Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4987/23.7T8LSB.L1-1
Relator: ISABEL FONSECA
Descritores: CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
DESTITUIÇÃO DE GERENTE
SUSPENSÃO DOS CORPOS GERENTES
DECISÃO SURPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Do regime fixado nos números 2 e 3 do art. 1055.º do CPC resulta que o requerente pode cumular a pretensão de destituição com um pedido de suspensão, assumindo este natureza cautelar; verifica-se, pois, um evidente paralelismo com o regime dos procedimentos cautelares no que diz respeito à relação entre o procedimento cautelar – leia-se, o pedido de suspensão – e a ação principal – isto é, o pedido de destituição –, afigurando-se que não é admissível a formulação de pedido (cautelar) de suspensão sem que, em simultâneo, se deduza pedido de destituição.
2. Tendo o tribunal proferido decisão cautelar de suspensão, prosseguindo depois os autos com a audição do requerido, tendo por objeto quer a providência cautelar requerida pela autora e já provisoriamente decretada, quer o pedido de destituição formulado, não podia o tribunal socorrer-se da prova (testemunhal) anteriormente produzida e que suportou o juízo formulado em sede cautelar, para a avaliar/ponderar também agora na perspetiva do julgamento de facto pertinente à decisão de destituição, sem previamente sinalizar essa intenção aos intervenientes, permitindo-lhes, perante essa concreta conformação da ação, adotar as soluções jurídicas que melhor se adequem aos respetivos interesses subjetivos, mormente o demandado, com vista a requerer, a esse propósito, o que tivesse por conveniente (cfr. o art. 516.º, n.º 2 do CPC), assim se salvaguardando o parâmetro constitucional da garantia do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4 da CRP).
3. Não o tendo feito, proferindo decisão final em que manteve a decisão cautelar e apreciou o pedido de destituição, julgando-o procedente, com base, essencialmente, nos factos que anteriormente havia dado por provados na decisão cautelar proferida sem audiência do requerido, motivando o julgamento de facto na ponderação global dos depoimentos prestados, incluindo, pois, as testemunhas inquiridas anteriormente, indicadas pelo autor, proferiu uma decisão surpresa, verificando-se a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC (vício de excesso de pronúncia).
4. Consequentemente, não podendo esta Relação proferir sentença substitutiva (art. 655.º do CPC), impõe-se a anulação da decisão recorrida, devendo prosseguir a audiência de julgamento, com o mesmo tribunal e aproveitando-se todos os atos já praticados, com vista a que seja dada a palavra ao requerido para, a propósito da prova testemunhal arrolada pelo autor e inquirida em momento anterior, exercer a respetiva instância, com vista a que tais testemunhas completem e/ou prestem os esclarecimentos pertinentes, nos termos do art. 516.º, n.º2 do CPC
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa  

I. RELATÓRIO
Ação
Processo especial de suspensão e destituição e titulares de órgãos sociais.
Autora/apelada
A Lda.
Réus
V Limitada;
MM (apelante).
Pedido
Conclui como segue:
“Nestes termos e nos demais de direito:
I. Deverá a presente ação ser julgada provada e procedente, devendo a final o 2.º Réu ser judicialmente destituído da gerência da sociedade 1.ª Ré “V Limitada”, nos termos do artigo 257.º, n.º 5 do CSC, com as devidas consequências legais. 
II. Mais se requer que, como medida cautelar e antecipatória da referida decisão, o 2.º Réu seja imediatamente suspenso da gerência da referida sociedade, ficando impedido de exercer quaisquer funções inerentes ao cargo de gerente e consequentemente, seja condenado a: 
a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Ré;
b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Ré é titular;
c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Ré, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros;
d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Ré;
e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Ré”. 
Causa de pedir
O 2.º requerido, que é gerente da 1ª Requerida, efetuou transferências de dinheiro da conta da sociedade para a sua conta pessoal sem justificação, o que constitui uma violação grave e reiterada dos deveres de gerente, revela a sua incapacidade para o exercício normal das funções inerentes ao aludido cargo, uma vez que tais atos colocam em causa a prossecução da normal atividade da sociedade, e determina a quebra definitiva da relação de confiança entre aquele, a referida sociedade 1.ª Requerida, e a Requerente.
Decisão cautelar
Por decisão proferida em 10.03.2023, e após inquirição de testemunhas [ [1] ], foi determinada a imediata suspensão das funções de gerente do 2.º Requerido na sociedade requerida, sem a sua prévia audição, devendo o mesmo:
a) Entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Requerida;
b) Entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Requerida é titular;
c) Abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Requerida, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros;
d) Abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Requerida;
e) Abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida.  
A autora juntou aos autos comprovativo de registo da decisão proferida.
Oposição
Citado [ [2] ], o 2.º Requerido deduziu oposição; impugna o alegado pela Requerente afirmando, em síntese, ser o gestor da Requerida e ter efetuado a transferência bancária para salvaguardar o património da sociedade, posto em causa pelos demais gerentes, assegurando que a sociedade continuaria com capacidade financeira para prosseguir a sua atividade comercial.
Conclui como segue:
“Termos em que se requer a V, Exa. se digne deferir a presente oposição, substituindo-se a sentença proferida nos presentes autos por decisão absolutória. E, caso seja o presente articulado admitido como contestação à ação principal, ser a acção julgada improcedente por não provada e assim, o Requerido ser absolvido do pedido”.
Formula requerimento probatório, arrolando prova testemunhal.
Litigância de má-fé
A Requerente, notificada da defesa apresentada pelo 2.º Requerido, veio requerer a condenação deste como litigante de má-fé, requerimento que foi objeto de resposta por parte do 2.º Requerido.
Decisão recorrida
Proferido o despacho de 30-06-2023 [ [3] ], realizou-se audiência de discussão e julgamento, em 02-10-2023 [ [4] ], após o que proferida sentença, em 03-11-2023, com o seguinte segmento dispositivo:
“Face ao exposto, julga-se improcedente, por não provada, a oposição deduzida pelo 2.º Requerido e, consequentemente, mantém-se a decisão de suspensão das funções de gerente de M M na sociedade V Limitada, devendo o mesmo:
a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Requerida;
b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Requerida é titular;
c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Requerida, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros;
d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Requerida;
e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida.
Julgo procedente, por provada, a ação especial de destituição de titular de órgão social e, consequentemente, determino a destituição do Requerido MM do exercício das funções de gerente da sociedade V Limitada.
Custas pelo 2.º Requerido, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, tendo em atenção o disposto no artigo 539.º do mesmo diploma.
Registe e Notifique”.
Recurso
Não se conformando, o 2.º requerido apelou, formulando a seguintes conclusões:
“i. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos presentes autos a 3 de novembro de 2023 pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 3, que manteve a suspensão do ora Recorrente das funções de gerente da sociedade V Lda., devendo o mesmo (a) entregar as chaves de acesso às instalações da sociedade 1.ª Requerida; (b) entregar os códigos e cartões de acesso e movimentação das contas bancárias de que a sociedade 1.ª Requerida é titular; (c) abster-se de praticar quaisquer atos em representação da sociedade 1.ª Requerida, designadamente, movimentação das contas bancárias da sociedade, encomendas, compras, vendas, pagamentos e outros; (d) abster-se de assumir quaisquer compromissos ou obrigações em nome da sociedade 1.ª Requerida; (e) abster-se de entrar e/ou permanecer nas instalações da sociedade 1.ª Requerida;
ii. Mais julgou a decisão ora recorrida procedente, por provada, a ação de destituição de destituição de titular de órgão social e, consequentemente, determinou a destituição do ora Recorrente do exercício das funções de gerente da sociedade V Lda.;
iii. A decisão recorrida enferma, antes de mais, de nulidades processuais ínsitas na valoração, a final, de prova produzida com preterição do contraditório prévio, prova essa que, por ter sido valorada na formação da decisão final, inquina a mesma com o desvalor da nulidade;
iv. E, caso assim não se entenda, o que não se concede, a decisão recorrida enferma de graves erros na decisão quanto à matéria de facto que culminam inelutavelmente numa errónea aplicação do Direito, impondo-se, por conseguinte e enquanto elementar dever de Justiça, a sua substituição;
v. Verifica-se que o Digníssimo Tribunal a quo considerou os pontos 1 a 20 e 23 dos factos considerados provados com base na pretensa inexistência de prova que afaste a prova indiciária com base na qual foi proferida a sentença de 10 de março de 2023 que determinou a suspensão do Recorrente da gerência da V Lda. (cfr. ref.ª 42397662 do p.e.);
vi. Ou seja, ainda que o Digníssimo Tribunal a quo afirme, no início da motivação da decisão de facto, que baseou a sua convicção na análise crítica dos documentos juntos aos autos [e] dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas”, acaba, de seguida, por reconhecer que considerou provada a maioria da matéria de facto pelo facto de a prova produzida após a prolação da sentença supracitada não ter afastado a prova indiciária então oportunamente realizada;
