos, não tendo, em mais de 30 anos, nenhum condómino reclamado das permilagens definidas.
12. Motivo pela qual são, exactamente, essas as permilagens, aprovadas, no Regulamento de Condomínio, aprovado em assembleia geral de 15/10/2011, conforme documentos que se juntam sob docs.8 e 9.
13. Curiosamente, apenas o autor manifesta dúvidas quanto à permilagem, tendo, inclusivamente, deixado de liquidar as suas quotas de condomínio, mantendo, ano após ano, a dívida referente às suas comparticipações. Todos os outros 68 condóminos, pagam as suas comparticipações, sabem o prazo definido, no regulamento de condomínio, para o pagamento e conhecem a permilagem das suas fracções (após a construção da totalidade dos edifícios).
14. Entendemos, que apenas os condóminos relapsos nos pagamentos, como é o caso do autor, que não paga as suas comparticipações há vários anos, utilizando para além da sua fracção, as áreas comuns, para as quais não comparticipa, nomeadamente, jardins, piscina e estacionamento, tem dúvidas quanto a praticas, modos e costumes, utilizados no empreendimento, reiteramos, há mais de 30 anos.
[…]
19. As últimas actas de condomínio, referem, todas elas, a existência de quórum e número de fracções, sendo esse quórum calculado de acordo com a permilagem constante do regulamento de condomínio aprovado!
[…]
Senão vejamos,
Vide acta 24 (doc.10)
20. Nesta acta é referida “… a existência de quórum (40) fracções, correspondente a 60,73% do capital …” o que, de acordo com a enunciada permilagem, está correcto.
[…]
25. Considerando as permilagens definidas, desde a construção da totalidade dos edifícios, verificamos a referência ao quórum indicado em cada uma delas, o qual, por simples cálculo aritmético, se constata corresponder à definida permilagem, sendo pela permilagem que a 1.ª ré impõe a verba a ser liquidada pelos condóminos
[…]
[junta 10 documentos mais 4 a 30/10/2021]
A 02/11/2021, o autor replica e junta documentos.
A 19/11/2021 foi elaborado despacho saneador, com temas de prova.
A 29/03/2022 é dada notícia da morte de alguns dos réus, habilitados a 22/02/2023, e é designada data para julgamento: 27/03/2023, depois transferida para 08/05/2023.
A 04/05/2023, a T-Lda, vem dizer que “por requerimento com referência 26798542, apresentou um requerimento que apelidou de contestação. Só agora tendo verificado que o fez, por lapso de escrita. Pois como se pode ver do teor do mesmo, o que se pretendia era um articulado de intervenção principal espontânea, nos termos do disposto nos artigos 311 e ss do CPC. Aliás dado o objecto dos autos, e a posição vertida pela requerente no referido articulado, percebe-se que tem um interesse igual ao do autor. Pelo que requer que lhe seja relevado esse lapso de escrita, recorrendo-se analogicamente ao disposto no artigo 667 do CPC. Contudo, e caso assim não se entenda, serve o presente articulado, para nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 313 do CPC, requer a intervenção por mera adesão ao autor, fazendo seus os articulados do autor aceitando a causa no estado em que se encontra.” Nada foi dito quanto a tal requerimento pelo tribunal, requerimento que foi notificado a ambas as partes pelo “interveniente”.
A 08/05/2023 foi realizada audiência final, mas sem produção de prova.
A 12/06/2023 foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo os réus do pedido (na contagem da sentença tratam-se de 34 réus para além da R).
A 05/09/2023, o autor recorreu da sentença – para que seja revogada -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a\ O tribunal a quo produziu uma sentença baseada numa ficção que supõe a existência duma recepção admitida pelas partes, mas que não se apurou quais as contrapartidas que a mesma oferece aos condóminos e só porque existe um horário de funcionamento da mesma.
b\ A existência desse horário não é por si mesmo a sua razão de existir, pecando a sentença por não esclarecer qual o seu conteúdo funcional, ou seja, se presta algum tipo de serviço específico.
c\ A sentença baseou-se em considerações gerais acerca do que entende ser uma recepção não tendo sequer tido sido feita a análise crítica relativamente à propriedade horizontal do Condomínio […]
d\ Esse condomínio não é um hotel, uma pensão, um hostel ou um alojamento local que justifique só pela sua própria natureza a existência de uma recepção para proceder às entradas e saídas dos seus hóspedes.
e\ No caso em apreço, os "hóspedes" são os donos das fracções autónomas que podem entrar e sair das suas casas sem ser preciso qualquer intermediário que lhes entregue ou receba as suas chaves.
f\ Além disso, o conceito de recepção não foi especificado ao caso concreto, não se sabendo o que fazem as suas alegadas funcionárias.
g\ Verifica-se, que existiu uma falta de fundamentação da sentença que se baseou num erro de raciocínio lógico e que é contrária aos factos apurados, à prova que foi junta e ao direito a que o tribunal a quo estava obrigado para poder proferir uma sentença conforme a realidade, tratando-se, assim, de uma sentença sem qualquer fundamento e que implica a sua nulidade conforme previsto no art.º 615/1-b do CPC.
Os réus não contra-alegaram.
*
A 08/02/2024 o recurso foi admitido e a 16/02/2024 foi remetido a este tribunal de recurso.
