Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2989/22.0T9CSC.L1-5
Relator: LUÍSA MARIA DA ROCHA OLIVEIRA ALVOEIRO
Descritores: ESTABELECIMENTO SIMILAR A HOTELARIA
DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO
CONCESSÃO CADUCADA
CONTRAORDENAÇÃO MUITO GRAVE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade da relatora):
I. Um estabelecimento similar a Hotelaria construído numa parcela de terreno (na sequência de ter sido conferido Alvará de Concessão) inserida nas margens das águas costeiras, numa área exterior ao areal, acima da linha de máxima preia-mar das águas vivas equinociais, classificado como equipamento de praia complementar, situado entre duas praias urbanas com uso intensivo, designadas por tipo I, (cfr. arts. 4º, al. z); 47º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a); 67º, nº 2, al. a) subal. 2) e 68º, nº 1 do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) para o troço ..., aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98 e publicado a 19 de outubro de 1998) considera-se localizado em terrenos do domínio público marítimo.
II. Findo o prazo da concessão e não tendo a mesma sido prorrogada, a concessão caduca.
III. Não tendo havido demolição das instalações nem tendo o Estado optado pela reversão, mantendo-se o estabelecimento a laborar, após a caducidade da concessão, tal conduta consubstancia a utilização de recursos hídricos sem o respetivo título, o que constitui uma contraordenação muito grave, nos termos do art. 81º, nº 3 do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, que aprovou o Regime de Utilização dos Recurso Hídricos (RURH).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. RELATÓRIO
Nos presentes autos de recurso de contraordenação proveniente do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Criminal de Cascais - Juiz 2, em que é arguida a recorrente AA foi proferida, em 19.01.2024, a seguinte sentença:
“Nestes termos, o Tribunal decide:
A. Julgar totalmente improcedente a impugnação judicial apresentada e manter, em conformidade, a decisão administrativa que condenou a Recorrente AA numa coima de €24.000,00 pela prática, a título negligente, pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelos artigos 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua atual redação e pelo artigo 22.º, n.º 4, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto, na redação dada pela Lei n.º 114/2015, de 28 de agosto (…)”.
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Inconformada, a recorrente AA interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
“1ª A recorrente foi condenada pela prática de uma contraordenação ambiental muito grave por o seu estabelecimento de … "..." estar a laborar após ter sido declarada a caducidade do alvará de concessão n.º ...DPM, facto que seria subsumível ao disposto no art.º 81.º/3/a do Dec.Lei n.º 226- A/2007, de 31 de Maio, i.e. utilização de recursos hídricos sem o respectivo título.
2ª A douta sentença recorrida entendeu que os factos imputados à recorrente e pelos quais a mesma foi condenada numa coima de €24.000 são efectivamente subsumíveis ao tipo contraordenacional em razão da localização das referidas instalações no passeio marítimo (paredão) de Cascais.
3ª Ao decidir como decidiu a douta sentença recorrida fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação da lei.
4ª Está em causa a exploração das instalações do ... após a declaração da caducidade do respectivo alvará de concessão.
5ª De acordo com o disposto no art.º 69.º/2/a da Lei n.º 58/2006, de 29 de Dezembro, findo o prazo fixado no título, quando se trate de concessão, as obras executadas e as instalações construídas no estrito âmbito da concessão de utilização de recursos hídricos revertem gratuitamente para o Estado.
6ª Ou seja, à data dos factos imputados à recorrente, a propriedade do edifício construído ao abrigo do alvará de concessão n.º ...DPM já havia revertido para o Estado.
7ª E consequentemente o que está em causa é tão só e apenas a utilização de um edifício sem título válido, e não a utilização não titulada de recursos hídricos.
8ª Com efeito, os factos em apreço não são subsumíveis nem ao previsto nos arts. 60.º e 61.º da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, nem aos arts. 19.º e 23.º do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 15 de Novembro, maxime porque não consubstanciam a construção ou alteração de instalações fixas ou desmontáveis, nem de apoios de praia ou similares, mas tão só e apenas a laboração de um estabelecimento de bebidas instalado numa edificação construída ao abrigo de um alvará de concessão entretanto objecto de uma declaração de caducidade por parte da ARHTO/APA, cuja propriedade já pertencia ao Estado à data dos factos.
9ª Daí resultando que o edifício onde se encontra instalado o ... da recorrente, não constitui um recurso hídrico pois não é subsumível ao respectivo conceito legal.