vii. Quer isto dizer que foi valorada para a formação da decisão final prova produzida com vista à prolação da decisão do pedido cautelar de suspensão, o qual é tramitado nos próprios autos, nos termos do art.º 1055.º, n.º 2, do CPC, onerando-se, por outro lado, o Recorrente com o afastamento da prova indiciária no plano da decisão do pedido – definitivo – de destituição, o que viola a regra geral do art.º 364.º, n.º 4, do CPC, a qual se reputa aplicável a fortiori ao caso vertente;
viii. Incorre o Digníssimo Tribunal a quo, quando valora prova indiciária produzida com vista à decisão do pedido cautelar de suspensão na formação da sua convicção relativamente ao pedido – definitivo – de destituição, no vício do excesso de pronúncia, porquanto conhece de matérias cujo conhecimento lhe era, desde logo, vedado, enfermando, desta forma, a decisão recorrida do desvalor da nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do
CPC; ix. Caso assim não se entenda, cumpre notar que as testemunhas inquiridas na diligência de 10 de março de 2023 não foram disponibilizadas ao Recorrente para que o mesmo pudesse impugnar a sua admissão, nos termos do art.º 514.º do CPC, bem como para lhes formular os pedidos de esclarecimento que entendesse por bem, nos termos do art.º 516.º, n.º 2, do CPC;
x. Tudo isto quando, nos termos do art.º 415.º, n.º 1, do CPC, não são admitidas nem produzidas provas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas, competindo ao Digníssimo Tribunal a quo, nos termos do art.º 3.º, n.º 3, do CPC, assegurar a possibilidade de exercício do contraditório, o que não sucedeu, devendo, aliás, atendendo à inutilidade da prova produzida em sede de apreciação do pedido cautelar para a decisão da ação definitiva, nos termos do art.º 364.º, n.º 4, do CPC, ter-se procedido à renovação dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Recorrida;
xi. Caso assim não se entenda, o que não se concede, deveria, ao menos, o Digníssimo Tribunal a quo ter procedido oficiosamente à notificação das testemunhas oferecidas pela Recorrida para que as mesmas ficassem à disposição do Recorrente para que o mesmo pudesse, em relação a elas, exercer os direitos que são facultados à parte contra a quem a prova testemunhal é oferecida;
xii. Não sucedendo tal iniciativa, ficou comprometida à igualdade de armas consagrada no art.º 4.º do CPC, o que inquina não só a decisão quanto ao pedido definitivo de destituição do Recorrente da gerência, como ainda a decisão quanto ao próprio pedido cautelar, uma vez que , citado o Requerido e deduzida oposição pelo mesmo, é imperativo realizar-se audiência contraditória;
xiii. Valorando, pois, o Digníssimo Tribunal a quo, para a formação da sua decisão final – referente tanto à destituição como à suspensão da gerência, prova produzida com violação do contraditório, cai-se novamente na nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, nulidade essa que se volta a arguir para os devidos efeitos, sendo destarte nula a sentença;
xiv. Caso assim não se entenda, cumpre proceder-se, desde logo, à impugnação da decisão quanto à matéria de facto, indo, desde logo, impugnada a decisão feita pelo Digníssimo Tribunal a quo quanto aos pontos 5, 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos considerados provados e aos pontos C, D e E dos pontos considerados não provados;
xv. Quanto ao ponto 5 dos factos provados, importa notar que o facto de o Recorrente se deslocar amiúde para o exterior não contende com o facto de ser este o responsável máximo pela Sociedade e que se preocupe em permanência com a mesma, sendo, aliás, certo que o Recorrente nunca esteve mais do que três ou quatro meses seguidos no estrangeiro, o que decorre do depoimento da testemunha MH e que se encontra gravado nos minutos 00:20:50 a 00:22:10;
xvi. Deve, pois, ser reformado o ponto 5 dos factos provados para: “O 2.º Requerido, ainda que realizasse várias viagens ao estrangeiro, nunca deixou de controlar a sociedade 1.ª Requerida”;
xvii. Quanto ao ponto 7 dos factos provados, cumpre notar que inexistem elementos carreados para os autos que permitam substanciar tal alegação realizada pela Recorrida em sede de petição inicial e que permitam, pois, dar-se tal facto como provado;
xviii. Deve, portanto, o ponto 7 dos factos provados ser dado como não provado;
xix. Quanto ao ponto 9 dos factos provados, é de se reter que o Documento n.º 2 junto à petição inicial elenca, no rol de “trabalhadores” um total de 46 nomes nos quais se incluem o Recorrente e os gerentes Exmos. Senhores MM e A H;
xx. Não sendo – nem podendo ser – os gerentes trabalhadores subordinados da Sociedade, impõe-se concluir que a Sociedade apenas tem, na realidade, 43 funcionários;
xxi. Deve, por conseguinte, ser reformado o ponto 9 dos factos provados para “A sociedade 1.ª Requerida tem ao seu serviço 43 funcionários”;
xxii. Quanto ao ponto 10 dos factos provados, deve ter-se em consideração que decorre do documento a ref.ª 423976989 do p.e. que a Sociedade despendeu a 23 de fevereiro de 2023 o montante 31.683,42 € (trinta e um mil, seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e dois cêntimos) em vencimentos;
xxiii. Deve destarte o ponto 10 dos factos provados ser reformado para “A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de Impostos, salários e a fornecedores, tendo pago, no final do mês de fevereiro, o montante de 31.683,42 € (trinta e um mil, seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e dois cêntimos)”;
xxiv. Quanto ao ponto 12 dos factos provados, é de se notar que o Recorrente viu serem levantados obstáculos à movimentação da conta da Sociedade domiciliada no BCP, sendo-lhe denegado, por determinação dos Exmos. Senhores M M e AH, o acesso até a um simples extrato de conta, para o qual lhe era exigido o consentimento dos demais gerentes (cfr. depoimento da testemunha MH e que se encontra gravado nos minutos 00:40:36 a 00:42:53);
xxv. Deve, por este motivo, ser reformado o ponto 12 dos factos provados para: “A conta bancária no Banco BPI podia ser movimentada por qualquer dos gerentes, enquanto que a conta no BCP não podia ser livremente movimentada pelo 2.º Requerido”;
xxvi. Quanto ao ponto 14 dos factos provados, há que notar que o valor aí identificado corresponde tão-só ao saldo existente no Banco BPI (cfr. documento a ref.ª 423967989 do p.e.), enquanto que, a 15 de fevereiro de 2023, existia, na conta domiciliada no BCP, um saldo de 825.520,46 € (oitocentos e vinte e cinco mil, quinhentos e vinte euros e quarenta e seis cêntimos) – cfr. documento junto a ref.ª 423967980 do p.e.;
xxvii. Deve, portanto, reformar-se o ponto 14 dos factos provados da seguinte forma: “Com tal transferência a conta bancária da 1.ª Requerida domiciliada no Banco BPI ficou com um saldo de € 18.115,64, tendo a conta bancária domiciliada no BCP, a essa data, um saldo de € 825.520,46.”
xxviii. Quanto ao ponto 15 dos factos considerados provados, impõe-se, nos termos do art.º 614.º, n.º 2, do CPC, proceder à retificação de lapsos textuais nesse ponto, devendo o mesmo passar a ficar formulado da seguinte forma: “No dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido deslocou-se ao balcão de Telheiras do BCP S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 825.000,00 existente na conta bancária da 1.ª Requerida com o IBAN PT… que a sociedade tem neste Banco”.
xxix. Quanto ao ponto 16 dos factos provados, é de se notar que a transferência que o Recorrente tentou realizar a partir da conta do BCP foi bloqueada por iniciativa dos gerentes Exmos. Senhores MM e AH, que diligenciaram telefónica e presencialmente nesse sentido (cfr. depoimento da testemunha MH que se encontra gravado nos minutos 00:40:41 a 00:41:15);
xxx. Deve, portanto, o ponto 16 dos factos provados ser reformado para: “Tal tentativa de transferência não se realizou porque os outros gerentes da sociedade 1.ª Requerida, Exmos. Senhores MM e AH, deram instruções ao BCP para proceder ao bloqueio da transferência”.
xxxi. Quanto ao ponto 19 dos factos provados e ao ponto E dos factos não provados, há que reter que o Recorrente procedeu à retirada dos fundos da Sociedade em consequência de os Exmos. Senhores MM e AH terem ingressado na estrutura de capital da sociedade – por intermédio da Recorrida – mediante à falsificação de atos societários;
xxxii. Tais falsificações, levaram a ações criminais contra os mesmos em 2015 e 2016 que cessaram após promessas de que iriam retificar a situação em relação ao Recorrente;
xxxiii. No final de 2022, sucedeu, porém, que, não tendo a situação sido resolvida, os Exmos. Senhores MM e AH continuavam a apropriar-se de fundos da Sociedade, negando ao Recorrente o acesso aos elementos contabilísticos e financeiros da Sociedade, o que levou o Recorrente a ter que retirar as quantias em causa para salvaguardar o património da Sociedade (cfr. depoimento da testemunha MH que se encontra gravado nos minutos 00:26:55 a 00:34:10);
xxxiv.   Deve, portanto, o Venerando Tribunal ad quem dar como provado o ponto E dos factos não provados e dar como não provado o ponto 19 dos factos provados;
xxxv. Quanto ao ponto 20 dos factos provados, o mesmo enferma de erros textuais que reclamam a sua retificação nos termos do art.º 614.º, n.º 2, do CPC, devendo do mesmo passar a constar o seguinte: “O 2.º Requerido não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três sociedades das quais é gerente (Sociedade C Lda., CF Lda., Sociedade I Lda.), num valor total de € 720.000,00”;
xxxvi. Quanto ao ponto 21 dos factos provados, encontram-se outrossim erros textuais que carecem de retificação, devendo o mesmo ser reformado para: “A conta pessoal do 2.º Requerido para onde foram transferidas as diversas quantias, domiciliada no BPI com o n.º …-001, tinha em 15.08.2023 um saldo de € 681.595,54 e em 15.09.2023 um saldo de € 677.680,53”.
