Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
85/23.1TELSB-B.L1-5
Relator: ESTER PACHECO DOS SANTOS
Descritores: SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DE OPERAÇÕES BANCÁRIAS
ATO IRREGULAR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
1 – Tratando-se de um instrumento de obtenção de recolha de prova e de informações relevantes para a investigação, a medida de suspensão temporária de operações bancárias não depende da existência de indícios, mas apenas de suspeitas da existência de um crime de catálogo.
2 - Nos termos do artigo 49.º, n.º 7 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, tudo o que não se encontrar regulado neste diploma legal é subsidiariamente regulado pela legislação processual penal.
3 - O Código de Processo Penal prevê um elenco taxativo de nulidades, sanáveis e não sanáveis (artigos 118.º, n.º 1, 119.º e 120.º do CPP), nas quais não se inclui a questão da falta de notificação da decisão de suspensão temporária ou das suas prorrogações.
4 – Tratando-se de uma irregularidade, jamais pode algum dos atos processuais praticados ou omitidos, ou algum dos que deles dependam, ser invalidado, por estar em causa uma questão de forma e não de conteúdo.
5 - O ato irregular só é renovado se isso for necessário, o que não tem lugar se tiver passado a respetiva oportunidade processual, ou seja, se o desenvolvimento do processo mostrar a sua inutilidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Em conferência, acordam os Juízes na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No âmbito dos presentes autos, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Instrução Criminal de Almada, foi, a 02.02.2023, confirmada judicialmente a suspensão das operações bancárias determinada pelo Ministério Público, relativamente à conta bancária titulada pela sociedade AA, pelo período de três meses, sendo que tal suspensão foi prorrogada sucessivamente, por outros três meses, a 24/04/2023, a 18/07/2023 e a 17/10/2023.
2. Recurso (conclusões)
Tendo sido notificada do despacho judicial de 30/11/2023, através do qual foi rejeitada a invocação de alegados vícios da decisão de suspensão temporária e respetivas prorrogações, e com ele não se conformando, veio a sociedade AA do mesmo recorrer, retirando da respetiva motivação as conclusões que se transcrevem:
I. Verifica-se que a decisão de suspensão temporária foi tomada em violação dos prazos legais contemplados nos artigos 48.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, daí resultando a sua nulidade (nos termos do disposto nos artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal, aplicáveis mediante remissão operada pelo artigo 49.º, n.º 7 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto) ou, subsidiariamente, a sua irregularidade (nos termos do disposto no artigo 118.°, n.º 2, do CPP), pelo que resta concluir que deverão os Despachos recorridos ser declarados inválidos e, por conseguinte, revogados.
II. Verifica-se uma nulidade/irregularidade processual, na medida em que a Recorrente não foi notificada da decisão de suspensão temporária ou das suas prorrogações, o que leva à invalidade da decisão de suspensão temporária (e respetivas prorrogações) e, por conseguinte, deverão os Despachos recorridos ser anulados/revogados pelo Tribunal ad quem.
III. Conclui-se que não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação da medida de suspensão dos movimentos da conta bancária da Recorrente, uma vez que a mesma assentou num pressuposto falso - de que o Cliente não estava obrigado ao pagamento de dívidas à Autoridade Tributária -, motivo pelo qual os Despachos recorridos deverão ser revogados.
IV. O Despacho recorrido é inconstitucional por assentar numa interpretação dos artigos 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, no sentido de ser admissível, no âmbito de um processo criminal, a aplicação da medida de suspensão de movimentos de uma conta bancária (i) a uma sociedade … sobre a qual não recai qualquer suspeita da prática de um crime, (ii) sem que lhes seja notificada as referidas decisões, em flagrante violação da lei, (iii) apesar de terem justificado nos autos a proveniência e destino legal dos fundos presentes na conta e que (iv) essa medida de suspensão não seja imediatamente levantada após o MP e o tribunal terem conhecimento do erro de facto que afasta o fundamento invocado para a aplicação da referida medida.
V. Conclui-se que os Despachos assentam na violação do direito ao recurso, do direito ao contraditório e do direito de acesso ao direito e aos tribunais dos ora Recorrentes, previstos nos artigos 20.º e 32.º da Lei Fundamental.
VI. O Tribunal a quo violou o artigo 62.º da CRP, ao ter adotado uma interpretação das normas legais que levam a uma restrição desproporcional do direito de propriedade dos ora Recorrentes.
VII. Verifica-se igualmente que resulta dos Despachos recorridos uma violação do princípio da proporcionalidade inscrito no artigo 18.º da CRP.
VIII. O Tribunal ad quem deverá revogar os Despachos recorridos em face de todos os vícios supra expostos, uma vez que levam à invalidade dos mesmos.
NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, sendo:
a. Declarada a nulidade, irregularidade e/ou revogado o despacho de suspensão temporária de movimentos da conta bancária por si titulada (e dos eventuais despachos de prorrogação de tal medida);
b. Declarada a nulidade, irregularidade e/ou revogado o Despacho de 30/11/2023, Ref.a 430641565, através do qual foi rejeitada (parcialmente) a invocação, pela Recorrente, de várias nulidades processuais relativa aos despachos suprarreferidos.
3. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pela manutenção do “despacho que confirmou judicialmente a suspensão de operações bancárias, todos os despachos que versaram sobre tal decisão e prorrogaram a suspensão, e do despacho proferido a 30 de novembro de 2023, o qual indeferiu a pretensão de declarar a nulidade ou irregularidade da decisão judicial de confirmação da suspensão de operações bancárias, nos exatos termos em que foram proferidos, e, em consequência julgar improcedente o recurso interposto pela recorrente AA.”
Sem prejuízo, não formulou conclusões.
4. Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, secundando a posição expressa pelo Ministério Público em 1.ª instância.
5. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (adiante designado CPP), foi apresentada resposta pela recorrente, reiterando, no essencial, a sua motivação.
6. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
1. Objeto do recurso
De acordo com o estatuído no art. 412.º do CPP e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de ... de ... de 1995, o âmbito do recurso é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem deve apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no art. 410.º n.º 2 do CPP.
No caso concreto, face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação do recurso interposto, cumpre apreciar as seguintes questões relacionadas com alegados vícios da decisão de suspensão temporária e respetivas prorrogações:
• Da extemporaneidade da decisão de suspensão temporária;
• Da falta de notificação da decisão de suspensão temporária ou das suas prorrogações;
• Da não verificação dos pressupostos de aplicação da medida de suspensão dos movimentos da conta bancária;
• Da inconstitucionalidade das normas contidas nos arts. 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, na interpretação que lhes é conferida pelo tribunal a quo.
2. Despacho recorrido (transcrição):
Por requerimentos apresentados nos autos a 10.11.2023, 16.11.2023 e 24.11.2023, veio a “AA”, invocar a “nulidade ou irregularidade processual”, consistente no facto de não ter sido realizada a notificação da decisão de suspensão temporária de operações bancárias à requerente, mais invocando que a referida “nulidade determina a nulidade dos atos subsequentes praticados no presente processo”.
Mais arguiu que o despacho que determinou as buscas e apreensões no escritório da requerente, proferido a 17.10.2023, assenta no pressupostos falso de que “logrou-se apurar que BB não dispõe de dívidas à ...”, o que é falso pois que no processo n.º 2/17.8ICLSB, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Instrução Criminal do Porto, Juiz 5, foi proferido despacho datado de 19.04.2022, através do qual foi determinada a suspensão provisória do processo em causa que corria, entre outros, contra o referido BB e no qual o mesmo ficou obrigado a cumprir a injunção de “pagamento da quantia de €500.000,00 (quinhentos mil euros) à ofendida Fazenda Nacional”, “erro” esse que entende “pode constituir uma nulidade/irregularidade processual”.
Alega ainda que no âmbito da diligência de busca realizada foi apreendida vária
correspondência trocada entre os ... pertencentes à requerente, o seu cliente BB e ainda outros clientes, pelo que, e no âmbito do art. 76.º, n.ºs 1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados, não poderia tal correspondência ser apreendida, excepto se respeitar a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido. Não tendo sido qualquer dos advogados da referida sociedade constituído arguido, a referida norma legal foi violada, sendo também nulo o despacho que determinou a realização de buscas e apreensões, bem como das provas obtidas através das buscas e apreensões realizadas no presente processo.
Mais requereu, em 16 de Novembro de 2023, que fosse autorizado o pagamento da DUC que anexou, no montante de 220.000,00€, tendo em vista o pagamento parcial do valor devido à autoridade tributária, no âmbito do processo 2/17.8ICLSB.
Por fim, e por requerimento datado de 24.11.2023, veio a AA arguir que se encontram decorridos mais de 3 meses desde o término do prazo para notificação dos despachos de prorrogação da suspensão de operações bancárias, pelo que nos temos do art. 105.º do CPP, veio requerer que o Tribunal confirmasse se foi remetida pela secretaria para o presidente do Tribunal da comarca bem como para o Magistrado Coordenador do Ministério Público, informação discriminada sobre os prazos em questão e os motivos pelos quais se verificam os respectivos atrasos. Caso a secretaria não tenha procedido à remessa supra referida, o que consubstanciaria a omissão de acto legalmente devido, requereu que se ordene expressamente a secretaria que proceda ao envio da informação discriminada sobre os atrasos processuais em questão e dos motivos que determinaram tais atrasos, sob pena de aplicação da multa processual ao respectivo funcionário.
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O Ministério Público pronunciou-se, conforme consta de fls. 547 e seguintes, alegando, em súmula, que não se depreende do requerimento de fls. 527 a 546 se o vício invocado pela requerente é a irregularidade ou a nulidade, mas, ainda que se considerasse que o vício alegado seria a nulidade, tal alegação não poderia proceder, uma vez que tal omissão não se encontra prevista nos elencos taxativos das nulidades insanáveis ou das nulidades sanáveis. Mais entende que caso se conclua que a omissão da notificação determina uma irregularidade processual, deve o acto irregular ser reparado através da notificação da decisão que determinou a suspensão da operação bancária, bem como as suas prorrogações.
Mais alegou que a busca realizada nos autos foi determinada por despacho judicial, foi presidida pela Juiz de Instrução Criminal e acompanhada pela Ilustre representante da Ordem dos Advogados, pelo que foram cumpridas todas as formalidades legais; por outro lado, foi também determinada a apreensão de dados informáticos e de correio electrónico, os quais ficaram juntos em envelope lacrado à ordem dos presentes autos, sendo que os mesmos ainda não foram objecto de apreciação judicial porquanto, conforme requerimento que o MP faz agora juntar aos autos, será requerida a quebra do segredo profissional junto do Tribunal da Relação de Lisboa, instância competente para, em primeiro lugar, para apreciação da quebra de segredo profissional e consequente junção dos documentos apreendidos nos autos, uma vez que pela AA é invocado o segredo profissional.
Por fim, e face ao pedido de certidão, entende o MP que não deve ser emitida tal certidão, quer porque o presente inquérito se encontra em segredo de justiça quer por se desconhecer se o inquérito referido pela requerente se encontra ou não em investigação.
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Vejamos.
Antes de mais, há que referir que os presentes autos se encontram em segredo de justiça, por decisão proferida pelo Ministério Público de fls. 264, confirmada judicialmente a fls. 273.