A 09/03/2024, já neste TRL o relator proferiu o seguinte despacho:
 Numa reunião em 2016 de alguns condóminos de três prédios (ditos Bloco Z-1, Bloco Z-2 e Bloco Z-3) e do proprietário de um outro (dito Lote Z-4) decidiu-se, entre o mais, aprovar as contas de 2015 de um denominado Condomínio Aldeamento, que incluem uma verba destinada ao serviço de recepção e sustento dos funcionários. O mesmo vem acontecendo, em anos anteriores (por exemplo, em 2008, 2014 e 2015, para só falar daqueles referidos nos factos dados como provados na sentença recorrida).
O autor diz querer a anulação da obrigação do pagamento dessa verba por ilegal e inadmissível.
Dos factos provados não resulta a existência de qualquer Condomínio Aldeamento, isto é, uma propriedade horizontal que englobe os quatro prédios referidos, que seria composta por 68 fracções, propriedade horizontal essa que tinha de constar do registo predial (artigos 2/1-b e 81/1 do CRP).
O que resulta dos factos provados é a propriedade horizontal do prédio dito Bloco Z-3, composto por 28 fracções (e noutros documentos, juntos no mesmo dia, 29/10/2021, pela R, daquele que foi invocado para prova do facto 1 resulta também a propriedade horizontal dos prédios BZ-1 e BZ-2 e a propriedade do prédio Lote 4).
São órgãos de um condomínio a assembleia de condóminos desse condomínio e o administrador. A aprovação das contas e do orçamento das despesas de um condomínio só pode ser feita pela assembleia de condóminos desse condomínio (artigos 1430 e 1431 do CC).
Uma assembleia de alguns condóminos de 3 edifícios constituídos em 3 propriedades horizontais e do proprietário de um outro prédio não tem competência para aprovar contas e orçamentos de qualquer deles.
Logo a deliberação daquela assembleia é ineficaz relativamente aos condóminos daqueles edifícios.
Pelo que, embora por outra via, chega-se à mesma conclusão da falta de competência daquela assembleia, causa de pedir da ineficácia que já se tinha dito, no anterior acórdão deste TRL, ser a pretensão do autor.
Para evitar a ineficácia não serve a solução prevista no art.º 43/4 do Regime jurídico da urbanização e edificação (que aliás a R nunca invocou), pois que esta está reservada para as partes comuns (espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos de natureza privada) dos lotes e dos edifícios que neles venham a ser construídos, e a acta daquela assembleia não faz a distinção entre despesas dessas partes comuns e daquelas que são exclusivas dos prédios constituídos em propriedade horizontal, aliás na lógica de se assumir como um condomínio complexo de facto (não de Direito) com a característica especial de absorver os condomínios realmente existentes. De resto, a recepção do empreendimento não é, segundo o próprio regulamento (facto 4, art.º 5/1-a do regulamento) uma parte comum do “condomínio”.
De modo a evitar decisões-surpresa notifiquem-se autor, interveniente e réus para se pronunciarem, querendo, em 10 dias, sobre a via de solução agora ponderada.
O autor veio dizer que:
1- Um regulamento aprovado numa assembleia geral de condóminos não pode sobrepor-se à lei, mas pode criar uma realidade que irá perdurar no tempo, incutindo aos proprietários das fracções autónomas uma obrigação de pagar, pensando que estão a contribuir para o pagamento de despesas comuns. 2- Esse perdurar no tempo que mais não é do que um estado de lassidão próprio do direito ao gozo de férias tem a ver com a idade dos proprietários, com os seus sucessores, com a distância a que ficam dos seus países de origem e com o passar dos anos. 3- Criou-se uma ideia de Condomínio quando a realidade legal é bem diferente, bem diferente na sua natureza de prédios independentes, ou seja, não existe nem nunca existiu um tronco comum. 4- Pelo que a decisão tomada numa qualquer assembleia geral relativa aos blocos de apartamentos identificados nos autos poderá estar ferida de nulidade, sendo ineficazes em relação aos seus proprietários aos longo dos anos. 5- Nesse sentido, o TRL tomará essa questão em consideração, fazendo aplicar a lei à realidade e não o contrário.
Os réus vieram dizer que:
1. Sabem, Condomínio Aldeamento, o autor e todos os demais proprietários de fracções (todos condóminos) que a administração do condomínio compreende três lotes individualizados registalmente (com descrição própria), mas, de facto, corporizam, desde sempre, um todo com espaços e zonas comuns de que todos os condóminos dos três prédios beneficiam. 2. É o que consta das sucessivas actas nunca impugnadas pelo autor, do Regulamento do Condomínio e da prática reiterada de actos da administração praticados pelo condomínio, através da sociedade mandatada para exercer funções de Administradora. 3. É o que tem sempre acontecido. 4. Estes são os factos, não contestados pelo autor, em assembleias gerais ou, agora, na presente acção. 5. A essência material dos factos é esta.  6. Participou em assembleias gerais, ao longo de anos, foi pagando o que lhe competia com base nas contas apresentadas pela Administração, que nunca impugnou. 7. Nunca impugnou qualquer documento, pagou, como supra se disse, durante anos as dívidas de sua responsabilidade, sem que tenha surgido qualquer alteração nos procedimentos adequados pelo Condomínio, representado pela sociedade R-Lda. 8. A questão resume-se a isto. A seguir, os réus reproduzem o requerimento de 29/10/2021 [já transcrito acima].
O autor veio requerer que se mande desentranhar o requerimento da ré porque não corresponde ao convite e estarem encerradas as fases processuais admitidas às partes com a interposição do recurso, não podendo a ré e a sua mandatária criar uma via que não existe para se pronunciar sobre o que já foi dito e apelidar o autor como condómino relapso, o que nos parece ser aquém do dever de urbanidade com que deveria pautar a sua actuação escrita.
