Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
242/22.8YHLSB-B.L1-PICRS
Relator: ALEXANDRE AU-YONG OLIVEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.–A proteção provisória de um pedido de patente - limitada e condicional como é - não constitui base suficiente para requerer providencias cautelares. Tal proteção provisória apenas poderá ter efeitos no âmbito de uma eventual indemnização a atribuir ao titular do direito.

II.–A indemnização baseada na proteção provisória do direito apenas pode abranger o período até à data da concessão da patente. Eventuais indemnizações devidas e relativas a períodos temporais posteriores basear-se-ão já não na proteção provisória prevista no artigo 5.º do Código de Propriedade Industrial, mas na tutela inerente ao direito conferido pela concessão da patente, aplicando-se aqui o artigo 102.º do Código de Propriedade Industrial de forma plena.

III.–Com o articulado superveniente controverso, pretende-se alterar a causa de pedir baseada nos eventuais danos causados pela providência cautelar 242/22.8YHLSB-A, baseada no pedido de patente EP’894, para os eventuais danos causados pela providência cautelar 67/23.3YHLSB, baseada na patente EP’894. Em simultâneo, pretende-se que a indemnização a fixar, ou seja, o pedido, seja alterado em conformidade.

IV.–Tal alteração simultânea da causa de pedir e do pedido é vedada, no caso concreto, pelo estipulado no artigo 265.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, por implicar a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.


SUMÁRIO (da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa


I.–RELATÓRIO


Recorrentes:NOVARTIS AG e NOVARTIS FARMA – PRODUTOS FARMACÊUTICOS, S.A. (conjuntamente designadas por Novartis, Autoras ou Recorrentes).
Recorrida:Teva Pharma – Produtos Farmacêuticos Lda. (doravante designada de Ré ou Recorrida).

1.–Em 19-12-2023, foi proferido despacho pelo tribunal a quo, com a referência 544845, do qual se destaca o seguinte:
“Ré Teva veio apresentar articulado superveniente, requerendo a alteração do seu pedido reconvencional, com fundamento no facto deste ter-se fundamentado nos prejuízos causados pela providência cautelar intentada pelas autoras contra a Teva, a qual, durante a pendência da presente ação veio a ser declarada extinta em virtude das autoras terem desistido da mesma, e, posteriormente vieram intentar uma nova, pelo que se deverá considerar que a indemnização pedida se reporta a esta nova providência cautelar.
Nos termos do disposto no art.588º, nº1 do CPC, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
A extinção da instância na providencia cautelar em que a Reconvinte assentava o pedido, foi declarada extinta pelo que, consequentemente quanto a este pedido, verifica-se a inutilidade superveniente da lide.
Com efeito, a anterior providencia cautelar, assentava na violação dos direitos emergentes da proteção provisória de que gozava o Pedido da Patente Europeia n.º 2 959 894 a qual, veio posteriormente sido concedida pelo Instituto Europeu de Patentes. Este facto determinou a extinção da instância da primeira providência cautelar, e foi instaurada nova providência cautelar com fundamento na concessão definitiva do registo da patente e na sua violação.
Assim sendo, conclui-se que, do ponto de vista processual é admissível o articulado superveniente, ao abrigo do disposto no art. 588º, nº1, do CPC, pelo que se admite o mesmo.
Pelo exposto, admite-se o mesmo, pelo que notifique-se a parte contrária nos termos e para efeitos do disposto o art. 588º, do CPC.
*****
Apense-se a estes autos o procedimento cautelar 67/23.3 YHLSB.”.
2.–As Recorrentes interpuseram o presente recurso de apelação, contra a Recorrida, visando o citado despacho (doravante despacho recorrido).
3.–No presente recurso, as Recorrentes terminam com o seguinte PEDIDO “… deve o presente recurso ser julgado procedente e revogado o Despacho Recorrido, com a consequente rejeição do Articulado Superveniente apresentado pela Teva…”.
4.–Para tanto, tecem as seguintes conclusões (reprodução integral):
A)-DO OBJETO DO RECURSO: O presente recurso vem interposto do despacho proferido a 19 de dezembro de 2023 (com a referência 544485) na parte em que admitiu o articulado superveniente apresentado pela Ré-Reconvinte Teva quanto aos alegados factos supervenientes invocados pela Teva.
