Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18154/19.0T8LSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRINCÍPIO DA SUBSIDARIEDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE (APELAÇÃO DO RÉU) / PARCIALMENTE PROCEDENTE (APELAÇÃO DO AUTOR)
Sumário: I – A autoridade do caso julgado não é uma excepção dilatória e não pode conduzir à absolvição da instância.
II - O proprietário de um prédio pode pedir, com base no enriquecimento sem causa, uma compensação pelo aproveitamento que o proprietário do prédio confinante faz do prédio do demandante, com a ocupação do respectivo espaço aéreo, mesmo que já tenha pedido, sem êxito, com base na responsabilidade civil, uma indemnização pelos danos que o proprietário do prédio confinante lhe causou com a construção da obra no prédio do réu e continua a causar com a utilização desse prédio.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

 O Condomínio de um Lote 8, sito em Lisboa, intentou uma acção declarativa comum contra o F pedindo que este fosse condenado a pagar-lhe (a) uma compensação, à razão de 5.000€ anuais, no valor total de 21.666,66€, em virtude do enriquecimento sem causa, calculado desde a data do trânsito em julgado, em Maio de 2015, da sentença proferida no âmbito do processo 2684/10 até à presente data; (b) A pagar a pagar anualmente até ao dia 30 de Janeiro do ano a que disser respeito, 5.000€, valor actualizável anualmente de acordo com o quociente de índice de preços publicado pelo Ministério da Economia.
Para tanto alega, em síntese, que o prédio do autor confina na parte do logradouro com o prédio do réu, designado por lote 6; este invade o espaço aéreo do prédio do autor; os trabalhadores das empresas instaladas no prédio do réu ocupam o logradouro do lote 8 sem que aquele comparticipe nas despesas de manutenção, segurança e conservação; numa outra acção intentada pelo autor contra o réu, este foi condenado a demolir a laje de cobertura do seu edifício na parte em que a mesma ocupa o espaço aéreo, bem como a remover armações metálicas; quando quis executar a referida sentença (3565/16), o réu deduziu embargos de executado que foram declarados procedentes, porquanto se entendeu que as obras objecto da execução estavam dependentes de aprovação por parte da Câmara Municipal; a situação mantém-se; numa situação idêntica à dos autos, o Condomínio do prédio do Lote 9 logrou alcançar transacção judicial com a proprietária do prédio contíguo, devendo o autor ser indemnizado nos mesmos termos e com base no instituto do enriquecimento sem causa (art.º 473 do CC, por intromissão ilegítima na afectação exclusiva do imóvel ao autor).
A 21/10/2019, o réu contestou a acção, excepcionando o caso julgado resultante da anterior acção, falando dele quer como excepção quer como autoridade; invocou também a existência de uma causa prejudicial para pretender suspender a instância até que fossem decididos com trânsito em julgado os embargos que deduziu à execução instaurada pelo autor; invocou também a violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa, pois que a pretensão indemnizatória requerida pelo autor, deveria ser enquadrada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, na medida em que, segundo a sua (do autor) teoria, estamos perante um acto ilícito (violação do direito de propriedade), violação essa perpetuada pelo réu de forma consciente e culposa, a qual lhe provoca directamente um dano indemnizável (danos provocados na cobertura do seu edifício); ora, conforme se pode comprovar pelos articulados e pelas decisões judiciais proferidas na anterior acção, as referidas pretensões indemnizatórias já foram requeridas com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual e foram expressamente julgadas improcedentes, motivo pelo qual, é inadmissível que o autor venha de uma forma abusiva e ardilosa, tentar contornar a referida situação, propondo a presente acção pela via do instituto do enriquecimento sem causa, como se não existisse outro meio de tutela específico para apreciação das suas pretensões e, ainda, como se não o tivesse já exercido; ainda impugnou, alegando, entre o mais, que i\ desde a data da sua aquisição do prédio, em 2002, à antiga proprietária, nunca procedeu à execução de qualquer obra; ii\ é falso que os empregados das empresas instaladas no prédio do réu acedam ao logradouro do autor pelas portas do lote 6; iii\ não utiliza, nem procede à fruição da referida cobertura de uma forma exclusiva, em benefício próprio ou exclusivo, nem utiliza os referidos espaços de uma forma abusiva e ilícita; iv\ as supostas “violações” não tiveram na sua génese qualquer irregularidade, ilicitude, perpetuadas pelo réu ou pelo primitivo proprietário do lote 6, mas sim, correspondem à concretização de um projecto definido por uma terceira entidade – Município de Lisboa – em prol de um interesse público e de dinamização de toda uma determinada região de Lisboa; e v\ o réu é alheio à transacção firmada com o Condomínio do lote 9; conclui no sentido “da procedência da excepção dilatória do caso julgado e autoridade do caso julgado, dando lugar à absolvição da instância do réu, ou no da procedência das excepções peremptórias invocadas – causa prejudicial e violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa - devendo, por conseguinte, a presente instância ser declarada suspensa, ou, deverá o réu ser absolvido do pedido;” ou, com o mesmo efeito, pela improcedência da acção por falta de prova.
A 03/12/2019, o autor foi convidado a responder desde logo às excepções, o que o autor fez a 10/01/2020, impugnando os factos base das mesmas e os efeitos que o réu tirava desses factos.
A 19/02/2020, o tribunal determinou que, antes de mais, se oficiasse ao processo 3565/16-B, que informasse o estado dos autos, e como aquele tribunal informou que os embargos de executado se encontravam a aguardar decisão do recurso de apelação, tendo sido enviados ao TRL a 15/11/2019, nada mais se fez até que, a 09/09/2020, o autor juntou aos autos cópia do acórdão do TRL de 21/05/2020 a julgar o recurso improcedente.
A 10/09/2020, o tribunal solicitou ao processo 3565/16 que informasse se os autos já baixaram à 1ª instância e, consequentemente, se a decisão do TRL transitou em julgado.
A 28/09/2020, foi obtida informação de que o acórdão do TRL tinha transitado em julgado a 06/07/2020.
A 26/11/2020, apesar de elas já estarem juntas aos autos, o tribunal determinou que se oficiasse ao referido processo o envio de cópia da decisão recorrida e da respectiva decisão do TRL.
A 15/12/2020, foram juntas tais decisões.