O interveniente principal espontâneo não respondeu ao despacho.
*
Questão que importa decidir: o desentranhamento da pronúncia dos réus; a nulidade da sentença; se devia ter sido determinada a anulação da obrigação de pagamento da verba destinada ao serviço de recepção e do sustento dos funcionários, do ano de 2015 e anteriores, por ilegal e inadmissível.
*
Quanto ao desentranhamento
O que os réus dizem na sequência do despacho de 09/03/2024 enquadra-se numa pronúncia sobre o que ali se diz, como se verá mais à frente; as qualificações empregues já vêm de anterior peça processual contra a qual o autor nada disse e não são, por si, ofensivas (para os efeitos do art.º 9/2 do CPC): ‘relapso’ quer dizer “Que ou o que é reincidente em alguma coisa” ["relapso", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2024, https://dicionario.priberam.org/relapso] e o autor, assumidamente, não paga as quotas ano após ano, há muitos anos.
Não há razões para o desentranhamento requerido.
*
Quanto à nulidade
A sentença, como se verá à frente, tem extensa fundamentação de direito, pelo que, ao contrário do que o autor pretende, não se verifica a nulidade por falta de fundamentação (art.º 615/1-b do CPC).
*
Como não foi impugnada a decisão da matéria de facto, os factos que importam para a decisão das restantes questões que importa decidir são os que vêm dados como provados da 1.ª instância, que são os seguintes:
1\ Encontra-se descrito sob o número 0000/19900713 na Conservatória do Registo Predial um prédio urbano denominado Bloco Z-3, em cuja composição e confrontações consta que “são partes comuns a área envolvente com 3556,27m2, área destinada a estacionamento com 737,5m2, os arruamentos com 1740,83m2, a piscina com 289,53m2 e respectivos anexos, bem como aos Blocos Z-1, Z-2 e Z-4.”.
2\ O prédio encontra-se constituído em propriedade horizontal, registada pela apresentação n.º 15 de 17/05/1984, tendo as seguintes fracções autónomas: as fracções A a N (13 fracções), cada uma delas com a permilagem de 37,4; a fracção O com a permilagem de 37; as fracções P a AD (13 fracções), cada uma delas com a permilagem de 37,03; e a fracção AE com a permilagem de 37,02.
3\ Encontra-se inscrita a favor do autor pela apresentação n.º 56 de 27/07/1987, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra V.
4\ Do Regulamento do Condomínio, aprovado em 2011, constam, entre o mais, os seguintes artigos:
Artigo 2: O […] é um aldeamento de natureza turística, composto por 68 fracções autónomas, recepção e coffee shop e seus anexos.
[…]
Artigo 5.º
1 – São partes comuns, para além das definidas na lei: a) As piscinas; b) Os espaços para estacionamento; c) Os jardins; d) Os pavimentos de circulação.
2- As partes comuns destinam-se ao uso de todos os condóminos, familiares e amigos visitantes.
[…]”
5\ No dia 16/01/2016, realizou-se a assembleia geral de condóminos do Aldeamento da qual foi lavrada a acta n.º 24, da qual consta, entre o mais, o seguinte
“[…]
Seguidamente, usou da palavra a representante do apartamento D3 para sugerir que fosse conferido um prazo de 6 meses para que a alteração da propriedade recepção/refeitório fosse registada a favor do condomínio.
A Administração esclareceu que o “Coffee Shop” é propriedade da R, tendo todos os presentes ficado elucidados.
[…]
Seguidamente o presidente da mesa colocou à votação o ponto 1 da ordem de trabalhos, “aprovação das contas de 2015”, tendo as mesmas merecido a aprovação de todos os presentes ou representados, à excepção da representante do apartamento C6, que se absteve tendo igualmente sido deliberado que o desvio verificado, no valor de 225,14€, será absorvido pelo Fundo de Reserva Legal.
[…]
Seguidamente, o presidente da mesa pôs à votação o projecto do orçamento para 2016, constante do ponto 2 da ordem dos trabalhos, tendo o mesmo sido aprovado com a abstenção da representante do apartamento C6.
[…]
6\ Anexo à acta consta o “Orçamento para 2016”, no qual figura o seguinte ponto
5. Recepção
Pessoal17.715
Equipamento400
7\ Em 07/02/2008, realizou-se a assembleia geral de condóminos do Aldeamento, da qual foi lavrada a acta n.º 16, à qual foi anexado um “Mapa Despesa Orçamentada e Realizada em 2008, no qual figura o seguinte:
                          “Orçamento / Realizado / Desvio
(…)
Recepção
Pessoal                      16.950€ / 16.950€ / 0€
Equipamento                  505€ / 393,11€ / -111,89€
(…)”
8\ Em 08/02/2014, realizou-se a assembleia geral de condóminos do Aldeamento, da qual foi lavrada a acta n.º 22, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
 “(…)
Seguidamente o presidente da mesa colocou à votação o ponto 1 da ordem de trabalhos, “aprovação das contas de 2013”, tendo as mesmas merecido aprovação de todos os presentes ou representados, à excepção da representante do apartamento D3, que se absteve.
