Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
24201/22.1YIPRT.L1-2
Relator: ORLANDO NASCIMENTO
Descritores: ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: (do relator):
1. Do instituto processual do segundo grau de jurisdição em matéria de facto, instituído, entre outros, pelos art.ºs 640.º e 662.º, do C. P. Civil, decorre para a apelante um conjunto de ónus processuais que se propõem que, para além de discordância da sentença sob recurso, a mesma demonstre, em face dos concretos elementos de prova produzidos em audiência, o desacerto da sentença proferida e o melhor acerto da decisão que pretende, como determinam a al. b), do n.º 1, do art.º 640.º, e o n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
2. Não cumpre esse ónus a apelante sociedade que, ignorando os concretos termos da fundamentação da sentença em matéria de facto, pretende que a mesma seja alterada pelo Tribunal da Relação invocando o depoimento do seu próprio representante legal e documentos que “não terão sido levados em conta pelo Tribunal a quo”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
... Lda. requereu injunção contra ..., Lda. pedindo o pagamento da quantia de €11.130,00, acrescida de juros de mora vencidos no valor de €629,08 e juros vincendos à taxa supletiva legal, relativos a um contrato de prestação de serviços de gestão e acompanhamento florestal, celebrado em 02/01/2020 no âmbito do qual  a A prestou os serviços acordados e a requerida lhe não pagou o respetivo preço.
Citada, a requerida deduziu oposição, impugnando os factos articulados pela requerente, deduzindo a exceção de não cumprimento e pedindo a sua condenação como litigante de má-fé.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação provada e procedente, condenando a R a pagar à A a quantia de €7.950,00, acrescida de juros legais comerciais de mora, contados desde 06/05/2021 até efetivo e integral pagamento, a quantia de €3.180,00, a crescida de juros legais comerciais de mora, contados desde 02/07/2021 até efetivo e integral pagamento e absolvendo a A do pedido de condenação como litigante de má-fé.
Inconformada com essa decisão, a R dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, a improcedência da ação e a absolvição do pedido, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
I - Na Douta Sentença recorrida foram considerados provados, com relevância para o presente recurso, os seguintes factos:
(...) 5. Por escritura pública, outorgada em 30 de Dezembro de dois mil e vinte, no Cartório Notarial da Senhora …, a autora cedeu à sociedade “.., lda. representada pelo gerente …, a participação social que detinha no capital da sociedade ré.
6. No dia 02/01/2020, a autora e a ré celebraram o acordo escrito intitulado “contrato de prestação de serviços” (cfr. documento 4, junto pela autora em 12/07/2022, ref.ª citius 33113143), por força do qual a autora se obrigou a prestar à ré “serviços de gestão e acompanhamento agroflorestal”, de forma autónoma e independente, mediante o pagamento da quantia de €2.100 + IVA à taxa legal.
7. Os serviços objeto do contrato mencionado em 6.º destinavam-se a assegurar as necessidades relativas à execução e acompanhamento do Plano Florestal da Herdade de …, concretamente, a gestão e acompanhamento das acções desenvolvidas no espaço florestal, autorizações de poda e abate de árvores, interface com as entidades oficiais competentes de supervisão e de acompanhamento do plano florestal, acompanhamento das acções decorrentes dos projectos de investimentos no espaço florestal e compilação e submissão de informação técnica e económica para a apresentação de pedidos de pagamento, e acompanhamento de medidas previstas nos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, em termos de DFCI (defesa da floresta e incêndios).
8.º No dia 01/01/2016 a autora e a ré celebraram o acordo escrito intitulado “contrato de prestação de serviços” (cfr. documento 5, junto pela autora em 12/07/2022, ref.ª citius 33113142), por força do qual a autora se obrigou a prestar à ré “ serviços de suporte à estrutura administrativa e comercial”, de forma autónoma e independente, e mediante o pagamento da quantia de €1.1000,00 + IVA à taxa legal.
9.º Os serviços objeto do contrato mencionado em 8.º consistiam em permitir a utilização, pela ré, de espaços (para postos de trabalho e ponto de distribuição e venda de vinho), lugares de estacionamento, e equipamentos de hardware e software existentes nas instalações da autora, sitas no Campo Grande, em Lisboa.
10.º Aquando da outorga da escritura pública referida em 5º, a autora declarou assumir o compromisso de fazer cessar o acordo escrito celebrado em 01/01/2016.
11.º Os acordos melhor identificados em 6.º, 7.º, 8.º e 9.º mantiveram-se após o dia 30/12/2020 e a cessão de participação social melhor referida em 5.º
12.º A autora prestou à ré, entre janeiro e julho de 2021, os serviços de gestão e acompanhamento florestal aludidos no acordo escrito mencionado em 6 e 7.
13.º Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Abril de 2021, a autora e a ré reuniram e acordaram atualizar o valor dos serviços objeto do acordo referido em 6º e 7º para a quantia mensal de €1.500,00 + IVA à taxa legal, com efeitos retroativos a janeiro de 2021.
(...)
