Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
730/20.0T8MFR.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
CLÁUSULA DE EXCLUSIVIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I. No contrato de mediação imobiliária celebrado com cláusula de exclusividade a favor da mediadora, esta tem direito à comissão se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao proprietário, seu cliente (n.º 2 do artigo 19.º do Regime jurídico da atividade de mediação imobiliária, Lei 15/2013, de 8 de fevereiro).
II. Se o interessado não chega a ser efetivamente apresentado ao proprietário, se o interessado carece de financiamento para realizar a aquisição e não há evidência de que o consiga obter, e/ou se o interessado apenas compraria com a casa livre de arrendamento e a mesma está arrendada (como era do conhecimento da mediadora), não se pode dizer que a não celebração do contrato visado se tenha ficado a dever ao comportamento ou à indisponibilidade do réu, proprietário do imóvel e cliente da mediadora.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«B», réu na ação declarativa de condenação que lhe foi movida por «A» – Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., notificado da sentença condenatória proferida em 10/11/2023, e com ela não se conformando, interpôs o presente recurso.
A autora intentou a presente ação contra o réu, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 7.500,00 €, acrescida de IVA, e juros moratórios calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento, com  fundamento na celebração e vigência de contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade e na não celebração do contrato visado pela mediação por causa imputável ao réu.
Pessoal e regularmente citado, o réu contestou, alegando que a autora sempre soube que o imóvel estava arrendado e que, aquando da celebração do contrato de mediação, ficou acordado que apenas venderia o imóvel sem o arrendamento se a autora arranjasse alternativa de habitação para os seus inquilinos; mais alegou que tem dificuldades em trabalhar com o email, não sabendo sequer como aceder-lhe e, na altura das comunicações sobre a existência de interessada estava em processo de divórcio e mudou de telemóvel; nunca a existência de uma interessada na compra chegou ao seu conhecimento.
Termina pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente com a sua consequente absolvição do pedido.
O autos seguiram os regulares termos e, após audiência final, foi proferida sentença pela qual o réu foi condenado no pedido.
O réu não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«A. O Apelante discorda, em absoluto, da decisão do Tribunal “a quo”, bem como dos fundamentos de facto e de direito em que a mesma assenta;
B. A decisão recorrida deve ser revogada, porquanto assenta em fundamentos de facto e de direito incorretos;
C. Assim, os Apelados, através da presente Apelação, visam a reapreciação da matéria de facto e de direito;
D. Quanto à matéria de facto: Do cotejo da prova testemunhal e das declarações de parte resulta que deveriam ter sido dados como provados, ao contrário do decidido, os factos elencados sob os pontos n.º 11 e 12 da fundamentação de facto da sentença, pelo que os mesmos devem reapreciados;
E. Por contraponto, do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, deveria ter sido dado como não provado, ao contrário do decidido, o facto elencado sob o n.º 8 da fundamentação de facto da sentença, motivo pelo qual se impugna essa decisão;
F. No que à matéria de direito tange, com a devida vénia, entende o Apelante que o Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação das normas que constituem o fundamento jurídico da decisão, no caso, artigos 370.º, 371.º, 374.º a 376.º e 394.º todos do Código Civil e artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013;
G. Com efeito, o Tribunal “a quo” interpretou e aplicou tais normativos no sentido de que o incumprimento do contrato de mediação dos autos é culposamente imputável ao Apelante;
H. Entendeu o Tribunal “a quo” que “(…) não restam dúvidas que o contrato foi celebrado no regime referido no parágrafo anterior e bem assim que a impetrante realizou a prestação que se passou a inscrever na sua esfera jurídica, ou seja, encontrou interessado na aquisição do imóvel, inclusivamente pelo preço pretendido pelo R. e por isso consignado no contrato dos autos. E também provou que o impetrado se recusou a celebrar o contrato de alienação; motivos pelos quais não pode deixar de proceder integralmente o aqui peticionado, sendo devida a remuneração acordada pela atividade de mediação efetivamente executada.”;