(…)
Seguidamente, o presidente da mesa pôs à votação o projecto do orçamento para 2014, constante do ponto 2 da ordem dos trabalhos, tendo o mesmo sido aprovado por unanimidade, apenas, com a ressalva da proprietária do apartamento D3, aqui representado, quanto à rectificação do valor do IMI. (…)”
9\ Anexo à acta 22 consta o “Detalhe dos orçamentos”, no qual figura o seguinte:
“Recepção - Equipamento           500€ / 383,63€ / -116,37€
Recepção - Pessoal                 17.715€ / 17.715€ / 0€”
10\ Anexo à acta 22 consta o “Orçamento para 2014”, no qual figura o seguinte ponto:
“5. Recepção
Pessoal 17.715€
Equipamento 500€”
11\ Em 24/01/2015, realizou-se a assembleia geral de condóminos do Aldeamento, da qual foi lavrada a acta n.º 23, da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…)
Seguidamente o presidente da mesa colocou à votação o ponto 1 da ordem de trabalhos, “aprovação das contas de 2014”, imputando o desvio orçamental (€4.866,72) ao fundo de reserva legal, tendo as mesmas merecido aprovação de todos os presentes ou representados, à excepção do representante do apartamento C6, que se absteve.
(…)
Seguidamente, colocou à votação o projecto do orçamento para 2015, constante do ponto 2 da ordem dos trabalhos, tendo o mesmo merecido aprovação de todos os presentes ou representados, à excepção do representante do apartamento C6, que se absteve.
(…)”.
12\ Anexo à acta 23 consta o “Detalhe dos orçamentos”, no qual figura o seguinte:
“Recepção - Equipamento 400€ / 309,63€ / -90,37€
Recepção - Pessoal 17.715€ / 17.715€ / 0€”
13\ Anexo à acta 23 consta o “Orçamento para 2015”, no qual figura o seguinte ponto:
“5. Recepção
Pessoal 17.715€
Equipamento 400€”
O tribunal recorrido considerou ainda não provado o seguinte facto: Dos serviços de recepção usufruam apenas os condóminos que celebraram contrato de prestação de serviços (de apoio ao condómino, de arrendamento a terceiros, de gestão financeira e logística desses arrendamentos) com a R.”
A fundamentação da decisão da matéria de facto foi a seguinte:
A decisão quanto à matéria de facto funda-se no exame crítico da prova produzida.
Os factos provados de 1 a 3 resultam da certidão do registo predial junta com o requerimento de 19/10/2021.
O facto 4 resulta provado do doc.3.1 da PI (regulamento do condomínio), que não foi impugnado.
Os factos 5 e 6 resultam provados da acta e seu anexo juntos como documento 4 da PI, e que não foram impugnados.
Os factos 7 a 13 resultam provados das actas e respectivos anexos juntos pelo autor com o requerimento de 19/10/2021, documentos que não foram impugnados.
Finalmente, do facto julgado não provado não houve prova minimamente convincente e fidedigna. Não foi feita qualquer prova acerca dos serviços de recepção referidos nos orçamentos, nas contas e nas actas do condomínio. Não prestou depoimento qualquer testemunha, nem resulta de qualquer documento junto aos autos uma qualquer descrição destes serviços, em que é que os mesmos consistem. O regulamento do condomínio refere a recepção, no artigo 2, mas não a descreve, não explica em que é que consiste.
Por isso, não resulta de nenhum meio de prova junto aos autos que a recepção tenha alguma coisa a ver com o “contrato de serviços de apoio” junto como doc. 5 da PI. Esta minuta de contrato, que o autor não assinou, não contém qualquer referência à recepção no seu clausulado, identificando os serviços prestados como de “apoio”. No anexo I, contendo o preçário são discriminados diversos serviços em que consistirá o tal serviço de apoio, dos quais não consta qualquer menção à recepção. A única menção à recepção consta do ponto 1 das condições de alojamento; contudo, não é feita referência à recepção como sendo um serviço contratado, antes é indicado o horário de funcionamento da recepção. Ora, existindo horário de funcionamento da recepção, o mesmo será geral, interessando a todos, tanto aos condóminos que contrataram serviços de apoio adicional como aos outros, não se podendo extrair deste documento mais do que do mesmo consta, ou seja, a indicação de um horário.
Daí a decisão.
A fundamentação de Direito da sentença consta do seguinte:
Nos termos do disposto no artigo 1433/1 do Código Civil as deliberações da assembleia contrárias à lei são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
Contudo, se tais deliberações exorbitarem a competência da assembleia, incidindo, v.g., sobre bens ou serviços que não são comuns aos condóminos (artigo 1430/1 do CC), tais deliberações serão ineficazes.
O artigo 1424/1 do CC consagra a regra de que a divisão das despesas com a conservação e fruição das partes comuns e com os serviços de interesse comum se faz na proporção do valor de cada fracção, i.e., da sua permilagem, regra que não pode ser afastada pelos condóminos quanto às primeiras.
Não definindo a lei o que são os serviços de interesse comum, tem-no feito a jurisprudência, mormente nas decisões seguintes:
“Serviços de interesse comum são serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como acontece, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais ascensores, as caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, os serviços de segurança e vigilância do imóvel.” – acórdão do TRC de 07/02/2017, proc. 454/15.0T8CVL1.C1;
“Serviços de interesse comum são todos os serviços que contribuam para o bem-estar dos condóminos relacionados com o uso da coisa comum, como sejam, a vigilância do edifício, serviços de limpeza e de manutenção de elevadores, a administração do condomínio.” – acórdão do STJ de 09/12/2021, proc. 2150/19.0T8PTM.E1.
No caso dos autos está em causa a menção recorrente, nos orçamentos e contas aprovados, identificados nos factos provados, a despesas com a recepção, divididos em despesas de equipamento e de pessoal. Contas e orçamentos que, como se extrai dos referidos factos provados, têm sido aprovados sem qualquer voto contra, apenas com ocasionais abstenções de um condómino. São as deliberações que os aprovam que o autor pretende pôr em causa.