xxxvii.  Quanto ao ponto 22 dos factos considerados provados, importa notar que o montante retirado da Sociedade se encontra arrestado por decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 7, no processo n.º 11283/23.8T8LSB, facto esse carreado para os autos nos artigos 3.º e 4.º do requerimento a ref.ª 37099250 do p.e. e confessado pela Recorrida em requerimento ditado para a ata da audiência de 2 de outubro de 2023 (cfr. ref.ª 429079269 do p.e.), confissão essa que se aceita para os efeitos dos artigos 46.º e 465.º do CPC;
xxxviii. Deve, pois, o ponto 22 dos factos provados ser reformado nos termos seguintes: “Durante esse período de 30 dias o montante retirado da 1.ª Requerida encontrava-se arrestado por decisão proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio de Lisboa, Juiz 7, no processo n.º 11283/23.8T8LSB, não ocorrido quaisquer movimentos”;
xxxix.  Quanto ao ponto 23 dos factos provados, deve, em primeira mão, notar-se que a Sociedade explora hotel no centro de Lisboa (cfr. ponto 8 dos factos provados), em altura de pico de turismo, sendo, pois, a faturação da Sociedade mais do que suficiente para cobrir as despesas da mesma e obviar qualquer risco de insolvência da Sociedade;
xl. A Sociedade fatura, pelo menos, 10.000,00 € (dez mil euros) por dia, sendo certo que, caso a transferência a que o ponto 15 dos factos provados se refere se tivesse realizado, a Sociedade teria tido receitas suficientes no resto do mês para conseguir cumprir pontualmente com as suas obrigações, sendo certo que, caso fosse necessário, o próprio Recorrente providenciaria pelo pagamento de tais despesas (cfr. depoimento da testemunha MH que se encontra gravado nos minutos 00:35:30 a 00:37:56);
xli. Compulsados os extratos de conta carreados para os autos, verifica-se que a Sociedade teve, entre 16 de fevereiro de 2023 e o final desse mês, ingressos nas suas contas bancárias oriundos de pagamentos em terminais de pagamento automático, de transferências de agentes de viagens e de pagamentos em numerário num total de 132.712,92 € (cento e trinta e dois mil, setecentos e doze euros e noventa e dois cêntimos) – cfr. documentos a ref.as 423967980 e 42396798 do p.e.);
xlii. É, pois, evidente que as receitas operacionais do mês de fevereiro – o qual é, recorde-se, época baixa – são mais do que suficientes para assegurar o cumprimento de todas as obrigações a cargo da Sociedade, motivo pelo qual o ponto 23 dos factos provados deve ser dado como não provado pelo Venerando Tribunal ad quem;
xliii. Quanto ao ponto C dos factos não provados, deve ter-se em consideração que o Recorrente passou tão-só a gestão do quotidiano para o Exmo. Senhor MM (cfr. depoimento da testemunha MH e que se encontra gravado entre os minutos 00:11:55 a 00:12:55, 00:14:14 a 00:14:40 e 00:20:55 a 00:21:50), motivo pelo qual deve ser tal ponto da matéria de facto dado como provado;
xliv. Quanto ao ponto D dos factos não provados, importa atentar que era o Recorrente quem tomava as decisões estratégicas relativas à Sociedade (cfr. depoimento da testemunha MH e que se encontra gravado entre os minutos 00:11:55 a 00:12:55, 00:14:14 a 00:14:40 e 00:20:55 a 00:21:50), motivo pelo qual deve ser tal ponto da matéria de facto dado como provado;
xlv. Decorre do exposto supra que o Recorrente procedeu à retirada de fundos da conta da Sociedade com o intuito de proteger o património da mesma, proteção essa que se revela necessária em face do facto dos Exmos. Senhores MM e AH desconsiderarem gravosamente a separação de patrimónios entre Sociedade e sócios;
xlvi. E, bem assim, o facto de terem os mesmos adquirido controlo sobre as sociedades familiares no seguimento de deliberações sociais realizadas com recurso à falsificação da assinatura do Recorrente, o que, aliado à gestão ruinosa praticada pelos mesmos, compromete irreversivelmente qualquer relação de confiança entre o Recorrente e os Exmos. Senhores MM e AH;
xlvii. E é tal facto agravado pelo impedimento reiterado, imposto pelos Exmos. Senhores MM e AH, do acesso do Recorrente à contabilidade e às contas bancárias da Sociedade, consubstanciando evicção do mesmo da gerência;
xlviii. Um gerente que impede a gerência de outro gerente não é, pois, apto a exercer tais funções e não é, portanto, merecedor da confiança necessária para o exercício das suas funções;
xlix. É, pois, aos sócios a quem compete nomear e exonerar gerentes e não é a estes últimos a quem compete, por vias alternativas, coartar os poderes que os sócios lhes entenderam atribuir;
l. Não é razoavelmente exigível que o Recorrente deixasse a almofada financeira da Sociedade ao alcance de pessoas que, desconsiderando o património social, adquiriram o controlo das mesmas em circunstâncias de cuja estranheza não poderiam deixar de suspeitar;
li. Corresponde ao interesse objetivo de a Sociedade assegurar que as suas reservas financeiras são colocadas fora do alcance de gerentes que se revelaram, salvo o devido respeito, indignos de serem depositários da confiança da Sociedade e dos seus sócios, sendo este outrossim o interesse de longo prazo dos sócios, bem como o dos credores e trabalhadores da Sociedade;
lii. Os fundos foram retirados para conta pessoal enquanto solução de recurso porquanto a abertura de outra conta em nome da Sociedade possibilitaria o acesso à mesma por parte dos Exmos. Senhores MMe AH;
liii. A situação em causa nos presentes autos é como aquela do gerente que, sabendo que é bastante elevado o risco de existir um assalto às instalações da sociedade, retira do cofre da mesma os montantes nela existentes e os leva para lugar apenas ao seu alcance, retirando, assim, a possibilidade aos assaltantes de se locupletarem com tais valores;
liv. A conduta reiterada pelos Exmos. Senhores MM e AH releva pois, mau grado não serem partes nos presentes autos, porquanto inevitabilizou o recurso à retirada dos fundos para proteger a Sociedade;
lv. Optou o Recorrente por não lançar mão dos meios jurisdicionais porquanto é prefere o mesmo, fruto da sua cultura, resolver os problemas entre pessoas adultas e não com o recurso a tribunais e porque são os Exmos. Senhores MM e AH seus filhos; l
vi. A lealdade para com a Sociedade implica, por vezes, em situações como o caso vertente, que se tomem providências inusitadas porquanto o mundo dos negócios, maxime dos negócios familiares, nem sempre é retilíneo como o pensamento legislativo pautado pela abstração e pelo recurso a figuras paradigmáticas;
lvii. Não houve qualquer ato de apropriação, até porque, segundo a própria admissão do Recorrente nos autos, o dinheiro pertence à Sociedade e permanece ao dispor da mesma e das suas necessidades;
lviii. Foi, pois, o Recorrente leal na sua atuação para os efeitos do art.º 64.º, n.º 1, alínea b), do CSC;
lix. O gestor criterioso e ordenado que age lealmente para com a Sociedade procura as soluções mais eficazes para a resolução dos problemas da mesma, o que implica, naturalmente, que, tratando-se o problema em causa do perigo iminente de delapidação do património da Sociedade, se tomem providências imediatas, o que implicou, no caso vertente, proceder-se à retirada dos fundos até porque o recurso aos Tribunais implica uma demora que não se compadece com a urgência na resposta reclamada pela situação em apreço;
lx. O Recorrente, assim, ao retirar os fundos para a sua conta pessoal, solucionou o problema de forma manifestamente mais célere do que qualquer outra que se possa admitir, tendo, portanto, sido cuidadoso na aceção do art.º 64.º, n.º 1, alínea a), do CSC;
lxi. A retirada dos fundos da conta da Sociedade foi necessária para a proteção do património da mesma ou, pelo menos, conveniente para tais fins, sendo, portanto, o ato praticado dentro da competência que é legalmente conferida ao Recorrente pelo art.º 259.º do CSC, não se encontrando carecida de deliberação social para o efeito;
lxii. Entendeu o Digníssimo Tribunal a quo que a transferência realizada “teve direta repercussão no funcionamento da Sociedade, prejudicando o seu normal funcionamento e o cumprimento das obrigações diárias decorrentes do exercício da sua atividade comercial”;
lxiii. O que não corresponde, contudo, à verdade porquanto a Sociedade teve receitas operacionais não inferiores a 132.712,92 € (cento e trinta e dois mil, setecentos e doze euros e noventa e dois cêntimos) no período entre os factos objeto dos presentes autos e o final do mês de fevereiro de 2023 – isto, retenha-se, em época baixa;
lxiv. Quando, por exemplo, o valor despendido nesse mês com salários foi de 31.683,42 € (trinta e um mil, seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e dois cêntimos);
lxv. Não foi, pois, comprometida nem o funcionamento nem muito menos a viabilidade da Sociedade com a atuação do Recorrente, até porque o mesmo se disponibilizou a providenciar pelo pagamento das despesas da Sociedade;
lxvi. As receitas correntes da Sociedade permitem, aliás, o cumprimento da totalidade das suas obrigações e, no final do exercício, a distribuição de um generoso dividendo a distribuir pelos sócios, chocando, aliás, que se considere que uma sociedade que explora hotel no centro de Lisboa possa ficar comprometida nestes moldes;
lxvii. Os montantes retirados eram, pois, reserva da Sociedade que representava liquidez não necessária no curto, no médio e até no longo prazo, sendo evidente a má gestão levada a cabo pelos Exmos. Senhores MM e AH quando não deixam tão avultada quantia à ordem e não a rentabilizam;
lxviii. A destituição judicial de gerente depende, nos termos do art.º 257.º, n.º 4, do CSC, de justa causa, a qual corresponde, segundo o que é comumente entendido pela doutrina e pela jurisprudência, à inexigibilidade ex bona fide de manutenção da relação entre a sociedade e o gerente;
lxix. Ora, o Recorrente agiu, como visto, plenamente em conformidade com os deveres funcionais aos quais estava adstrito e dentro das competências de que legalmente dispõe;
lxx. Inexistem, pois, fundamentos para uma qualquer quebra de confiança da Sociedade no Recorrente e que, por esse motivo, tornem inexigível a continuação do exercício de funções;
lxxi. É, portanto, improcedente tanto o pedido de destituição como, por conseguinte, o pedido cautelar de suspensão do Recorrente, impondo-se, portanto, substituir a decisão recorrida por decisão que absolva o Recorrente dos pedidos contra o mesmo deduzidos pela Recorrida;
lxxii. Caso assim não se entenda, o que apenas a benefício de raciocínio se admite, cumpre notar que a decisão recorrida impõe, na parte referente à suspensão, que o Recorrente se abstenha de entrar ou permanecer nas instalações da Sociedade;
lxxiii. Nota-se, desde logo, que a Sociedade explora o Hotel B (cfr. ponto 8 dos factos provados), o qual se encontra aberto ao público, não se justificando destarte a imposição de restrições de acesso do Recorrente ao mesmo quando todo o público interessado pode a ele aceder;
lxxiv. Há que reter ainda que existem inúmeros direitos sociais dos quais o Recorrente é titular (cfr. ponto 4.a. dos factos provados) e cujo exercício deve ser feito na sede, como o direito a participar nas assembleias gerais, nos termos do art.º 377.º, n.º 6, aplicável ex vi art.º 248.º, n.º 1, ambos do CSC, o qual não pode, de modo algum, ser restringido, nos termos do art.º 248.º, n.º 5, do CSC, o direito de consulta das informações preparatórias da assembleia geral, nos termos do art.º 289.º, n.º 1, aplicável ex vi art.º 248.º, n.º 1, ambos do CSC;
lxxv. E ainda o direito à consulta da escrituração, livros e documentos da Sociedade, o qual deverá ser feito, nos termos do art.º 214.º, n.º 1, do CSC, na sua sede social;
lxxvi. Não é admissível que se utilizem os presentes autos – de destituição de gerente, note-se – para coartar a posição jurídica do Recorrente enquanto sócio, motivo pelo qual, caso o Venerando Tribunal ad quem confirme a decisão proferida em primeira instância, deverá, ao menos, retirar do dispositivo do acórdão a proferir o impedimento do Recorrente aceder à sede social sita no Hotel B.
lxxvii. O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa reconheceu, em acórdão proferido a 31 de outubro de 2023 no processo n.º 4984/23.2T8LSB.L1 a incindibilidade do acesso à sede do exercício de certos direitos sociais, sendo, contudo, em face do facto de a sede social ser hotel aberto ao público, possível ir-se mais longe, permitindo ao Recorrente utilizar os serviços do hotel em condições de igualdade com o público em geral.
Termos em que V. Exas. darão provimento ao presente recurso, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!”
A autora apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:
“1.ª O presente recurso está votado à improcedência, uma vez que a sentença sub judice não padece das nulidades nem dos erros imputados pelo Recorrente, tendo o Tribunal a quo bem decidido – de facto e de direito – ao manter a medida cautelar e ao julgar a ação procedente, tendo proferido a única decisão possível em face da prova produzida nos autos e do quadro legal aplicável ao litígio.
 2.ª O que se constata, no presente recurso, é que se mantêm plenamente atuais e válidos os fundamentos – de facto e de direito – que alicerçaram a decisão do Tribunal de Primeira Instância, sendo evidente que o Recorrente considera legítimo atuar à margem da lei e na prossecução de interesses pessoais, que claramente são contrários e lesivos do interesse da Sociedade da qual era gerente.
 3.ª A invocação, no presente momento, de alegadas nulidades consubstancia uma manifesta violação do princípio da cooperação das partes, uma vez que as mesmas, a terem-se verificado ao longo do processo, deveriam ter sido invocadas em momento muito anterior ao presente, de forma a serem reparadas e evitando - em caso de procedência - a prática de atos inúteis.