B)-O Despacho Recorrido fundamenta o seu juízo de admissibilidade do articulado superveniente apenas e tão só na norma do n.º 1 do artigo 588.º n.º 1 – que respeita à superveniência e à natureza constitutiva, modificativa ou extintiva dos factos – não explicitando qual, concretamente, o facto que considera relevante e a respetiva natureza (constitutiva, modificativa ou extintiva) face a esta norma do n.º 1 do artigo 588.º, e ignorando, ainda, totalmente os critérios de admissibilidade que resultam do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 588.º do CPC.
C)-Para além disso, o Despacho Recorrido funda-se num entendimento errado já que ignorou as efetivas diferenças de natureza, finalidade e jurídico-factuais subjacentes ao Primeiro Procedimento Cautelar (que correu termos sob o nº 242/22.8YHLSB-A) e o Segundo Procedimento Cautelar (pendente sob o nº 67/23.3YHLSB), e o concreto objeto dos autos delimitado pela ação e reconvenção a que respeitam os presentes autos, essenciais para a conclusão sobre a não admissibilidade do articulado superveniente à luz do disposto no n.º 4 do artigo 588.º do CPC.
D)-ENQUADRAMENTO DO OBJETO DOS AUTOS: O Tribunal a quo não compreendeu devidamente que o quadro jurídico-factual do Primeiro Procedimento Cautelar (que se refere aos atos de violação do Pedido de Patente, ocorridos até ao dia 11 de outubro de 2022) é totalmente distinto do quadro jurídico-factual subjacente às providências requeridas no Segundo Procedimento Cautelar (que se referem aos atos de violação da EP ’894, ocorridos a partir do dia 12 de outubro de 2022).
E)-São também diversas as respetivas natureza e finalidade: natureza conservatória dos pedidos cautelares no Primeiro Procedimento Cautelar, com o qual se pretendia evitar o avolumar dos prejuízos decorrentes da violação dos direitos emergentes do Pedido de Patente (vigente até 11 de outubro de 2022) no decurso da ação principal onde é apenas exercido o direito ao ressarcimento desses mesmos prejuízos; e natureza antecipatória dos pedidos cautelares no Segundo Procedimento Cautelar, com os quais se visa obstar à continuação da violação da EP 894 (em vigor apenas a partir de 12 de outubro de 2022), de ação judicial ainda não intentada.
F)-O Tribunal a quo não compreendeu, também, o concreto objeto da ação (a que respeitam os presentes autos) por confronto com os autos do Segundo Procedimento Cautelar.
G)- O pedido na ação n.º 242/22.8YHLSB é fundado no Pedido de Patente, é meramente indemnizatório e limitado a violações desse Pedido de Patente ocorridas no período desde 9 de fevereiro de 2022 até 11 de outubro de 2022.
H)-O pedido indemnizatório reconvencional deduzido inicialmente pela Teva estava fundado no decretamento das providências cautelares requeridas no Primeiro Procedimento Cautelar, pelo que apenas poderia respeitar aos atos praticados em violação desse Pedido de Patente e, consequentemente, ao período de vigência desse Pedido de Patente (até 11 de outubro de 2022).
I)-Por sua vez, os pedidos no Segundo Procedimento Cautelar são fundados na EP 894, e nos atos de violação da mesma ocorridos após 12 de outubro de 2022 que se visam evitar, antecipando a condenação futura que venha a ocorrer em ação judicial que ainda não se encontra intentada.
J)-Assim, para o decretamento das providências requeridas no Segundo Procedimento Cautelar relevam apenas os atos de violação da EP 894 após 12 de outubro de 2022, e que não eram visados nem no Primeiro Procedimento Cautelar, nem na respetiva ação principal (a que respeitam os presentes autos).