Os autos são parcos na descrição daquilo em que consiste esta recepção, limitando-se o autor a alegar que a recepção não faz parte das partes comuns e identificando os serviços de recepção prestados como incluídos num contrato de prestação de serviços celebrado entre a empresa que administra o condomínio e os condóminos individualmente considerados, relação contratual que não diz respeito à administração do condomínio.
Não obstante, uma coisa é certa, resultando do acordo das partes: existe uma recepção, que funciona como tal.
E uma recepção deve ser qualificada como um serviço de interesse comum, na acepção acima referida, ou seja, similar ao serviço de portaria, no qual se faz o acolhimento das pessoas que se dirigem aos prédios (sejam visitas, prestadores de serviços, hóspedes, etc.), se recebe correspondência e encomendas, se recebem e dão recados, informações, etc., etc.
Um serviço de recepção tem de ser considerado, pela sua natureza, forçosamente, um serviço de interesse comum para um prédio; coisa distinta é a de se considerar que o mesmo não se justifica economicamente, razão pela qual hoje em dia a maior parte dos prédios, em Portugal, não dispõe já de porteiro ou recepcionista.
Mas essa é uma questão diferente: a maioria dos condóminos pode deliberar pela manutenção de um serviço de interesse comum, mesmo que uma minoria disso discorde, não pode é deliberar que todos os condóminos suportem os encargos com um serviço que não seja do interesse comum.
No caso dos autos, o autor não põe em causa que existe um serviço de recepção, nem alega que o mesmo só pode ser usufruído por parte dos condóminos, ou seja, que mesmo que o autor queira, não possa beneficiar dessa recepção.
Face ao exposto, temos de considerá-lo um serviço de interesse comum.
Não tendo sido cabalmente explicado onde é que funciona a recepção, se numa parte comum ou se funciona em alguma fracção autónoma (caso em que todos os restantes condóminos estariam a beneficiar com o uso de um espaço que não lhes pertence, nada tendo a perder com isso), afigura-se-nos que tal questão não releva para a decisão, uma vez que não são indicadas despesas com alguma edificação: obras de conservação, manutenção. As despesas indicadas são com pessoal, imprescindível neste tipo de serviço, e com equipamentos, o que também se coaduna com a tecnologia disponível para prestar tais serviços, v.g., computador, telefone ou telemóvel.
Tudo visto, tendo em conta que não ficou provado que o autor não possa beneficiar dos serviços de recepção, que os mesmos não sejam prestados ou que se trate de serviços objecto de um contrato de prestação de serviços alheio à administração do condomínio, ou seja, não se tendo demonstrado que os custos referidos nas actas respeitam a serviços que não sejam comuns e de que o autor não possa beneficiar, é forçosa a conclusão de que não existe qualquer fundamento legal que nos permita concluir que qualquer das deliberações acima discriminadas nos factos provados seja ineficaz ou esteja ferida de qualquer invalidade, assim improcedendo a acção.
Apreciação:
Dá-se por pressuposto o despacho de 09/03/2024, transcrito acima.
A pronúncia dos réus sobre o que é dito no despacho não o põe em causa, antes pelo contrário.
Dizem os réus que todos sabem que “a administração do condomínio compreende três lotes individualizados registalmente (com descrição própria), mas, de facto, corporizam, desde sempre, um todo com espaços e zonas comuns de que todos os condóminos dos três prédios beneficiam.”
O que os réus estão a dizer é que existe um condomínio de facto que engloba os três prédios (esquecem-se de um quatro, o lote 4, dito Bloco 4, que não está constituído em propriedade horizontal, mas que é aquele que dá as partes comuns em causa, ficando com o resto), embora não exista de direito.
A propriedade horizontal é um direito real, constituído por escritura pública (ou documento particular autenticado) e necessariamente registado. Ou seja, embora desde 1994 tal conjunto de edifícios pudesse ter sido constituído em propriedade horizontal, ao abrigo do artigo 1438.º-A do CC, teriam de ter sido cumpridas, para que tal condomínio tivesse existência jurídica, as exigências legais para o efeito; ora, os réus estão a admitir que ele não existe juridicamente.
A assembleia do condomínio complexo, existente de facto, invocado pelos réus, só teria poderes - ao abrigo do art.º 43/4 do RJUE, aliás nunca invocado pelos réus -, para emitir deliberações sobre os espaços verdes e de utilização colectiva, infra-estruturas viárias e equipamentos de natureza privada desse condomínio complexo, não sobre as partes comuns de cada um dos prédios constituídos em propriedade horizontal ou sobre outras partes comuns do conjunto.
Ora, as deliberações em causa nos autos não estão restringidas àqueles espaços, infra-estruturas e equipamentos, são antes deliberações de uma assembleia de condóminos de um condomínio complexo como se ele estivesse constituído de direito, naturalmente (por inexistência de restrição) sobre todos aqueles espaços do condomínio complexo de facto, sobre outras partes comuns do conjunto e sobre cada um dos prédios constituídos em propriedade horizontal, entre eles o prédio em que o autor tem uma fracção.
Assim, não importa que a administração se estenda, de facto, aos três condomínios, pois que não há qualquer norma legal que dê, a essa administração, poderes para o fazer.
Quanto à circunstância de tal acontecer ‘desde sempre’, a ineficácia de uma deliberação tomada por quem não tem qualquer competência para decidir seja o que for sobre as despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum dos condóminos de um prédio constituído em propriedade horizontal, não é sanável pelo facto de isso já ter acontecido outras vezes, noutros anos. Até porque, a pretensão do autor também se refere às deliberações de outros anos.