Efectivamente, em momento anterior à Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procedeu à 15.ª alteração do Código de Processo Penal, o processo penal encontrava-se
em segredo de justiça durante a fase de inquérito, pois de acordo com o disposto no art.86.º, n.º 1 do C.P.P. (na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto) passava a ser público a partir da decisão instrutória ou, se a instrução não tivesse lugar, até ao momento em que já não pudesse ser requerida. Nenhum despacho tinha assim de ser proferido para o inquérito ficar sujeito ao segredo de justiça.
A filosofia subjacente à publicidade do processo mudou radicalmente de paradigma com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, pois que artigo 86.º do Código de Processo Penal, passou a dispor, designadamente, o seguinte:
«1- O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.
2- O juiz de instrução pode, mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou participantes processuais”.
Assim, actualmente, o processo penal é público, por via de regra, embora o titular da acção penal possa, em determinadas circunstâncias, com concordância do juiz, determinar a aplicação do segredo de justiça limitado este à fase de inquérito (art. 86, nº 3 do Código de Processo Penal).
Depois dessa fase, e tal como anteriormente, o segredo mantém-se para os dados relativos à reserva da vida privada que não constituam meio de prova (nº 7 art. 86), sendo que, para os meios de comunicação social, é permitida a narração circunstanciada do teor de actos processuais que se não encontrem cobertos por segredo de justiça (art. 88 nº 1), não estando autorizada a reprodução de peças, imagens etc.
Justifica-o o interesse na eficiência e funcionalidade da administração da justiça, designadamente na salvaguarda das diligências de prova e da investigação, muito embora, reflexamente, o interesse na tutela da presunção de inocência e do bom-nome dos visados, também possa ser uma decorrência da derrogação da publicidade.
A criminalidade complexa e a preocupação de alcançar os que poderão vir a ser penalmente responsáveis e a descoberta da verdade justificam o segredo durante a investigação.
Assim, e tendo por base tal pressuposto – de que os presentes autos se encontram em segredo de justiça e, nessa medida, existe um dever de reserva jurídica sobre o conteúdo de todos os actos processuais praticados e informações sobre a sua tramitação,
cumpre, então, decidir.
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Compulsados os autos verifico que face aos indícios de movimentos de branqueamento sobre a conta bancária identificada a fls. 123, o Ministério Público determinou, ao abrigo dos arts 47.º e 48.º da Lei 83/2017 de 18/08, a suspensão temporária de todos os movimentos a débito de cuja realização resultasse saldo igual ou inferior a 220.000,00 € (duzentos e vinte mil euros).
Tal decisão foi confirmada judicialmente, por despacho datado de 02.02.2023, cujos pressupostos se mantiveram e levaram à prorrogação da referida medida, por despachos datados de 24/04/2023, 18.07.2023 e 17.10.2023 já que, nomeadamente, a alegação efectuada pelo titular de conta como forma de justificar a transferência suspeita não convenceu (face, por um lado, à forma como a transferência foi efectuada face ao valor total do negócio, e por não existir nos autos qualquer comprovativo de que o suspeito tivesse qualquer dívida à Autoridade Tributária, muito pelo contrário, tendo sido esta a razão invocada para a realização da referida transferência).
Ora, o pressuposto de aplicação desta medida, suspensão de operações bancárias, e a sua possível prorrogação, assenta na possibilidade de formalização de um juízo indiciário de que as operações detectadas sejam particularmente susceptíveis de estarem relacionadas com a prática de actividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
Assim, por via da Lei 83/2017, de 18/08, quis o legislador adoptar medidas preventivas de combate dos referidos fenómenos (branqueamento de capitais), o que fez por ter entendido que os instrumentos e mecanismos já existentes (nomeadamente no CPP) revelavam, desde logo, insuficiência e desadequação para a prossecução de tais fins preventivos.
O branqueamento de capitais é tratado pelo legislador como um processo no seu todo, e não apenas como um acto isolado, uma vez que, com o mesmo, se pretende ocultar ou justificar um conjunto de fundos de indiciada origem ilícita.
A medida preventiva disciplinada pela Lei 83/2017, de 17/08, não faz apelo aos pressupostos de que dependem os meios de obtenção de prova disciplinados pelo art. 181.º do CPP, ou seja, não limita a fundamentação da medida preventiva à verificação de indícios sérios, no primeiro momento da investigação, pois que isso, na opinião do legislador, iria seguramente inviabilizar, por si só, grande parte da possibilidade de prevenção de práticas de branqueamento e de utilização do sistema financeiro para esse fim.
Nestes termos, é evidente a intenção do legislador no sentido de que a medida de suspensão das operações bancárias depende apenas da existência de suspeitas da prática
de acto criminoso e deve ser entendido como um meio especial cautelar reservado à criminalidade económico-financeira, capaz de evitar a disseminação dos fundos detectados no sistema financeiro.
Nos termos do Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, 5ª secção, datado de 10.01.2012, processo n.º 169/10.6TELSB-A.L1, a medida aqui em causa, sendo um instrumento de recolha de prova, não pressupõe obrigatoriamente a existência de fortes
indícios da prática do crime de “catálogo” e de quem é ou são os seus agentes.
A suspensão de operações bancárias é uma medida que se integra no instituto de controlo ou de vigilância de contas bancárias e os traços essenciais do seu regime são: tem de ser ordenada ou autorizada pelo juiz ou, sendo da iniciativa de uma entidade sujeita ao dever de abstenção, tem de ser confirmada pelo juiz de instrução criminal no prazo de dois dias úteis a contar da comunicação daquela entidade.
Reunidos que estejam os pressupostos fundamentais, o recurso a uma medida desta natureza pretende, desde logo, defender os superiores interesses de investigação criminal em crimes desta natureza que, no nosso entender, justificam o sacrifício imposto ao visado pela medida, pois que fica sujeito a uma mora na disponibilização de determinada quantia.