A 14/04/2021, foi proferido o seguinte despacho: “os autos encontram-se na fase de marcação da audiência prévia. Contudo, considerando que em virtude da suspensão de prazos previst[a na legislação Covid-19] não foram realizadas audiências prévias agendadas em alguns processos, importa que se proceda primeiramente ao reagendamento de todas aquelas diligências por ordem cronológica de antiguidade e só após se designe data para realização de audiência prévia nos presentes autos. Assim, oportunamente abra conclusão nos presentes autos por ordem cronológica de antiguidade.”
A 02/06/2021, foi designado o dia 09/09/2021 para a audiência prévia.
A 09/09/2021, já com outro juiz, os mandatários das partes “pediram a suspensão de 60 dias visando a obtenção de acordo o que lhes foi deferido”, determinando-se que, “volvido o prazo de suspensão, sem que nada seja dito, deve a seção notificar as partes para virem, em 10 dias, as partes virem dizer o que tiverem por conveniente, quanto ao almejado acordo.”
A 06/01/2022, o autor veio dizer que “verifica-se na presente data inexistir qualquer princípio de acordo entre as partes relativamente ao objecto do litígio. Assim sendo, lograda que está a possibilidade de se alcançar um acordo requer-se que [se] promova os demais termos do processo.”
A 08/02/2022 foi proferido o seguinte despacho: “Indiquem as partes se prescindem de remarcação de audiência prévia (uma vez que não se me afigura claro da leitura da acta).”
A 21/02 e 13/04/2022, as partes vieram dizer que prescindiam da remarcação da audiência prévia.
A 27/06/2022, o autor veio dizer que os autos “apesar de tal declaração [a feita a 21/02 e 13/04], não foram objecto de despacho saneador, nem conheceram qualquer andamento processual. Pelo que, se requer que […] sejam objecto do devido despacho saneador, correndo os respectivos termos subsequentes.”
A 29/12/2022, quase três anos depois da réplica do autor, foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de caso julgado. Decidiu-se ainda não suspender a instância por não se mostrar pendente causa prejudicial.
O despacho foi notificado por carta elaborada a 02/01/2023, presumindo-se notificada a 05/01/2023.
A 15/01/2023, o réu veio requerer “que, seja declarada a nulidade do despacho saneador, por violação do disposto no nº 1 do art.º 595º do CPC, atendendo a que, não foi proferida decisão sobre a excepção de autoridade do caso julgado [sic], nem tão-pouco, à [sic] violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa.”
Por despacho de 06/02/2023, foi indeferido o requerido.
A 09/02/2023 (com pagamento de multa), o réu recorreu do saneador, na parte em que “julgou improcedente a autoridade de caso julgado” [sic].
O autor contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
Tal recurso foi admitido “com subida em separado, com efeito devolutivo e a subir a final”, do que as partes foram notificadas sem dele terem reclamado, pelo que só agora pode ser conhecido.
A 16/10/2023, depois da audiência final, foi proferida sentença a julgar verificada a excepção peremptória de subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa e, em consequência, absolveu-se o réu do pedido.
O autor recorreu contra esta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que considere verificado o requisito de subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa e para que fosse aditado um facto aos factos provados.
O réu contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir: se a autoridade do caso julgado anterior devia ter levado a que o réu fosse absolvido da instância (1.º recurso); se deve ser aditado um facto aos factos provados; se a excepção da subsidiariedade do enriquecimento sem causa devia ter sido julgada improcedente e, se sim, consequências a tirar disso (2.º recurso)
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Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos [o 14 foi acrescentado para ter em conta a data do trânsito que não foi posta em causa pelo réu]:
1\ O Condomínio autor, ou Condomínio do Lote 8, corresponde ao prédio urbano […] sito [em Lisboa].
2\ O referido prédio é composto por três blocos, designados, A, B e C, constituídos por 7 andares, rés do chão, 1ª e 2ª caves.
3\ As caves ocupam a área total do Lote 8 e os três blocos ocupam apenas parte da cobertura da 1ª cave; tendo o imóvel a área coberta de 2779,83 m2.
4\ Por escritura publica de 09/01/1984, […] foi constituída a propriedade horizontal no citado prédio, com 83 fracções autónomas, situando-se na 2ª cave 82 lugares de estacionamento e na 1ª cave 23 lugares destinados a parques privativos dos inquilinos. A parte da 1ª cave que não é ocupada por nenhum dos 3 blocos constitui um logradouro.
5\ A 1ª cave encontra-se coberta por uma placa em betão armado cuja superfície se encontra coberta por mosaicos hidráulicos.
6\ Existe uma zona dianteira e uma zona traseira dessa placa de cobertura, com referência à posição dos 3 corpos referidos, portanto, atrás e à frente destes que constituem logradouros vazados destinados a acesso e circulação pedonal dos condóminos, e onde existem colunas de ventilação.
7\ O Lote 6 corresponde ao prédio descrito na CRP […] cuja propriedade está inscrita no registo predial a favor do réu.
8\ O réu utiliza o Lote 6 como um bloco de escritórios, arrendando espaços a empresas.
9\ O Lote 8 confina com o Lote 6.
10\ No lote 6 encontram-se abertas 4 portas e 3 janelas, que deitam directamente para a cobertura da 1.ª cave do lote 8.
11\ As referidas portas são portas de emergência.
12\ Foi colocado um aparelho de ar condicionado, protegido por armações metálicas, na parede exterior do lote 6, ocupando espaço que, na vertical, corresponde ao solo do lote 8.
13\ No âmbito da acção judicial intentada pelo autor contra o réu, […] com o número de processo 2684/10, foi proferida sentença condenatória da ré, com o seguinte dispositivo de sentença:
"a\ A tapar as quatro portas e as três janelas que se encontram abertas no prédio da sua propriedade, [no edifício do lote 6] e que deitam sobre a cobertura da 1.ª cave do lote 8 [da mesma urbanização]. [este TRL alterou o n.º do lote visto que o lote em causa é o 6 e não 7 como constava].
b\ A demolir a laje de cobertura do seu edifício na parte em que a mesma ocupa o espaço aéreo citado do lote 8.
c\ A remover as armações metálicas colocadas na parede exterior do seu edifício que ocupam o espaço aéreo do lote 8.”
14\ A referida sentença transitou em julgado [em Maio de 2015 – depois de confirmada pelo ac. do TRL de 30/04/2015].