19.º Entre a sociedade Ré e a sociedade “…, Lda.” foi celebrado um acordo escrito, distinto do acordo referido em 6.º e 7.º, destinado à prestação de serviços de gestão, rentabilização e manutenção 20.º Por email datado de 21/06/21, o Engenheiro Js ..., em nome da aqui autora,
apresentou à sociedade ré uma proposta para “gestão operacional, manutenção do certificado FSC e revisão do plano de gestão florestal” da “Herdade …”, a qual se mostra junta aos autos (documento nº 4 da oposição) e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
II - Na mesma Decisão foram considerados não provados os seguintes factos:
(...) a) Autora e ré acordaram que, por força e na sequência da outorga da escritura pública de compra e venda referida no facto provado n.º 5, aquela cessaria todos os serviços que, até àquela data, prestava à ré, melhor elencados nos factos 6º e 7º.
b) Autora e ré acordaram que, por força e na sequência da outorga escritura pública de compra e venda referida no facto provado n.º 5, os serviços relacionados com a gestão, acompanhamento florestal da “Herdade …” seriam prestados diretamente pelo Eng. Js ..., ou pela sociedade por ele detida com a denominação social ..., Lda.
c) A autora não prestou à ré os serviços objeto das faturas n.º s FA 2021/32, no valor de € 7.950, e FA 2021/38, no valor de €3.180,00, melhor identificadas em 14.º
d) A ré acordou que os trabalhos relacionados com a gestão operacional agroflorestal da “Herdade …” fossem realizados pelo Engenheiro Js ..., mediante retribuição a fixar posteriormente.
e) Entre janeiro e julho de 2021, a autora não praticou quaisquer atos de gestão, de acompanhamento florestal e de operacionalidade agro-florestal na Herdade ... ... f) À data de 30/12/2020, a ré desconhecia a necessidade de um Plano de Gestão Florestal da Herdade ... ..., bem como a necessidade da sua revisão.
g) A ré tomou conhecimento da necessidade de um Plano de Gestão Florestal da Herdade ... ..., bem como a necessidade da sua revisão na reunião referida no facto provado n.º 13
h) A gerência da sociedade ré manifestou, desde sempre, que não pretendia estabelecer vínculos contratuais com sociedades detidas pelo Engenheiro Js ....
i) Entre janeiro e julho de 2021, a autora não se deslocou à Herdade ... ... para prestar os serviços elencados nos factos 6.º e 7.º.
III - A decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos adiante referidos, devendo ser dado como não provados, in totum, os factos constantes nos ponto 8.º,9.º 11.º 12.º,13.º 18.º, 19.º( na parte em que refere “distinto do acordo referido em 6º e 7º”) e 23º e, por outro lado, considerar como provados os factos constantes nos a), b), c) d) e) h) e i).
IV - Ademais, o facto constante no ponto 11.º da matéria provada encontra-se em manifesta contradição com o facto também constante no ponto 10, uma vez que neste último ponto o Douto Tribunal a quo dá como provado que “Aquando da outorga da escritura pública referida em 5º, a autora declarou assumir o compromisso de fazer cessar o acordo escrito celebrado em 01/01/2016.
V - Ora, andou bem o Douto Tribunal nessa parte, considerando provado que existiu efetivamente um acordo escrito para fazer cessar os contratos que até à data se encontravam vigentes desde o dia 01/01/2016, pelo que dúvidas não poderão subsistir que os contratos celebrados entre autora e ré (melhor descritos nos pontos 6, 7 e 8 da matéria assente) foram outorgados em momento muito anterior à data da outorga da escritura pública junta com a Oposição (documento 1), sendo certo que mesmo considerando que o contrato mencionado no ponto 6, alegadamente outorgado em 02.01.2020, iniciou os seus efeitos no dia 01.01.2016, dever-se-á incluir igualmente na cessão dos vínculos a que alude a referida escritura pública de cessão de quotas.
VI - Nesta senda, compulsado o teor da escritura pública de compra e venda descrita no ponto 5 da matéria assente e junta aos autos como Doc. 1 da oposição, resulta cristalino que os contratos de prestação de serviços celebrados em 01.01.2016 entre a ali cedente e cessionária, aqui autora e ré, cessariam os seus efeitos na data da outorga daquele contrato – “(...) a cessão de quotas produz efeitos, nesta data, a partir da qual os cessionários assumem, para todos os efeitos, os direitos e responsabilidades inerentes à titularidade das quotas, ficando a cedente exonerada de todas e quaisquer responsabilidades seja a que titulo e natureza for, relativamente a detenção por si das mesmas quotas na sociedade, com excepção da assunção pela cedente dos valores indemnizatórios relativos a cessação do contrato de trabalho celebrado entre a sociedade e o Sr. Rd ... e que sejam devidos até à presente data, bem como se compromete a fazer cessar o contrato de prestação de serviços celebrado em 01.01.2016, entre a sociedade e a cedente.” – negrito e sublinhado nossos.
VII - De acordo com a respetiva fundamentação, a convicção do Tribunal para considerar provados os factos 6 a 9, 11 a 13, 19 a 23 baseou-se nos depoimentos do legal representante da autora, Js ..., e das testemunhas Rd … e ... (diretor financeiro da ré, …) e Iv ... (contabilista certificado da autora desde 2009, e da ré …), os quais, de modo espontâneo, objetivo e sereno, esclareceram que são diversas as atividades desenvolvidas na Herdade ... ..., desde a constituição da sociedade é em 2013, nomeadamente, exploração e produção agrícola e florestal, extração de cortiça e comércio de cortiça e produção e comercialização vinícola.
VIII - Desconsiderou, porém, totalmente, as atividades descritas nos contratos mencionados nos pontos 6.º a 8.º em confronto com aquele descrito no ponto 19.º, bem como as declarações de parte do representante legal da ré prestadas na Audiência de Julgamento, o qual de forma clara e honesta prestou afirmou, com relevância para o presente recurso, o seguinte:
a) Aberta a Audiência pelas 10:11 horas, foram iniciados os trabalhos com as Declarações de Parte da Ré, na pessoa do seu representante legal … que respondendo às instâncias da Senhora JUÍZA referiu o seguinte:
(...)
(00:04:18) - Magistrada Judicial: Diz o Senhor que comprou na condição...
(00:04:22) – …: Livre, sem qualquer contrato com terceiro.
(00:04:27) – Magistrada Judicial: Com outras empresas ou pessoas...