 4.ª Quanto à alegada apreciação de prova produzida com preterição do contraditório é manifestamente extemporânea qualquer arguição de nulidade quanto a este aspeto (cf. artigo 199.º do CPC), uma vez que o Recorrente bem sabia – tendo-o inclusivamente admitido e solicitado em sede de Oposição – que nos presentes autos se iria decidir o pedido de suspensão e o pedido de destituição em simultâneo.  
 5.ª Ao contrário do sufragado pelo Recorrente, não só não se verifica qualquer nulidade como foi assegurado ao longo do processo a igualdade de armas e todas as garantias de contraditório, improcedendo esta parte do Recurso.
 6.ª Estava ao dispor do Recorrente poder solicitar ao Tribunal que notificasse as testemunhas indicadas pela Recorrida para lhes colocar os pedidos de esclarecimentos que entendesse necessários (realçando-se, em todo o caso, que o Recorrente, notificado da decisão cautelar, optou por apresentar oposição ao invés de interpor recurso da mesma, o que indicia que não pretendia atacar a factualidade já provada nos autos, nem requerer a renovação da prova – cf. artigos 372.º e 662.º, n.º 2 do CPC) ou tinha o mesmo a faculdade de poder arrolar no seu articulado as referidas testemunhas para lhes fazer instâncias e colocar todas as questões que entendesse pertinentes para a decisão da causa. 
 7.ª O Recorrente, consciente que ambos os pedidos seriam tramitados em simultâneo, nunca manifestou, seja para efeitos de oposição ao procedimento cautelar, seja para efeitos de contestação à ação principal, qualquer intenção de solicitar esclarecimentos às referidas testemunhas, nem as arrolou no seu Rol, conforme poderia fazer. 
 8.ª A lei admite e a forma de processo também, nos casos de cumulação do pedido de destituição com o pedido de suspensão do exercício de funções, que os dois pedidos sejam apreciados, a final - ao abrigo dos princípios da celeridade, da gestão processual, da economia processual e para a boa decisão da causa - em simultâneo, nada obstando – antes pelo contrário – a que os meios de prova produzidos em sede de procedimento cautelar sejam tomados em consideração no julgamento e fixação da matéria de facto a provar a final.
 9.ª Face àquele que é o objeto do litígio da presente ação (de suspensão e destituição do Recorrente do exercício das funções de gerente da Sociedade V Lda.), cumpre realçar que bem andou o Tribunal recorrido ao ter decidido como decidiu, uma vez que a factualidade que foi dada como não escrita é irrelevante para o thema decidendum dos presentes autos.  
 10.ª Nas suas alegações de recurso, o Recorrente insurge-se contra a decisão de facto que foi proferida pelo Tribunal a quo, sufragando que a mesma “enferma de graves erros na decisão” e pugnando, a final, pela alteração da resposta dada aos pontos 5, 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos provados e pela inclusão dos pontos C., D. e E. na factualidade assente (cf. alegações de recurso). 
 11.ª A factualidade do Ponto 5 dos Factos Provados, resulta dos depoimentos das testemunhas AV (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 03:07 e fim ao minuto 05:01, início ao minuto 07:23 e fim ao minuto 07:56 do referido depoimento e início ao minuto 25:29 e fim ao minuto 25:50 do referido depoimento) e AM (cf. depoimento e ainda início ao minuto 00:37 e fim ao minuto 02:04 e início ao minuto 10:07 e fim ao minuto 11:01 do referido depoimento), que referiram que o Recorrente esteve ausente da gestão das Sociedades nos últimos 20 anos, tendo estado inclusive ausente do país, sendo que este, como resulta do depoimento da Testemunha AM, nunca contactou com a gestora de conta durante o período em que esta começou a gerir as referidas contas, não tendo sido produzida qualquer prova em sentido contrário pelo Recorrente, nem em audiência de julgamento, nem em qualquer outro momento processual nos presentes autos, devendo manter-se o ponto 5 dos factos provados, e em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xv. a xvi. das alegações de recurso do Recorrente.    
 12.ª A factualidade constante do Ponto 7 dos Factos Provados, resulta dos depoimentos das testemunhas MV (cf. depoimento cujos excertos têm início ao minuto 09:09 e fim ao minuto 10:08  e início ao minuto 26:11 e fim ao minuto 26:30 do referido depoimento) e A M (cf. depoimento da de 09-03-2023 14:07:51 a 14:36:18, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 12:51 e fim ao minuto 13:22 do referido depoimento), resultando dos referidos depoimentos que  já anteriormente o Requerido tinha praticado atos que tinham prejudicado a Sociedade V Limitada, tendo, para tanto, os funcionários da sociedade ido ao banco para receber os salários e que que os demais gerentes não tinham denunciado até então devido à relação familiar entre a gerência, pelo que deverão as conclusões xvii. e xviii. ser consideradas improcedentes, e, em consequência, ser mantida a sentença recorrida. 
 13.ª A factualidade constante do Ponto 9 dos Factos provados, resulta entre outros, do Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, sendo de realçar que a factualidade concreta que o mesmo se destina a provar (número de funcionários que trabalham na Sociedade, artigo 11.º do r.i. e ponto 9 dos factos provados na sentença proferida a 10 de março de 2023) não foi impugnada em sede de oposição pelo Recorrente.
14.ª Assim, não tendo tal factualidade sido especificamente impugnada pelo Recorrente (nada tendo sido oportunamente alegado quanto ao valor dos vencimentos a pagar), deve a mesma ser considerada aceite pelas partes, resultando ainda tal factualidade do depoimento da testemunha  MV, devendo este Douto Tribunal considerar improcedentes as conclusões xix. a xxi. das alegações de recurso do Recorrente.
15.ª A factualidade constante do Ponto 10 dos Factos Provados, resulta do Documento n.º 2 junto com o requerimento inicial, sendo de realçar que a factualidade concreta que o mesmo se destina a provar (valor dos vencimentos alegada no artigo 12.º do r.i. e constante no ponto 10 da sentença proferida a 10 de março de 2023) não foi impugnada em sede de oposição pelo Recorrente.
16.ª Além do mais, resulta ainda da oposição do Recorrente que o mesmo não exerceu qualquer contraditório quanto à admissibilidade e força probatória do documento n.º2, pelo que nada obsta a que o mesmo, por ser idóneo para a prova do facto alegado, seja tomado em consideração pelo Tribunal, uma vez que do mesmo resulta, expressamente, a factualidade a provar.
17.ª O extrato bancário compulsado nos autos com a Ref.ª 423976989 que o Recorrente utiliza para contestar o pagamento de salários no valor de 44.000,00 euros apenas serve para comprovar os pagamentos efetuados e não os montantes que são efetivamente devidos a título de vencimento aos trabalhadores da sociedade.   
18.ª Ora, não tendo o Recorrente à data da sua oposição exercido o contraditório relativamente à admissibilidade e força probatória do documento, este faz prova plena, não podendo agora vir em sede de recurso, momento processual este que não é o próprio para impugnação de documentos, peticionar a reforma de um facto provado com base nesse documento, além de tal resultar do depoimento da testemunha AV, pelo que, em face do exposto, deverá manter-se inalterado o ponto 10 dos factos provados, devendo este Douto Tribunal considerar improcedentes as conclusões xxii. a xxiii. das alegações de recurso do Recorrente.
 19.ª A factualidade constante do Ponto 12 dos Factos Provados, de que as contas bancárias da Sociedade podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes, resulta, entre outros, da certidão permanente da sociedade V…, Limitada., do depoimento das testemunhas AV e AM e dos extratos do saldo da conta existente no Banco BPI e extrato da conta existente no Banco M BCP, juntos na sessão de inquirição de testemunhas de 09 de março de 2023, refs.ª 423967989 e 423967980.
 20.ª Aliás, a demonstração de que o Recorrente tinha poderes para movimentar as contas em causa resulta ainda da restante factualidade provada nos autos, nomeadamente, da constante dos pontos 13 e 15 a 18 da sentença, da qual resulta a transferência operada pelo Recorrente da conta domiciliada no Banco BPI e a tentativa de transferência da conta do BCP, a qual apenas não foi realizada por ter sido, em face das circunstâncias do caso, impedida.
 21.ª Destes depoimentos e da prova carreada para os autos junto com o r.i., conclui-se que a realização das operações bancárias pelo Recorrente e a tentativa da realização de transferência, bem como o constante da certidão permanente da sociedade que refere que a sociedade se obriga através da assinatura de um gerente, demonstram que o Recorrente tinha poderes para movimentar as contas da sociedade sozinho, devendo como tal, manter-se inalterado o ponto 12 dos factos provados, e em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxiv. a xxv. das alegações de recurso do Recorrente.
 22.ª A factualidade constante do Ponto 14 dos Factos Provados resulta do depoimento da testemunha AV (cf. depoimento de 09-03-2023 14:07:51 a 14:36:18, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 12:15 e fim ao minuto 12:45 do referido depoimento) e do extrato do saldo da conta existente no Banco BPI, junto na sessão de inquirição de testemunhas de 09 de março de 2023, a Ref.ª 423967989.
23.ª Efetivamente, aquando da transferência bancária operada pelo Recorrente no Banco BPI (dada como provada no ponto 13 dos factos assentes), o saldo desta conta ficou a € 18.115,64, devendo como tal, manter-se o ponto 14 dos factos provados da sentença recorrida, e em consequência, considerar-se improcedentes as conclusões xxvi. a xxvii. das alegações de recurso do Recorrente.
24.ª Relativamente à factualidade constante do ponto 15 dos factos provados, resulta do depoimento das testemunhas AV (cf. depoimento 09-03-2023 14:07:51 a 14:36:18, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 14:07 e fim ao minuto 16:12 do referido depoimento) e AM (cf. depoimento de 09-03-2023 14:41 a 14:56, ficheiro 20230309144156_20561147_3998049, cujos excertos têm início ao minuto 02:04 e fim ao minuto 02:56 e início ao minuto 05:53 e fim ao minuto 06:39 do referido depoimento), que o Recorrente no dia 16 de fevereiro de 2023 deslocou-se ao balcão de Telheiras do BCP S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 825.0000, existente na conta bancária da V, Lda..
 25.ª Salienta-se que o Recorrente não só não fez qualquer prova no sentido de infirmar o depoimento desta testemunha, como confessa que tentou retirar os montantes desta conta bancária (confissão que se aceita para não mais ser retirada), não só em sede de oposição, mas também em sede de recurso, nada tendo alegado quanto aos montantes em causa (cf. artigos 26.º e 39.º da oposição).