15\ No âmbito de acção executiva para prestação de facto […] com o número 3565/16, em que figura como exequente o aqui autor e como executado o aqui réu, foi requerido, para além do mais, que:“[…] seja promovida a execução da sentença [referida no ponto 13], através da realização, por outrem, das obras necessárias à reposição do prédio da exequente no estado em que o mesmo se encontrava antes das obras ilegais, executando os necessários trabalhos a que seja cumprida a sentença. […]”
16\ No âmbito da execução em 15, o réu deduziu embargos de executado, os quais foram julgados procedentes por sentença de 08/07/2019, já transitada em julgado, onde se lê, nomeadamente, o seguinte:
[…] Ora, no caso dos autos, de acordo com a factualidade assente, no confronto com os dizeres do título executivo (onde não consta a fixação de um prazo para a realização das obras em questão), a exigibilidade da obrigação à exequente e, assim, a possibilidade da realização das obras em questão, encontra-se dependente da aprovação pela Câmara de Lisboa de alterações ao Plano de Pormenor […] bem como da aprovação do projecto de arquitectura e subsequente emissão do alvará de construção.
Mais se tendo provado que a exequente logo diligenciou pela realização das obras e que as mesmas não se iniciaram por via daquela circunstância (necessidade da observância e concretização das exigências camarárias para o efeito), a não exigibilidade à data da prestação não surge como imputável à executada, inexistindo mora da mesma.
A aprovação do Plano e obras subsequentes não ditam a «suspensão da execução» à luz do quadro factual (já que os autos não comportariam a suspensão por período que neste momento não se tem nem como certo, nem como minimamente determinável), mas a extinção da execução por inexigibilidade da prestação supervenientemente demostrada pela exequente que, como se referiu, não se encontra nem em mora, nem em incumprimento perante o exequente. […]”
17\ Não existem restrições físicas à entrada de quaisquer pessoas na cobertura da 1ª cave do lote 8.
18\ Desde 1985 que o quarteirão [em causa] é atravessado por dois caminhos pedonais que percorrem todo o seu interior de norte a sul, um do lado poente entre os edifícios dos lotes 5, 8 e 9 e os edifícios dos lotes 6 e 7 e outro do lado nascente entre estes últimos edifícios e os edifícios construídos nos lotes 2, 3 e 4.
19\ Esses caminhos desenvolvem-se por cima das lajes de cobertura de praticamente todos os lotes da urbanização e são de acesso livre ao público.
20\ Os mesmos caminhos permitem o acesso pedonal aos lotes 6 e 7, assim como às galerias comerciais existentes.
21\ O logradouro é frequentado por empregados das empresas que estão instaladas no prédio propriedade do réu.
22\ Em 04/02/2003, no âmbito da acção ordinária número 623/99 […], em que figuravam como autor o Condomínio [de um outro lote] e ré [uma sociedade], foi proferida sentença, que homologou transacção judicial havida entre os dois intervenientes processuais, por via da qual a ré acordou pagar anualmente à autora o valor de 5.000€.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
O autor entende (conclusões AG\, AH\ e AL) que deveria ter sido dado por provado o facto constante do artigo 29 da PI
“Verificando-se que o réu, apesar da condenação acima referida, não realizou as obras em que havia sido condenada, e isto apesar de ter sido instada ao cumprimento.”
Para o efeito diz:
AJ\ Tal facto não foi impugnado pela ré na sua contestação, como ainda tal facto foi confirmado na sentença de embargos de executado junto com a PI como documento 11 [sentença; e 7 – acórdão do TRL]
AK\ Sendo tal facto relevante para efeitos de procedência da acção de enriquecimento sem causa.
O réu contra-alegou, terminando com a seguinte síntese:
D) O autor não cumpriu o ónus a que alude o artigo 640 do CPC.
E) O autor requer tal porquanto: (i) Não foi impugnado pelo réu na contestação; (ii) Foi confirmado por todas as testemunhas, quer as testemunhas arroladas pelo réu; (iii) Quer no depoimento de parte dos administradores do condomínio autor.
[…]
H) Resulta do art.º 640 do CPC, como é entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, a consagração do ónus de fundamentação da discordância quanto à decisão de facto proferida, devendo ser fundamentados os pontos da divergência, o que implica a análise crítica da valoração da prova feita em primeira instância, abarcando a totalidade da prova produzida. O que significa que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto tem como objectivo colocar em crise a decisão do tribunal recorrido, quanto aos seus argumentos e ponderação dos elementos de prova em que se baseou.
I\J\ O que o autor não fez, na medida em que este não fez qualquer analise critica da valoração da prova, não tendo sequer indicado quais os depoimentos em concreto das testemunhas que foram arroladas que justificavam a prova de tal facto, com as passagens da gravação relevantes, ou a indicação do documento em concreto e por que motivo havia de ter sido valorado de forma diferente.
[…]
L) E tal implica a rejeição do recurso da matéria de facto […] quanto a esta concreta factualidade.
M) Acresce que a prova de tal facto não conduziria sequer à alteração da sentença […] antes pelo contrário.
Apreciação:
É evidente que o facto está provado e que o está pela falta de contestação dele pelo réu, pelo que o autor não tinha que estar a transcrever a prova pessoal da qual resultaria a prova de tal facto, daí resultando que não há ónus de alegação que o autor tenha deixado de cumprir.
Mas nos factos provados consta a sentença judicial a condenar o réu na prestação de facto (factos 13 e 14) e consta também uma execução a tentar obter a prestação desse facto (facto 15). Caberá ao réu, como devedor, quando tiver cumprido a obrigação a que foi condenado, vir alegar e provar esse cumprimento.
Pelo que o facto em causa não tem de ser aditado.
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Dos recursos sobre matéria de direito
Quanto ao 1.º recurso
A fundamentação do saneador para julgar improcedente a excepção de caso julgado foi a seguinte, na parte que importa:
[…]
Conforme consta dos autos de fls. 122ss, documento 1 junto com a contestação e cujo teor se dá por reproduzido, nos autos de processo que correu termos sob o nº 2684/10, o autor deduziu acção contra o réu pedindo que fosse o réu condenado a:
“1. Proceder à tapagem das 3 portas [o autor quis escrever 4] e 3 janelas abertas no edifício do lote 7 [o autor quis escrever 6 - TRL], directamente sobre o prédio denominado Lote 8 e constantes dos documentos nºs 3, 4, 5 e 6;
2. Demolir a laje de cobertura do edifício da ré na parte em que invade o espaço aéreo do citado lote 8, propriedade do autor.