10ª Razão pela qual os factos imputados à recorrente não são pura e simplesmente subsumíveis ao tipo contraordenacional por cuja prática foi condenada.
11ª Termos em que a douta sentença recorrida fez errada apreciação dos factos e igualmente errada interpretação e aplicação da lei, maxime do arts. 60.º e 61.º e 69.º/2/a da Lei n.º 58/2005, de 29 de Dezembro, e dos arts. 19.º, 23.º e 81.º/3/a do Dec.Lei n.º 226-A/2007, de 31 de Maio”.
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O recurso foi admitido, por despacho proferido em 21.02.2024, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.
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O Ministério Público apresentou Resposta, concluindo do seguinte modo:
“1. A recorrente AA foi condenada numa coima no valor de €24.000,00 (vinte e quatro mil euros), pela prática, a título negligente, de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista e punida pelos artigos 81º, nº 3, alínea a), do Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio e pelo artigo 22º, nº 4, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29 de agosto, na redação conferida pela Lei nº 114/2015, de 28 de agosto.
2. O domínio público hídrico engloba o domínio público marítimo, o qual compreende, para além do mais, as águas costeiras e territoriais e as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés.
3. A margem das águas do mar - faixa de terreno contígua ou sobranceira à linha que limita o leito das águas – abrange uma largura de 50 m (cinquenta metros), contados a partir da linha limite do leito.
4. O ..., estende-se por cerca de 2.750 m, ao longo da orla costeira, encontrando-se, tal como admite a recorrente, inserido nas margens das águas costeiras, na medida em que não dista 50 m em largura das mesmas.
5. Deste modo, é inequívoco que o paredão e, por maioria de razão, todas as edificações que no mesmo se encontrem implantadas, se encontram inseridas no domínio público hídrico.
6. A utilização privativa de terrenos do domínio público hídrico, que se destinem à edificação de empreendimentos turísticos e similares, está sujeita a prévia concessão, consistindo o estabelecimento explorado pela recorrente num equipamento de praia, tal como definido no artigo 4º, alínea z), do Plano de Ordenamento da Orla Costeira de  ..., aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98, de 19 de outubro, alterada pela Resolução do Conselho de Ministros nº 82/2012 de 3 de outubro.
7. A praia da ... é classificada como praia urbana com uso intensivo, designada por tipo I (artigo 47º, nº 1m alínea a) e 2, alínea a) do POOC de … ...), sendo admitidos equipamentos de praia, mormente o estabelecimento explorado pela recorrente, cuja localização só é permitida em áreas exteriores ao areal, acima da linha de máxima preia-mar das águas vivas equinociais (artigos 67º, nº 2, alínea a), 2) e 68º, nº 1, do citado POOC), ou seja, no ....
8. O ..., explorado pela recorrente, encontrava-se em zona de domínio público hídrico, porquanto se encontrava implantado a uma distância inferior a 50m das águas costeiras, ou seja, nas margens destas.
9. Em 23 de março de 2005, foi concedido à recorrente, pela CCDR-LVT, o alvará de concessão nº ...DPM para instalação e utilização do estabelecimento …, pelo período de 9 (nove) anos, contados a partir da data da assinatura do termo de responsabilidade, em 14 de abril de 2005, o qual caducou em 14 de abril de 2014.
10. A recorrente foi notificada do ofício nº …ARHTP-DRHL, da APA, datado de …2016, o qual declarou, expressamente, a caducidade do título de concessão que lhe havia sido concedido, deste modo, em junho de 2016, não detinha qualquer título que lhe permitisse utilizar o equipamento de praia ..., pelo que, ao permanecer a explorar o mesmo incorreu em contraordenação ambiental muito grave.
11. Encontrando-se a recorrente a utilizar o estabelecimento ..., que consubstancia uma utilização privativa de recursos hídricos de domínio público, sem estar devidamente habilitada para o efeito, encontra-se, pois, preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto na alínea a), do n.º 3, do artigo 81.º, do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio.
12.Deverá, pois, manter-se a sentença recorrida.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de “secundar a posição da Exmª PR respondente e sugerir a validação doo judiciosamente Decidido”.
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do C.P.Penal.
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Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. OBJETO DO RECURSO
Conforme é jurisprudência assente (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”.