K)-DA NÃO ADMISSIBILIDADE DO ARTICULADO SUPERVENIENTE: No Despacho Recorrido invocam-se factos – a concessão da EP 894 e a extinção do procedimento cautelar n.º 242/22.8YHLSB-A - que não foram invocados pela Teva para fundar a admissibilidade do seu articulado superveniente, nem o poderiam ser por não se tratar de factos supervenientes ou invocáveis pela Teva nos termos do artigo 588.º n.º 1 e 2 do CPC.
L)-O único facto alegado pela Teva para justificar a admissibilidade do respetivo articulado superveniente – e relevante no contexto do Despacho Recorrido - é o da instauração do Segundo Procedimento Cautelar, o qual sendo superveniente face aos articulados apresentados nos presentes autos, não constitui um facto essencial, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva do direito de indemnização peticionado pela Teva a título reconvencional ao abrigo do artigo 343.º, nº 3 do CPI, caso as medidas cautelares requeridas no Segundo Procedimento Cautelar fossem decretadas.
M)-Com efeito, para o putativo direito de indemnização da Teva dependente do decretamento do Primeiro Procedimento Cautelar o que relevava era tão só e apenas o período em que estivesse pendente o Pedido de Patente, que como se viu, foi até 11 de outubro de 2022.
N)-Já para o pretenso direito de indemnização da Teva dependente do decretamento das providências requeridas no Segundo Procedimento Cautelar relevam apenas os atos de violação da EP 894 após 12 de outubro de 2022, e que não eram visados nem no Primeiro Procedimento Cautelar, nem na respetiva ação principal (a que respeitam os presentes autos).
O)-Não se encontra preenchido, pois, o requisito previsto no nº 1 do artigo 588.º do CPC para a admissibilidade de articulado superveniente relativamente à natureza essencial constitutiva, modificativa ou extintiva do facto superveniente (no caso, a instauração do Segundo Procedimento Cautelar), pelo que não podia ser admitido o articulado superveniente da Teva.
P)-Finalmente, não obstante este Tribunal ad quem não possa, neste sede, ajuizar da admissibilidade da dedução do novo pedido reconvencional (já que o Tribunal a quo ainda não o fez), a verdade é que o factos invocados em prol desse pedido – que respeitam à instauração e eventual decretamento do Segundo Procedimento Cautelar – não interessam à decisão da causa subjacente à ação a que se referem os presentes autos, e ao pedido reconvencional deduzido pela Teva, como estipulado pelo n.º 4 do artigo 588.º do CPC para efeitos da admissibilidade do articulado superveniente.
Q)-Nos presentes autos, a relação jurídica controvertida respeita tão somente ao direito de indemnização que emerge do Pedido de Patente à luz dos artigos 67.º da CPE e artigos 5.º e 80.º do CPI, por danos causados à Novartis por atos de violação desse mesmo Pedido de Patente, tudo por referência ao período que termina a 11 de outubro de 2022, e ao putativo direito de indemnização da Teva pelo eventual decretamento de medidas cautelares requeridas no Primeiro Procedimento Cautelar tendentes a salvaguardar essa indemnização peticionada pela Novartis.
R)-No Segundo Procedimento Cautelar – cuja instauração é o único facto relevante invocado pela Teva - a relação jurídica controvertida respeita ao ius prohibendi que emerge de uma patente concedida (a EP 894), ao abrigo do disposto no artigo 102.º do CPI, e tem por referência os atos de violação dessa EP 894 praticados a partir do dia 12 de outubro de 2022.
S)-Deve, pois, ser revogado o Despacho Recorrido por violar o disposto no artigo 588.º n.º 1 e 4 do CPC.”.
5.–RESPONDEU A RÉ, pugnando pela improcedência do recurso.
6.–Em sede do presente recurso de apelação, foi cumprido o disposto nos artigos 657.º, n.º 2 e 659.º, do Código de Processo Civil.
*
III.–FUNDAMENTAÇÃO
10.–Como é sabido, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 639.º, n.º 1 e 3, 663.º, n.º 2 e 608.º, n.º 2, do CPC).
11.–Este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
12.–Feitas estas considerações prévias, vejamos da bondade do presente recurso.