I. Tal conclusão apenas se compreende na medida em que o Tribunal “a quo” entendeu não poder considerar o depoimento testemunhal para prova de uma condição adicional ao contrato de mediação, no caso, que o imóvel só seria vendido caso a Apelada arranjasse uma alternativa habitacional para os arrendatários que ali residiam;
J. Olvidou o Tribunal “a quo” que a vinculação da Apelada a tal condição resultou confessada pela Apelada, nas declarações prestadas pelo seu Legal Representante;
K. Além do que a invocada norma – 394.º do Código Civil – não é aplicável aos contratos de adesão ou aos contratos celebrados com recurso a cláusulas contratuais gerais;
L. Sem prejuízo, a Apelada não atendeu ao pedido do Apelante de que a venda do seu imóvel só deveria ocorrer quando encontrasse investidor ou outro imóvel para os arrendatários tomarem em arrendamento, pelo que a não concretização do negócio visado não é de imputar ao Apelante mas apenas aquela;
M. Tem-se assim que a Apelada não completou todos os atos necessários àquela concretização, não tendo direito à remuneração;
N. Donde, ocorrendo o incumprimento definitivo e culposo do contrato outorgado por parte da Apelada, não tem direito à remuneração convencionada, nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 15/2013.
Perante o exposto, deverão V. Exas julgar procedente o presente recurso de Apelação e, em consequência, revogar a douta decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, proferindo outra na qual o Apelante seja absolvido dos pedidos.»
Não foram oferecidas contra-alegações.
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) A matéria de facto deve ser alterada?
b) A comissão não é devida, pois a não celebração do contrato visado não se ficou a dever (pelo menos, apenas) ao réu?
II. Fundamentação de facto
Estão provados os seguintes factos, que correspondem aos considerados em 1.ª instância, com as alterações justificadas infra em III.1. (na sequência da apreciação da impugnação da decisão de facto):
1. A A. é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de mediação imobiliária;
2. As aqui partes subscreveram o documento de fls. 12 verso e seguintes, no qual se encontra aposta a data de 23.05.2018, o qual designaram por contrato n.º 088180116 e no qual se lê, entre o que demais aí consta:
Entre:
«A» – Sociedade de Mediação Imobiliária, S.A ….., adiante designada como Mediadora,
E
«B», ……, adiante designado(s) como Segundo(s)Contratante(s), na qualidade de proprietário (…), é celebrado o presente contrato de Mediação Imobiliária que se rege pelas seguintes cláusulas:
Cláusula 1.ª (…) O Segundo Contratante é proprietário e legítimo possuidor da fracção autónoma designada pela letra B (…), destinado(a) …, …, com área total de 125 m2, sito na Rua …, Malveira …, concelho de Mafra, …
Cláusula 2.º (…)
1. A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), desenvolvendo para o efeito, acções de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respectivos imóveis;
2. Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora …
Cláusula 4.ª (…)
1 – O Segundo Contratante contrata a Mediadora em regime de exclusividade
2 – O Segundo Contraente obriga-se a não promover, publicitar ou angariar interessados na aquisição do negócio objecto do contrato, sob pena de pagar a comissão devida.
3 – Nos termos de legislação aplicável, quando o contrato é celebrado em regime de exclusividade só a Mediadora contratada tem o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação de mediação durante o respectivo período de vigência …
Cláusula 5.ª (…) O Segundo Contratante obriga-se a pagar à mediadora a título de remuneração: a) A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, não sendo essa quantia inferior a 6.000,00 € (seis mil euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor. ….
Cláusula 7.ª (…) Para garantia da responsabilidade emergente da sua actividade profissional, a Mediadora celebrou um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil no valor de 150.000 € (cento e cinquenta mil euros), apólice n.º …76, através da seguradora Fidelidade.