O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente (das quais devem constar de forma sintética os argumentos relevantes em sede de recurso) a partir da respetiva motivação, pelo que “[a]s conclusões, como súmula da fundamentação, encerram, por assim dizer, a delimitação do objeto do recurso. Daí a sua importância. Não se estranha, pois, que se exija que devam ser pertinentes, reportadas e assentes na fundamentação antecedente, concisas, precisas e claras” (Pereira Madeira, Art. 412.º/ nota 3, Código de Processo Penal Comentado, Coimbra: Almedina, 2021, 3.ª ed., p. 1360 – mencionado no Acórdão do STJ, de 06.06.2023, acessível em www.dgsi.pt).
Isto, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (artigo 412º, nº 1 do CPPenal).
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Face às conclusões extraídas pela recorrente da motivação apresentada, cumpre apreciar a questão de saber se os factos imputados à recorrente são subsumíveis ao tipo contraordenacional por cuja prática foi condenada.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
1. A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
“i) Da decisão administrativa
1. No dia 1 de junho de 2016, pelas 11h30, no passeio marítimo, concretamente no troço compreendido entre a ... e a ..., o estabelecimento …, explorado pela Recorrente, encontrava-se aberto com a esplanada montada no mencionado passeio, a laborar.
2. Na fiscalização realizada ao estabelecimento pela Polícia Marítima apenas estava presente a representante do gerente da Recorrente e empregada do estabelecimento, a Sra. BB, tendo esta informado que, se o objetivo da fiscalização era verificar os documentos da Recorrente, os mesmos não se encontravam naquele local, estando à guarda do proprietário do estabelecimento.
3. Nessa sequência, a Polícia Marítima deslocou-se às instalações da Capitania do Porto de …, tendo verificado que junto da documentação da Recorrente, se encontrava uma notificação da APA, intitulada Ofício n.º …ARHTO-DRHL, referente à caducidade do alvará de concessão n.º …DPM.
4. A Polícia Marítima remeteu um email, no mesmo dia, para a APA, no sentido de esclarecer a situação do alvará de concessão, tendo rececionado a resposta no dia 8 de junho de 2016, pelas 10h13, da qual constava que:
«a ocupação em apreço é ilegal, mantendo-se assim válida a notificação já anteriormente remetida ao ex titular, no sentido de proceder à remoção da estrutura, para a qual estão estes a preparar os necessários procedimentos».
5. No dia 30 de junho, pelas 10h30, a Polícia Marítima constatou que o estabelecimento da Recorrente referido em 1. se encontrava a laborar, tendo sido transmitido à representante do proprietário que seria lavrado auto de notícia.
6. À Recorrente tinha sido conferido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., a 23 de março de 2005, o alvará de concessão com o n.º …DPM para ocupação do espaço referido em 1., com a instalação de um equipamento, na área do Plano de Ordenamento de Orla Costeira para o troço ....
7. A concessão era válida por um período de 9 anos, contados a partir da data da assinatura do termo de responsabilidade a … 2005.
8. A Recorrente era notificada para proceder ao pagamento da taxa de recursos hídricos, referente à ocupação do espaço, o que fazia.
9. Através do Ofício n.º …ARHTO.DRHL da APA, com registo de saída datado de ... de ... de 2015, foi a Recorrente notificada para se pronunciar, em sede de audiência prévia, quanto à seguinte proposta de decisão:
«Não tendo título eficaz do domínio público marítimo, por caducidade do mesmo, deve demolir a estrutura existente, identificada como P29 no plano da ... alterado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 82/2012, de 3 de outubro, e repor a situação que existia anteriormente à execução das obras, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, procedendo à remoção de entulho e destroços existentes, no prazo de 15 dias.
Atenta a caducidade do título, pode considerar-se abusiva a manutenção da utilização, aplicando-se o regime e cominações legais previstas para a utilização abusiva do domínio público hídrico, em conformidade com o disposto no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 226-A, de 31 de maio».
10. A Recorrente não apresentou qualquer pronúncia no prazo de audiência prévia, pelo que foi notificada através do Ofício n.º 5063481-201512-ARHTO-DRHL da APA, datado de 6 de janeiro de 2016, da manutenção da decisão inicial, ou seja, da caducidade do alvará n.º ...DPM.
11. Mais foi notificada a Recorrente do Ofício n.º S063481-201512-ARHTO-DRHL da APA:
«Nessa medida, mais se notifica que não tem um título válido para ocupação do domínio público marítimo, pelo que, deve, repor a situação que existia anteriormente à execução das obras, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, procedendo à remoção da estrutura existente, no prazo de vinte dias».