(00:04:22) – …: pessoas ou empresas, sim...
(00: 04:27) – Magistrada Judicial: E já ouviu falar desta empresa … já ouviu falar
dela?
(00:04:37) – …: Não. Eu só ouvi essa empresa até um dia, ele convidou, chegou ao escritório dele para apresentar equipa de contabilidade da .... Nesse momento ele falou sobre ... mas aí eu também não tem ideia o que é … (...)
(00:05:38) – Magistrada Judicial: Quando ouviu falar da … já tinha adquirido a empresa ....
(00:05:41) – …: Sim. Nomento que comprámos ... nós não sabemos nada … e até um dia, data, não seu bem, quatro ou cinco meses depois, nós precisámos aí ele ainda está como gerente porque nós pagámos prestação de serviços para ele continuar na .... E naquele momento ele convidou para escritório dele, só para apresentar equipa de contabilidade.
(00:08:58) - Magistrada Judicial: A … nesta ação diz que exerce uma atividade comercial celebrou com a ... um contrato de prestação de serviços de gestão e acompanhamento florestal.
IX - Diz também que prestou esse serviço que passou a fatura e que a fatura está por pagar. Este serviço foi prestado ou não foi prestado, seja pela … ou por outra pessoa?
(00:09:31) – …: Não! Isso não é. Porque só naquele momento eu conheço
uma empresa de nome … e ele diz, mas nas condições que comprou essa
empresa ... com ele e é primeiro condições é limpo, não pode ser, ter qualquer contrato
antigo com qualquer pessoa ou terceira empresa ou pessoa.
X - Por isso quando ele falar tem uma empresa com contrato eu estou não compreendo,
eu estou estranho. Por isso eu falei sempre com o meu advogado.
(00:13:04) - Magistrada Judicial: Essa combinação de adquirir a ... sem quaisquer
contratos com terceiros, conforme o Senhor disse, ela está escrita nalgum documento?
(00:13:13) – …: eu acho que está (...) porque qualquer trabalho sempre
falei com advogado que essas eram minhas condições, mas o tratamento foi meu
advogado. Mas acho que ele tem.
(00:13:39) – Mandatária da Ré: Senhor …, diz-nos aqui que desde 2020 que foi gerente,
após a cessão de quotas se tornou gerente da ..., mas recorda-se se foi pago a seguir à
cessão de quotas ou houve aqui algum período temporal em que essa gestão, ou seja, a
... não foi gerida por si, recorda-se se foi imediato?
(00:14:08) – …: No momento em que comprámos essa empresa e também combinar que ele vai ficar como gerente experiência nós aceitámos pagar um valor seu serviço, um valor para esse serviço dele, com uma empresa chama-se … e por isso o Senhor Js continua.
(00:16:29) – Mandatária da Ré: Recorda-se de ter recebido alguma fatura da …
entre Janeiro e Maio de 2021?
(00:17:36) – …: (...) eu não recebi. (...)
(00:17:52) – Mandatária da Ré: (...) se tem conhecimento se o Senhor Engenheiro alguma
vez efetuou deslocações à Herdade (...) contratou algum profissional para tratar desta
questão da gestão florestal da Herdade?
(00:18:07) – …: Porque eu fiz pagamento todo o mês, por isso, empresa
que recebeu esse valor é …Limitada.
(00:18:25) – Mandatária da Ré: Alguma vez aceitou que fosse a ... a prestar
qualquer serviço à ...?
(00:18:30) – …: Não! Para mim até agora ... nada tem a cer com
..., só a empresa que recebeu honorário é ..., é com empresa do Senhor Js.
(00:21:01) – Mandatária da Ré: E essa prestação de serviços efetuada pelo Exmo. Senhor Js ... o que é que incluía, quais eram os serviços?
(00:21:10) – …: Sim! Esse trabalho diz que incluía tudo, porque um valor
bem grande como ele trabalha, não só gerente, inclui todo o serviço para empresa poder andar.
XI - Naquele momento combinado com esse valor ele vai acompanhar tudo, não precisa pagar qualquer custo fora.
Por isso eu estou estranho, já tem esse serviço, agora tem mais ... naquele momento, por isso falei com o meu advogado que não aceitamos essa proposta.
(00:30:11) – mandataria da Autora – Mas o senhor quando fez a escritura, a própria escritura, disseram que não queriam um contrato com a ...? Eu não estou a perceber bem.
(00:30:33) … – Eu no momento da cessão, condições de compra o sr Js tem que acabar tudo o contrato com terceira empresa ou terceira pessoa.
(0:30:40) mandatária da Autora – Está a dizer eu manteve com a ...?
(00:30:43) … - Não é manter, condição de momento de compra é cessar
tudo, depois começar de novo.
(00:30:53) mandatária da autora – Disse isso a quem, disse que não queria contratos com
ninguém a quem?
(00:31:00) … – sim, eu não quero contratos com ninguém porque a
responsabilidade...
(0:31:05) Mandatária da autora– mas disse a quem isso?
(0:31:010) … – eu disse com meu advogado, mas também senhor Js
está presente, na reunião de discutir no advogado, no escritório do meu advogado o Sr. Js também esta aí, e meu condições eu falei com, não só ele, ele mais uma vendedor e meu advogado, e mais uma senhora, não sei quem é, mas ...
(00:31:27) Mandatária da autora – olha e nessa reunião que teve no escritório do Dr, do engenheiro Js ..., falaram sobre este contrato ou não?
(00:31:41) … – Não, Não
(00:31:42) mandatária da autora – Não acordaram nada?
(00:31:43) … – Não, nada.
(00:31:46) Mandatária da autora - E o Senhor é gerente da sociedade, diga-me uma coisa,
a sociedade precisa de ter um plano florestal?