Cláusula 8.ª (…) O presente contrato tem uma validade de 9 (nove) meses, contados a partir da data da sua celebração, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado pelas partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com antecedência mínima de dez dias em relação ao seu termo. …
3. A A. logrou angariar interessada na compra do imóvel que apresentou a 18.02.2019 proposta de aquisição pelo valor de 150.000,00€;
4. Após o que a A. tentou contactar o R. telefonicamente para o número que este lhe havia fornecido para o efeito, sem sucesso;
5. No dia 21.02.2019, a A. enviou SMS ao R. a informar do acima referido para o telefone mencionado em 4.;
6. No dia 22.02.2019, a A. enviou ao R. comunicação eletróncia de fls. 18 para o endereço que lhe foi fornecido por este, pela qual comunica o referido em 3. e ainda que a subscrição do contrato-promessa estava agendada para o dia 28.02.2019, pelas 19 horas, nas instalações da demandante, devendo ser a escritura de compra e venda celebrada até ao dia 28.03.2019;
7. O R. não respondeu a qualquer dos contactos acima referidos, nem compareceu à assinatura do contrato-promessa no dia e hora designados;
8. [excluído, pelos motivos explicados em III.1.]
9. A A. não diligenciou junto das arrendatárias do imóvel dos autos no sentido de estas exercerem o direito de preferência na sua aquisição na sequência do referido em 3.;
10. Aquando da subscrição do acordo dos autos, o imóvel seu objeto encontrava-se arrendado para habitação há mais de dois anos;
11. Aquando da assinatura do escrito identificado em 2., as partes acordaram que a A. encontraria um imóvel para arrendamento aos então arrendatários do imóvel dos autos, de modo a garantir a situação de habitação dos mesmos; [facto considerado não provado em 1.ª instância e que, pelos motivos explicados em III.1., consideramos provado]
12. O vertido em 10. era do conhecimento da A. [facto considerado não provado em 1.ª instância e que, pelos motivos explicados em III.1., consideramos provado]
III. Apreciação do mérito do recurso
1. Da impugnação da matéria de facto
O recorrente impugnou a decisão de facto, pugnando pela exclusão do n.º 8 dos factos provados e pela prova dos dois factos considerados não provados (n.ºs 11 e 12).
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto é permitida em processo civil, desde que se observem as regras contidas no artigo 640.º do CPC.
Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar:
- os pontos da matéria de facto de que discorda;
- os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida;
- a decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
O réu, ora recorrente, afirmou recorrer da decisão de facto e observou cabalmente as referidas regras: disse, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões do recurso, discordar dos n.ºs 8 (provado), 11 e 12 (não provados) do elenco de factos constante da sentença; disse, nos mesmos lugares, pretender que o n.º 8 se considere não provado e que os demais sejam tidos por provados; e pormenorizou nas alegações os meios de prova que, em seu entender, conduzem à decisão que propõe para os ditos factos.
Para o que ora releva, na sentença objeto de recurso foi considerado provado:
«8. O que determinou a não celebração da compra e venda angariada.»
Na mesma sentença, deu-se por não provado:
«11. As partes acordaram, aquando da assinatura do escrito identificado em 2., que se obrigaria a A. a arranjar um imóvel para arrendamento de modo a garantir a situação de habitação dos à data arrendatários do imóvel dos autos;
12. O vertido a 10. era do conhecimento da A.»
Ouvida toda a prova produzida nas duas sessões da audiência final, damos especial ênfase ao depoimento da testemunha «C», pelo conhecimento direto dos factos que relatou, pela forma como o fez e pelo conteúdo do depoimento. Com efeito, esta testemunha foi a angariadora do imóvel e acompanhou a situação durante os primeiros meses do contrato, inclusive com visitas ao imóvel e interações com os arrendatários e com o réu. Depôs de forma convincente e verdadeira, tanto mais que, consciente de que teria a receber comissão pela angariação se a ação fosse procedente, os factos que narrou, e de que daremos conta a seguir, são favoráveis à improcedência da ação.