Esta apreciação, sobre a suspeita da prática de acto criminoso, é feita em primeira mão pelas entidades obrigadas a um dever de vigilância, entre as quais se encontram as entidades do sector financeiro e seus reguladores (arts. 15.º n.º 2, 40.º, ambos da Lei 25/2008).
Assim, todas as operações que recaiam sobre os fundos cuja origem mereça a referida apreciação de risco devem ser consideradas suspeitas de constituírem manobras de branqueamento de capitais.
Foi o que aconteceu nos autos, face às informações deles constantes e que determinaram não só a suspensão de operações bancárias como, ainda, a determinação da busca ao escritório da ora requerente por ser ali que, com segurança, se encontrariam outros meios de prova de importante relevância para a investigação.
Invoca o recorrente que a falta de notificação do despacho que determinou a SOB bem como das subsequentes prorrogações gera uma nulidade/irregularidade.
Ora, como bem indica o Ministério Público, o requerente não invoca ou indica de qual dos referidos vícios se mostra inquinada a falta de notificação nem tão pouco, acrescentamos nós, indica base legal que fundamente a alegada nulidade e/ou irregularidade.
Os arts. 118.º a 123.º do CPP regulam, em geral, as consequências da inobservância das prescrições estabelecidas por lei para a prática dos actos processuais geradoras de invalidade.
Sem que, porém, esgotem a temática, havendo ainda que atender a numerosas outras normas dispersas pelo código relativas a actos ou vícios determinados.
As invalidades são os efeitos dos desvios ao modelo prescrito na lei a que esta faça corresponder uma destruição mais ou menos extensa dos actos processuais.
E cataloga-as a lei processual penal em três espécies, as nulidades insanáveis – art.º 119º –, as nulidades dependentes de arguição – art.º 120º – e as irregularidades – art.º 123º.
O art.º 118º nºs 1 e 2 dispõe que a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei e que, nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.
E são razões sobretudo de economia processual que não consentem equiparar, quanto às consequências, todas as imperfeições dos actos. Só algumas, bem determinadas, produzem o vício da nulidade: é este o princípio da tipicidade, também designado por princípio da legalidade e da taxatividade ou tipicidade das nulidades, que o art.º 118º n.º 1 materializa na fórmula «A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei».
De resto, o objectivo do princípio da tipicidade é, precisamente, não considerar todas as imperfeições no mesmo plano, antes graduar os efeitos dos vícios formais em razão da sua gravidade: a desconformidade do acto com o modelo legal, o vício, não acarreta sempre a sua nulidade, podendo determinar, e determinando como regra, a mera irregularidade.
A norma do art. 118.º n.º 1 não consente, por outro lado, aplicação analógica: as nulidades são típicas, taxativamente indicadas na lei, não havendo, por isso, lacunas a preencher.
O princípio da tipicidade não respeita apenas às nulidades por contraposição às irregularidades.
Dentro das nulidades, importa distinguir as nulidades insanáveis, ou absolutas, das nulidades dependentes de arguição, ou relativas.
Se para que o acto possa ser declarado nulo é necessário que a lei expressamente comine a nulidade, também para que a nulidade seja considerada insanável importa que a lei explicitamente o preveja: é o que decorre da conjugação das normas dos arts. 120.º n.º 1 e 119.º, que enumera, este, as nulidades insanáveis e que exige, aquele, que qualquer nulidade diversa das previstas no primeiro deve ser arguida.
Só é insanável a nulidade a que a lei assim expressamente designe. Prevendo-se simplesmente nulidade, então, trata-se de vício dependente de arguição.
As nulidades insanáveis são, por definição, insusceptíveis de reparação, podendo ser conhecidas a todo o tempo na pendência do procedimento, oficiosamente ou a pedido.
Não podem, porém, ser declaradas após a formação de caso julgado sobre a decisão final que, neste aspecto, actua como forma de sanação.
A regra geral é a de que as nulidades relativas e as irregularidades ficam sanadas se não forem acusadas nos prazos legais de arguição.
Prazos que, quanto às nulidades, são o prazo geral de 10 dias previsto no art.º 105º n.º 1 e os prazos específicos previstos nos arts. 120.º n.º 3.
Podendo a sanação ocorrer, ainda, por via da assunção das atitudes tipificadas no art. 121.º.
As irregularidades, essas, haverão de ser arguidas no próprio acto em que tiveram ocorrido, isso estando os interessados presentes. Não tendo assistido ao acto, devem os interessados suscitá-las «nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado» – art. 123.º n.º 1.
Podendo, ainda, reparar-se oficiosamente a irregularidade que possa afectar o valor do acto praticado no momento em que dela se tomar conhecimento.
No caso dos autos invoca a requerente uma “irregularidade ou invalidade “da falta de notificação – entenda-se que não só o requerente não indica se se trata de nulidade ou irregularidade como também não invoca qualquer norma que permita enquadrar juridicamente o referido vício.
Como é bom de ver, a referida omissão, que parece efectivamente resultar dos autos - pois que os mesmos foram remetidos a este JIC pelo TCIC sem que qualquer notificação tenha sido feita (após ordem de sustação da comunicação à sociedade e que consta de fls. 273v) - não constitui qualquer nulidade pois que não consta dos arts. 119.º ou 120.º do CPP.
Por outro lado, conforme resulta do despacho de fls. 273, determinou-se a suspensão da comunicação ao titular da conta quanto à ordem de suspensão proferida nos autos pelo período de 30 dias, mas não existiu qualquer outra ordem à entidade bancária de não comunicação à titular quanto à suspensão ordenada (e sucessivas prorrogações). Se a titular da conta não conseguiu apurar, junto da entidade bancária e após os primeiros 30 (trinta) dias, qualquer informação sobre a suspensão ordenada, mormente de quem partiu tal ordem, tal apenas se poderá imputar à entidade bancária.