12. A Recorrente interpôs uma providência cautelar de suspensão de eficácia do ato que declarou a caducidade do alvará de concessão, dando origem ao processo n.º …BESNT, que correu os seus, termos na … unidade orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de …, tribunal este que se pronunciou pela sua improcedência, através de sentença datada de 2 de maio de 2016, devidamente notificada à Recorrente.
13. A Recorrente interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de …, para o Tribunal Central Administrativo Sul, que foi por este julgado improcedente mantendo-se a decisão recorrida, mediante sentença datada de 5 de junho de 2017, que transitou em julgado a 10 de julho de 2017.
14. No dia 1 de junho de 2016, a Recorrente não era possuidora de título válido que permitisse a sua laboração no local em que se encontrava.
15. A Recorrente, na pessoa do seu representante legal era responsável, à data de 1 de junho de 2016, pelas ações e gestão decorrentes do equipamento que se encontrava instalado no local.
16. A Recorrente, na pessoa do seu representante legal, ao manter a laboração do estabelecimento naquele local, sem que estivesse devidamente titulada para o efeito, desrespeitou as mais elementares regras de prudência e de cuidado, nomeadamente não agiu com a diligência necessária para cumprir com as obrigações legais.
17. A Recorrente, na pessoa do seu representante legal, sabia que tal conduta lhe estava vedada por lei e, tendo capacidade de atuação segundo a norma legal, ainda assim não se inibiu de a realizar.
ii) Da impugnação judicial:
18. Em 13 de maio de 2016, o gerente da Recorrente sofreu de uma paralisia facial.
(…)
ii) Enquadramento jurídico contraordenacional
Assente a factualidade provada relevante para os presentes autos, importa proceder ao seu enquadramento jurídico.
Conforme supra referido, a Recorrente foi sancionada com uma coima de € 24.000,00 pela prática, em 1 de junho de 2016, de uma contraordenação ambiental muito grave, prevista pelo artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, na sua atual redação, que aprovou o Regime de Utilização dos Recursos Hídricos.
Este diploma deve ser analisado juntamente com a Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro, que aprovou a Lei da Água, uma vez que ambos vieram estabelecer o novo regime de utilização dos recursos hídricos, com vista a instituir uma gestão mais eficaz dos mesmos, baseada na articulação de utilizações distintas da água e terrenos com ela conexos, sujeitando ao princípio do licenciamento determinadas
utilizações do domínio hídrico, quer público, quer privado.
A Recorrente alega, em síntese, que não se encontra preenchido o tipo objetivo de ilícito contraordenacional.
Vejamos o quadro legal relevante para o caso previsto no Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio e na Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro.
Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio:
«Artigo 81.º
Contra-ordenações
(…)
3 - Constitui contra-ordenação ambiental muito grave:
a) A utilização dos recursos hídricos sem o respectivo título;
(…)».
Lei n.º 58/2005, de 29 de dezembro:
«Artigo 59.º
Utilização privativa dos recursos hídricos do domínio público
(…)
2 - O direito de utilização privativa de domínio público só pode ser atribuído por licença ou por concessão qualquer que seja a natureza e a forma jurídica do seu titular, não podendo ser adquirido por usucapião ou por qualquer outro título».
«Artigo 68.º
Regime das concessões
1 - A concessão de utilizações privativas dos recursos hídricos do domínio público é atribuída nos termos de contrato a celebrar entre a administração e o concessionário.
(…)
8 - Em contrapartida da utilização do domínio público hídrico é devida uma taxa de recursos hídricos por força da utilização dominial, do impacte efetivo ou potencial de atividade concessionada, no estado das massas de águas, e ainda, se for caso disso, uma renda pelos bens e equipamentos públicos afetos ao uso e fruição do concessionário».
Ora, a Recorrente sustenta que as instalações do seu estabelecimento à semelhança do paredão de Cascais, no qual se situam, não integram o conceito de recursos públicos hídricos e, consequentemente, não pode estar em causa a utilização não titulada daqueles recursos.
Com efeito, entende que o paredão é uma obra pública construída nesses terrenos dominiais que não integra os recursos hídricos públicos.
Sucede que não assiste razão à recorrente, pelos motivos que se passam a expor.
A CRP, estatui, no artigo 84.º, n.º 1, alínea a), que pertencem ao domínio público as águas territoriais com o seu leito e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis e flutuáveis, com os respetivos leitos.
A Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, delimita, porém, com mais pormenor quais os recursos hídricos que integram o domínio público e aqueles que, ao invés, pertencem aos particulares.
Assim, nos termos do artigo 2.º, n.º 1 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, o domínio público hídrico compreende o domínio público marítimo, o domínio público lacustre e fluvial, e ainda o domínio público das restantes águas.
O domínio público marítimo, nos termos do estatuído no artigo 3.º da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, integra: as águas costeiras e territoriais; as águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas; o leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés; os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva; as margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés. – sublinhado nosso
Estes recursos são da titularidade do Estado ou das regiões autónomas, caso se localizem no território destas, exceto se estiverem integralmente situados em terrenos municipais ou das freguesias ou em terrenos baldios municipais ou paroquiais, casos em que pertencerão, respetivamente, ao município ou freguesia (artigo 6.º do referido diploma).
O domínio público hídrico é assim constituído por várias categorias de águas públicas, mas inclui também, por conexão, um certo número de terrenos a elas ligados, o que significa que os leitos e as margens das águas costeiras pertencem a esta categoria porque a utilidade pública protegida por estes bens se relaciona, direta ou indiretamente, com as águas que constituem o seu objeto.
Neste sentido, ensinam Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes: «A designação domínio hídrico não significa, como se disse, que apenas seja constituído pelas águas, mas mostra que estas são o elemento subordinante de todo o regime, ao passo que os terrenos que com elas se encontram relacionados são o elemento subordinado1».
Cumpre, neste momento, fazer corresponder ao artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio, a factualidade concretamente demonstrada nos autos.
In casu, é evidente que estando o estabelecimento da Recorrente situado no passeio marítimo compreendido entre a praia da ... e da ... e a poucos metros do alcance das águas do mar (facto provado no ponto 1), se encontra em terrenos do domínio público marítimo.
Assim, não restam dúvidas de que o estabelecimento da Recorrente se encontra situado no domínio público hídrico, porquanto o facto de estar situado num paredão não lhe retira a localização do domínio público hídrico e a sua caracterização como equipamento de praia. Acrescente-se que o gerente da Recorrente não podia ignorar a localização do seu estabelecimento, na medida em que celebrou um contrato de concessão para utilização do domínio público hídrico e pagava a respetiva taxa (factos provados nos pontos 6 e 8).
Aqui chegados, cumpre apenas aferir se a utilização dos recursos hídricos por parte da Recorrente carecia do respetivo título.
Foi emitido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., a … de 2005, o alvará de concessão n.º ...DPM. A concessão foi válida por 9 anos, contados a partir da data da assinatura do termo de responsabilidade a 14 de abril de 2005 (factos provados nos pontos 6 e 7).
Não tendo ocorrido a prorrogação do referido título de utilização, o mesmo caducou no dia 14 de abril de 2014, do que a Recorrente foi notificada (facto provado nos pontos 9, 10 e 11), tendo tal facto levado a Recorrente a apresentar uma providência cautelar de suspensão de eficácia do ato que declarou a caducidade do alvará de concessão nos tribunais administrativos (facto provado nos pontos 12 e 13).
Ora, à data dos factos nos presentes autos – dia 1 de junho de 2016 – a Recorrente exercia a sua atividade sem estar devidamente titulada para o efeito (facto provado no ponto 14).
Assim, encontrando-se a Recorrente na utilização privativa de recursos hídricos de domínio público, sem estar devidamente habilitada para o efeito, encontra-se preenchido o tipo objetivo de ilícito previsto na alínea a) do n.º 3 do artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio.
No que respeita aos elementos subjetivos da conduta, defende a Recorrente que a prática da contraordenação não pode ser imputada a título de dolo, nem de negligência.
À Recorrente foi imputada a prática dos factos a título de negligência, nos termos do artigo 9.º, n.º 2 da Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto.
De facto, o que distingue o dolo da negligência é o elemento volitivo, inexistente na segunda. A negligência encontra-se definida no artigo 15.º do Código Penal. Como resulta da norma, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto correspondente a um tipo de crime, mas atua sem se conformar com essa realização (negligência consciente) ou não chega sequer a representar a possibilidade da realização do facto (negligência inconsciente). Assim, a negligência é antes de mais a violação de um dever objetivo de cuidado, consistindo este em o agente não ter usado aquela diligência exigida segundo as circunstâncias concretas, para evitar o evento2.