3. Desmantelar as armações metálicas que invadem o espaço aéreo do réu.
4. Pagar ao condomínio o valor correspondente aos encargos orçamentados com a reparação pelos danos acima referidos, emergentes da utilização ilícita por parte do réu, da cobertura da garagem do prédio, valor esse que orça no valor de € 458.554,20”, sendo que fundou as suas pretensões na violação ilícita do seu direito de propriedade nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 1360 do CC (armações metálicas implantadas nas estruturas superiores do prédio do réu, abertura de 4 portas e 3 janelas sem respeitar a distância mínima legalmente exigida, portas essas que permitem directamente o acesso para o logradouro do prédio do autor, o qual é utilizado pela pessoas e funcionários que frequentam os escritórios instalados nos lotes do réu), donde extrai os seus direitos e designadamente a obrigação de indemnizar decorrente do disposto no artigo 483 do CC.
Conforme consta dos autos sob o documento 2 junto com a contestação (fls. 131 ss) e que aqui se dá por reproduzido, o âmbito da réplica apresentada pelo autor, foi requerida a ampliação do pedido, tendo sido formulada uma nova pretensão indemnizatória que consistia na condenação do Fundo réu, no pagamento de um valor correspondente a € 6.000 anuais para fazer face às despesas de manutenção da área do tardoz (logradouro), atenta a utilização que era feita desse espaço pelos funcionários das empresas instaladas no Lote pertencente ao réu, tendo tal ampliação sido admitida (documento 3 junto com a contestação que se dá por reproduzida).
Foram julgados totalmente improcedentes os pedidos indemnizatórios deduzidos pelo condomínio autor contra o réu.
Cumpre decidir.
O pedido dos autos tem como causa de pedir factos de onde o autor pretende extrair o enriquecimento sem causa da ré em virtude da ocupação pela mesma do espaço térreo e aéreo do prédio do condomínio autor. Pretende aqui o autor tão só a indemnização decorrente do aproveitamento que o réu vem fazendo da propriedade do autor, com a concreta forma de utilização do espaço térreo e aéreo, sem causa justificada para tal beneficiação ou enriquecimento.
O pedido indemnizatório formulado naquela acção [a anterior] tinha por fundamento a abertura de portas no prédio do réu, que deitavam directamente sobre a cobertura do prédio do autor, distando do mesmo a menos de 1,50m, pelo que seriam ilícitas nos termos do n.º 1 do art.º 1360 do CC. E na medida em que aquelas portas proporcionariam um incremento do atravessamento do logradouro do autor pelos trabalhadores e clientes das empresas instaladas no prédio do réu, seriam assim provocados danos no logradouro do autor decorrentes do desgaste, cuja reparação implicaria a realização de obras no valor de 458.554,20€.
A causa de pedir também não é a mesma.
Aqui é o instituto do enriquecimento sem causa.
Ali a responsabilidade civil.
São institutos diversos, com diversos requisitos e consequências […]
Tendo em conta a sentença proferida naquela outra acção, nem tão pouco se nos afigura que em caso algum a ponderação de um enriquecimento sem causa “antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado” (ac. STJ de 12/01/2021 [o saneador pode estar a referir-se ao acórdão proferido no processo 1801/19.1T8CSC.L1-B.A.S1 ou ao do processo 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1, ambos proferidos no mesmo dia e com a mesma frase…- TRL], designadamente da parte em que improcedem os pedidos indemnizatórios. Aliás, embora não seja esse o nosso entendimento, existe até jurisprudência no sentido em que não é legítimo o julgador ponderar esse instituto subsidiário sem que o mesmo haja sido alegado (ac. do TRL de 24/02/ 2015, donde se retira que o mesmo não é de conhecimento oficioso).
Por falta de identidade de causas de pedir, não pode proceder a excepção, indeferindo-se a mesma.
Decidiu-se ainda não suspender a instância por não se mostrar pendente causa prejudicial.
Entre o mais explicou-se:
Independentemente da decisão na aludida acção executiva, a pretensão do autor é autónoma e pode apreciar-se independentemente do momento da realização da obra, tendo pertinência até que as obras sejam realizadas ou estejam concluídas, seja quando for. Isto porque se pede com base no enriquecimento ilegítimo do réu decorrente da utilização do imóvel, que, a existir, ocorre independentemente da onerosidade da obra e do momento da sua concretização, a qual interessará, afigura-se-nos, apenas para definir a extensão do pedido aludido em (b) do petitório da presente acção (o qual, se for procedente, tem sempre extensão temporal indefinida, por força dos termos em que está formulado). Em conclusão, existe não existe qualquer relação de dependência entre a presente acção e a execução 3565/16-B.
Quanto à reclamada nulidade do saneador por não ter sido “proferida decisão sobre a excepção de autoridade do caso julgado [sic], nem tão-pouco, à [sic] violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa.”, foi dito que:
“Entende este tribunal, e clarifica, que a apreciação do caso julgado, mesmo na perspectiva preconizada, se esgota na decisão proferida no despacho saneador, entendendo-se que não se impõe qualquer pronuncia adicional. Mais entende que a apreciação da eventual violação do princípio da subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa é uma ponderação de direito a considerar em sede de apreciação de tal instituto, em sede de sentença, não se impondo conhecer como se tratasse de matéria de excepção, não tendo lugar a sua apreciação em sede de despacho saneador. Face ao exposto, razão alguma tem o réu para vir invocar a nulidade do despacho, assim se indeferindo integralmente o requerido.”