(00:31:56) …- não percebi...
(00:31:57) mandatária da autora - O senhor é gerente da ..., a herdade, que é da ..., precisa de ter um plano florestal de acordo com a lei
(00:32:09) … – essa também não sei, essa também é minha dúvida, essa informação eu não sei, eu não conheço.
(00:40:37) Magistrada judicial – Não assinaram nada por escrito é uma nova combinação, e
o senhor pagou esse serviço, ao senhor ...?
(00:40:47) … – Tenho uma proposta do senhor Js o que ele trabalha, o que ele quer receber, é uma nova, nada a ver com antigo porque antigo eu não estou a compreende porque tem contrato, porque antiga empresa dele, ele não pode ter contrato dele, porque meu percebi a empresa é dele. Por isso quando ele vender para mim, assim se ele ficou com a empresa tem que ter um novo contrato.
(00:41:21) Magistrada judicial - E o senhor não assinou esse novo contrato?
(00:41:26) … - não é contrato é um combinado, uma proposta dele, que sobre o serviço dele
(00:41:34) Magistrada judicial - Mas ele prestou um serviço não é, durante 8 meses?
(0:41:39) … - não sei como chamar, é gestão de empresa como gerente.
(00:41:49) … - Ele ficou como gerente com um valor, mas esse valor eu quero pagar em salário, como salário, mas no fim ele não quer, ele quer pagar para a empresa q ele indicou, como um serviço de prestação.
(00:42:08) Magistrada judicial – e o que é que o senhor fez?
(00:42:10) … - nós fizemos pagar, mas não assinar, aceitámos uma proposta, aceitamos uma proposta dele em papel, sobre esse serviço, nós aceitamos uma minuta dele, sobre serviço dele como gerente.
XII - Deste depoimento e, bem assim, da documentação constante nos autos resulta claro que apesar dos diversos serviços prestados por terceiros à ré, nenhum desses serviços foi prestado pela Autora, porquanto, como supra referido, todos esses alegados serviços cessaram no dia 30.12.2020 conforme resulta expressamente da escritura pública de cessão de quotas mencionada no ponto 5 dos factos dados como provados.
XIII - Ademais, o serviço prestado pela sociedade ..., LDA melhor descrito no 19 da matéria assente consistiam precisamente na prestação de “serviços de suporte à estrutura administrativa e comercial”, bem como na “prestação de serviços de gestão, rentabilização e manutenção da exploração agrícola e vinícola da Herdade ... ... , em concreto nas vertentes técnica, administrativa e comercial da produção e comercialização de produtos agrícolas e vinícolas.”
XIV - Não se vislumbra assim qualquer distinção entre os serviços prestados pela ... e aqueles que alegadamente seriam prestados pela Autora, senão vejamos:
XV - No contrato celebrado 01.01.2016 (vide ponto 8 dos Factos Provados) resulta somente como serviços a prestar pela autora os seguintes: “serviços de suporte à estrutura administrativa e comercial”, serviços esses que se encontram totalmente enquadrados e igualmente previstos no contrato estabelecido entre a ré e a ... (vide ponto 19 dos Factos Provados), tal como se constata na descrição de serviços por esta última prestados, designadamente “prestação de serviços de gestão”
XVI - Por outro lado, no que tange ao contrato alegadamente celebrado em 02/01/2020 os serviços a prestar pela autora seriam os seguintes: “serviços de gestão e acompanhamento agroflorestal”, também se encontram totalmente ínsitos no contrato de prestação de serviços prestado pela ... e melhor descritos no ponto 19 dos Factos Provados.
XVII - Ora, andou mal o Douto Tribunal a quo ao fundamentar a decisão ora recorrida unicamente no depoimento prestado pelo representante legal da autora em sede de julgamento, uma vez que este último de forma evidentemente desonesta e incoerente aditou outros serviços que não resultam dos contratos descritos nos pontos 6 a 8 dos Factos Provados, invocando nomeadamente que tais serviços se destinavam também a assegurar as necessidades relativas à execução e acompanhamento do Plano Florestal da Herdade de ... ..., concretamente, a gestão e acompanhamento das acções desenvolvidas no espaço florestal, autorizações de poda e abate de árvores, interface com as entidades oficiais competentes de supervisão e de acompanhamento do plano florestal, acompanhamento das acções decorrentes dos projectos de investimentos no espaço florestal e compilação e submissão de informação técnica e económica para a apresentação de pedidos de pagamento, e acompanhamento de medidas previstas nos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, em termos de DFCI (defesa da floresta e incêndios).
XVIII - Na verdade, conforme se expende na fundamentação do Douto tribunal recorrido, a extração e comercialização de cortiça são distintos de serviços de acompanhamento florestal;
o acompanhamento florestal não se confunde com a manutenção, produção e comercialização vinícola e que estes serviços também não se confundem com os serviços de suporte à atividade administrativa e comercial...
XIX - Olvida, no entanto, o Douto Tribunal que todos esses serviços foram incluídos no contrato a que se alude no ponto 19º dos Factos Provados, verificando-se assim manifesta contradição entre a fundamentação da Decisão recorrida e os factos dados como provados.
XX- Acresce que, também não acolhe qualquer fundamento a convicção formada pelo Douto Tribunal a quo na parte em que considera que o representante legal da ré “teve acesso à faturação a ré antes da aquisição do seu capital social pela empresa … Unipessoal, Lda.”, concluindo que esta última “não podia ignorar a existência de faturas relativas a três contratos distintos”.
XXI - Ora, mesmo considerando que a ré teve conhecimento da existência à faturação da ré antes da aquisição do capital social da autora, resulta manifestamente provado nos autos, designadamente na escritura pública a que se alude no ponto 5.º dos Factos Provados que a Ré se comprometeu “a fazer cessar o contrato de prestação de serviços celebrado em 01/01/2016” entre a autora e a ré.