Ora, no caso concreto a circunstância de o representante legal da Recorrente ter sofrido de paralisia cerebral em data anterior aos factos em causa nos autos não afasta a prática, pela Recorrente, da contraordenação, nem da negligência, dado que não se provou que essa circunstância o tenha impedido de tomar decisões relativas à gestão do estabelecimento e acompanhar a sua atividade (de acordo com o facto não provado no ponto a)).
Assim, a conduta imputada à Recorrente resulta da violação de um dever objetivo de cuidado, dado que não agiu com a diligência necessária para cumprir com as obrigações legais, traduzindo-se num desleixo ou leviandade típicos da negligência, assim se preenchendo o elemento subjetivo do tipo de ilícito.
Em face do exposto, encontra-se demonstrado o preenchimento da tipicidade objetiva e subjetiva do ilícito imputado à Recorrente por violação do artigo 81.º, n.º 3, alínea a) do Decreto-Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio.
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Apreciação do recurso
A recorrente alega que, à data dos factos que lhe são imputados, a propriedade do edifício construído ao abrigo do alvará de concessão nº ...DPM já havia revertido para o Estado pelo que o que está em causa é apenas a utilização de um edifício sem título válido e não a utilização não titulada de recursos hídricos (conclusões 6ª e 7ª).
Mais alega que o edifício onde se encontra instalado o ... da recorrente não constitui um recurso hídrico (conclusão 9ª).
Vejamos se lhe assiste razão.
O preenchimento do conceito de recurso hídrico resulta da Lei.
No que respeita ao quadro legal relevante para a situação em apreço há que considerar art. 84º, nº 1 al. a) da Constituição da República Portuguesa; o Decreto-Lei nº 226-A/2007, de 31 de maio, que aprovou o Regime de Utilização dos Recurso Hídricos (RURH); a Lei nº 58/2005, de 29 de dezembro (Lei da Água), e a Lei nº 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos Recursos Hídricos (LTRH).
Como se refere no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 133/2018, Proc. nº 1229/179: “A punição penal e contraordenacional de condutas lesivas do ambiente encontra a sua justificação constitucional no direito fundamental ao ambiente, consagrado no artigo 66.º, n.º 1, da CRP. Tal como se referiu no Acórdão n.º 591/2015: «(…) o direito ao ambiente exige do Estado atuações positivas de proteção, «isto é, concretas atividades de promoção de um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado ou de controlo de ações capazes de o degradar» (cfr. MARIA DA GLÓRIA GARCIA, “Comentário ao artigo 66.º”, in JORGE MIRANDA/RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol I, 2ª Ed., p. 1345). (…) E a proteção do bem jurídico ambiente de que aqui se fala é pautada pela ideia de prevenção do perigo que possa vir a afetar o meio ambiente (sobre a prevenção de perigo, cfr., por exemplo, MIGUEL NOGUEIRA DE BRITO, “Direito Administrativo de Polícia”, in PAULO OTERO/PEDRO COSTA GONÇALVES (Coords.), Tratado de Direito Administrativo Especial, Vol. I, Coimbra: Almedina, 2009, p. 306 ss.; JORGE SILVA SAMPAIO, O dever de proteção policial de direitos, liberdades e garantias, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, pp. 61 ss.)». Ora, no âmbito das contraordenações ambientais, situamo-nos em sede de medidas preventivas, com vista a proteger um direito fundamental de grande valor e constitucionalmente tutelado, como o é o direito a um ambiente de vida humana, sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 66.º, n.º 1, da CRP). Esta incumbência do Estado decorre, desde logo, do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 66.º, onde concretamente se dispõe sobre a prevenção e o controlo da poluição e dos seus efeitos.”.
De acordo com o disposto no art. 84º, nº 1, al. a) da CRP:
“1. Pertencem ao domínio público:
a) As águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respectivos leitos”.
O RURH e a Lei da Água vieram estabelecer o novo regime de utilização dos recursos hídricos com o objetivo de estabelecer uma gestão mais eficaz e sustentável dos mesmos, baseada na articulação de utilizações distintas da água e terrenos envolventes e com ela conexos, sujeitando ao princípio do licenciamento, determinadas utilizações do domínio hídrico, quer público quer privado.