 26.ª Acresce que, incorre o Recorrente num equívoco quando refere que o Tribunal a quo referiu-se ao dia 15, ao invés do dia 16 de fevereiro (cf. Facto provado 15 da matéria assente na sentença), bem como, em relação aos lapsos da sentença que o Recorrente aponta, são apenas referências linguísticas que não alteram o sentido do facto provado, e não implicam qualquer produção de prova acrescida,  pelo que deverá manter-se inalterado o ponto 15 dos factos provados constantes da sentença recorrida e em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxviii. das alegações de recurso do Recorrente. 
 27.ª A factualidade constante do Ponto 16 dos Factos Provados resulta dos depoimentos da testemunha AM (cf. depoimento 09-03-2023 14:41 a 14:56, ficheiro 20230309144156_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 02:04 e fim ao minuto 04:29 do referido depoimento), em que a Testemunha refere que não abonou a assinatura do então gerente Sr. MH pois não havia um documento que demonstrasse o motivo para a transferência de tal valor para a sua conta pessoal.
 28.ª Do depoimento testemunhal da gerente da conta, a quem foi solicitada a autorização para abonação da assinatura para a realização da transferência bancária, resulta que a gerente da conta em causa, não deu autorização por falta de documentação de suporte, pois apesar de o Sr. MM ter feito o pedido presencialmente ao balcão, não tinha qualquer documentação que justificasse a transferência, que por se tratar de uma sociedade, deveria ter qualquer documentação de suporte a justificar o motivo da transferência, caso contrário seria alvo de compliance por parte do banco, pelo que deverá manter-se inalterado o ponto 16 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxix. e xxx. das alegações de recurso do Recorrente.
 29.ª No que concerne à factualidade constante do ponto 19 dos factos provados, esta resulta, do depoimento das testemunhas AV (cf. depoimento 09-03-2023 14:07:51 a 09-03-2023 14:36:18, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 13:11 e fim ao minuto 13:44 do referido depoimento) e AM (cf. depoimento de 09-03-2023 14:41 a 14:56, ficheiro 20230309144156_20561147_3998049, cujos excertos têm início ao minuto 02:04 e fim ao minuto 04:29 e início ao minuto 11:01 e fim ao minuto 11:38 do referido depoimento), que referiram que não existe qualquer atividade da Sociedade que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do Recorrente. 
 30.ª Da factualidade concatenada nos autos resulta que a sociedade V Limitada. não deliberou a transferência de quaisquer valores, muito menos da quase totalidade das verbas de que dispõe, para um dos gerentes ou sócios da sociedade em causa, não tendo existido qualquer atividade da sociedade V Limitada. que justificasse a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do Recorrente. 
 31.ª E mais: o Recorrente sabia e sabe que não dispunha de qualquer título que lhe permitisse apropriar-se dos fundos da sociedade. Sendo que, o Recorrente não podia ignorar que a sua conduta é totalmente contrária ao direito e aos interesses patrimoniais da sociedade V, Limitada. e que com o seu comportamento provocaria gravíssimos danos ao património da sociedade, pelo que, em face de tudo o exposto, deverá manter-se inalterado o ponto 19 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxxi. a xxxiv. das alegações de recurso do Recorrente.
 32.ª Relativamente à alteração propugnada no ponto 20 dos factos provados, sustenta o Recorrente, que deverá ser retificado “Réu” para “2.º Requerido”, contudo, tendo em conta que, da alteração de “Réu” para “2.º Requerido” não existem quaisquer consequências para a decisão material da causa, caberá ao douto tribunal decidir se pretende retificar a sentença nesse ponto, referindo-se desde já que não é necessária qualquer produção de prova adicional, em caso de retificação do erro de escrita, pelo que deverão ser consideradas improcedentes as conclusões xxxv. das alegações de recurso do Recorrente.
 33.ª Relativamente à factualidade constante do ponto 21 dos factos provados, a única retificação que o Recorrente peticiona é relativamente ao lapso de escrita que consta da identificação da data em causa, deve ler-se “15.08.2023”, em vez de “5.08.2023”, visto que relativamente a tudo o resto apenas refere que em vez de “Requerido”, deveria constar o “2.º Requerido”, mantendo-se a redação, relativamente aos valores e à restante informação bancária. 
 34.ª Assim, tendo em conta que, se verifica um lapso de escrita relativamente à data, o que, contudo, não altera a discussão da matéria de facto em causa, caberá a este douto tribunal entender se pretende retificar a data na sentença e a identificação do Requerido, sublinhando-se, contudo, que tal facto está demonstrado no documento e não implica qualquer repetição de prova.
 35.ª Relativamente ao ponto 22 dos factos provados, tal factualidade resulta, nomeadamente, do documento n.º 1 junto com o requerimento datado de 26.09.2023, porém, esse mesmo documento é idóneo para provar que os gastos constantes no extrato bancário são para fins pessoais e que, não consta nenhum pagamento à referida sociedade.
 36.ª Sustenta o Recorrente que os montantes retirados da Sociedade se encontravam arrestados devido ao Processo n.º 11383/23.8T8LSB, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Juiz 7, porém, tal argumento não pode proceder, pois apenas foram arrestados montantes no valor de 600.000,00 €, não se consubstanciando, nem na totalidade dos valores retirados das contas bancárias das várias sociedades do grupo (720.000,00€), nem tal facto o impedindo de administrar o seu património pessoal.
 37.ª Assim, do extrato bancário carreado para os autos pelo ora Recorrente, ficou demonstrado que a diferença de valores resulta do uso pessoal do próprio, podendo este, ainda assim, ter efetuado pagamentos respeitantes à Sociedade, pelo que, na referida conta bancária, haveria montantes suficientes para efetuar alguns pagamentos em prol da Sociedade, porém, não o fez, pelo que deve manter-se inalterado o ponto 22 dos factos dados como provados na sentença recorrida e, em consequência, ser consideradas improcedentes as conclusões xxxvii. e xxxviiii. das alegações de recurso do Recorrente.
 38.ª No que concerne ao ponto 23 dos factos provados, resulta do depoimento da testemunha AV (cf. depoimento de  09-03-2023 14:07:51 a 14:36:18, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 24:32 e fim ao minuto 24:52 do referido depoimento), que se a transferência de 16 de fevereiro tivesse ocorrido, a Sociedade teria de ser declarada insolvente, visto que se trata de uma sociedade com muitos funcionários, com custos elevados, e que o montante correspondente à tentativa de 16 de fevereiro correspondia quase à totalidade da conta da Sociedade.
39.ª Sustenta o Recorrente que tal factualidade deve ser dada como não provada, pois da análise dos extratos bancários carreados para os autos pela Recorrida, a Sociedade V Limitada apresenta receitas operacionais, contudo, não é suficiente para retirar a credibilidade do referido depoimento, uma vez que os montantes sobre os quais o Recorrente se apropriou colocam em causa o normal funcionamento da sociedade, não sendo possível cumprir todas as obrigações inerentes à vida societária, pelo que, deverão ser consideradas improcedentes as conclusões xxxix. a xlii. das alegações de recurso do Recorrente.
 40.ª No que concerne à factualidade constante dos Pontos C. e D. da Matéria de Facto Não Provada, para além de não ter sido produzida prova quanto à factualidade constante nos referidos pontos, foi inclusivamente realizada prova em sentido contrário, através do depoimento das testemunhas AV (cf. depoimento de 09-03-2023 14:07:51 a 14:36:18, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujos excertos têm início ao minuto 02:55 e fim ao minuto 09:09 e início ao minuto 18:59 e fim ao minuto 19:30 do referido depoimento) e AM (depoimento de 09-03-2023 14:37 a 14:40, ficheiro 20230309140750_20561147_3998049, cujo excerto tem início ao minuto 01:03 e fim ao minuto 01:25 do referido depoimento), verifica-se que o Recorrente não traz aos autos qualquer prova capaz de alterar os factos propugnados, devendo, para tal, os mesmos ser mantidos como não provados, e ser consideradas improcedentes as conclusões xliii. a xliv. das alegações de recurso do Recorrente.
 41.ª O Recorrente procedeu às transferências para as suas contas bancárias pessoais, sem qualquer justificação, sem que os demais gerentes soubessem do sucedido, tendo estes sido apanhados de surpresa, e tendo sido apenas avisados pela gerente da conta em causa do sucedido.
 42.ª E mais: os valores de que se locupletou não foram entregues nem devolvidos à sociedade, daí que os demais gerentes tenham tomado medidas urgentes cautelares de forma a protegerem o património de mais locupletamentos por parte do Recorrente. 
 43.ª Relativamente à transferência em concreto, da prova concatenada nos autos ficou demonstrado que a sociedade não deliberou a transferência de quaisquer valores para o Recorrente.
 44.ª Em face da referida factualidade provada e não provada, não se pode concluir que a atuação do Recorrente visou proteger o património social, tendo ficado demonstrado que inexiste justa causa para o comportamento do Recorrente, o que impõe, necessariamente, que seja mantida como não provada a factualidade constante do ponto E, devendo ser consideradas improcedentes as conclusões xlv. a lviii. das alegações de recurso do Recorrente.
45.ª Nas suas conclusões de recurso o Recorrente apenas coloca em crise a decisão que foi proferida quanto ao pedido de destituição de gerente, nenhum erro de direito imputando à decisão de suspensão de funções de gerente, que não seja a admissibilidade das medidas aplicadas (cf. conclusões lxxii. a lxxvii. do recurso).
46.ª A decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância está não só devidamente estribada na matéria de facto provada (cf., nomeadamente, pontos 13 a 20 dos factos provados) e em concordância com a lei e a interpretação doutrinária da mesma, como ainda se encontra na senda daquela que é a posição sufragada pela Jurisprudência: “Constituindo os factos imputados ao gerente uma atuação ilícita, que se traduziu no aproveitamento em benefício próprio de numerário pertença da sociedade, sem razão justificativa, eles assumem relevo suscetível de preencher o conceito de justa causa, como fundamento de suspensão ou destituição” (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 08-01-2008, proferido no Processo 0723957, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Desembargador Carlos Moreira, disponível para consulta em www.dgsi.pt ).  
 47.ª As medidas impostas pelo Tribunal a quo enquadram-se no âmbito do pedido de suspensão do Recorrente da função de gerente, sendo todas elas necessárias a obstar que o mesmo continue a praticar atos, enquanto gerente, que possam ser contrários aos interesses da Sociedade. 
 48.ª Tais medidas não são ablativas, nem coartam, quaisquer direitos que o Recorrente possa ter enquanto sócio da V LDA. 
 49.ª A sentença recorrida deve manter-se, nos seus precisos termos, por ser a única que, em face do enquadramento factual, salvaguarda os interesses da Sociedade e é consentânea com o Direito e a Justiça. 
 NESTES TERMOS, deve o presente recurso ser julgado não provado e improcedente, mantendo-se a sentença recorrida, com as legais consequências”.
Cumpre apreciar.
II. FUNDAMENTOS DE FACTO
Releva o seguinte circunstancialismo, que a 1ª instância deu por assente:
1. A Autora é sócia da sociedade comercial por quotas V, Limitada, que tem por objeto social a exploração do grande Hotel B e em geral o comércio de hotelaria.