XXII - Razão pela qual, pelo menos quanto a este contrato, que motivou a emissão da fatura melhor identificada no ponto 14.1, não poderão existir quaisquer dúvidas que este contrato cessou em 30/12/2020.
XXIII - O mesmo entendimento se deve retirar quanto ao contrato alegadamente celebrado em 02/01/2020, que motivou a emissão da fatura melhor descrita no ponto 14.2 dos Factos Provados, porquanto apesar de constar essa data como dia da outorga, os efeitos desse contrato retroagiram precisamente ao dia 01/01/2016, pelo que estará obviamente abrangido pela declaração consignada na escritura de cessão de quotas descrita no Ponto 5.º dos Factos Provados.
XXIV - É manifestamente plausível que com aquela declaração “a fazer cessar o contrato de prestação de serviços celebrado em 01/01/2016” a ré pretendeu estender essa cessação ao contrato celebrado em 02/01/2020, sendo certo que esta data bem poderá ter sido aposta intencionalmente já depois da ré ter tido conhecimento de que a autora pretendia adquirir a propriedade Herdade ... ..., bem como a totalidade do capital social da ré.
XXV - Acresce ainda que fundamenta o Douto Tribunal a sua decisão invocando que dos depoimentos prestados em sede de julgamento ficou esclarecido que no ano de 2020, ou seja, em momento anterior à aquisição do capital social da autora pela ré, “os serviços foram faturados em conformidade com essa distribuição e que as faturas foram emitidas pela sociedade ... (relativamente ao contrato elencado no facto provado a 19.º) e pela sociedade autora (relativamente aos contratos elencados nos factos provados 6.º a 9.º).
XXVI - Com efeito, andou também mal o Douto Tribunal ao considerar que os contratos descritos nos Pontos 6.º a 8.º e 19.º foram concomitantes, porquanto o contrato celebrado entre a ré e a ... foi outorgado já no ano de 2021 conforme resulta provado na Certidão Judicial extraída do processo … que correu os seus termos Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 11 deste mesmo Tribunal, junto ao presente processo no dia 18.05.2023 com a ref.ª 35991939, nos termos da qual resulta no ponto 2 dos Factos Provados que “ A Autora (...), no âmbito da sua atividade comercial, celebrou com a ré uma contrato de prestação de serviços de gestão operacional da Herdade ... ..., que teve a sua duração entre os meses de Janeiro de 2021 a julho de 2021.
XXVII - Resulta assim claro que o Douto Tribunal a quo não considerou que as faturas descritas nos pontos 14.1 e 14.2 nada têm que ver com a prestação de serviços prestada pela ..., porquanto esse contrato foi celebrado em momento posterior aos contratos descritos nos pontos 6 a 9 também dos Factos Provados.
XXVIII - Por outro lado, não será verosímil que permanecendo alegadamente vigentes os contratos outorgados em 1.01.2016 e 02.01.2020, este último retroagindo a produção de efeitos precisamente naquela mesma data de 01.01.2016, as faturas melhor descritas nos pontos 14.1.e 14.2 dos Factos Provados tenham sido somente emitidas decorridos mais de seis meses desde a data em que ocorreu a escritura pública de cessão de quotas mencionada no ponto 5.
XXIX - Assume especial relevância ainda o facto de que tais faturas tenham sido apenas apresentadas a pagamento após a cessação do vínculo que existia entre a ré e a ... ocorrido em 02.07.2021.
XXX - É assim manifesto que andou mal o Douto Tribunal a quo ao considerar com provado o facto constante no ponto 11 dos Factos Provados, porquanto da prova documental junta aos autos, designadamente a escritura pública de cessão de quotas, outorgada em 30.12.2020, resulta expressamente que autora “se compromete a fazer cessar o contrato de prestação de serviços celebrado em 01/01/2016, entre a sociedade e a cedente”,
XXXI - Por outro lado, das declarações de parte prestadas pelo representante da ré retira-se também que a instâncias da Exma. Magistrada Judicial, ao minuto 00:04:18 da respetiva inquirição, perante a questão “Diz o Senhor que comprou na condição...”? aquele respondeu de forma clara e inequívoca que a cessão de quotas seria realizada na condição de se encontrar livre de quaisquer contratos (00:04:22) “Livre, sem qualquer contrato com terceiro”.
XXXII - Com efeito, deve o facto constante no ponto 11 dos Factos Provados ser dado como Não Provado e, consequentemente, deve ser dado como provado, in totum, o facto constante na alínea a) dos Factos Não Provados.
XXXIII - Acresce que, por tudo quanto supra exposto, a decisão da matéria de facto deve ser alterada nos termos supra referidos, devendo ser dado como não provados, in totum, os factos constantes nos ponto 8.º,9.º 11.º 12.º,13.º 18.º, 19.º( na parte em que refere “distinto do acordo referido em 6º e 7º”) e 23º e, por outro lado, considerar como provados os factos constantes nos a), b), c) d) e) h) e i).
XXXIV - A prova produzida através dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento, bem como dos documentos juntos aos autos para a prova dos factos, não terão sido levados em conta pelo Tribunal a quo quando foi proferida a decisão sobre a matéria de facto.
XXXV - Termos em que se requer a V. Exas. Venerandos Desembargadores a reapreciação da prova gravada, porquanto alcançarão, certamente, Decisão diversa da tomada pelo Tribunal a quo sobre a Matéria de Facto dada como provada e não provada (arts. 640.º, n.º 1 al. c) do Código de Processo Civil).