Questão a resolver:
Na ação em causa, cuja causa de pedir consiste num pedido de patente e respetiva proteção provisória (artigo 5.º, CPI), na pendência da qual foi intentada uma providência cautelar com base na mesma causa de pedir - processo n.º 242/22.8YHLSB-A -, e onde no âmbito da referida ação foi deduzida reconvenção, deve ser considerado admissível um articulado superveniente apresentado pela reconvinte, onde se alegam factos relacionados com a instauração de um novo procedimento cautelar - processo n.º 67/23.3YHLSB -, se este último se baseia já não no pedido da patente mas na patente já concedida (EP’894)?
13.–Conforme resulta da respetiva petição inicial, apresentada em juízo a 03-06-2022 (ref.ª 42471531), não podem existir dúvidas de que a ação aqui em causa (proc. 242/22.8YHLSB) foi intentada com base num pedido de patente EP 2959894 (doravante Pedido EP’894), ao abrigo da proteção provisória prevista no artigo 5.º, CPI – veja-se, em especial, artigos 18.º, 38.º, 39.º, 45.º, 47.º.
14.–Na ação pede-se, em concreto, que as Rés sejam “solidariamente condenadas a pagar às Autoras uma indemnização correspondente ao lucro perdido por cada uma das Autoras, e bem assim dos danos estruturais por elas sofridos que possam ser quantificados, em virtude da redução das compras de embalagens de Gilenya 0,5 mg pelos hospitais públicos, após 9 de fevereiro de 2022, em valor a liquidar em incidente autónomo.”.
15.–Foi no contexto desta ação que foi intentada, em 06-06-2022 (ref.ª 42488254), a providência cautelar n.º 242/22.8YHLSB-A, onde se pedia o seguinte:
… ser ordenado que as Requeridas se abstenham de celebrar quaisquer contratos de fornecimento ou de fornecer aos hospitais portugueses do sector público medicamentos contendo fingolimod como princípio ativo, na dosagem de 0,5 mg, enquanto a ação principal a que estes autos serão apensos se mantiver a correr.
Mais se requer, ao abrigo do artigo 345.º, n.º 4 do CPI, que o tribunal decrete uma sanção pecuniária compulsória, no valor de € 40,55 a pagar por cada uma das Requeridas por cada embalagem vendida aos hospitais públicos por cada uma das mesmas Requeridas na pendência da providência que vier a ser decretada.
Dada a urgência no decretamento da providência em face da continuação e/ou iminência do início das vendas hospitalares por parte das Requeridas e dos danos irreversíveis que essas vendas continuarão a causar aos direitos das Requerentes, tal como acima exposto, pede-se, ao abrigo do artigo 341.º n.º 1 do CPI, aplicável por força do artigo 345.º n.º5 do mesmo Código, que as medidas ora requeridas sejam aplicadas sem audiência prévia das Requeridas.”.
16.–Tal como resulta do despacho recorrido e do despacho de 19-10-2022, ref.ª 503500, o procedimento cautelar 242/22.8YHLSB-A terminou por sentença homologatória de desistência do pedido.
17.–Por seu turno, a contestação com reconvenção apresentada pela Recorrida em 15-09-2022 (ref.ª 43274049), na ação 242/22.8YHLSB, tem como causa de pedir a alegada nulidade da EP’894 caso fosse concedida, por falta de novidade, falta de atividade inventiva e por conter matéria que se estende para além do conteúdo do pedido original tal como apresentado (cf. artigos 16 e 200 da contestação-reconvenção). Atenta tal nulidade, entende a Ré que não praticou qualquer ato de violação dos direitos de propriedade industrial invocados pela Novartis (artigo 213 da mesma peça processual), deduzindo, por isso, pedido indemnizatório ao abrigo do disposto nos artigos 343.º, n.º 3 e 345.º, n.º 5 do Código de Propriedade Industrial, para o caso da providência cautelar 242/22.8YHLSB-A ser decretada (artigos 218 e ss. da mesma peça).
18.–Já em 01-03-2023 (ref.ª 44851483), deu entrada no TPI uma nova providência cautelar, também intentada pelas ora Recorrentes, contra a Generis Farmacêutica S.A., Mylan Lda, Teva Pharma – Produtos Farmacêuticos, Lda e Zentiva Portugal Lda., tramitada sob o n.º 67/23.3YHLSB.