Quanto às prorrogações, não resulta da Lei n.º 83/2017 a obrigatoriedade da notificação da referida prorrogação ao titular da conta bancária, nem tal obrigatoriedade se poderá ir buscar às normas do Código de Processo Penal que, como vimos, não regula o mecanismo especialmente criado com a referida lei, mecanismo esse distinto, mais célere e menos exigente nos seus pressupostos do que o constante daquele diploma legal.
Assim, não existindo qualquer nulidade, mas a existir qualquer vício quanto à falta de notificação do titular do despacho inicialmente proferido nos autos a fls. 273, tal omissão apenas poderá representar uma mera irregularidade, irregularidade essa que, naturalmente e após a realização da busca ao escritório da requerente, se mostra sanada.
É que, entenda-se, a existir a notificação a que a requerente alude, a mesma apenas poderia dar conta (face ao segredo de justiça que vigora nos autos) de que, à ordem dos presentes autos, os movimentos a débito da conta bancária se encontrariam suspensos, pelo período de três meses.
Quanto às prorrogações, a notificação do referido despacho apenas poderia informar a titular da conta de que a suspensão ordenada se manteria, pelo período de outros três meses.
Nada mais haveria que notificar ao titular da conta, face, repete-se, ao segredo de justiça e à fase ainda embrionária da investigação.
Ora, aquando da realização da busca ao escritório da ora requerente, já a mesma teve conhecimento da existência dos presentes autos, tanto que reagiu através de sucessivos requerimentos já constantes dos autos.
Sabe já a requerente que a suspensão de operações bancárias se mostra determinada, o valor em causa, a razão da referida suspensão e, através do presente despacho, a data em que as datas em que a mesma foi confirmada judicialmente e prorrogada.
Razões pelas quais, seja em que circunstância for e suposto – repete-se – que a
omissão verificada possa ter padecido de irregularidade – e diga-se que apenas vício dessa natureza poderá estar em causa por nenhuma das situações estar tipificada na lei
como nulidade, como exigido pelo art.º 118º n.º 1 do CPP – , jamais pode algum dos actos processuais praticados ou omitidos, ou algum dos que deles dependam, ser ora invalidado, nessa medida (sempre) improcedendo as arguições deduzidas.
Pelas razões expostas, improcede também a alegação de que se mostra “incumprido o prazo para notificação dos despachos proferidos”, não existindo qualquer comunicação a efectuar nos termos do n.º 4 do art. 105.º do CPP (requerimento datado de 24 de Novembro de 2023).
Indefere-se, assim, o requerido quanto ao “cumprimento da norma legal inscrita no art. 105.º, n.º 3 do CPP.
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Quanto à busca realizada cumpre, antes de mais, consignar o seguinte.
A busca foi determinada com base nos indícios já recolhidos nos autos e em estrito cumprimento do disposto no art. 177.º do Código de Processo Penal, pois que presidida por Juiz de Instrução Criminal e acompanhada pela Exma. Representante da Ordem dos Advogados. Foram entregues aos visados cópias dos mandados de busca.
Foram, assim, cumpridas todas as formalidades legais quanto à determinação da referida busca.
Determina o artigo 181.º do CPP que à apreensão operada em escritório de advogado ou em consultório médico é correspondentemente aplicável o disposto no art. 177.º, n.ºs 5 e 6 (requisitos que, como referimos, foram estritamente cumpridos) e não é permitida, sob pena de nulidade, a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional (…) salvo se eles mesmos constituírem objecto ou elemento de um crime.
Aquando da realização da referida busca, apenas se apreenderam documentos relacionados com os factos em investigação nos presentes autos, documentos esses que,
por um lado, foram voluntariamente apresentados pelo representante da visada (documentos identificados em 3, 4, 5, 6, 7 e 8 do auto de busca e apreensão) para que ficassem juntos aos autos e, por outro lado, documentos electrónicos extraídos com recurso a ferramentas forenses devidamente certificadas internacionalmente, através de cópia para suporte óptico devidamente acondicionado em saco de prova e sem qualquer acesso ou visualização.
Refira-se que, no momento da referida apreensão e estando presentes os representantes da sociedade ora requerente, não só o equipamento informático utilizado
para extrair a documentação foi apresentado pelo próprio representante da requerente como não foi em algum momento da diligência invocado o segredo profissional, ou apresentada qualquer reclamação com vista a garantir a preservação do segredo profissional, apenas o tendo vindo fazer, à posteriori através do requerimento que ora se aprecia.
À presente data, os documentos electrónicos apreendidos ainda não foram lidos ou examinados, ou seja, objecto de apreciação judicial, mantendo-se encapsulados, selados e acondicionados em sacos de prova.
Assim, e face ao apenas agora invocado segredo profissional, o Ministério Público veio suscitar incidente de quebra de segredo profissional, sendo que, até que a decisão sobre o segredo profissional seja proferida, não será desencapsulada e examinada a informação recolhida aquando da realização da busca.
Em conclusão, não existe qualquer violação dos preceitos mencionados pela requerente, nem qualquer nulidade quanto à busca realizada e à apreensão dos documentos, que se deve manter.
Quanto ao correio electrónico apreendido: o mesmo foi extraído, sem que tenha sido lido ou examinado, mantendo-se até à presente data, encapsulado, selado e acondicionado no respectivo saco prova.
Contudo, assiste razão à requerente quanto à inexistência de constituição como arguido de um (ou vários) dos … da sociedade “AA”, em momento prévio, na data da busca, ou até ao presente, conforme exigia o art. 76.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.
Nestes termos, a apreensão de correspondência levada a cabo, e apenas esta, mostra-se ferida de nulidade, nulidade essa que determina a nulidade da prova obtida com a referida apreensão de correspondência, o que se declara, e impõe, como requerido, a destruição do suporte óptico na qual se encontra armazenada a cópia da correspondência apreendida.