*
A apelada contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

O Tribunal a quo julgou:
A.1. Provados os seguintes factos:
1º A ré é uma sociedade comercial por quotas, cujo objeto social consiste na exploração agrícola, pecuária, florestal, agricultura e produção animal combinadas, produção de vinhos comuns e licorosos, extracção de cortiça, resina e apanha de outros produtos florestais, actividades dos serviços relacionados com a agricultura e gestão e exploração de recursos cinegéticos.
2º A sociedade ré foi constituída em maio de 2013.
3º Entre maio de 2013 e 30 de dezembro de 2020, a totalidade do capital social da sociedade ré foi detida pela sócia “... Lda.”, autora nos presentes autos, estando a gerência de ambas atribuída, durante esse período temporal, ao Engenheiro Js ... … ....
4º A sociedade ré explora há mais de 10 anos a “Herdade ... ...”, localizada em … freguesia do Poceirão e concelho de Palmela.
5º Por escritura pública, outorgada em 30 de dezembro de dois mil e vinte, no Cartório Notarial da Senhora Notária …, a autora cedeu à sociedade “…, Lda.”, representada pelo gerente …, a participação social que detinha no capital social da sociedade ré.
6º No dia 02/01/2020, a autora e a ré celebraram o acordo escrito intitulado “contrato de prestação de serviços” (cfr. documento 4, junto pela autora em 12/07/2022, ref.ª citius n.º 33113143), por força do qual a autora se obrigou a prestar à ré “serviços de gestão e acompanhamento agroflorestal”, de forma autónoma e independente, e mediante o pagamento da quantia de €2.100,00 + IVA à taxa legal.
7º Os serviços objeto do contrato mencionado em 6º destinavam-se a assegurar as necessidades relativas à execução e acompanhamento do Plano de Gestão Florestal da Herdade de ... ..., concretamente, a gestão e acompanhamento das acções desenvolvidas no espaço florestal, autorizações de poda e abate de árvores; interface com as entidades oficiais competentes de supervisão e de acompanhamento do plano florestal; acompanhamento das acções decorrentes dos projectos de investimento no espaço florestal e compilação e submissão de informação técnica e económica para a apresentação de pedidos de pagamento; e acompanhamento de medidas previstas nos Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios, em termos de DFCI (defesa da floresta contra incêndios).
8º No dia 01/01/2016, a autora e a ré celebraram o acordo escrito intitulado “contrato de prestação de serviços” (cfr. documento 5, junto pela autora em 12/07/2022, ref.ª citius n.º 33113143), por força do qual a autora se obrigou a prestar à ré “serviços de suporte à estrutura administrativa e comercial”, de forma autónoma e independente, e mediante o pagamento da quantia de €1.100,00 + IVA à taxa legal.
9º Os serviços objeto do contrato mencionado em 8º consistiam em permitir a utilização, pela ré, de espaços (para postos de trabalho e ponto de distribuição e venda de vinho), lugares de estacionamento, e equipamento de hardware e software existentes nas instalações da autora, sitas no Campo Grande, em Lisboa.
10º Aquando da outorga da escritura pública referida em 5º, a autora declarou assumir o compromisso de fazer cessar o acordo escrito celebrado em 01/01/2016, mencionado em 8º e 9º.
11º Os acordos melhor identificados em 6º, 7º, 8º e 9º mantiveram-se após o dia 30/12/2020 e a cessão de participação social melhor referida em 5º.
12º A autora prestou à ré, entre janeiro e julho de 2021, os serviços de gestão e acompanhamento florestal aludidos no acordo escrito mencionado em 6 e 7ºº.
13º Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de abril de 2021, a autora e a ré reuniram e acordaram atualizar o valor dos serviços objeto do acordo referido em 6º e 7º para a quantia mensal de €1.500,00 + IVA à taxa legal, com efeitos retroativos a janeiro de 2021.       
14.º A autora emitiu em nome da ré as seguintes faturas:
14.1. Fatura n.º FA 2021/32, no valor de €7.950,00 (IVA incluído), emitida em 06/05/2021 e com vencimento na mesma data, relativa à prestação de serviços de acompanhamento à operacionalidade agro-florestal da “Herdade ... ...” entre janeiro e maio de 2021.
14.2. Fatura n.º FA 2021/38, no valor de €3.180,00 (IVA incluído), emitida em 02/07/2021 e com vencimento na mesma data, relativa à prestação de serviços de acompanhamento à operacionalidade agro-florestal da “Herdade ... ...” entre junho e julho de 2021.
15.º A ré recebeu as faturas identificadas em 14º e não procedeu ao seu pagamento até à presente data.
16.º Por força do Programa Regional de Ordenamento Florestal de Lisboa e Vale do Tejo, a Herdade de ... ... encontra-se obrigada a elaborar e manter actualizado um Plano de Gestão Florestal, que carece de aprovação do ICNF e que deverá ser revisto, no mínimo, de cinco em cinco anos.
17.º Para esse efeito, deverá ser mantida e actualizada informação que reflicta todas as intervenções que existem no espaço florestal, devendo a esmagadora maioria das intervenções no espaço florestal ser objecto de autorização ou informação prévia junto do ICNF,
18.º Razão pela qual foi celebrado o acordo referido em 6º e 7º.
19.º Entre a sociedade ré e a sociedade “... – Gestão …, Lda.” foi celebrado um acordo escrito, distinto do acordo referido em 6º e 7º, destinado à prestação de serviços de gestão, rentabilização e manutenção da exploração agrícola e vinícola da Herdade de ... ..., em concreto nas vertentes técnica, administrativa e comercial da produção e comercialização de produtos agrícolas e vinícolas. 20º Por email datado de 21/06/2021, o Engenheiro Js ..., em nome da aqui autora, apresentou à sociedade ré uma proposta para “gestão operacional, manutenção do certificado FSC e revisão do plano de gestão florestal” da “Herdade ... ...”, a qual se mostra junta aos autos (documento 4 da oposição) e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
21º A sociedade ré não aceitou a proposta referida em 20º.