Nos termos do disposto no art. 3º da Lei nº 54/2005, de 15.11(LTRH):
O domínio público marítimo compreende:
a) As águas costeiras e territoriais;
b) As águas interiores sujeitas à influência das marés, nos rios, lagos e lagoas;
c) O leito das águas costeiras e territoriais e das águas interiores sujeitas à influência das marés;
d) Os fundos marinhos contíguos da plataforma continental, abrangendo toda a zona económica exclusiva;
e) As margens das águas costeiras e das águas interiores sujeitas à influência das marés”.
Tal como consta da decisão recorrida, os recursos hídricos “são da titularidade do Estado ou das regiões autónomas, caso se localizem no território destas, exceto se estiverem integralmente situados em terrenos municipais ou das freguesias ou em terrenos baldios municipais ou paroquiais, casos em que pertencerão, respetivamente, ao município ou freguesia (artigo 6.º do referido diploma).
O domínio público hídrico é assim constituído por várias categorias de águas públicas, mas inclui também, por conexão, um certo número de terrenos a elas ligados, o que significa que os leitos e as margens das águas costeiras pertencem a esta categoria porque a utilidade pública protegida por estes bens se relaciona, direta ou indiretamente, com as águas que constituem o seu objeto”.
Nos termos da LTRH, os recursos hídricos compreendem as águas, abrangendo ainda os respetivos leitos e margens, zonas adjacentes, zonas de infiltração máxima e zonas protegidas (neste sentido, Acórdão do TRC de 13.12.2022, Proc. nº 11/22.5T8CNF.C1).
No caso em apreço, no dia 01.06.2016, a recorrente explorava o estabelecimento … situado no passeio marítimo, no troço compreendido entre a ... e a ... na sequência de, em …2005, lhe ter sido conferido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo, o “Alvará de Concessão para a Ocupação do Domínio Público Marítimo”, Alvará nº …DPM, “para ocupar uma parcela de terreno do Domínio Público Marítimo na área do Plano de Ordenamento da Orla Costeira para o troço ..., aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98 e publicado a 19 de Outubro de 1998, sob a jurisdição dos serviços do Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, para a instalação de um Equipamento (E) similar a hotelaria e esplanada” (cfr. Alvará nº ...DPM).
A concessão era válida por 9 anos, contados a partir da data da assinatura do termo de responsabilidade, a …2005 e, nesse período, a recorrente foi notificada para proceder ao pagamento da taxa de recursos hídricos, referente à ocupação do espaço, o que fazia (cfr. pontos 7 e 8 dos factos provados), sendo tal taxa paga anualmente como contrapartida da “ocupação de terrenos do Domínio Público Marítimo” (cfr. ponto 12 do Alvará nº ...DPM).
Considerando a localização do estabelecimento ..., explorado pela recorrente, é indubitável que o mesmo se localiza em terrenos do domínio público marítimo.
Com efeito, trata-se de um equipamento de praia complementar, situado entre duas praias urbanas com uso intensivo, designadas por tipo I, localizado numa área exterior ao areal, acima da linha de máxima preia-mar das águas vivas equinociais (cfr. arts. 4º, al. z); 47º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a); 67º, nº 2, al. a) subal. 2) e 68º, nº 1 do Plano de Ordenamento da Orla Costeira (POOC) para o troço ..., aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 123/98 e publicado a 19 de outubro de 1998).
Estendendo-se o ... ao longo da orla costeira daquela linha de máxima preia-mar das águas vivas equinociais, é também inquestionável que o mesmo está inserido nas margens das águas costeiras, tal como as edificações nele implantadas. Daqui resulta que está inserido no domínio público marítimo (o que era, aliás, do conhecimento da recorrente, atento o teor do Alvará nº …DPM e do termo de Responsabilidade de …2005 e a circunstância de proceder ao pagamento anual da taxa de recursos hídricos como contrapartida da ocupação do espaço).
Aqui chegados, considerando que a recorrente, no dia 01.06.2016, não era possuidora de título válido que permitisse a sua laboração no local onde se encontrava (cfr. ponto 14 dos factos provados), impõe-se analisar se tal conduta integra (material e formalmente) a contraordenação pela qual foi condenada.
Com efeito, encontrando-se, como vimos, o estabelecimento explorado pela recorrente em terrenos do domínio público marítimo, aplica-se o disposto no art. 59º da Lei da Água, nos termos do qual:
“Utilização privativa dos recursos hídricos do domínio público
1 - Considera-se utilização privativa dos recursos hídricos do domínio público aquela em que alguém obtiver para si a reserva de um maior aproveitamento desses recursos do que a generalidade dos utentes ou aquela que implicar alteração no estado dos mesmos recursos ou colocar esse estado em perigo.