19.–Resulta do requerimento inicial da providência cautelar 67/23.3YHLSB, que a causa de pedir principal é constituída já não pelo Pedido EP’894, mas sim pela patente já concedida (EP 2959894, doravante EP’894) e a proteção prevista no artigo 102.º do Código de Propriedade Industrial - cf. artigos 4.º, 5.º, 8.º, 17.º a 22.º, 41.º, 42.º, 127.º e 128.º
20.–Na providência cautelar 67/23.3YHLSB pede-se:
(i) intimação da Generis, da Mylan, da Teva e da Zentiva a absterem-se de, por si próprias ou através de terceiros, apresentar propostas e/ou celebrar quaisquer contratos de fornecimento com ou de fornecer a hospitais portugueses, ou por qualquer outra forma explorar a invenção protegida pela EP 894, designadamente, através do fabrico, oferta, armazenagem, colocação no mercado, utilização, e/ou importação ou posse, para qualquer um dos fins acima mencionados, os seus medicamentos genéricos medicamentos “Fingolimod Generis”, “Fingolimod Mylan”, “Fingolimod Teva” e “Fingolimod Zentiva”, respetivamente, enquanto a EP 894 estiver em vigor.
(ii) intimação da Generis, da Mylan, da Teva e da Zentiva a informar qualquer entidade a quem tenham sido oferecidos e/ou fornecidos, respetivamente, os medicamentos “Fingolimod Generis”, “Fingolimod Mylan”, “Fingolimod Teva” e “Fingolimod Zentiva” de que essa oferta e/ou o  fornecimento são ilícitos;
(iii) intimação da Generis, da Mylan, da Teva e da Zentiva a retirar, respetiva e imediatamente, do mercado português, a suas expensas, os medicamentos “Fingolimod Generis”, “Fingolimod Mylan”, “Fingolimod Teva” e “Fingolimod Zentiva” que já tenham sido oferecidos, vendidos e/ou fornecidos, diretamente pela Requerida ou através de um terceiro;
(iv) condenação da Generis, da Mylan, da Teva e da Zentiva, nos termos do artigo 345.º, n.º 4 do CPI, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 40,55 por cada unidade (cápsula) dos seus medicamentos “Fingolimod Generis”, “Fingolimod Mylan”, “Fingolimod Teva” e “Fingolimod Zentiva” vendida aos hospitais na pendência da providência que vier a ser decretada.”.
21.–Feita esta contextualização e para responder à questão suscitada nos presentes autos de recurso, convirá ainda tecer algumas considerações prévias sobre o âmbito da proteção provisória conferida pelo artigo 5.º do Código de Propriedade Industrial, que, como vimos, constitui a base legal dos pedidos formulados nos autos 242/22.8YHLSB e 242/22.8YHLSB-A.
22.–A proteção provisória prevista no artigo 5.º do Código de Propriedade Industrial introduz “um desvio, posto que de alcance limitado, ao princípio do efeito constitutivo do registo consagrado no Código de Propriedade Industrial relativamente à generalidade dos direitos privativos de propriedade industrial”[1] .
23.–Há, no entanto, que ter em atenção que esta proteção provisória tem limites, limites estes expressos na letra da lei “para ser considerada no cálculo de eventual indemnização”. Esta expressão, presente no artigo 5.º, n.º 1, in fine, significa que a proteção provisória apenas poderá ter efeitos no âmbito de uma eventual indemnização a atribuir ao titular do direito (e/ou titulares de licenças). Nestes termos, ficam à margem desta proteção “as providências cautelares destinadas a inibir uma violação iminente ou a proibir a continuação da sua violação” [2].
24.Nesta fase de proteção provisória, portanto, “o requerente não dispõe ainda do jus prohibendi típico dos direitos de Propriedade Industrial, pois ele só se constitui aquando da concessão do registo ou patente. Aquilo que a lei lhe confere é apenas um direito sui generis, de contornos puramente patrimoniais, sem a dimensão proibitória que carateriza este tipo de direitos exclusivos”[3] .