O efeito prático do reconhecimento do vício da ineficácia é precisamente esse (a possibilidade de invocar o vício a todo o tempo), como resulta da passagem citada, no anterior acórdão, da obra de Pires de Lima e Antunes Varela (CC anotado, vol. III, 2ª edição, Coimbra Editora, 1984, págs. 447/448, com os apoios doutrinários ali referidos):
“A sanção cominada no artigo 1433 é a anulabilidade (e não a nulidade: cfr. arts. 285 e segs.) da deliberação.
Deve entender-se, no entanto, que no âmbito desta disposição não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia dos condóminos.
[…]
Quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos para que não tenha competência […], a deliberação deve considerar-se ineficaz: desde que a não ratifique, o condómino afectado a todo o tempo pode arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção, ou através de uma acção de natureza meramente declarativa. E é este, sem dúvida, o regime mais aconselhável: seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os actos praticados por um representante sem poderes (art.º 268.°, 1), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem (vide, neste sentido, ac. da Relação de Coimbra, de 2 de Novembro de 1982, na Col. Jurisp., ano VII, t. 5. págs. 22 e segs.)
Note-se que estas razões se aplicam ao caso por maioria de razão: é que, no caso, nem se está perante uma assembleia de condóminos do prédio em causa, mas sim de pessoas estranhas a esse condomínio. Mesmo com base nos poucos factos dados como provados pela sentença recorrida, sabe-se, como decorre do facto 3, que as assembleias em causa dizem respeito a 68 ou 69 fracções (aliás só os réus contestantes são 35 pelas contas da sentença), quando o condomínio a que o autor pertence tem apenas 28 fracções, como decorre do facto 2. Sabe-se também, como agora se extrai de forma clara do facto 1, que o Condomínio a que o autor pertence é um edifício constituído em propriedade horizontal (com fracções e partes comuns) e que tem partes em comum (em compropriedade) com outros três prédios. As deliberações são tomadas pela assembleia das 68 ou 69 fracções, não pela assembleia dos 28 condóminos do prédio em que o autor tem uma fracção. Não consta dos factos provados e tinha de constar para poder ser tomado em conta, que os quatro prédios, como conjunto, estejam constituídos em propriedade horizontal. A propriedade horizontal é um direito real, como tal sujeito a registo obrigatório e a prova dela faz-se através de certidões (artigos 2/1-b, 8-A/1-a, 81/1 e 110/1, todos do CRP).
Assim, provindo de uma deliberação tomada numa assembleia da qual fazem parte pessoas estranhas ao condomínio – onde, aliás, para formar o quórum da maior parte das deliberações nem sequer é necessária, mesmo em primeira convocatória, a presença de qualquer dos proprietários das fracções do condomínio de que o autor faz parte (pois que metade de 68 é superior às 28 fracções do condomínio de que o autor faz parte e isto é ainda mais verdade para as 77 fracções de que se falará adiante) -, sem competência para tal, em qualquer momento em que lhe vier a ser exigido o cumprimento de uma obrigação constituída por acto dessa assembleia, o autor poderá opor-se a essa exigência pondo em causa a eficácia desse acto.
Dizem também os réus, que o autor: 6. Participou em assembleias gerais, ao longo de anos, foi pagando o que lhe competia com base nas contas apresentadas pela Administração, que nunca impugnou. 7. Nunca impugnou qualquer documento, pagou, como supra se disse, durante anos as dívidas de sua responsabilidade, sem que tenha surgido qualquer alteração nos procedimentos adequados pelo Condomínio, representado pela sociedade R-Lda.” Mas os réus sabem que não consta dos factos provados aquilo que afirmam, até porque foi o contrário que foram dizendo ao longo do processo. Isto é, diziam que o autor está há muitos anos sem pagar o que lhe competia [já no requerimento de 29/10/2021, que reproduzem na referida pronúncia de 2024, dizem: 13. Curiosamente, apenas o autor manifesta dúvidas quanto à permilagem, tendo, inclusivamente, deixado de liquidar as suas quotas de condomínio, mantendo, ano após ano, a dívida referente às suas comparticipações. Todos os outros 68 condóminos, pagam as suas comparticipações […] 14. Entendemos, que apenas os condóminos relapsos nos pagamentos, como é o caso do autor, que não paga as suas comparticipações há vários anos, […]] Sendo que o não pagamento corresponde a uma contestação do direito, pelo que também fica em causa a invocada não impugnação, com o sentido que os réus lhe dão (de não contestação da situação).
A sugestão de abuso de direito (art.º 334 do CC) que decorre da invocação de as coisas se passarem assim há muito tempo e o autor as poder ter aceitado durante algum tempo, não tem dados que permitam segui-la: não só porque também há muito tempo o autor se opõe a tal estado de coisas, como não se sabe o que é que o autor, antes disso, aceitou e em que condições é que o aceitou e o deixou de aceitar.
A questão da permilagem não tem, face ao que antecede, qualquer relevo – pois que não existe legalmente o condomínio do conjunto de edifícios -, mas, seja como for, os réus não têm razão ao dizerem que as permilagens são aquelas que constam do regulamento aprovado em 2011, pois que os factos provados não permitem concluir pela conformidade disso com a realidade (já se se fizesse uso das informações prediais juntas pelos réus, sabia-se que as fracções dos blocos BZ-1, BZ-2 e BZ-3 são 19+30+28, ou seja, 77, e não 68 ou 69 como eles dizem, o que poria em causa qualquer tentativa de apurar as permilagens reais; para além disso: o prédio lote 4, não tem fracções registadas; na descrição do BZ-3, transcrita no final do requerimento do autor de 19/10/2021, vê-se que a área do prédio, logicamente, no caso, não engloba as partes comuns: tem apenas 1293,6m2; o mesmo se passa com os BZ-1 e BZ-2; a área do lote 4 é superior à área das partes comuns que consta da descrição dos BZ-1, BZ-2 e BZ-3). 