Assim, deferindo ao requerido, declaro a nulidade da prova obtida através da apreensão de correspondência electrónica e determino a oportuna destruição do suporte óptico em que se mostra gravada tal correspondência, destruição essa que deverá ficar a constar do auto e ser realizada pelos serviços deste JIC, em diligência por mim presidida.
*
Por fim, e quanto à extração de certidão: Encontrando-se os presentes autos em segredo de justiça, indefiro o requerido, consignando, contudo, que, querendo, sempre poderá o processo n.º 3345/23.4T9LSB (que se desconhece se existe e sobre que matéria
trata) requer aos presentes autos todos os documentos e informações que entenda pertinentes para a investigação em curso.
Termos em que indefiro o requerido.
(…)
*
Segredo profissional:
Face ao alegado nos sucessivos requerimentos apresentados pela requerente “AA”, determino que se extraia certidão dos requerimentos de fls. 511 a 518 e 557 a 560, do requerimento apresentado pelo Ministério Público de fls. 551 a 554, do presente despacho, do despacho que determinou a busca, do auto de busca e apreensão de fls. 398 a 507, e que se instrua apenso, que deverá ser remetido de imediato ao Exmo. Senhor Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, para apreciação, consignando- -se ser nosso entendimento que a reclamação deverá ser considerada improcedente pois que não foi atempadamente apresentada pelo requerente nem pelo mesmo foram cumpridas as formalidades previstas pelo art. 77.º do EOA.
Com o apenso, deverá ser remetido, em envelope selado, o suporte digital no qual se encontram encapsulados os documentos apreendidos.
***
3. Apreciando
A decisão de suspensão temporária das operações bancárias posta em crise no presente recurso foi levantada judicialmente no passado dia 19 de janeiro de 2024, o que ocorreu por motivo alheio à recorrente.
Nesse pressuposto, convidou-se a recorrente a pronunciar-se sobre se mantém interesse no recurso, o que respondeu positivamente, “para sindicância da legalidade do despacho recorrido”.
Assim, tendo presente que uma eventual decisão tomada em recurso no sentido do levantamento da providência em questão não reveste qualquer interesse prático, na medida em que sempre se mostraria esvaziada de conteúdo, passar-se-á, não obstante, a aferir da legalidade questionada pela recorrente.
Da extemporaneidade da decisão de suspensão temporária
Considera a recorrente que a decisão de suspensão temporária foi tomada em violação dos prazos legais contemplados nos artigos 48.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1, da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, daí resultando a sua nulidade (nos termos do disposto nos artigos 119.º e 120.º do Código de Processo Penal, aplicáveis mediante remissão operada pelo artigo 49.º, n.º 7 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto) ou, subsidiariamente, a sua irregularidade (nos termos do disposto no artigo 118.°, n.º 2, do CPP).
A Lei n.º 83/2017, de 18/08, estabelece medidas de natureza preventiva e repressiva de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo e transpõe parcialmente para a ordem jurídica interna a Diretiva 2015/849/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro e das atividades e profissões especialmente designadas para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo, bem como, a Diretiva 2016/2258/UE, do Conselho, de 6 de Dezembro de 2016, que altera a Diretiva 2011/16/UE, no que respeita ao acesso às informações antibranqueamento de capitais por parte das autoridades fiscais — art. 1°.
Nos termos do art. 47.º do diploma em análise,
1 - As entidades obrigadas abstêm-se de executar qualquer operação ou conjunto de operações, presentes ou futuras, que saibam ou que suspeitem poder estar associadas a fundos ou outros bens provenientes ou relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo.
2 - A entidade obrigada procede de imediato à respetiva comunicação nos termos dos artigos 43.º e 44.º, informando adicionalmente o DCIAP e a Unidade de Informação Financeira que se absteve de executar uma operação ou conjunto de operações ao abrigo do número anterior.
(…)
4 - A Unidade de Informação Financeira, no prazo de três dias úteis a contar do recebimento das comunicações previstas nos n.ºs 2 e 3, pronuncia-se sobre as mesmas, remetendo ao DCIAP a informação apurada.
(…)
Segundo o seu art. 48.º,
1 - Nos quatro dias úteis seguintes à remessa da informação a que se refere o n.º 4 do artigo anterior, o DCIAP pode determinar a suspensão temporária da execução das operações relativamente às quais foi ou deva ser exercido o dever de abstenção, notificando para o efeito a entidade obrigada.
2 - Fora dos casos previstos no número anterior, a suspensão temporária pode ainda ser decretada nas seguintes situações:
a. Quando as entidades obrigadas não tenham dado cumprimento ao dever de comunicação de operações suspeitas previsto no artigo 43.º ou às obrigações de abstenção ou de informação previstas no artigo anterior, sendo os mesmos devidos;
b. Com base em outras informações que sejam do conhecimento próprio do DCIAP, no âmbito das competências que exerça em matéria de prevenção das atividades criminosas de que provenham fundos ou outros bens, do branqueamento de capitais ou do financiamento do terrorismo;
c. Sob proposta da Unidade de Informação Financeira com base na análise de comunicações de operações suspeitas preexistentes.
3 - A decisão de suspensão temporária:
a. Pode abranger operações presentes ou futuras, incluindo as relativas à mesma conta ou a outras contas ou relações de negócio identificadas a partir de comunicação de operação suspeita ou de outra informação adicional que seja do conhecimento próprio do DCIAP, independentemente da titularidade daquelas contas ou relações de negócio;
b. Deve identificar os elementos que são objeto da medida, especificando as pessoas e entidades abrangidas e, consoante os casos, os seguintes elementos:
i. O tipo de operações ou de transações ocasionais;
ii. As contas ou as outras relações de negócio;
iii. As faculdades específicas e os canais de distribuição.