2. São gerentes da sociedade, AH, MRM e o denunciado MM.
3. A sociedade obriga-se com a assinatura de um gerente.
4. São sócios da sociedade:
a. O Requerido MM, titular de duas quotas, uma de € 10.000,00 e outra de € 8.000,00, representando 36% do capital social;
b. AB, titular de 1 quota de € 6.250,00, representando 12.5% do capital social; 
c. AB, titular de 3 quotas com os valores de € 1.500,00, € 1.500,00 e € 6.250,00, representando 18,5% do capital social; e
d. A Requerente A Lda., titular de duas quotas uma de €8.500,00 e outra de €8.000,00, representando 33% do capital social. 
5. O 2.º Requerido tem estado ausente da gestão efetiva da sociedade nos últimos vinte anos, encontrando-se maioritariamente fora de Portugal.
6. A gerência diária da sociedade 1.ª Requerida é exercida pelos outros dois gerentes designados, filhos do aqui 2.º Requerido. 
7. Já anteriormente o 2.º Requerido praticou atos perturbadores da atividade social, que os outros gerentes têm vindo a corrigir e a não denunciar, atenta a relação familiar.
8. A sociedade 1.ª Requerida explora o hotel denominado comercialmente Hotel B, localizado na Rua …, n.º …, em Lisboa.
9. A sociedade 1.ª Requerida tem ao seu serviço 46 funcionários. 
10. A sociedade tem necessidade de fazer pagamentos mensais de Impostos, salários e a fornecedores, tendo no final do presente mês de pagar, só em salários, 44.000,00 euros.
11. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber:
a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN PT…2; e
b. Uma conta aberta junto do Banco Comercial Português, SA, com o IBAN PT…4.
12. As referidas contas bancárias podem ser movimentadas por qualquer dos gerentes.
13. No passado dia 15 de fevereiro de 2023, o 2.º Requerido transferiu para a sua conta bancária pessoal o montante de 100.000 euros que a 1ª Requerida tinha depositado no banco BPI, na conta com o IBAN PT…2.
14. Com tal transferência a conta bancária ficou com um saldo de € 18.115,64.
15. No dia 16 de fevereiro de 2023, o Réu deslocou-se ao balcão de Telheiras do Banco Comercial Português, S.A., onde tentou proceder à transferência, para a sua conta pessoal, da quantia de € 825.000,00 existente na conta bancária da 1ª com o PT…4 que a sociedade tem neste Banco.
16. Tal tentativa de transferência só não se concretizou uma vez que a Gerente da Conta em causa, Sra. AM, não deu autorização por falta de documentação de suporte.
17. Quando os restantes gerentes da 1ª Requerida tomaram conhecimento de tal tentativa de transferência deram instruções ao banco no sentido de bloquear as movimentações da conta em causa.
18. A sociedade 1.ª Requerida não deliberou a transferência de quaisquer valores para o 2.º Requerido.
19. Não existe qualquer atividade da sociedade 1.ª Requerida que justifique a mobilização das referidas quantias para a conta pessoal do 2.º Requerido.
20. O 2.º Réu não só procedeu a tal transferência relativamente à sociedade 1.ª Requerida, como fê-lo também relativamente a outras três empresas das quais é gerente (Sociedade CH, Lda., CF, Lda., Sociedade IEH, Lda.), num valor total de € 720.000,00.
21. A conta pessoal do Requerido para onde foram transferidas as diversas quantias, domiciliada no BPI com o n.º …-001, tinha em 5.08.2023 um saldo de € 681.595,94 e em 15.09.2023 um saldo de € 677.680,83.
22. Durante esse período de 30 dias o 2.º Requerido não efetuou qualquer pagamento respeitante à 1ª Requerida, sendo a diferença de valores resultado do uso pessoal feito pelo 2.º Requerido.
23. Se a transferência tentada em 16/02/2023 tivesse sido realizada, o estabelecimento hoteleiro da 1ª Requerida poderia ter de ser encerrado e a sociedade declarada insolvente.
*
Mais considerou o tribunal de primeira instância como segue:
“Factos Não Provados
 A. A sociedade é titular de duas contas bancárias, a saber:
a. Uma conta aberta junto do Banco BPI, SA, com o IBAN PT…3; e
b. Uma conta aberta junto do BCP SA, com o IBAN PT…2.
B. A transferência referida em 15 não se concretizou porque a Gerente de Conta pediu ao Gerente da sociedade 1.ª Requerida, MM, que confirmasse a realização de tal operação, por estranhar o valor e o destino da mesma.
C. O 2.º Requerido é parte ativa na gestão das sociedades, limitando-se tão-só os seus filhos gerentes a executarem tarefas do quotidiano sob a autoridade do Requerido.
D. O 2.º Requerido é o responsável máximo pela Sociedade e incumbe-lhe delinear as grandes linhas estratégicas de todos os negócios familiares.
E. O 2.º Requerido realizou a transferência a partir da conta do Banco BPI com vista a proteger o património social.
 A restante matéria alegada tem natureza instrumental, conclusiva e/ou de Direito, ou mostra-se irrelevante para a apreciação destes autos”.
III- FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Sendo o objeto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – arts. 635.º e 639.º do CPC – salientando-se, no entanto, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5.º, nº3 do mesmo diploma.
No caso, a pretensão recursiva dirige-se quer à determinação da suspensão, quer à de destituição do 2.º requerido, conforme delimitação feita nas alegações (cfr. as conclusões i., ii. e iii.) impondo-se apreciar:
- Da configuração do processo especial previsto no art. 1055.º do CPC, diploma a que aludiremos quando não se fizer menção de origem;
- Da nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º1, alínea d);
- Da impugnação do julgamento de facto;
- Da verificação dos pressupostos para a suspensão e destituição do requerido/apelante.
2. O processo de “suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais” previsto no 1055.º [ [5] ] inserido na Secção II do Capítulo XIV (“[e]xercício de direitos sociais”) é um dos processos de jurisdição voluntária enunciados no Título XV, o que significa que comunga das caraterísticas próprias deste tipo de processos, destacando-se as mais significativas, a saber:
- O processo rege-se pelo princípio do inquisitório, podendo o tribunal “investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes; só são admitidas as provas que o juiz considere necessárias” (art. 986.º, n.º 2);
- O juiz não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar-se em cada caso a solução mais conveniente e oportuna (art.º 987.º);
- As resoluções não assumem cariz definitivo, no sentido de que podem ser alteradas, sem prejuízo dos efeitos já produzidos, em face de circunstâncias supervenientes (art.º 988.º, n.º 1) [ [6] ] [ [7] ].
Do regime fixado nos números 2 e 3 do art. 1055.º [ [8]  ] resulta que o requerente pode cumular a pretensão de destituição com um pedido de suspensão, assumindo este natureza cautelar; verifica-se, pois, um evidente paralelismo com o regime dos procedimentos cautelares no que diz respeito à relação entre o procedimento cautelar – leia-se, o pedido de suspensão – e a ação principal – isto é, o pedido de destituição –, afigurando-se que não é admissível a formulação de pedido (cautelar) de suspensão sem que, em simultâneo, se deduza pedido de destituição, salientando-se que, no caso em apreço, o tribunal proferiu despacho fundamentando a decisão de não audição prévia do requerido quanto ao pedido de suspensão pelo que não se coloca, nessa vertente, qualquer questão [ [9] ] [ [10] ].
No caso, o pedido de suspensão foi apreciado, sem audiência do requerido e depois da produção da prova arrolada pela requerente, mormente de natureza pessoal (testemunhas)  por decisão de 10-03-2023; realizou-se, posteriormente, a audição do requerido, que deduziu oposição quer ao pedido de suspensão, quer ao pedido de destituição, como expressamente é indicado nesse articulado – cfr. ainda o despacho proferido em 30-06-2023, a que já se aludiu – tendo-se, a final, depois de produzida a prova arrolada pelo requerido, mormente pessoal (testemunhas) proferido decisão definitiva quanto ao pedido de suspensão, mantendo-se, sem qualquer alteração, a decisão que já havia sido proferida, e conhecendo do pedido de destituição.
Significa isto que, à semelhança do que acontece com o procedimento cautelar comum, exercendo-se o contraditório subsequente ao decretamento da providência, deve atender-se às provas oferecidas pelo requerido, nomeadamente a prova pessoal arrolada por este, após o que o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada (cfr. o art. 372.º, n.ºs 1, alínea b) e n.ºs 2 e 3). Não se justifica, pois, a renovação da prova anteriormente produzida e indicada pelo autor, que motivou a prolação da decisão inicial, sem prejuízo da faculdade que assiste ao requerido de exercer a contra instância, no sentido de, quanto aos factos sobre os quais as testemunhas tiverem deposto, peticionar que completem ou esclareçam o depoimento (cfr. o disposto no art. 516.º, n.º 2 do CPC). Trata-se de uma avaliação que deve ser feita pela parte e não pelo juiz, incumbindo ao requerido, quando apresenta a oposição à medida cautelar pedida pelo autor e fixada pelo tribunal, peticionar a esse propósito o que tiver por pertinente tanto mais que, sendo os depoimentos gravados, o respetivo conteúdo está acessível ao requerido e este não desconhece que o único objeto de discussão é exatamente o decretamento/indeferimento da concreta providência requerida. Assim, nada indicando o requerido quanto a essa matéria, o tribunal deve apenas assegurar que seja produzida a prova carreada pelo requerido no articulado da oposição, procedendo depois a uma avaliação global de toda a prova produzida com o consequente julgamento de facto em função dessa prova.
Acontece que, no caso, não nos situamos apenas no contexto de uma decisão cautelar.
Efetivamente, como resulta do que supra se expôs, a audição do requerido tinha por objeto quer a providência cautelar requerida pela autora, quer o pedido de destituição formulado, tendo os autos sido tramitados, corretamente, nesses termos. O que significa que, quanto ao pedido de destituição e avançando-se já na solução, não podia o tribunal socorrer-se da prova (testemunhal) anteriormente produzida e que suportou o juízo formulado em sede cautelar, para a avaliar/ponderar também agora na perspetiva do julgamento de facto pertinente à decisão de destituição, sem previamente sinalizar essa intenção ao demandado que não teve a possibilidade de influenciar aquela decisão, permitindo-lhe agora requerer, a esse propósito, o que tivesse por conveniente.
Abra-se um parêntesis para sinalizar o regime específico dos procedimentos cautelares.
Nos termos do art. 364.º, n.º 4, “[n]em o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal”, daí resultando a inadmissibilidade de associar à decisão cautelar quaisquer efeitos de caso julgado relativamente à ação principal, nem quanto ao julgamento de facto, nem quanto ao julgamento de direito.