25.Assim sendo, “esta proteção - limitada e condicional, repete-se - não constitui base suficiente para requerer providencias cautelares, que sempre seriam temerarias na medida em que, relativamente ao direito a acautelar, "a procissão ainda vai no adro" (não havendo certezas quanto ao desfecho do procedimento administrativo de registo)”[4] .
26.Sempre se dirá, em complemento destas citações doutrinais, que seria algo estranho admitir-se uma proteção cautelar de uma proteção provisória, ou seja, uma proteção duplamente antecipada.
27.Resulta, pois, do já exposto, que a própria admissibilidade da providência cautelar 242/22.8YHLSB-A (já extinta) era muito duvidosa.
28.Por seu turno, como vimos supra em 17, a reconvenção deduzida tem como pressuposto essencial o decretamento da providência cautelar 242/22.8YHLSB-A. Ora, se era muito duvidosa a admissibilidade da providência cautelar 242/22.8YHLSB-A, logicamente será muito duvidosa a admissibilidade da reconvenção deduzida com base naquela.
29.Estas vicissitudes substantivo-processuais parecem ter passado despercebido ao tribunal a quo.
30.Obviamente que tais objeções já não se verificam relativamente à ação 242/22.8YHLSB, onde apenas se pede uma indemnização. Há, no entanto, que ter presente que a indemnização que pode ser peticionada “numa ação deste tipo, deve abranger todo o período anterior à concessão do direito, a partir do momento em que a proteção provisória teve início (o da publicação do BPI ou da notificação prevista no n.º 2 do art. 5.º)” [5].
31.Ou seja, a indemnização baseada na proteção provisória do direito apenas pode abranger o período até à data da concessão da patente. Eventuais indemnizações devidas e relativas a períodos temporais posteriores basear-se-ão já não na proteção provisória prevista no artigo 5.º do Código de Propriedade Industrial, mas na tutela inerente ao direito conferido pela concessão da patente, aplicando-se aqui o artigo 102.º do Código de Propriedade Industrial de forma plena.
32.Aqui chegados podemos, pois, ter por certo que a causa de pedir subjacente à ação aqui em causa (proc. 242/22.8YHLSB) – o Pedido EP’894 - é necessariamente diversa da causa de pedir subjacente à providência cautelar 67/23.3YHLSB – a EP’894.
33.Decorre do disposto no artigo 588.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, que “[o]s factos constitutivos, modificativos ou extintivo do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão”.
34.Dir-se-á, com a maioria dos autores que o citado preceito pode implicar “uma efetiva alteração ou modificação da causa de pedir, o que significa que a superveniência é critério bastante para afastar as restrições fixadas no artigo 265.º”[6] . Ou seja, através de um articulado superveniente “pode ser invocada uma nova causa de pedir”[7], sem os limites previstos no artigo 265.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
35.Já quando se pretende a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, tal apenas será possível caso tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida (artigo 265.º, n.º 6, do Código de Processo Civil).
36.Não podem restar dúvidas de que com o articulado superveniente em causa (peça junta em 12-06-2023, ref.ª 45830489), se pretende alterar quer a causa de pedir quer o pedido. Para tanto basta atentar no pedido do articulado contido no seu artigo 29:
Nestes termos e face ao acima exposto, a Ré Teva vem, muito respeitosamente, requerer a este Douto Tribunal que:
a.- Admita o presente articulado superveniente e novos factos alegados
b.- Admita a alteração à causa de pedir nos termos acima alegados e pedido contido na
alínea b) do segmento petitório reconvencional nos seguintes termos:
b) Serem as Autoras condenadas a pagar uma indemnização à Ré pelos danos causados pela providência cautelar pendente sob n.º 67/23.3YHLSB, em montante a calcular em separado, em sede de incidente de liquidação de sentença”.
37.Ou seja, com o articulado superveniente controverso, pretende-se alterar a causa de pedir baseada nos eventuais danos causados pela providência cautelar 242/22.8YHLSB-A para os eventuais danos causados pela providência cautelar 67/23.3YHLSB. Em simultâneo, pretende-se que a indemnização a fixar, ou seja, o pedido, seja alterado em conformidade.