Por seu turno, estabelece o art. 49.º o seguinte:
1 - A decisão de suspensão temporária prevista no artigo anterior caduca se não for judicialmente confirmada, em sede de inquérito criminal, no prazo de dois dias úteis após a sua prolação.
2 - Compete ao juiz de instrução confirmar a suspensão temporária decretada por período não superior a três meses, renovável dentro do prazo do inquérito, bem como especificar os elementos previstos na alínea b) do n.° 3 do artigo anterior.
3 - Por solicitação do Ministério Público, a notificação das pessoas e entidades abrangidas, na decisão fundamentada do juiz de instrução que, pela primeira vez, confirme a suspensão temporária, pode ser diferida por um prazo máximo de 30 dias, caso entenda que tal notificação é suscetível de comprometer o resultado de diligências de investigação, a desenvolver no imediato.
4 - O disposto no número anterior não prejudica o direito de as pessoas e as entidades abrangidas pela decisão de, a todo o tempo e após serem notificadas da mesma ou das suas renovações, suscitarem a revisão e a alteração da medida, sendo as referidas notificações efetuadas para a morada da pessoa ou entidade indicada pela entidade obrigada, se outra não houver.
5 - Na vigência da medida de suspensão, as pessoas e entidades por ela abrangidas podem, através de requerimento fundamentado, solicitar autorização para realizarem uma operação pontual compreendida no âmbito da medida aplicada, a qual é decidida pelo juiz de instrução, ouvido o Ministério Público, e ponderados os interesses em causa.
6 - A solicitação do Ministério Público, o juiz de instrução pode determinar o congelamento dos fundos, valores ou bens objeto da medida de suspensão aplicada, caso se mostre indiciado que os mesmos são provenientes ou estão relacionados com a prática de atividades criminosas ou com o financiamento do terrorismo e se verifique o perigo de serem dispersos na economia legítima.
7 - Em tudo o que não se encontre especificamente previsto no presente artigo, é subsidiariamente aplicável o disposto na legislação processual penal.
A questão da extemporaneidade da decisão de suspensão temporária foi suscitada em sede de recurso e mereceu resposta do Ministério Público nos seguintes termos (transcrição):
Imbuídos no espírito e repto lançado pela Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, no dia 24 de janeiro de 2023, o ... comunicou à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária uma transferência internacional a crédito, proveniente da sociedade ..., com sede no ..., no montante de €220.000,00, em beneficio da recorrente.
Realizadas as competentes diligências de averiguação — as quais o Ministério Público se escusa de descrever, atenta a sujeição do inquérito a segredo de justiça e à necessária reserva de partilha de informação com a recorrente, considerando a investigação ainda em curso — no dia 27 de janeiro de 2023, a unidade de informação financeira da polícia judiciária comunicou o resultado das diligências realizadas, e o seu parecer.
O Il. Magistrado do Ministério Público a exercer funções no DCIAP, por despacho de 01 de fevereiro de 2023, decidiu suspender as operações bancárias relativas à conta de depósito à ordem n.º ..., sediada no ... e titulada pela Recorrente.
Por despacho judicial de 02 de fevereiro de 2023, o Exmo. Juiz de Instrução Criminal do TCIC confirmou a decisão do Ministério Público.
Assim: o ... absteve-se de concretizar uma transação que, em face das justificações apresentadas pela recorrente, considerou suspeita e comunicou de imediato ao DCIAP e à Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária; a Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária, no prazo de três dias úteis, a contar do dia 24 de janeiro de 2023, remeteu a informação apurada e respetivo parecer ao DCIAP; o Il. Magistrado do DCIAP, no prazo de quatro dias úteis, determinou a suspensão de operações bancárias, a qual foi confirmada judicialmente no prazo de um dia útil após a decisão do Ministério Público.
Destarte, e porque também é essa a leitura que nos é dada a conhecer dos autos, não assiste razão ao recorrente, uma vez que não descortinamos que tenha ocorrido violação de um qualquer prazo consignado nos artigos 47.º, n.ºs 1 e 4, 48.°, n.º 1 e 49.º, n.º 1 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto.
Nessa medida, improcede o recurso nesta parte.
Da falta de notificação da decisão de suspensão temporária ou das suas prorrogações
Já quanto a este segmento, outras considerações se impõem, porquanto, e tal como reconhecido no despacho judicial colocado em crise, a referida omissão “parece efectivamente resultar dos autos”.
No entanto, o recurso interposto é tudo menos claro quanto às consequências jurídicas que pretende que daí se retire, na medida em que tanto admite que a falta de notificação pode configurar nulidade como, mesmo que subsidiariamente, uma irregularidade.
Certo é porém, conforme afirmado pelo recorrente na sua motivação, que, nos termos do artigo 49.º, n.º 7 da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, tudo o que não se encontrar regulado neste diploma legal é subsidiariamente regulado pela legislação processual penal.
Contudo, o Código de Processo Penal prevê um elenco taxativo de nulidades, sanáveis e não sanáveis (artigos 118 °, n.º 1, 119 ° e 120.° do CPP), nas quais não se inclui a questão suscitada ou seja, da omissão da notificação.
Nessa medida, e porque nenhuma das normas enunciadas prevê nulidade, a consequência jurídica decorrente da omissão/violação é a irregularidade (artigo 123.º, n.º 2 do CPP), conforme também admitido no despacho judicial datado de 30.11.2023.
Sendo uma questão de forma e não de conteúdo, jamais pode algum dos atos processuais praticados ou omitidos, ou algum dos que deles dependam, ser invalidado. Ao invés, deveria o ato irregular ser reparado através da notificação obrigatória da decisão que determinou a suspensão da operação bancária, bem como as suas prorrogações.