O réu recorreu do saneador, na parte em que julgou improcedente a autoridade de caso julgado [sic], terminando o seu recurso de 26 páginas com 10 páginas de conclusões, dizendo, em síntese deste TRL, que:
i\ Na anterior acção 2684/10 o autor pedia a condenação do réu a pagar ao autor o valor correspondente aos encargos orçamentados com a reparação pelos danos acima referidos, emergentes da utilização ilícita por parte do réu da cobertura da garagem do prédio, por essa utilização abusiva não ser acompanhada da respectiva comparticipação para as despesas suportadas pelo condomínio com a respectiva manutenção, segurança, limpeza e conservação do referido logradouro, e porque o réu não cumpriu o disposto no art.º 1360/1 do CC, violando ilicitamente o direito de propriedade do condomínio autor sobre as partes comuns do respectivo prédio (art.º 39 da pi); e em sede de réplica ainda requereu a ampliação do pedido, para a condenação do réu no pagamento de um valor correspondente a 6.000€ anuais para fazer face às despesas de manutenção da área do tardoz (logradouro), atenta a utilização que era feita desse espaço pelos funcionários das empresas instaladas no Lote pertencente ao réu, ampliação que foi admitida.
ii\ Acabou por ser proferida sentença julgando improcedentes os pedidos indemnizatórios deduzidos pelo autor, sentença confirmada pelo TRL em recurso interposto pelo autor.
iii\ Na presente acção, o autor vem requerer a condenação do réu a proceder ao pagamento de uma compensação de 5.000€ anuais, invocando para o efeito que: a\ as centenas de pessoas que trabalham nas empresas instaladas no Lote 6 atravessam diariamente e várias vezes ao dia o logradouro propriedade do autor sem que, essa utilização intensiva seja acompanhada de qualquer comparticipação para as despesas suportadas com o condomínio com a respectiva manutenção, segurança, limpeza e conservação do referido logradouro – cf. artigos 19 a 24 da pi; b\ o réu encontra-se na fruição de elementos do prédio que ofendem o direito de propriedade do autor; c\ em virtude da manutenção das portas que deitam directamente sobre o prédio do autor verifica-se que, um número lato de pessoas transita sobre a laje de cobertura do prédio do autor provocando um desgaste mais acentuado do logradouro e, consequentemente, o custo de mais despesas de manutenção e reparação – cf. artigos 60 a 64 da pi.
iv\ É evidente que, em relação a tal matéria, verifica-se a autoridade do caso julgado, o que determina a extinção da instância em relação a tais matérias, obstando ao conhecimento de fundo da causa.
v\ Na verdade, conforme se pode comprovar pela sentença anterior, tais edificações consubstanciam uma violação do direito de propriedade do prédio do autor (artigos 1360/1 e 1344/1 do CC), devendo, por conseguinte, ser demolidas; contudo, tal situação não determina a condenação do réu no pagamento de uma qualquer compensação pecuniária para fazer face a quaisquer despesas de manutenção ou reparação do lote pertencente ao autor pelos fundamentos que nela constam.
vi\ A autoridade do caso julgado da sentença que transitou e a excepção do caso julgado são efeitos distintos da mesma realidade jurídica, ou seja, esta última realidade tem por fim evitar a repetição de causas e os seus requisitos são fixados nos artigos 580 e 581 do CPC, enquanto que, a autoridade do caso julgado, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade, pressupondo que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida. Trata-se, pois, de questão que tem a ver com o conteúdo e alcance do caso julgado material, na sua vertente positiva, ou seja, com a eficácia da autoridade do caso julgado formado pela sentença proferida na acção anterior.
vii\ Em face do exposto é por demais evidente que a decisão anterior se estende aos pedidos formulados nos presentes autos; sendo assim, deveria o tribunal a quo ter considerado que estava impedido de conhecer do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância do réu, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 576/1-2 e 577/-i do CPC.
O autor contra-alegou, concluindo no sentido da improcedência do recurso, entre o mais dizendo que:
i\ O réu, na acção anterior apresentou pedido reconvencional peticionando o reconhecimento de constituição por usucapião de servidão de passagem (pedonal) sobre a cobertura traseira/nascente do imóvel do autor. Face à apresentação desse pedido reconvencional, o autor procedeu à dedução de um pedido subsidiário, pedindo que, em caso de procedência do pedido reconvencional de constituição de servidão de passagem por usucapião, fosse o réu condenado a pagar uma compensação pela constituição dessa servidão. Como o pedido reconvencional foi julgado improcedente, o pedido subsidiário formulado não foi objecto de conhecimento de mérito, pelo que não pode constituir qualquer caso julgado, ou sequer autoridade de caso julgado. O réu, nas alegações, omitiu que o pedido formulado em sede de réplica foi um pedido subsidiário relativamente ao pedido reconvencional.
ii\ “O caso julgado impor-se-á por via da sua autoridade quando a concreta relação ou situação jurídica que foi definida na 1.ª decisão não coincide com o objecto da 2.ª acção mas constitui pressuposto ou condição da definição da relação ou situação jurídica que nesta é necessário regular e definir (neste caso, o tribunal apreciará e definirá a concreta relação ou situação jurídica que corresponde ao objecto da acção, respeitando, contudo, nessa definição ou regulação, sem nova apreciação ou discussão, os termos em que foi definida a relação ou situação que foi objecto da 1.ª decisão) – cf. ac. do TRC de 11/06/2019, proc. 355/16.5T8PMS.C1.
 iii\ “A autoridade de caso julgado formado por decisão proferida em processo anterior, cujo objecto se insere no objecto da 2.ª obsta que a relação ou situação jurídica material definida pela 1.ª decisão possa ser contrariada pela 2.ª, com definição diversa da mesma relação ou situação, não se exigindo, neste caso, a coexistência da tríplice identidade mencionado no artigo 581 do CPC.” – cf. ac. do TRC de 06/09/2011, proc.  816/09.2TBAGD.C1.
iv\ Efectivamente, conforme resulta do despacho recorrido, o objecto dos presentes autos não coincide com o objecto do processo 2684/10. Ainda assim, a situação/relação jurídica definida naquele processo constitui pressuposto da definição da relação/situação jurídica a regular e definir nos presentes autos. Tendo sido reconhecido naqueles autos que as obras efectuadas no lote do réu violam o direito de propriedade do lote do autor e tendo o réu sido condenado a proceder à demolição dos elementos violadores do direito de propriedade do autor; e uma vez que apenas quanto a esse segmento se pode considerar que o objecto daqueles autos se insere no objecto dos presentes, apenas quanto a essa questão se impõe autoridade do caso julgado.
v\ Sendo que a apreciação dos presentes autos, independentemente daquele que vier a ser o sentido da decisão de mérito a proferir, não contraria a decisão anteriormente proferida, uma vez que o instituto da responsabilidade civil e do enriquecimento sem causa constituem fontes autónomas e independentes de obrigações, com requisitos e consequências diversos.