Passamos a sumariar:
Teve o primeiro contacto com o imóvel dos autos «batendo de porta em porta, à procura de imóveis para angariar». A porta foi aberta pelo Sr. «D» que disse ser o inquilino, mas que o proprietário teria interesse em vender. O Sr. «D» deu-lhe o contacto do Sr. «B», o dono. A testemunha ligou ao Sr. «B» e ele aceitou a angariação e acabou por assinar o contrato de mediação imobiliária.
Desde o início, o proprietário disse que a mediadora tinha de ajudá-lo a encontrar uma casa para os inquilinos, que já lá estavam há muito tempo e que não queria que ficassem mal; «deu de certa forma responsabilidade também à imobiliária, não diretamente a mim, a todos pediu que se encontrasse um imóvel para o inquilino. Que era um inquilino muito antigo e que ele não queria que ficasse na rua».
A testemunha chegou a fazer uma ou duas visitas ao imóvel com potenciais interessados, na presença dos inquilinos. A esses interessados explicavam que os inquilinos sairiam na altura da escritura «e que até estávamos a ajudar a encontrar outra alternativa». Tentaram arranjar alternativas para o arrendatário, só que o que ele tinha (um T3 com terraço, no centro da Malveira, por cerca de € 400) já não existia no mercado (o que havia ou era pior ou mais caro), pelo que nunca conseguiram apresentar uma alternativa que fosse aceite pelos arrendatários.
«Ele chegou a querer desistir na altura por conta disso, o Sr. «B», sim», «ele quis desistir da angariação, mudou de ideia e na altura eu tentei proporcionar ainda uma reunião com a direção da loja», ele argumentou várias razões, que na altura tinha mudado de ideia, já não queria vender a casa, que ia ficar com a casa, que afinal o inquilino era uma pessoa em quem ele confiava muito e não queria que o senhor ficasse na rua» (minutos 11:29 a 12:06).
Como não conseguiram encontrar casa que agradasse ao inquilino (T3, terraço, central, preço aproximado do que pagava), este (Sr. «D») não aceitou nenhuma das casas que lhe foi proposta e começou a colocar entraves no processo das visitas. Aí, a testemunha começou a falar com o Sr. «B» e o Sr. «B» também colocava já muita dificuldade. Por isso, a testemunha começou a envolver o diretor comercial da empresa, comunicou-lhe que não conseguia fazer as visitas, «apesar de ser um exclusivo com nove meses, ao fim de pouco tempo já não se conseguia visitar a casa» (minutos 14:00-14:50).
Depois passou o assunto para as mãos do diretor comercial, e passou a ir sabendo apenas porque estava dentro da agência: o Sr. «B» chegou a ir à imobiliária, porque estava contrariado, já não queria vender a casa, queria desistir do contrato (minutos 15:20-15:45).
Mais tarde soube que houve uma pessoa interessada, mas isso foi com outra colega; não chegou a conhecer a interessada que veio a reservar o imóvel.
Não vamos detalhar os demais depoimentos, que foram mais banais ou expectáveis, e que, na verdade, não contrariam o cerne dos factos narrados por «C».
Devemos, sim, notar, que a pessoa que a autora afirma ter estado interessada no imóvel, em fevereiro de 2019, portanto muito depois de o réu ter dito à autora que queria desistir do contrato de mediação, não depôs como testemunha e apenas muito perfunctoriamente foi referida nos depoimentos. Também nada de particular e relevante foi perguntado sobre a mesma pessoa. Foi arrolada como testemunha na petição inicial, faltou na primeira sessão da audiência e foi prescindida.
Importantes para gerar a convicção a respeito dos factos impugnados são os indiscutidos factos 3 a 7 e o documento de reserva, acompanhado de cópia do cartão de cidadão da proponente, «E», nascida em …1995.