Sem embargo, a renovação da notificação efetivamente em falta, conforme salientado pelo despacho judicial de 30.11.2023, “apenas poderia dar conta (face ao segredo de justiça que vigora nos autos) de que, à ordem dos presentes autos, os movimentos a débito da conta bancária se encontrariam suspensos, pelo período de três meses.
Quanto às prorrogações, a notificação do referido despacho apenas poderia informar a titular da conta de que a suspensão ordenada se manteria, pelo período de outros três meses.
Nada mais haveria que notificar ao titular da conta, face, repete-se, ao segredo de justiça e à fase ainda embrionária da investigação.”
Com efeito, o ato irregular só é renovado se isso for necessário. Todavia, tal não se verifica no caso concreto, na medida em que passou a respetiva oportunidade processual, mostrando o desenvolvimento do processo a sua inutilidade, quer no referente à decisão de suspensão propriamente dita, quer no referente às prorrogações dela dependentes.
No rigor, a irregularidade em causa nem poderia ter sido invocada em sede de recurso, isto porque de facto já se mostra sanada, na medida em que, conforme precisamente afirmado no despacho recorrido, “aquando da realização da busca ao escritório da ora requerente, já a mesma teve conhecimento da existência dos presentes autos, tanto que reagiu através de sucessivos requerimentos já constantes dos autos”.
Sabe já a requerente que a suspensão de operações bancárias se mostra determinada, o valor em causa, a razão da referida suspensão e, através do presente despacho, a data em que as datas em que a mesma foi confirmada judicialmente e prorrogada.”
E nem se diga, ao contrário do afirmado pelo recorrente, que isso de algum modo afetou o seu direito ao contraditório ou sequer ao recurso, porquanto constituem prova de que os mesmos têm vindo a ser exercidos os requerimentos apresentados nos autos a 10.11.2023, 16.11.2023 e 24.11.2023 bem como o presente recurso.
Pelo exposto, nenhum reparo cumpre realizar ao despacho judicial proferido a 30.11.2023, ao indeferir a pretensão do recorrente, julgando improcedentes as arguições deduzidas.
Da não verificação dos pressupostos de aplicação da medida de suspensão dos movimentos da conta bancária
A medida de suspensão temporária de operações bancárias não depende da existência de indícios, mas apenas de suspeitas da existência de um crime de catálogo.
Trata-se, pois, de um instrumento de obtenção de recolha de prova e de informações relevantes para a investigação, investigação essa que, no caso dos autos, ainda se mostra em curso.
Não obstante, pretende a recorrente ser desde já possível “deduzir” que não se encontram reunidos os pressupostos de aplicação de tal medida (cf. parágrafo 84 da motivação de recurso) e que essa sindicância cabe a este tribunal de recurso.
Porém, não lhe assiste razão, como passaremos a demonstrar.
Nos autos existem suspeitas de movimentos de branqueamento sobre a conta bancária titulada pela recorrente, referindo o despacho recorrido que a investigação se encontra numa fase embrionária, ou seja, mostra-se ainda por questionar quem afinal é o verdadeiro proprietário da quantia de € 220.000,00, suspensa por decisão do Departamento Central de Investigação e Ação Penal e confirmada pelo Exmo. Juiz de Instrução, do Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa: será a AA ou BB (constituinte da recorrente e em benefício de quem, aparentemente, foi ordenada a transferência para a conta de depósito à ordem da AA)?
Sendo evidente que a resposta a essa questão se mostra dependente de outras diligências ainda a realizar, como a própria recorrente assume em resposta ao parecer formulado pela Exma. Sra. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação, ao realçar a importância de se proceder à audição do seu representante Dr. CC, cabe à investigação concluir ou não pela pertinência dessa diligência ou de outras que considerar relevantes, mostrando-se o Ministério Público obrigado a realizar todas aquelas que se mostrem necessárias ao apuramento da verdade (arts. 262.º, 263º e 267.º do CPP).
Da nossa parte, constatamos a ocorrência de suspeitas da existência de um crime de catálogo, que precisamente justificou o recurso a este mecanismo de natureza cautelar, necessariamente expedito e destinado a prevenir ou a evitar o prosseguimento de uma atividade criminosa de branqueamento.
Nessa perspetiva, e sem prejuízo de melhor investigação, nada temos a apontar ao despacho que confirmou judicialmente a suspensão de operações bancárias, a todos os despachos que versaram sobre tal decisão e prorrogaram a suspensão, bem como ao despacho proferido a 30 de novembro de 2023, na parte em que considerou improcedentes as arguições relativas aos despachos supra referidos.
Da inconstitucionalidade das normas contidas nos arts. 47.º a 49.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, na interpretação que lhes é conferida pelo tribunal a quo.
Finalmente, e no seguimento de tudo aquilo que “supra” ficou exposto, não se vislumbra interpretação desconforme às normas contidas nos artigos 18.º, 20.º, n.ºs 1 e 4, 32.º, n.º 1, e 62.º , da Lei Fundamental, falecendo de igual modo o recurso neste segmento.
Em suma, improcede totalmente o recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso interposto pela sociedade AA, confirmando a decisão do tribunal a quo, concretamente, o despacho datado de 02.02.2023, que confirmou judicialmente a suspensão de operações bancárias, os despachos de 24/04/2023, 18.07.2023 e 17.10.2023, que versaram sobre tal decisão e prorrogaram a suspensão, e o despacho proferido a 30.11.2023, na parte em que considerou improcedentes as arguições relativas aos despachos supra referidos.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.
Notifique.
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Lisboa, 23 de abril de 2024
(texto processado e integralmente revisto pela relatora – artigo 94.º, n.º 2 do Código de Processo Penal)
Ester Pacheco dos Santos
João Ferreira
Carla Francisco