38.Estas diferenças foram, de algum modo, reconhecidas no despacho recorrido (reproduzido supra no Relatório), desde logo quando afirma que a “Ré Teva veio apresentar articulado superveniente, requerendo a alteração do seu pedido reconvencional com fundamento no facto deste ter-se fundamentado nos prejuízos causados pela providência cautelar intentada pelas autoras contra a Teva, a qual, durante a pendência da presente ação veio a ser declarada extinta em virtude das autoras terem desistido da mesma, e, posteriormente vieram intentar uma nova, pelo que se deverá considerar que a indemnização pedida se reporta a esta nova providência cautelar.(sublinhados nossos). Sendo certo que mais adiante o mesmo despacho afirma “a anterior providencia cautelar, assentava na violação dos direitos emergentes da proteção provisória de que gozava o Pedido da Patente Europeia n.º 2 959 894 a qual, veio posteriormente sido concedida pelo Instituto Europeu de Patentes. Este facto determinou a extinção da instância da primeira providência cautelar, e foi instaurada nova providência cautelar com fundamento na concessão definitiva do registo da patente e na sua violação.”[8] .
39.Neste seguimento, o despacho recorrido concluiu “que, do ponto de vista processual é admissível o articulado superveniente, ao abrigo do disposto no art. 588º, nº1, do CPC, pelo que se admite o mesmo”.
40.Aqui chegados convirá notar que, pelo menos segundo as Recorrentes, não resulta claro do despacho recorrido se este admitiu o novo pedido reconvencional. Efetivamente, as ora Recorrentes entendem que tal novo pedido reconvencional não foi ainda admitido (veja-se a conclusão P do recurso).
41.Da nossa parte, contudo, entendemos que o despacho recorrido, ao referir-se desde logo à requerida “alteração do seu pedido reconvencional”(videsupra 38 e as expressões aí sublinhadas), sendo certo que tal alteração é inequivocamente requerida no articulado superveniente nos termos supra descritos em 36, também se pronunciou sobre esta, admitindo-a. Aliás, a audiência prévia foi interrompida precisamente para, após o efetivo cumprimento do contraditório quanto ao articulado superveniente em questão, decidir-se da admissão com eventual impacto sobre a fixação do objeto do litígio e os temas de prova (vide ata do dia 14-06-2023, ref.ª 533728)[9] .
42.Nesta sede, de notar ainda que é inequívoco que despacho recorrido admitiu o articulado superveniente, sendo certo que os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da ação e da defesa e formulam os pedidos correspondentes (artigo 147.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). Assim sendo, ao admitir o articulado superveniente deve entender-se que o despacho recorrido admitiu os novos fundamentos da reconvenção e o novo pedido.
43.Esta interpretação do despacho recorrido no sentido da efetiva admissão simultânea da alteração da causa de pedir e do pedido é ainda reforçada se atentarmos no teor do articulado superveniente controverso. Com efeito, para além de a alteração simultânea ter sido expressamente alegada e requerida no articulado superveniente, nos termos já expostos supra em 36, foi alegado na peça em causa que “nos termos do artigo 265.º, n.º 6 do CPC, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados simultaneamente, desde que tal alteração “não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.” (cf. artigo 23 da peça em referência) e que “as alterações ao pedido e causa de pedir devem ser admitidos em conformidade” (artigo 27).
44.Por seu turno, as ora Recorrentes, notificadas para se pronunciarem sobre a admissibilidade do articulado superveniente, em requerimento junto em 28-06-2023 (ref.ª 45987588), pugnaram pela respetiva inadmissibilidade alegando, além do mais, que “não só os Articulados Supervenientes oferecidos pelas Mylan, Teva e Zentiva são processualmente inadmissíveis, devendo, como tal, ser imediatamente rejeitados, nos termos do disposto no artigo 588.º, n.º 4 do CPC, como a modificação do pedido pretendida pelas Mylan, Teva e Zentiva é também processual[mente] inadmissível, nos termos do disposto nos artigos 265.º, n.º 2 e 6 e 266.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (“CPC”)” (artigo 10.º da peça processual em referência). Mais concluíram com os seguintes pedidos dirigidos ao tribunal a quo “(i) rejeite os Articulados Supervenientes apresentados pela Mylan, Teva e Zentiva, nos termos do disposto no artigo 588.º, n.º 1 e n.º 4 do CPC e (ii) não admita a alteração ao pedido reconvencional deduzido pela Mylan, Teva e Zentiva, nos termos do disposto nos artigos 265.º, n.º 2 e 266.º, n.º 2 do CPC.”.