Relembramos os factos 3 a 7:
«3. A A. logrou angariar interessada na compra do imóvel que apresentou a 18.02.2019 proposta de aquisição pelo valor de 150.000,00€;
4. Após o que a A. tentou contactar o R. telefonicamente para o número que este lhe havia fornecido para o efeito, sem sucesso;
5. No dia 21.02.2019, a A. enviou SMS ao R. a informar do acima referido para o telefone mencionado em 4.;
6. No dia 22.02.2019, a A. enviou ao R. comunicação eletróncia de fls. 18 para o endereço que lhe foi fornecido por este, pela qual comunicou o referido em 3. e ainda que a subscrição do contrato-promessa estava agendada para o dia 28.02.2019, pelas 19 horas, nas instalações da demandante, devendo ser a escritura de compra e venda celebrada até ao dia 28.03.2019;
7. O R. não respondeu a qualquer dos contactos acima referidos, nem compareceu à assinatura do contrato-promessa no dia e hora designados».
Repare-se que as tentativas de contacto se passam num período máximo de 4 dias: a 18 a interessada apresentou proposto (à mediadora), entre 18 e 21 houve uma tentativa de contacto telefónico, sem sucesso, a 21 um SMS e a 22 um email enviado. Nem o email nem o SMS obtiveram resposta. Não existe, no contrato de mediação ou fora dele, qualquer acordo entre as partes no sentido de o réu se considerar notificado por qualquer daqueles meios. Não há, portanto, qualquer prova de que as ditas comunicações tenham chegado atempadamente ao réu.
Ainda que o réu tivesse delas tido conhecimento, teria a obrigação de se disponibilizar em tão curto período a celebrar o contrato-promessa? Note-se que nenhuma outra tentativa de contacto lhe foi feita, nem oportunidade de celebrar o contrato-promessa noutra data que não em 28 de fevereiro lhe foi dada.
A interessada, por seu turno, subscreveu uma reserva em 18 de fevereiro, firmando que celebraria o contrato-promessa dia 28 de fevereiro e a escritura pública dia 28 de março, mas tal reserva não chegou ao conhecimento do réu.
Ou seja, não está minimamente provado nos autos que a autora tenha apresentado ao réu a dita interessada.
O contrato-promessa pode não ter sido celebrado por muitas razões, mas algumas são certas: i. não se celebrou porque não houve apresentação da interessada; e, ii. não se celebrou porque a interessada não manteve interesse o tempo razoavelmente suficiente para que se conseguisse a sua apresentação ao réu, ou seja, foi uma interessada pouco interessada, fugaz no seu interesse…
Por outro lado, a interessada não tinha qualquer garantia de conseguir financiamento, ou financiamento suficiente, para o contrato, constando da reserva a possibilidade de o financiamento não vir a suceder, ou não ser suficiente e de a compra e venda não se poder realizar, o que, por si só, impede que se conclua que o contrato desejado não se celebrou por causa imputável ao réu.
Finalmente, a dita interessada não iria comprar o imóvel estando o mesmo arrendado (as testemunhas que sobre isso se pronunciaram foram unânimes nesse sentido) e, não tendo sido encontrada solução para os inquilinos, a compra e venda por alguém que não quisesse ficar como senhorio sempre estaria fora de causa.
Porquanto exposto, não se provou que a não celebração do contrato desejado se tenha ficado a dever à indisponibilidade do réu para o efeito, pelo que se determina a exclusão do facto 8.
O facto 11, por seu turno, deve ter-se por assente. Conforme a testemunha «C» explicou sem margem para dúvidas, logo de início, antes ou aquando do contrato de mediação, foi preocupação do réu o realojamento dos seus inquilinos e que apenas venderia a casa a alguém que mantivesse o arrendamento ou se os inquilinos tivessem alternativa.
Também o facto 12 não oferece dúvidas: bem sabia a autora que o imóvel estava de há muito, nomeadamente há mais de 2 anos, arrendado, pois assim logo foi dito à angariadora “porta a porta” «C», e assim foi transmitido por esta ao seu chefe. Todas as testemunhas da autora afirmaram saber da existência dos inquilinos, embora algumas tivessem dito ou dado a entender que não sabiam se havia contrato de arrendamento celebrado por escrito.