2 - O direito de utilização privativa de domínio público só pode ser atribuído por licença ou por concessão qualquer que seja a natureza e a forma jurídica do seu titular, não podendo ser adquirido por usucapião ou por qualquer outro título”.
Resulta do exposto que a recorrente necessita de um desses atos administrativos válidos para poder utilizar tal espaço do domínio público, sendo a concessão atribuída “nos termos de contrato a celebrar entre a administração e o concessionário” (art. 6º, nº 1 da Lei da Água).
Com a celebração do contrato de concessão é emitido um Alvará de Concessão.
Como se refere no Acórdão do TRC de 13.12.2022, Proc. nº 11/22.5T8CNF.C1: “Nos termos do art. 60.º da LA, estão sujeitas a licença (prévia) e são classificadas como utilizações privativas dos recursos hídricos do domínio público, a imersão de resíduos (alínea c)), a instalação de infraestruturas (alínea j)), o corte de árvores (alínea l)), a realização de aterros ou de escavações (alínea m)) e a extração de inertes (alínea o)).”
No entanto, tal como resulta da factualidade provada, o Alvará de Concessão estava caducado, nos termos do art. 14º, al. a) do Decreto -Lei nº 46/94, de 22 de fevereiro, encontrando-se a recorrente a explorar um equipamento similar a Hotelaria, sito em domínio público marítimo (na área do POOC para o troço ...), sem estar devidamente titulada para esse efeito pois, com o termo do contrato (sem que tenha havido prorrogação), a relação contratual extinguiu-se.
Alega a recorrente que, à data dos factos imputados, a propriedade do edifício havia revertido para o Estado (finda a concessão, o bem regressou ao património do Estado) pelo que o que está em causa é a utilização de um edifício sem título válido e não a utilização não titulada de recursos hídricos.
Ora, tendo resultado demonstrado que, findo o prazo da concessão e não tendo a mesma sido prorrogada, a recorrente manteve o estabelecimento a laborar, é forçoso concluir que a situação em apreço não se enquadra na reversão a que se reporta o ponto 14 do Alvará nº …DPM nos termos do qual “findo o prazo da concessão e caso esta não seja prorrogada, nos termos da legislação, as instalações deverão ser demolidas pelo seu titular, salvo se o Estado optar pela reversão, não derivando daí, para o interessado qualquer direito de indemnização”.
Resulta do exposto que, na sequência da caducidade da concessão, a recorrente deveria ter demolido as instalações construídas na parcela de terreno do domínio público marítimo, objeto do mencionado Alvará de Concessão.
A reversão apenas ocorreria caso o Estado por ela optasse, como forma de evitar a demolição. Neste caso, o terreno voltaria, de novo, a integrar o património do Estado, tal como as instalações nele construídas.
No caso em apreço, contrariamente ao alegado pela recorrente não foi isso que aconteceu.
Efetivamente, a recorrente não demoliu as instalações que construiu, como ainda se manteve a laborar, nessas mesmas instalações, após a caducidade da concessão.
Por isso, a argumentação utilizada não tem relevo para afastar o preenchimento da contraordenação cometida pela recorrente, pela qual foi condenada.
Por conseguinte, a situação em apreço preenche o pressuposto do art. 81º, nº 3 do RURH que dispõe:
“3 - Constitui contra-ordenação ambiental muito grave:
a) A utilização dos recursos hídricos sem o respectivo título;”.
Em face de tudo o que se disse, concluímos que, estando a recorrente a utilizar recursos hídricos de domínio público sem estar devidamente habilitada para o efeito, encontram-se preenchidos todos os pressupostos (objetivos e subjetivos, este último na forma de negligência) da contraordenação ambiental (muito grave) pela qual a recorrente foi condenada.
Nessa medida, improcede o recurso interposto.
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IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.
DN.
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Lisboa, 23 de abril de 2024
Luísa Maria da Rocha Oliveira Alvoeiro
Sandra Oliveira Pinto
Carlos Espírito Santo
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1. Freitas do Amaral e José Pedro Fernandes, Comentário à Lei dos Terrenos do Domínio Público Hídrico, Coimbra Editora, 1978, pág. 55.
2. Jorge Figueiredo Dias e Eduardo Correia, Direito Criminal, Volume I, Almedina, dezembro 2010, pág. 421 e sgs.