45.Concluímos, pois, que o despacho recorrido, após o devido cumprimento do contraditório, admitiu o articulado superveniente em toda a sua extensão, implicando uma alteração quer da causa de pedir, quer do pedido reconvencional.
46.Ora, a admitir-se a alteração simultânea da causa de pedir e do pedido reconvencional, nos termos supra descritos, forçoso é concluir que tal alteração não é admissível por implicar uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida, vedada pelo artigo 265.º, n.º 6, do Código de Processo Civil. Tal como alegam as Recorrentes:
Q) Nos presentes autos, a relação jurídica controvertida respeita tão somente ao direito de indemnização que emerge do Pedido de Patente à luz dos artigos 67.º da CPE e artigos 5.º e 80.º do CPI, por danos causados à Novartis por atos de violação desse mesmo Pedido de Patente, tudo por referência ao período que termina a 11 de outubro de 2022, e ao putativo direito de indemnização da Teva pelo eventual decretamento de medidas cautelares requeridas no Primeiro Procedimento Cautelar tendentes a salvaguardar essa indemnização peticionada pela Novartis.
R) No Segundo Procedimento Cautelar – cuja instauração é o único facto relevante invocado pela Teva - a relação jurídica controvertida respeita ao ius prohibendi que emerge de uma patente concedida (a EP 894), ao abrigo do disposto no artigo 102.º do CPI, e tem por referência os atos de violação dessa EP 894 praticados a partir do dia 12 de outubro de 2022.”.
47.Ou seja, ao ter admitido o articulado superveniente, tal como alegado pelas Recorrentes o tribunal a quo “ignorou as efetivas diferenças de natureza, finalidade e jurídico-factuais subjacentes ao Primeiro Procedimento Cautelar (que correu termos sob o nº 242/22.8YHLSB-A) e o Segundo Procedimento Cautelar (pendente sob o nº 67/23.3YHLSB), e o concreto objeto dos autos delimitado pela ação e reconvenção a que respeitam os presentes autos” (conclusão C).
48.Assim sendo, o recurso deve ser julgado procedente e revogado o despacho recorrido, com a consequente rejeição do articulado superveniente apresentado pela Teva.
**
I.DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, com a consequente rejeição do articulado superveniente apresentado pela Recorrida.
Custas pela Recorrida (artigo 527º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, e art. 4.º, n.º 1, al. b) do RCP).
Registe e notifique.
*


Lisboa, 22-04-2024


Alexandre Au-Yong Oliveira- (Relator)
Carlos M. G. de Melo Marinho- (1.º Adjunto)
Eleonora Viegas- (2.ª Adjunta)


[1]Dário Moura Vicente, Código de Propriedade Industrial Anotado, Almedina, 2021, p. 95.
[2]Dário Moura Vicente, oba e loc. cit.
[3]Pedro Sousa e Silva, “A Protecção Provisória no Direito Industrial”, in Revista de Direito Intelectual, n.º 01-2020, Almedina, 2020, p. 97.
[4]Pedro Sousa e Silva, obra cit., p. 98.
[5]Pedro Sousa e Silva, supra nota 3, p. 100.
[6]António Santos Abrantes Geraldes, Luís Filipe Pires de Sousa e Paulo Pimenta, “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, Almedina, 3.ª ed., 2023, p. 723.
[7]Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª ed., 1997, p. 299.
[8]Sempre se dirá, no entanto, que não foi a concessão da patente pelo IEP que determinou a extinção da instância da primeira providência cautelar, mas a desistência do pedido supra aludida em 16.
[9]Resulta dos autos n.º 242/22.8YHLSB que a continuação da audiência prévia ainda não foi realizada pelo tribunal a quo, tendo sido propostas para o efeito as datas de 13 e 27 de maio (despacho de
24-01-2024, ref.ª 556683).