Repare-se, ainda, que, na cláusula 3.ª do contrato de mediação, foi deixado em branco o quadrado que antecede a frase «O imóvel encontra-se livre de quaisquer ónus ou encargos», e assinalado o quadrado antecede a frase «O Segundo Contratante declara que sobre o imóvel descrito no número anterior recaem os seguinte ónus e encargos», embora não se tivesse especificado quais. Diga-se desde já que era obrigação da mediadora inteirar-se dos concretos ónus e encargos e fazê-los constar do contrato (artigo 16.º, n.º 2, al. b), da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro), constituindo essa omissão causa de nulidade do contrato não invocável pela mediadora, conforme dispõe o n.º 7 do mesmo artigo e diploma, com a redação introduzida pelo DL 102/2017. Se de conhecimento oficioso, tem-se discutido (v., da ora relatora, Regime jurídico da atividade de mediação imobiliária anotado, 2.ª ed., Almedina, 2020, pp. 108-109 e nota 133) e não vamos, por desnecessário, entrar nessa matéria. Apenas pretendemos vincar que o réu não deixou de assinalar que o imóvel estava sujeito a ónus ou encargos e a autora não curou de, formalmente, saber quais, sendo que são obrigações da autora certificar-se da correspondência entre as características do imóvel objeto do contrato de mediação e as fornecidas pelos clientes (al. b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei 15/2013), e propor aos destinatários os negócios de que for encarregada, fazendo uso da maior exatidão e clareza quanto às características, preço e condições de pagamento do imóvel em causa, de modo a não os induzir em erro (al. c) do n.º 1 do mesmo artigo e diploma).
Porquanto exposto, julga-se procedente a impugnação da matéria de facto, excluindo o facto n.º 8 e passando a provados os n.ºs 11 e 12, com a seguinte redação:
11. Aquando da assinatura do escrito identificado em 2., as partes acordaram que a A. encontraria um imóvel para arrendamento aos então arrendatários do imóvel dos autos, de modo a garantir a situação de habitação dos mesmos;
12. O vertido em 10. era do conhecimento da A.
2. Relacionando os factos com o Direito
Como as partes bem identificaram, celebraram entre si um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, sujeito às cláusulas acordadas e às disposições da Lei 15/2013, de 8 de fevereiro (Regime jurídico da atividade de mediação imobiliária, ou RJAMI), entretanto alterada pelo Decreto-Lei 102/2017, de 23 de agosto.
Característica peculiar e única do contrato de mediação consiste na circunstância de a remuneração da mediadora apenas ser devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (ou com a celebração do contrato-promessa, se tal tiver sido estipulado no contrato de mediação imobiliária) – assim o estabelece o artigo 19.º, n.º 1, do RJAMI. Ou seja, em geral, no contrato de mediação, a remuneração não é devida pelo simples exercício da atividade de mediação (diligências no sentido de encontrar interessado no negócio visado), nem sequer pelo bom sucesso dessa atividade (obtenção desse interessado). É necessário, ainda, que o contrato desejado seja concluído.
Esta regra tem, porém, uma exceção quando se verifiquem as circunstâncias expressas no n.º 2 do artigo 19.º, a saber: ter sido convencionada a exclusividade da mediadora; tratar-se de contrato de mediação celebrado com o proprietário ou o arrendatário trespassante do bem imóvel; e não se concretizar o negócio visado por causa imputável ao cliente.
No caso sub judice foi firmado o regime de exclusividade e o contrato de mediação foi celebrado com o proprietário do imóvel. Resta saber se o contrato visado no contrato de mediação apenas não se concretizou por causa imputável ao ora réu. É o que se discute.
Quem lê o n.º 2 do artigo 19.º pode aperceber-se que ele não diz exatamente o que expressámos. Convém esclarecer. A norma tem o seguinte texto: «É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel».