No entanto, “[t]al proibição já não será tão rígida quando se trata de apreciar o relevo dos meios de prova que foram produzidos, importando estabelecer uma distinção em função da sua natureza: no que concerne aos documentos, a regra é a da sua atendibilidade pelo tribunal que julga a ação, de acordo com o princípio da aquisição processual (art. 413.º), desde que seja dada a oportunidade de contraditório (arts. 415.º e 423.º e ss.); a confissão de factos feita no procedimento cautelar vale na ação correspondente (art. 355.º, n.º 3, do CC); quanto aos demais meios probatórios, deve observar-se o que dispõe o art. 421.º: os depoimentos e arbitramentos produzidos num procedimento com audiência contraditória podem ser invocados no processo principal contra a mesma parte, salvo se o regime de produção de prova oferecer menores garantias, caso em que valerão apenas como princípio de prova” [ [11] ], sendo que “se esses meios de prova (depoimentos e arbitramentos) tiverem sido produzidos no âmbito de um procedimento cautelar em que o requerido não tenha sido ouvido não poderão produzir quaisquer efeitos externos nem sequer como princípio de prova” [ [12] ].
Volvendo ao caso, a circunstância de estarmos perante um processo de jurisdição voluntária, particularmente com a configuração que se assinalou, tem necessariamente reflexos nesta ponderação, afigurando-se-nos que não tem cabimento concluir pela inviabilidade do juiz atender à prova testemunhal já produzida - e que, insiste-se, foi objeto de gravação -, para a prolação da decisão atinente ao pedido (principal) de destituição, pedido este que tem por base, essencialmente, os mesmos factos que fundamentam o pedido cautelar de suspensão de funções, sendo ambos os pedidos deduzidos no mesmo processo, ainda que apreciados em diferentes fases processuais; conclusão diferente implicaria a renovação desse meio de prova, com a reinquirição global das testemunhas aos factos constantes do requerimento inicial, o que não tem qualquer sentido, a isso se opondo os princípios que conformam este tipo de processo, desde logo porque o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, ao invés, adotar a solução mais conveniente e oportuna em cada caso. Mas, se assim é, então impunha-se, até para salvaguarda do parâmetro constitucional da garantia do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4 da CRP), como já se havia avançado, que o tribunal desse expressa indicação aos intervenientes processuais quanto ao tipo de procedimento que iria adotar, permitindo-lhes, perante essa concreta conformação da ação, adotar as soluções jurídicas que melhor se adequem aos respetivos interesses subjetivos. “O princípio do processo equitativo, na dimensão de "justo processo" ("fair trial"; "due process"), é integrado por vários elementos, um dos quais se afirma na confiança dos interessados nas decisões de conformação ou orientação processual; os interessados não podem sofrer limitação ou exclusão de posições ou direitos processuais em que legitimamente confiaram, nem podem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais razoavelmente não poderiam contar: é o princípio da confiança na boa ordenação processual determinada pelo juiz” [ [13] ].
Feito este enquadramento, estamos agora em condições de apreciar da nulidade invocada.
3. O apelante invoca a nulidade da decisão recorrida por excesso de pronúncia, convocando o disposto no art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC (cfr. as conclusões v. a xiii.), argumentando a autora/apelada, em síntese, ser extemporânea a arguição, atento o disposto no art. 199.º do CPC (cfr. a 1ª a 8.ª conclusões).
No contraponto entre as nulidades processuais, a que se reportam os arts. 195.º e seguintes do CPC, passíveis de reclamação dirigida ao tribunal perante o qual foi praticada a irregularidade e os vícios de nulidade que podem afetar a decisão judicial, previstos no art. 615.º do CPC, segue-se o entendimento de Miguel Teixeira de Sousa: distinguindo a sentença como trâmite ou como ato, refere o autor que “[d]ado que a decisão-surpresa corresponde a um único vício e porque este nada tem a ver com a decisão como trâmite, o vício de que padece a decisão-surpresa só pode ser um vício que respeita à decisão como acto. Em concreto, a decisão-surpresa é uma decisão nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC), dado que se pronúncia sobre uma questão sobre a qual, sem a audição prévia das partes, não se pode pronunciar”. Refira-se que, como também nota o autor, “esta solução é a única que é compatível com a impugnação da decisão-surpresa através de recurso e com o objecto do recurso. O objecto do recurso é sempre uma decisão, pelo que, se houvesse uma nulidade processual, a mesma não poderia constituir objecto de recurso e teria de ser reclamada no tribunal a quo” (Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária, 22/09/2020, acessível in https://blogippc.blogspot.com/2020/09/nulidades-do-processo-e-nulidades-da.html). No mesmo sentido cfr., a título exemplificativo, os acórdãos do STJ de 23-06-2016, processo: 1937/15.8T8BCL.S1 (Relator: Abrantes Geraldes) e o do TRL de 11-07-2019, processo: 4794/18.9T8OER.L1-7 (Relator:            Micaela Sousa), acessíveis in www.dgsi.pt.
Analisando a decisão recorrida, constata-se que os factos ora dados como provados sob os números 1 a 20 e 23 têm inteira correspondência com os factos dados por provados na decisão cautelar proferida em 10-03-2023 (em respetivamente, 1 a 20 e 21), tendo o tribunal dado como provada, agora, ainda, a matéria enunciada sob os números 21 e 22. Quanto à matéria dada como não provada, manteve-se a indicação que já constava quanto ao enunciado em A. e B., aditando-se ainda a matéria indicada em C., D., e E.
O apelante impugna o julgamento de facto realizado pela primeira instância “quanto aos pontos 5, 7, 9, 10, 12, 14, 15, 16, 19, 20, 21, 22 e 23 dos factos considerados provados e aos pontos C, D e E dos pontos considerados não provados” (conclusão xiv).
Resulta da motivação do julgamento de facto que o tribunal ponderou globalmente os depoimentos prestados, incluindo, pois, as testemunhas inquiridas anteriormente, indicadas pelo autor e que prestaram depoimento sem que o requerido tivesse tido intervenção no processo, lendo-se na decisão recorrida:
“O Tribunal baseou a sua convicção na análise crítica dos documentos juntos aos autos dos depoimentos das duas testemunhas inquiridas, prova apreciada livremente nos termos do artigo 396.º do Código Civil.
Os factos 1 a 20 e 23 foram considerados indiciariamente provados na sentença proferida em 10.03.2023, e a prova agora produzida não os afastou.
As testemunhas arroladas pelo 2.º Requerido e agora inquiridas revelaram falta de isenção, objetividade e imparcialidade, por um lado, e pouco conhecimento dos factos, por outro lado.
A testemunha MH, filho do 2.º Requerido, encontra-se em claro conflito com os irmãos, gerentes da A., com quem se encontra de relações cortadas desde 2021, referindo-se a eles como “esses supostos filhos do meu pai”. Esta animosidade latente, sempre presente ao longo de todo o depoimento, não permite à testemunha prestar o seu depoimento com isenção e objetividade. Na realidade, o seu depoimento constitui uma reconstituição da narrativa do pai, sem que se perceba qual a participação da testemunha ou sequer a sua presença nos factos que relata, tanto mais que não participa na atividade comercial da 1ª Requerida.
A testemunha JN é amigo do 2.º Requerido e apenas conhece o que por este lhe foi narrado.
Pelo contrário, as testemunhas arroladas pela Requerente e já ouvidas não tinham nenhuma relação de amizade com as partes ou a gerência da Requerente, sendo trabalhadores, e revelaram uma isenção, objetividade e imparcialidade a que não se assistiu na última inquirição de testemunhas.
Mantêm-se, por isso, provados os factos acima elencados, e bem assim os factos não provados A e B.
Os factos 21 e 22 resultam do extrato bancário junto aos autos pelo 2.º Requerido em 26.09.2023.
No que respeita aos factos C e D, as testemunhas agora inquiridas vieram confirmar a presença do 2.º Requerido no estrangeiro ao longo dos últimos 20 anos e por diversas, e às vezes longas, temporadas, conforme havia sido alegado pela Requerente. Esta circunstância, aliada à admissão feita pelo 2.º Requerido de que não tinha acesso ao contabilista da 1ª Requerida, aos documentos contabilísticos e às contas bancárias da sociedade são reveladoras do seu afastamento da gerência da sociedade, e consequentemente, impedem a prova dos factos C e D.
Aliás, tais factos reforçam a prova do constante em 23, uma vez que o 2.º Requerido não conhecia o estado da contabilidade da 1.ª Requerida, desconhecendo se existiria ou não valores a receber que permitissem, tão só, pagar os ordenados dos trabalhadores. 
Por último, o facto E é infirmado pelo extrato bancário junto aos autos pelo próprio 2.º Requerido e pelas afirmações feitas em sede de contestação. Por um lado, o extrato bancário revela que o 2.º Requerido tem gasto em proveito próprio o dinheiro que retirou das contas bancárias das diversas sociedades, incluindo a 1.ª Requerida. Tal utilização é incompatível com a salvaguarda do património da sociedade alegada pelo 2.º Requerido, já que a manutenção desta utilização fará desaparecer património da sociedade.
Mas é o próprio 2.º Requerido quem confirma tal postura de utilização pessoal de património da pessoa coletiva, ao afirmar na sua contestação que, se fosse necessário, não hesitaria em usar tal dinheiro para assegurar o completo e pontual cumprimento das obrigações da Sociedade. Daqui se depreende que o dinheiro da sociedade só seria usado para fins com esta relacionados caso tal fosse necessário. 
Aliás, a transferência do valor para uma conta de uso pessoal é disso reveladora já que, se pretendesse efetivamente salvaguardar o património da sociedade, abriria uma conta para o efeito que não seria utilizada para outro fim que não a atividade societária. E se temesse a efetiva utilização indevida dos fundos societários pelos outros sócios, de acordo com o que, no seu entender, tem sido feito, poderia ter pedido a suspensão e destituição de funções dos restantes gerentes, ou requerido a realização de um inquérito judicial à sociedade, o que não fez.
Considera-se, por isso, não provado o facto E”.
Da ata do julgamento realizado em 02-10-2023 resulta que foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerido, MH (jurista) e JN (advogado) e, finda a produção de prova, foi dada a palavra para alegações, após o que foi encerrada a audiência de julgamento; não consta dessa ata, nem consta do processo, qualquer despacho pelo qual o tribunal assinalasse ao requerido que, para a prolação da decisão incidindo sobre o pedido de destituição iria ponderar a prova anteriormente produzida, numa fase processual secreta e em que estava apenas em causa avaliar da pretensão (cautelar) de suspensão, o que, como se referiu, temos por necessário.
Conclui-se, pois, pelas razões apontadas, que o requerido/apelante tem razão quando conclui que a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia uma vez que constitui, na dimensão referida e quanto aos elementos de prova ponderados para aferir do pedido de destituição uma decisão surpresa.
Consequentemente, não podendo esta Relação proferir sentença substitutiva (art. 655.º do CPC), impõe-se a anulação da decisão recorrida, devendo prosseguir a audiência de julgamento, com o mesmo tribunal e aproveitando-se todos os atos já praticados, com vista a que seja dada a palavra ao requerido para, a propósito da prova testemunhal arrolada pelo autor e inquirida em momento anterior, exercer a respetiva instância, com vista a que tais testemunhas completem e/ou prestem os esclarecimentos pertinentes, nos termos do art. 516.º, n.º2 do CPC. 