vi\ Acresce que, a função positiva do instituto do caso julgado, que se manifesta através da autoridade do caso julgado não produziria os efeitos pretendidos pelo réu. Com efeito, a autoridade do caso julgado não impede o conhecimento do mérito da causa dos autos subsequentes. A autoridade do caso julgado visa impor os efeitos de uma 1.ª decisão, já transitada, fazendo valer a sua força e autoridade. Ao contrário da excepção de caso julgado que consubstancia uma excepção dilatória, implicando a absolvição da instância, e dessa forma obsta ao conhecimento do mérito da causa, a autoridade de caso julgado visa apenas "impor os efeitos de uma primeira decisão, já transitada (fazendo valer a sua força e autoridade)" (cf. ac. do TRC de 12/12/2017, proc. 3435/16.3T8VIS-A.C1.
vii\ Traduzindo-se na proibição de contradição da decisão transitada em julgado, vinculando "à repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior" – cf. Prof. Miguel Teixeira de Sousa, in Objecto da sentença e caso julgado material", publicado no BMJ n.º 325, pág. 49 e ss. E “só existe na exacta correspondência com o seu conteúdo e daí que ela não possa impedir que em novo processo se discuta e dirima aquilo que ela mesmo não definiu." - cf. o citado ac. do TRL do proc. 3435/16.
Apreciação
Antes de mais diga-se que, tendo o réu reclamado de uma alegada nulidade do saneador, renunciou ao recurso contra o mesmo, já que, como não se pode reclamar quando há possibilidade de recurso, o réu só pode ter reclamado por ter prescindido do recurso, tornando-o impossível (de modo a poder reclamar da nulidade).
De qualquer modo, de forma não se perder mais tempo e a benefício da discussão, diga-se que é manifesta a improcedência do recurso:
Primeiro, porque não há nenhuma excepção de autoridade do caso julgado, ou seja, a autoridade do caso julgado não é uma excepção dilatória, é antes a invocação de uma decisão para efeitos de se dizer que um dos elementos da causa de pedir da nova acção já está assente num determinado sentido e não pode ser decidido noutro. Ou seja, invoca-se a autoridade do caso julgado para se dar como assente um dos elementos da causa de pedir da nova acção, não para obstar ao conhecimento do mérito da nova acção.
(assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª ed., Almedina, pág. 599: “A excepção de caso julgado não se confunde com a autoridade do caso julgado; pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível de segunda decisão de mérito. […]. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida […]”;
no mesmo sentido, veja-se o comentário de Miguel Teixeira de Sousa, publicado no blog do IPPC, a 02/03/2023, sob Jurisprudência 2022 (133), ao ac. do TRC de 24/05/2022: “o acórdão contém uma inesperada alusão a uma ‘excepção de autoridade de caso julgado’. Trata-se, efectivamente, de algo inexistente. […] o caso julgado produz um efeito positivo e um efeito negativo: O efeito positivo é a autoridade de caso julgado: o tribunal posterior fica vinculado ao decidido pelo tribunal anterior (quase sempre sobre uma questão prejudicial para o julgamento da segunda acção); O efeito negativo é a excepção de caso julgado: o tribunal posterior não pode voltar a julgar, entre as mesmas partes, o que já foi julgado pelo tribunal anterior; esta excepção é uma excepção dilatória nominada (art.º 577.º, al. i, CPC). Já daqui resulta que não pode existir nenhuma ‘excepção de autoridade de caso julgado’, desde logo porque esta expressão conjuga dois efeitos incompatíveis: o referido efeito positivo do caso julgado e o seu referido efeito negativo. […]”).
Ou seja, o réu, para invocar a autoridade do caso julgado teria de fazer referência a uma parte da causa de pedir que já estivesse decidida na anterior, para efeitos apenas de dizer que essa parte não poderia ser decidida de modo diferente – como o autor teve o cuidado de fazer, assinalando o que se pode aproveitar da anterior para o julgamento desta nova acção – não para evitar o conhecimento do mérito da nova acção.
Segundo, porque o que o réu diz que já está julgado tem a ver com os danos culposamente causados pela actuação do réu (responsabilidade civil), não com o aproveitamento que o réu está a fazer de parte do prédio do autor (enriquecimento injustificado por intromissão na esfera jurídica do autor).
Terceiro, porque é evidente que o tribunal, na anterior acção, nada decidiu – nem podia ter decidido - quanto ao enriquecimento injustificado que é o objecto desta acção.
Quarto, porque não sendo uma excepção dilatória, nem sendo feito valer como excepção peremptória, e não tendo, bem, o despacho recorrido decidido nada autonomamente sobre a autoridade do caso julgado, o saneador não podia ser objecto de recurso (art.º 644/1 do CPC: não havia uma decisão que pusesse termo ao processo, ou decidisse do mérito da causa, ou absolvesse o réu da instância, quanto a algum dos pedidos).
Por tudo isto, não interessa – por estar prejudicado - apurar as precisões que a contraparte faz quanto aos factos respeitantes a esta questão (designadamente os relativos à subsidiariedade do pedido ampliado) e ao valor do que foi decidido (designadamente se esse pedido foi ou não apreciado).
*
Quanto ao 2.º recurso
Na sentença recorrida consta a seguinte fundamentação para a procedência da excepção da violação do princípio da subsidiariedade:
O autor funda o seu pedido com base no enriquecimento sem causa.
Nos termos do disposto no artigo 473/1 do Código Civil, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustificadamente se locupletou”.
Por sua vez, o art.º 473/2 do CC, estatui que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que nãos e verificou”.
O art.º 474 do CC estabelece que “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”.
Conjugando as citadas disposições legais, retira-se que a obrigação de restituir fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa quatro requisitos: a\ haver enriquecimento; b\ o enriquecimento carecer de causa justificativa; c\ o enriquecimento ter sido obtido à custa de quem requer a restituição; d\ a lei não facultar ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado.
De acordo com o último requisito - princípio da subsidiariedade - exige-se que a acção de enriquecimento seja o último recurso a utilizar pelo empobrecido, que só pode recorrer ao mesmo quando não tenha outro meio para cobrir os seus alegados prejuízos.
Na perspectiva do autor, "os réus não cumpriram o disposto no art.º 1360/1 do CC, violando ilicitamente o direito de propriedade do condomínio sobre as partes comuns do respectivo prédio" (cf. art.º 39 da PI).
Destarte, retira-se que a causa de pedir dos presentes autos tem por base uma alegada violação de um direito subjectivo da titularidade do autor.
Sendo esse o caso, o autor deveria ter sustentando o seu pedido numa acção de indemnização com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual e não com base no instituto do enriquecimento sem causa.