22º A autora não prestou os serviços elencados na proposta referida em 20º.
23º Os serviços objeto da proposta referida em 20º não se encontravam incluídos no acordo referido em 6º e 7º.
24º Por email datado de 02/07/2021, a autora comunicou à sociedade ré o termo do acordo referido em 6º e 7º, com efeitos a partir do final desse mês.

A. 2. Não provados os seguintes factos:
a) Autora e ré acordaram que, por força e na sequência da outorga da escritura pública referida no facto provado n.º 5, aquela cessaria todos os serviços que, até àquela data, prestava à ré, melhor elencados nos factos 6º e 7º.
b) Autora e ré acordaram que, por força e na sequência da outorga da escritura pública referida no facto provado n.º 5, os serviços relacionados com a gestão, acompanhamento florestal da “Herdade ... ...” seriam prestados diretamente pelo Eng. Js ..., ou pela sociedade por ele detida com a denominação social “..., Lda.”.
c) A autora não prestou à ré os serviços objeto das faturas n.ºs FA 2021/32, no valor de €7.950,00 e FA 2021/38, no valor de €3.180,00, melhor identificadas em 14º.
d) A ré acordou que os trabalhos relacionados com gestão operacional agroflorestal da “Herdade ... ...” fossem realizados pelo Engenheiro Js ..., mediante retribuição a fixar posteriormente.
e) Entre janeiro e julho de 2021, a autora não praticou quaisquer atos de gestão, de acompanhamento florestal e de operacionalidade agro-florestal na Herdade ... ....
f) À data de 30/12/2020, a ré desconhecia a necessidade de um Plano de Gestão Florestal da Herdade de ... ..., bem como a necessidade da sua revisão.
g) A ré tomou conhecimento da necessidade de um Plano de Gestão Florestal da Herdade de ... ..., bem como a necessidade da sua revisão na reunião referida no facto provado n.º 13º.
h) A gerência da sociedade ré manifestou, desde sempre, que não pretendia estabelecer vínculos contratuais com sociedades detidas pelo Engenheiro Js ....
i) Entre janeiro e julho de 2021, a autora não se deslocou à Herdade ... ... para prestar os serviços elencados nos factos provados 6º e 7º.


B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pela apelante consistem em saber se a) a sentença deve ser alterada no que respeita à decisão em matéria de facto, declarando-se não provados os factos constantes nos números 8.º,9.º 11.º 12.º,13.º 18.º, 19.º, na parte em que refere “distinto do acordo referido em 6º e 7º”, e 23º da matéria de facto provada e declarando-se provados os factos das alíneas a), b), c) d) e) h) e i) dos factos não provados (conclusões III a XXXV), b) em consequência a ação deve ser julgada improcedente (pedido da apelação).
1) Quanto à primeira questão, a saber, se a sentença deve ser alterada no que respeita à decisão em matéria de facto, declarando-se não provados os factos constantes nos números 8.º,9.º 11.º 12.º,13.º 18.º, 19.º, na parte em que refere “distinto do acordo referido em 6º e 7º”, e 23º da matéria de facto provada e declarando-se provados os factos das alíneas a), b), c) d) e) h) e i) dos factos não provados.
Como decorre do simples confronto entre a matéria dos números 8.º, 9.º, 11.º a 13.º, 18.º, 19.º e 23.º da matéria de facto provada da sentença com a matéria das alíneas a) a e), h) e i), da matéria de facto não provada da mesma sentença, a pretensão da apelante consubstancia-se, grosso modo, na inversão do julgamento realizado pelo tribunal a quo, declarando-se não provados os factos que integram a causa de pedir da A/apelada e declarando-se provados os factos que integram a defesa da R/apelada, grosso modo, da inexistência de contrato e consequentemente da prestação de serviços.
Sendo admissível esta pretensão processual em face do segundo grau de jurisdição em matéria de facto, instituído, entre outros, nos art.ºs 640.º e 662.º, do C. P. Civil, deste instituto processual decorre também para a apelante um conjunto de ónus processuais com os quais se pretende que, para além de discordância da sentença sob recurso, a apelante demonstre, em face dos concretos elementos de prova produzidos em audiência, o desacerto da sentença proferida e o melhor acerto da decisão que pretende, como determina a al. b), do n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil.
O exercício do poder/dever conferido ao Tribunal da Relação pelo n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, pressupõe a demonstração pela apelante de que a prova produzida impõe decisão diversa da que foi proferida pelo tribunal recorrido.
Vejamos, pois, se esse ónus processual é cumprido pela apelante com a amplitude exigida pela sua pretensão.
Enfatizando a sua discordância com a sentença sob expressões como “andou mal o Douto Tribunal … não considerou … andou também mal o Douto Tribunal …” o certo é que a apelante estrutura a sua pretensão de alteração da decisão em matéria de facto, no que respeita à prova pessoal produzida em audiência, no depoimento do seu próprio representante legal e nos documentos que “não terão sido levados em conta pelo Tribunal a quo”.