4. Fica, pois, prejudicada a apreciação das demais questões enunciadas.
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, anulando-se a decisão recorrida e determinando o prosseguimento da audiência de julgamento nos termos e para os efeitos assinalados.
Custas pela autora/apelada (art. 527.º, n.º 1 do CPC).
Notifique.

Lisboa, 07-05-2024
Isabel Fonseca
Fátima Reis Silva
Pedro Brigthon
_______________________________________________________
[1] No condicionalismo que o processo evidencia, porquanto a produção de prova foi realizada em conjunto com aquela ocorrida noutro processo, conforme despachos proferidos nos autos – cfr. o despacho de 27-02-2023, o termo de 10-03-2023 e o que o tribunal fez consignar aquando da prolação da decisão cautelar e previamente à mesma.   
[2] Nos moldes que resultam da nota de citação de 17-04-2023, constatando-se que o requerido foi citado como se o presente processo configurasse um procedimento cautelar.
[3]  Com o seguinte teor:
“Em face da sentença já proferida e da citação do Requerido, o presente processo deixou de ter natureza urgente e confidencial.
 ***
 O R. foi citado para a presente ação, tendo-lhe sido entregues cópias dos articulados juntos aos autos e da sentença proferida.
 No mesmo articulado – a petição inicial – requereu o A. a suspensão e destituição do R. do cargo de gerente, assumindo o primeiro pedido natureza urgente e, como tal constituindo uma providência cautelar inominada.
 Assim, a citação para a presente ação e respetivo procedimento cautelar enxertado tem lugar num só ato, considerando-se o R. devidamente citado e o articulado apresentado uma oposição à providência cautelar e contestação à ação principal.
 Notifique.
 ***
 Admite-se o requerimento apresentado em 25.05.2023, porque corresponde ao exercício do contraditório relativamente aos documentos juntos aos autos na oposição/contestação, pronuncia a que sempre teria direito no início da audiência de julgamento.
Admite-se o requerimento de 07.06.2023, mas apenas na parte em que se pronuncia sobre os documentos juntos pela A. no requerimento de 25.05.2023, e na parte em que responde ao pedido de condenação por litigância de má fé. Considera-se não escrito todo o demais alegado, e determina-se o desentranhamento do documento ali junto, uma vez que o seu objeto é alheio a estes autos, não cabendo aqui apreciar alegadas falsidades de atas já que tal matéria não fundamenta o pedido a apreciar.
 Consequentemente, e na medida em que constitui uma resposta ao que se considera não escrito, desentranhe o requerimento de 22.06.2023, e bem assim o requerimento de 23.06.2023, já que a decisão a proferir nestes autos tem por base os factos e a prova a produzir nestes autos e não noutros, ainda que com objeto similar.
Notifique.
***
Indicou o R. testemunhas cuja inquirição requer. 
Tal produção de prova será considerada para efeitos de oposição ao procedimento cautelar e impugnação dos factos constitutivos do pedido principal formulado pelo A., já que a matéria em apreciação é coincidente.
Assumindo os presentes autos a tramitação própria dos processos de natureza voluntária, não há lugar à fixação dos temas de prova. Contudo, tendo em atenção a elevada dispersão de matérias completamente alheias ao objeto destes autos, e com vista a que as partes foquem as inquirições nas questões relevantes para a decisão da causa, indicam-se os seguintes temas sobre os quais caberá produzir prova:
1. Intervenção do R. MM na gestão da sociedade V Lda.;
2. Uso a que o Requerido MM destinava os valores que pretendia transferir da conta da sociedade V Lda. sedeada no BCP;
3. Uso que o Requerido deu aos valores transferidos da conta da sociedade V Lda. sedeada no Banco BPI.
 Para a inquirição das 4 testemunhas indicadas designa-se o dia 18.09.2023, pelas 9:30h.
 Notifique o R. para indicar endereço eletrónico da testemunha residente em Moçambique, com vista à sua inquirição através do sistema Webex”.
[4] Na audiência de julgamento foram inquiridas as testemunhas arroladas pelo requerido, a saber, MH e JN.
[5]  Artigo 1055.º
Suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais
1 - O interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns de contitulares de participação social, nos casos em que a lei o admite, indica no requerimento os factos que justificam o pedido.
2 - Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decide imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias.
3 - O requerido é citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade.
4 - O preceituado nos números anteriores é aplicável à destituição que seja consequência de revogação judicial da cláusula do contrato de sociedade que atribua a algum dos sócios um direito especial à administração.
5 - Quando se trate de destituir quaisquer titulares de órgãos judicialmente designados, a destituição é dependência do processo em que a nomeação teve lugar.
[6] Sobre os “processos de jurisdição voluntária e processos de jurisdição contenciosa” cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra: Coimbra Editora, pp. 69-72. 
[7] Especificamente quanto ao valor das resoluções, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, Coimbra: Almedina, p. 438, notas 1 e 2. 
[8] Correspondendo ao anterior art. 1484.º-B do CPC, aprovado pelo DL n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, com a seguinte (similar) redação:
“Suspensão ou destituição de titulares de órgãos sociais
1 - O interessado que pretenda a destituição judicial de titulares de órgãos sociais, ou de representantes comuns de contitulares de participação social, nos casos em que a lei o admite, indicará no requerimento os factos que justificam o pedido.
2 - Se for requerida a suspensão do cargo, o juiz decidirá imediatamente o pedido de suspensão, após realização das diligências necessárias.
3 - O requerido é citado para contestar, devendo o juiz ouvir, sempre que possível, os restantes sócios ou os administradores da sociedade.
4 - O preceituado nos números anteriores é aplicável à destituição que seja consequência de revogação judicial da cláusula do contrato de sociedade que atribua a algum dos sócios um direito especial à administração.
5 - Quando se trate de destituir quaisquer titulares de órgãos judicialmente designados, a destituição é dependência do processo em que a nomeação teve lugar”.
[9] A propósito do referido processo de jurisdição voluntária, escreveu João Labareda (“Notícia sobre os processos destinados ao exercício de direitos sociais”, Direito e Justiça, 01-01-1999, publicação da Universidade Católica Portuguesa, pp.79-80, acessível in file:///C:/Users/isabe/Downloads/11058-Texto-19760-1-10-20220211%20(1).pdf):
“Quando, cautelarmente, seja requerida a suspensão do cargo ocupado, o tribunal, efectuadas as diligências necessárias, decidirá sem prévia audição do visado, que só depois terá oportunidade de se pronunciar.
Embora a lei não o refira, a suspensão poderá ser pedida no requerimento inicial ou posteriormente, no decurso da acção e antes da decisão final, como é próprio das providências cautelares.
Se a medida for requerida inicialmente, a citação para o processo de destituição só deve ocorrer após a pronúncia do tribunal e terá lugar também para os termos da providência. No caso contrário, o requerimento deverá ser especialmente notificado após a decisão para, se for declaratória, o interessado se lhe opor e, se for denegatória, poder acompanhar o eventual recurso que venha a ser interposto pelo requerente vencido.
Duvidosa é a questão de saber se a suspensão pode ser requerida previamente à acção de destituição.
A natureza cautelar da medida apontaria para uma resposta afirmativa.
Porém, as disposições de direito substantivo que expressamente prevêem a suspensão parecem inculcar uma solução diferente, a qual, a merecer sufrágio, prevalecerá, naturalmente, também para os casos em que a suspensão é pedida mesmo para além de expressa previsão legal.
Bem vistas as coisas, numa situação destas, admitir o pedido de suspensão previamente à instauração da acção principal de destituição não traz qualquer vantagem relevante e não colhe razão suficiente.
É que, por um lado, a ponderação dos interesses em jogo aconselha que, ao apreciar a questão da suspensão, o tribunal conheça já suficientemente os fundamentos do pedido de destituição, ainda que não possa considerar-se em condições definitivas para melhor o decidir, visto não ter auscultado as razões do requerido.
A verdade é que a factualidade que justifica os dois diferentes pedidos tem de ser substancialmente a mesma e a motivação jurídica que legitima a destituição não pode deixar de ser comum à que determina a suspensão.
Acresce a circunstância de o juiz, atento o carácter do processo, poder promover, por iniciativa própria, o que tiver por conveniente para a adopção de uma solução adequada e oportuna, devendo, para tanto, ser razoavelmente orientado pelo conhecimento do que, segundo o requerente, baseia a solução definitiva que pretende ver consagrada pelo tribunal.
Inclino-me, por tudo isto, a sustentar a impossibilidade de requerimento de suspensão sem que simultaneamente seja pedida a destituição”.
[10] Salientando as caraterísticas do presente processo especial e a relação que se estabelece, nos termos gerais, entre uma decisão cautelar e a posterior decisão da ação principal e aludindo ainda à questão alusiva à audição prévia do requerido em sede de medida de suspensão cfr., a título meramente exemplificativo, o acórdão do TRP de 26-10-2017, processo: 2894/16.9T8STS-A.P1 (Relator: Jorge Seabra) em que se concluiu que “[a]expressão “imediatamente” empregue pelo legislador na redacção do n.º 2 do art. 1055º do CPC [oriunda do art. 1484º-B, n.º 2 do CPC, na versão introduzida pelo DL n.º 329-A/95] não traduz uma vontade inequívoca no sentido do estabelecimento da regra absoluta de exclusão da audiência prévia do requerido em procedimento de suspensão de funções de gerente, antes pretendendo enfatizar o caracter urgente do procedimento e a circunstância de o mesmo ser decidido autonomamente e em momento anterior à decisão do pedido principal de destituição./ Não excluindo o legislador o contraditório do requerido, o juiz apenas pode afastar a audiência prévia do requerido se a sua audição colocar «em risco sério o fim ou a eficácia da providência», nos termos consignados no art. 366º, n.º 1 do CPC” e, no mesmo sentido, o acórdão do TRP de 10-01-2022, processo: 6159/21.6T8VNG.P1 (Relator: Pedro Damião da Cunha); em sentido diferente, considerando que “[n]os termos em que está legalmente prevista, a medida cautelar de suspensão do cargo de titulares de órgãos sociais prevista no art. 1055º, nº 2, do CPC não exige a prévia audiência do requerido” cfr. o acórdão do TRC de 28-01-2020, processo: 5868/19.4T8CBR-A.C1 (Relator: Maria Catarina Gonçalves), todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[11] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, CPC Anotado, 2018, vol. I, Coimbra: Almedina, p. 423.
[12] Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do processo Civil, 2004, III Volume, Coimbra: Almedina, p. 159.
[13] Acórdão do STJ de 24-09-2003, processo: 03P243 (Relator: Henriques Gaspar), acessível in www.dgsi.pt.