Repetindo aqui livremente o que a relatora já tem escrito noutros locais, nomeadamente no citado Regime jurídico da atividade de mediação imobiliária anotado, 2.ª ed., Almedina, 2020, pp. 147-150 (remetendo para esse local informação mais pormenorizada e citações de doutrina e jurisprudência), reparamos que as palavras em itálico estão manifestamente a mais. Está em causa o contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade e não o contrato visado celebrado em regime de exclusividade. Suprimidos os lapsos, a norma em causa determina que, no contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel ou com o arrendatário trespassante, se o contrato visado não se concretizar por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, esta tem direito à remuneração.
Desde o regime de 1999 que se prevê expressamente que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, exceto nos casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado em regime de exclusividade, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, caso em que esta tem direito à remuneração. Assim o expressava o artigo 19.º, n.º 2, al. a), do DL 77/99. Idêntico regime manteve-se em 2004, explicitando-se então que, para se excecionar a regra de que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado, é necessário, não apenas que o contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade, e não se concretize por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, como ainda que este cliente seja o proprietário do bem imóvel (artigo 18.º, n.º 2, al. a), do DL 211/2004, inalterado, neste aspeto, pelo DL 69/2011). O regime vigente alarga a exceção ao contrato de mediação exclusivo celebrado com o arrendatário trespassante, sendo esta a única alteração substancial (artigo 19.º, n.º 2, da Lei 15/2013).
Esta norma, que em substância vem dos dois regimes anteriores, introduz, portanto, na disciplina contratual uma diferença significativa relativamente ao regime geral do contrato de mediação, no qual a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. No regime geral, não se celebrando o contrato visado, ainda que por causa imputável ao cliente, não nasce o direito à remuneração, pois o cliente mantém intacta a sua liberdade de contratar (balizada apenas, nos termos gerais, perante o terceiro, pelo dever de boa fé nas negociações). Tendo sido estipulada uma cláusula de exclusividade num contrato de mediação celebrado com o proprietário ou arrendatário trespassante, o panorama altera-se. Neste caso, a remuneração da mediadora não depende do evento futuro e incerto constituído pela celebração do contrato visado, quando este evento não se concretize por causa imputável ao cliente. Trata-se de uma característica de regime própria dos contratos de mediação com exclusividade, que se repete em vários pontos do globo (ob. cit., nota 192, nas pp. 148-9). A remuneração da mediadora depende aqui quase unicamente do cumprimento da sua obrigação (diligenciar no sentido de encontrar interessado) e do sucesso desta (apresentação de interessado).
De enfatizar que a aplicação da norma contida neste n.º 2 implica a prova da efetiva obtenção de alguém genuinamente interessado e pronto a celebrar o contrato nos moldes em que foi concebido no âmbito do contrato de mediação. Como se afirma no Acórdão do TRP de 03/07/2014, proc. 563/13.0TBVCD.P1, «[p]ara que exista, nesta hipótese, direito a remuneração, é exigível, todavia, que o negócio esteja não somente perspetivado, mas acertado, isto é, que haja um interessado efetivo para o mesmo, que aceite as condições do vendedor».
Ora, como já exposto em III.1., a interessada, subscritora do documento de reserva, não chegou a ser apresentada ao réu; quanto ao documento de reserva, que contém uma declaração reptícia ou recipienda (artigo 224.º do CC), não há evidência de que tenha chegado ao conhecimento do réu. Ainda que tivesse chegado, muito faltaria ainda para que se pudesse dizer que o contrato visado não foi celebrado por culpa do réu. Nenhum indício existe de que a fugaz interessada, que aparentemente se desinteressou no período de uma semana, viesse a obter o necessário financiamento. Finalmente, a dita interessada não iria comprar com o imóvel arrendado e nunca o réu perspetivou vender sem que a situação dos inquilinos estivesse acautelada, como a autora bem sabia.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, revogando a sentença recorrida, julgam a ação totalmente improcedente, com a consequente absolvição do réu do pedido.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 18/04/2024
Higina Castelo
Arlindo Crua
Orlando Nascimento