A consideração das coisas por esta via (da falta de competência), já demonstra a ineficácia de todas as deliberações tomadas pelas assembleias das 68 ou 69 fracções, quer a de 2016, quer as dos anos anteriores.
Mas também serve para demonstrar que a sentença não podia chegar à conclusão de que as verbas aprovadas pelos réus diziam respeito a despesas relativas a serviços de interesse comum do condomínio do Bloco Z-3.
Desde logo, o equipamento da recepção – uma das verbas – não é um serviço, é um bem. Para ser posto a cargo do condomínio, tinha que se provar que era um bem comum do condomínio de que o autor faz parte e não há qualquer facto que permita concluir que se trata de um bem comum. Aliás, a recepção do empreendimento não é, segundo o próprio regulamento (facto 4, art. 5/1-a do regulamento) uma parte comum do “condomínio”.
Quanto ao pessoal – a outra verba – é pessoal que serve para prestação de serviço a 68 ou 69 fracções, sendo que o condomínio do autor só tem 28 fracções. 
Ou seja, o problema apontado pelo autor na petição inicial existe mas por existir, para além dele, um outro mais abrangente: as deliberações são tomadas por uma assembleia de pessoas que englobam os condóminos e proprietário de outros prédios e essas deliberações dizem respeito às partes comuns de cada um dos três condomínios, às partes comuns de um condomínio complexo que não existe de direito e ainda às partes referidas no art.º 43/4 do RJUE, sendo despesas relativas a isto tudo e não às partes comuns do prédio em que o autor tem uma fracção. E, assim sendo, as despesas aprovadas pelas assembleias em causa não respeitem ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio de que o autor faz parte, pois que dizem respeito a muitas outras coisas.
Sobre tudo o que antecede teve-se em conta especificamente: Fernanda Paula Oliveira e Sandra Passinhas, Loteamentos e propriedade horizontal: guerra e paz!, Revista CEDOUA, 2002, ano V, n.º 9, páginas 45 a 47; Mónica Jardim, Propriedade horizontal e conjuntos imobiliários, de 2007, em Estudos de direitos reais e registo predial, Gestegal, 2018, páginas 125-155; Fernanda Paula Oliveira, Propriedade horizontal sobre conjunto de edifícios e execução por fases, em Propriedade horizontal, jornadas, Gestlegal, 2022, páginas 297 a 315; e a doutrina e jurisprudência referidos no ac. deste TRL de 27/01/2022, proc. 20572/19.5T8SNT-B.L1-2; para o art.43/4 do RGUE, ainda, Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves e Dulce Lopes, Regime jurídico da urbanização e edificação, 2016, 4.ª edição, páginas 392/393.
*
O pedido do autor refere-se à anulação da obrigação de pagamento da verba […] por ilegal e inadmissível.”
O próprio saneador recorrido objecto do anterior acórdão deste TRL já referido acima, dizia que “nos presente autos o tribunal terá que apreciar se, no caso concreto, estamos perante deliberações sancionáveis e, por isso anuláveis, ou que violem preceitos de natureza imperativa, ou até que tenham por objecto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia dos condóminos. […]”, numa clara referência à passagem citada acima de Pires de Lima e Antunes Varela.
Assim, o pedido do autor pode, sem dificuldade, ser lido com este sentido – de ineficácia -, já que o juiz pode corrigir a qualificação jurídica das pretensões deduzidas pelas partes, tendo em conta os efeitos prático-jurídicos que elas realmente visam [neste sentido vejam-se os dois acórdãos do STJ relatados por Lopes do Rego, de 05/11/2009, publicado sob o nº. 308/1999.C1.S1: 2. O que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, e o de 25/02/2010, publicado sob o nº. 399/1999.C1.S1: a qualificação jurídica que a parte realiza quanto à pretensão de tutela processual que deduz não impede que o tribunal possa reconfigurar adequadamente tal pretensão, dando-lhe a adequada configuração jurídico-normativa, suprindo ou corrigindo o erro de direito da parte na formulação jurídica do pedido que deduz: como temos sustentado (veja-se o ac. do STJ de 05/11/2009 […]): o que identifica a pretensão material do autor, o efeito jurídico que ele visa alcançar, enquanto elemento individualizador da acção, é o efeito prático-jurídico por ele pretendido e não a exacta caracterização jurídico-normativa da pretensão material, a sua qualificação ou subsunção no âmbito de certa figura ou instituto jurídico, sendo este fenómeno que permite compreender, por exemplo, que seja lícito ao tribunal convolar de um pedido de anulação do negócio jurídico para a declaração de ineficácia, sem que tal permita afirmar que, ao fazê-lo, o tribunal julgou objecto diverso do que havia sido peticionado (cf., por exemplo, o acórdão uniformizador 3/2001, de 23/1/2001: “Tendo o autor, em acção de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou a anulação do acto jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do acto em relação ao autor (n.º 1 do artigo 616.º do Código Civil), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo artigo 664.º do Código de Processo Civil.” Revista Ampliada n.º 994/98 - DR 34 SÉRIE I-A, de 2001-02-09)].