Conforme refere Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 10ª ed, p. 501-503, o empobrecido apenas poderá recorrer à acção de enriquecimento quando a lei não lhe faculte outro meio para cobrir os seus prejuízos, ou embora existindo acção adequada à protecção dos seus interesses, esta não puder “ser exercida em consequência de obstáculo legal”, como por exemplo o caso prescrição do direito de indemnização, ou de não poder sê-lo com utilidade, como acontece nos casos em que o devedor está insolvente.
No mesmo sentido se tem pronunciado o STJ (cf., entre outros, os acórdãos de 28/06/2018, proc. 1567/11.3TVLSB.S2 e de 24/01/2019, proc. 948/14.5TVLSB.L1.S1).
A violação do princípio de subsidiariedade do instituto do enriquecimento sem causa constitui uma excepção peremptória (cf. acórdão do STJ de 22/10/2015, proc. 6553/12.3TBCSC.L1.S1), que conduz a improcedência da acção e à consequente absolvição do réu do pedido, nos termos dos artigos 474 do CC e 576/3 do CPC.
Contra isto o autor disse o seguinte (transcrevem-se as conclusões na parte útil, evitando-se apenas algumas das muitas repetições):
D\E\ No artigo 39 da petição inicial não consta o que é dito, pela sentença recorrida, constar.
F\J\ Lida a petição inicial, em nenhum artigo é referido pelo que os réus violaram ilicitamente o direito de propriedade do condomínio sobre as partes comuns do respectivo prédio.
G\ Razão pela qual não é compreensível como a sentença a quo, considerou que «Destarte, retira-se que a causa de pedir dos presentes autos tem por base uma alegada violação de um direito subjectivo da titularidade do autor.”
H\K\L\ Quando na realidade, a petição inicial, no capítulo IV - da subsidiariedade da acção judicial de enriquecimento sem causa, justificou a necessária subsidiariedade do enriquecimento sem causa.
I\ Veio nos respectivos artigos 92 e seguintes: «Ao inexistir qualquer relação contratual entre autor e ré. 93 Não tendo a Ré, qualquer responsabilidade na edificação do prédio de que é proprietária, e na colocação no prédio dos elementos de arquitectura declarados ilícitos por atentatórios do direito de propriedade do autor. 94 Entende o autor, que não se verificam os requisitos de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, que podiam legitimar uma acção de responsabilidade civil, 95 E considerando igualmente, que não foi ainda fixado qualquer prazo no processo executivo para a realização da demolição. 96 Não restando ao autor, qualquer outro mecanismo legal de que se possa socorrer para obter o efeito jurídico peticionado nos presentes autos. 97 Verificando-se assim o requisito de subsidiariedade da presente acção de enriquecimento sem causa, determinada por ser a única via legal de que dispõe o autor, para obstar ao enriquecimento acima descrito.
M\ Vindo alegar no artigo 102 E assim, entende o autor inexistir qualquer causa justificativa para o enriquecimento de que se encontra a fruir desde a data da aquisição do prédio de que é proprietária o réu.
N\ E, então, só apurando-se, por interpretação da lei, que essas normas directamente predispostas não esgotam a tutela jurídica da situação é que se justifica o recurso complementar ao instituto do enriquecimento sem causa (ex.: em hipóteses de responsabilidade civil).
[…]
P\ Se a intromissão não envolve responsabilidade civil (por exemplo, porque não há culpa ou porque não há dano) mas existe enriquecimento sem causa justificativa, o carácter subsidiário da obrigação de restituir nele fundada não impede a sua aplicabilidade.
Q\ Entende o autor, ser, manifestamente este o caso nos presentes autos, ou seja, verificando-se uma intromissão no direito de propriedade do autor, ao inexistir qualquer relação contratual entre autor e réu;
R\ Não tendo o réu, qualquer responsabilidade na edificação do prédio de que é proprietário, e na colocação no prédio dos elementos de arquitectura declarados ilícitos por atentatórios do direito de propriedade do autor, não se verificam os requisitos de responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, que podiam legitimar uma acção de responsabilidade civil.
S\ E considerando igualmente, que não foi ainda fixado qualquer prazo no processo executivo para a realização da demolição, relativamente ao qual esteja o réu em incumprimento.
T\ Não resta ao autor, qualquer outro mecanismo legal de que se possa socorrer para obter o efeito jurídico peticionado nos presentes autos.
[…]
W\ Com efeito, a factualidade descrita na PI, configura aquilo que na doutrina é designado como enriquecimento por intervenção.
X\ “O enriquecimento por intervenção, que constitui uma categoria autónoma do enriquecimento sem causa, surge quando alguém obtém um enriquecimento através de uma ingerência em bens alheios, traduzida, designadamente, no uso e fruição dos mesmos. Mesmo que o proprietário, se acaso não tivesse ocorrido tal intromissão ou interferência, nenhum proveito tirasse dos bens, sempre o intrometido estará obrigado a indemnizá-lo do valor dos frutos que obteve à custa desses bens ou do valor do uso que deles fez, restituindo-lhe, pois, o valor de exploração" - cf. ac. do STJ de 23/03/1999 (CJSTJ, I, p. 172).
Y\ “Se o interventor tira vantagens da coisa pode dizer-se que obteve um enriquecimento à custa do titular desse direito, na medida em que se apropriou de utilidades que «a ordem jurídica, segundo o direito da ordenação dos bens», reserva exclusivamente a este último.” - ibidem, p. 173.
Z\ Sendo evidente o enriquecimento obtido pelo réu, que ocupa com as armações metálicas e com a laje do seu terraço uma área que se inclui no espaço aéreo do Lote 8;
AA\E que com a supra-referida abertura ilegal de portas que deitam sobre o Lote 8, facilita a circulação de funcionários e clientes das empresas instaladas no Lote 6;
 AB\ Nestes termos, o réu tem beneficiado da propriedade do autor, tirando proveito dela, sem que exista para tanto qualquer causa justificativa;
AC\ Pelo que deve o réu restituir ao autor o valor correspondente ao tempo que durou e vier a durar a ocupação e utilização das partes comuns do Lote 8, propriedade do condomínio autor.