Analisado o depoimento do seu representante legal, nos próprios termos em que a apelante o transcreve, constatamos que o mesmo não assume um conhecimento direto dos factos - qualquer trabalho sempre falei com advogado que essas eram minhas condições… eu disse com meu advogado…- se reporta a testemunhas dos factos não identificadas nem ouvidas nos autos- meu condições eu falei com, não só ele, ele mais uma vendedor e meu advogado, e mais uma senhora, não sei quem é – assume desconhecimento da própria matéria dos autos- essa também não sei, essa também é minha dúvida, essa informação eu não sei, eu não conheço – expende a sua opinião sobre o que deveria ser - não estou a compreende porque tem contrato, porque antigo empresa dele, ele não pode ter contrato dele, porque meu percebi a empresa é dele. Por isso quando ele vender para mim, assim se ele ficou com a empresa tem que ter um novo contrato – de modo algum permitindo, sequer, por em dúvida o acerto da decisão proferida pelo tribunal a quo.
 Aliás, relativamente à fundamentação da sentença em matéria de facto cujo desacerto em face da prova produzida lhe competia demonstrar, a apelante, começando por referir que o tribunal a quo fundamentou a sua decisão nos depoimentos do legal representante da autora e das testemunhas Rd … e Iv … (conclusão VII), expende por último, que o mesmo tribunal fundamentou a sua decisão “unicamente no depoimento prestado pelo representante legal da autora” (conclusão XVII) e em parte alguma da sua apelação se propôs demonstrar que a fundamentação da decisão recorrida não corresponde ao que consta dos autos e foi produzido em audiência.
A fundamentação da sentença relativamente aos factos que declarou provados sob os números 8.º, 9.º, 11.º, 12.º, 13.º 18.º, 19.º e 23º da matéria de facto provada é clara e explicita, quer quanto ao valor probatório da prova pessoal produzida, como decorre da expressão “os quais, de modo espontâneo, objetivo e sereno, esclareceram”, quer quanto à prestação dos serviços que integram a causa de pedir, como decorre da expressão “Mais esclareceram que esta distribuição de serviços se manteve, mesmo após a totalidade do capital social da sociedade ré ter sido vendida pela sociedade autora, e que o serviço de acompanhamento florestal foi prestado pela Engenheira … a partir de janeiro de 2021, em diversas deslocações à Herdade…”, quer ainda quanto à atitude contratual do representante legal da R/apelada, como decorre da expressão “esclareceram que na reunião ocorrida em abril de 2021, o representante legal da ré não mostrou surpreso quanto à manutenção dos três contratos de prestação de serviços ora em discussão, mormente do contrato de gestão e acompanhamento florestal, apenas tendo discutido e aceite uma redução do valor”.
Também quanto aos factos não provados sob as alíneas a) a e), h) e i), da matéria de facto não provada a fundamentação da sentença é clara e convincente como decorre do excerto:
“… Os factos descritos sob as alíneas a), b), d) e h), cujo ónus de prova impendia sobre a ré, resultaram não provados por absoluta ausência de prova, testemunhal ou documental, que corroborasse a versão do legal representante da ré. De resto, na escritura pública de cessão de participação social (melhor aludida no facto provado 5º) as partes fizeram expressamente constar que o contrato que cessaria os seus efeitos era o celebrado em 01/01/2016 e não o celebrado em 02/01/2020"
e também do excerto:
“…alíneas c), e) e i). Sobre os factos ora em apreço, a ré não juntou qualquer prova credível. Com efeito, o depoimento do seu legal representante mostra-se isolado e não é compatível com as regras da lógica da experiência comuns. Este representante teve acesso à faturação da ré antes da aquisição do seu capital social pela empresa “…, Lda”; não podia ignorar a existência de faturas relativas a três contratos distintos – melhor identificados nos factos provados 6º a 9º e 19º - e, por conseguinte, não podia deixar de saber, por constar menção expressa na escritura pública outorgada em 30/12/2020, que apenas um dos contratos cessava os seus efeitos a 31/12/2020 – o contrato identificado nos factos provados 8º e 9º)”.
Esta fundamentação esvazia também, antecipadamente, o argumento da apelação no sentido de que o tribunal a quo não terá levado em conta os documentos juntos aos autos, os quais foram valorados e integrados com a prova pessoal produzida.
Demonstram, pois, os autos, à saciedade que o tribunal a quo valorou devidamente a prova pessoal e documental produzida, dando pleno cumprimento ao disposto no n.º 4, do art.º 607.º, do C. P. Civil.
Discordado dessa decisão e pretendendo que a mesma seja alterada por este Tribunal da Relação não poderia a apelante deixar de dar cumprimento ao disposto na al. b), do n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, o que não faz, como demonstrado fica.
Improcede, pois, esta primeira questão da apelação.
2) Quanto à segunda questão, a saber, se em consequência da pedida alteração da sentença quanto aos factos que declarou provados e não provados a ação deve ser julgada improcedente.
A resposta a esta questão encontra-se compreendida na sua própria formulação, por indexação à questão anterior.
Tendo soçobrado a pretensão da apelante de alteração da sentença em matéria de facto, esta segunda questão não pode também deixar de improceder, o que se declara, com ela improcedendo também a apelação.

C) SUMÁRIO
1. Do instituto processual do segundo grau de jurisdição em matéria de facto, instituído, entre outros, pelos art.ºs 640.º e 662.º, do C. P. Civil, decorre para a apelante um conjunto de ónus processuais que se propõem que, para além de discordância da sentença sob recurso, a mesma demonstre, em face dos concretos elementos de prova produzidos em audiência, o desacerto da sentença proferida e o melhor acerto da decisão que pretende, como determinam a al. b), do n.º 1, do art.º 640.º, e o n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
2. Não cumpre esse ónus a apelante sociedade que, ignorando os concretos termos da fundamentação da sentença em matéria de facto, pretende que a mesma seja alterada pelo Tribunal da Relação invocando o depoimento do seu próprio representante legal e documentos que “não terão sido levados em conta pelo Tribunal a quo”.
 

3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela apelante.

TRL, 18-04-2024
Orlando Santos Nascimento
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Vaz Gomes