A referência que no pedido do autor era feita “aos condóminos que não subscreveram o contrato de prestação de serviços”, não tem relevo, quer por ser apenas a negação antecipada de uma possível fonte de legitimidade para a deliberação que viesse a ser alegada pela ré, quer por não poder ser vista como uma forma de alargar o âmbito da acção a outros condóminos do prédio em que o autor tem uma fracção, porque o autor não tem legitimidade para estar a defender interesses de terceiros. Trata-se de uma redundância.
E a causa de pedir do autor, que era a falta de competência da assembleia para as deliberações em causa por não respeitarem a despesas com os encargos de conservação e fruição de bens comuns do condomínio, mantém-se a mesma (tanto que não se mexeu nos factos provados) embora vista de forma mais abrangente (engloba o que o autor dizia, mas vai para além disso).
*
Quanto ao “interveniente principal”: o tribunal recorrido não se pronunciou quer sobre a “conversão” da “contestação” por ele apresentada, quer sobre o pedido, subsidiário, de ser admitido como interveniente principal espontâneo ao lado do autor, despacho que era necessário por ser a decisão de um incidente de intervenção com possibilidade de oposição, como se vê, por exemplo, do art.º 313/3 do CPC. O “interveniente” não reclamou de nada, nem recorreu, depois, da sentença que nada disse quanto ao mesmo; o recurso do autor não tem efeitos quanto a alguém que nem sequer foi admitido a intervir (como resulta, a contrario, do art. 634 do CPC). Assim, este recurso, tal como a acção, acaba por nada ter a ver com o “interveniente.”
*
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em sua substituição, julga-se a acção procedente, declarando-se a ineficácia das deliberações das assembleias relativas ao ano de 2015 e anteriores quanto à verba destinada à recepção (equipamento/ /empregados).
Custas do recurso e da acção, na vertente de custas de parte, pelos réus.
Lisboa, 18/04/2024
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas (com a seguinte declaração de voto)

Voto vencida, por considerar que a ação apenas deveria ser julgada parcialmente procedente, nos termos e pelas razões que passo a indicar.
Efetivamente, foi proferido o acórdão desta Relação de 27-05-2021 que, interpretando a Petição Inicial, considerou que era clara quanto à impugnação da deliberação de 2016 (embora no pedido se refira, com imprecisão, o ano de 2015) de aprovação do orçamento de 2016 no tocante à verba n.º 5, reconhecendo não estar concretizado em relação a deliberações de anos anteriores (dos anos 2015 a 1986) o n.º da verba e o respetivo valor, mas sabendo-se que visava o mesmo tipo de verba (receção: pessoal e equipamentos); acrescentou-se que o pedido devia ser lido nos seguintes termos: declaração de ineficácia em relação ao Autor da deliberação da Assembleia Geral de 2016 quanto à verba do orçamento relativa à receção (pessoal e equipamento) e das deliberações da Assembleia Geral dos anos anteriores relativas à mesma verba.
No seguimento desse acórdão, o Autor foi convidado, mediante despacho proferido na audiência prévia, a aperfeiçoar a sua Petição Inicial, no tocante às alegações de facto contidas na mesma, designadamente no sentido de esclarecer como é que a 1.ª Ré “impõe” todos os anos uma verba a ser liquidada pelos condóminos (artigo 15º da Petição Inicial) e quais são os orçamentos anteriores em que estão imputados “custos de serviços externos”, quais as assembleias em que os mesmos foram aprovados e qual o valor dessa verba em cada um desses orçamentos (artigo 17.º da Petição Inicial).
O Autor apresentou nova Petição Inicial, em 19-10-2021, em que, no tocante a tais pontos, alegou que, em 11-02-2008, a Ré enviou ao Autor uma cópia da ata da Assembleia Geral realizada no dia 07-02-2008 e um anexo com o mapa de despesa orçamentada e realizada em 2008 onde é patente o item dedicado ao pagamento da receção, e que isso se repetiu em 2013, 2014 e 2015, insurgindo-se o Autor em relação a isso e escrevendo uma carta à Administração do condomínio no ano de 2016. Juntou documentos, para comprovar tais alegações.
Ante os factos que foram alegados e ficaram provados, e tendo em consideração a fundamentação desenvolvida no acórdão quanto à ineficácia de deliberações aprovadas em assembleia de condóminos à margem da lei (com a qual concordo, não se podendo considerar aplicável ao caso o artº 1438.º-A do CC, nem o Regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 07-03), considero que as (únicas) deliberações cuja ineficácia pode ser declarada em relação ao Autor são as indicadas nos pontos 5 e 6, 8 a 10 e 11 a 13, isto é:
- a deliberação da assembleia realizada a 08-02-2014 (ata n.º 22), relativa à aprovação do orçamento do ano 2014, quanto à verba 5. (Receção);
- a deliberação da assembleia realizada em 24-01-2015 (ata n.º 23), relativa à aprovação das contas do ano 2014 e do orçamento do ano 2015, quanto à verba 5. (Receção);
- a deliberação da assembleia realizada em 16-01-2016 (ata n.º 24), relativa à aprovação das contas do ano 2015 e ao orçamento do ano 2016, quanto à verba 5. (Receção).
Como não ficou provada nos presentes autos a aprovação de quaisquer outras deliberações, entendo que a ação deveria ser julgada parcialmente procedente, com a declaração da ineficácia das referidas deliberações, aprovadas nas assembleias realizadas em 2014, 2015 e 2016, no tocante à verba n.º 5 (receção).
Laurinda Gemas