AD\ Ou seja, o réu mantém a fruição no prédio de que é proprietária dos elementos de construção declarados ilícitos pela sentença, junta com a petição inicial,
AE\ E que condenou a ré [nos termos já transcritos supra]
O réu contra-alegou, terminando com a seguinte síntese (também aqui se transcreve, evitando-se apenas algumas das muitas repetições):
P) Acontece que a acção interposta pelo autor assenta na seguinte argumentação: [o réu transcreve a síntese que a sentença recorrida fez da PI e que foi já transcrita no relatório deste acórdão].
Q) Resultando claro, em face do alegado a acção adequada a propor deveria ter sido fundada no instituto da responsabilidade civil extracontratual e não do enriquecimento sem causa.
R) Não assistindo qualquer razão ao autor em nenhum dos argumentos apresentados, configurando estes autos, uma tentativa do autor em contornar uma acção já anteriormente julgada improcedente.
S) O artigo 474 do CC prescreve que: […]
T) Conjugando o disposto no artigo 473/1 com o artigo 474 ambos do CC, retira-se, tal como defendido na sentença recorrida, que a obrigação de restituir fundada no instituto do enriquecimento sem causa pressupõe a verificação cumulativa de quatro requisitos: […].
U) O autor tinha um outro meio para vir peticionar uma indemnização em função do direito que alega estar a ser violado, fundada na responsabilidade civil extrajudicial.
V) A acção de enriquecimento sem causa é o último recurso a ser utilizado pelo empobrecido.
W) Mas não se considere que, por ter previamente corrido uma acção que veio a ser julgada improcedente, pode agora o empobrecido vir a lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa.
X) O instituto do enriquecimento sem causa tem carácter subsidiário, no sentido de ser um meio residual e de inexistir acção alternativa para o ressarcimento do dano, devendo ser apurado que outras normas eventualmente aplicáveis ao litígio não garantem a tutela da situação em concreto – cf. acórdão de 16/01/2007, proc. 06A4386.
Y) No caso sub judice, não restam dúvidas de que, a pretensão indemnizatória requerida pelo autor, deverá ser enquadrada no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, na medida em que, segundo a sua teoria, estamos perante um acto ilícito (violação do direito de propriedade), violação essa perpetuada pelo réu de forma consciente e culposa, a qual lhe provoca directamente um dano indemnizável (danos provocados na cobertura do seu edifício).
Z) Acresce que, e conforme se pode comprovar pelos articulados apresentados pelas partes e de acordo com as decisões judiciais proferida na anterior acção judicial intentada e que opôs o condomínio autor ao réu, as referidas pretensões indemnizatórias já foram requeridas com base no instituto da responsabilidade civil extracontratual e foram expressamente julgadas improcedentes.
AA) E deste modo, é manifestamente inadmissível que o autor venha tentar contornar a referida situação, propondo a presente acção pela via do instituto do enriquecimento sem causa, como se não existisse outro meio de tutela específico para apreciação das suas pretensões e, ainda, como se não o tivesse já exercido!
Apreciação:
A natureza subsidiária da obrigação de restituição por enriquecimento, consagrada no art.º 474 do CC, norma já transcrita acima e natureza de que já se falou muito nestes autos, quer dizer apenas que se, em concreto, a pretensão do autor tiver (ou só não o tiver por não o ter exercido de forma adequada) um fundamento alternativo para além do enriquecimento sem causa, é aquele que deve ser exercido e não este (e isso, para alguns, apenas se aquele não se revelar mais oneroso para o agente).
Júlio Gomes, no Comentário ao CC, Direito das obrigações, UCP/FD/UCE, Dez2018, páginas 256 e 257, desenvolve a questão entre o mais dizendo: “Pense-se, por exemplo, na hipótese de o enriquecimento obtido pela ingerência ou intromissão na esfera jurídica alheia ser superior ao dano patrimonial (ou, em todo o caso, e como refere Sirena [..], o dano que é possível provar ficar aquém do enriquecimento), que pode até nem sequer existir […]. Não vemos – na esteira de Antunes Varela […] – que haja aqui qualquer violação da natureza subsidiária da obrigação de restituir o enriquecimento, porquanto uma acção de responsabilidade civil não lograria obter resultado equivalente. […].” (a questão é desenvolvida pelo autor na tese O conceito do enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, Porto, UCP, 1998, páginas 415 a 467).
Repare-se, aplicando o que antecede, no caso em que o dano fica aquém do enriquecimento, há dano e há enriquecimento, pelo que pode haver responsabilidade civil e enriquecimento sem causa, e o autor pode usar aquele (para o dano) e este (para o enriquecimento), ou pode usar só aquele (para o dano), primeiro e, se perder, usar só o segundo (para o enriquecimento). De resto, o dano e o enriquecimento podem nem sequer coincidir em parte.
{O acórdão de 28/06/2018 invocado pela sentença recorrida aponta no mesmo sentido: […] IV. O referido princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa deve ser interpretado na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma absoluta ou meramente genérica. […] VII. Quando, no âmbito de uma acção de cumprimento, não tiver sido reconhecido o direito a indemnização por violação do contrato, não devido a carência de meio ou a obstáculo legal, mas sim ao facto de o autor não ter utilizado aquele de forma eficiente, não se mostra lícito que este lance mão do enriquecimento sem causa para a obtenção do mesmo efeito prático-jurídico. O mesmo se diga do outro ac. do STJ, de 24/01/2019, de que a sentença se recorre: esse acórdão lembra que “a natureza subsidiária daquele instituto, consagrada no art.º 474, impede que a ele se recorra desde já” (o itálico é do próprio acórdão), apoiando-se depois no já referido acórdão de 28/06/2018. O mesmo resulta, ainda, como lembra Júlio Gomes, do desenvolvimento da questão em Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 9.ª edição, Almedina, páginas 513 a 523, e em Leite Campos, como se vê na discussão feita naquela tese nas páginas 422 a 428; no mesmo sentido, ainda, Menezes Leitão, Direito das obrigações, vol. I, 2010, Almedina, pág. 450, nota 998: “[…] Já não parece, porém, que a existência de responsabilidade civil (artigos 483 e seguintes) exclua liminarmente a aplicação do enriquecimento por intervenção, no caso de a protecção por ele conferida ser superior. Cf. Menezes Leitão, O enriquecimento, [CEF, Lisboa, 1996], páginas 689 e ss.” Nesta obra, páginas 700-704, especialmente páginas 701-702, fala-se em ‘resultado diferente’ e não só em resultado ‘superior’}.
A pretensão do autor tem de ser entendida nos normais termos prático-jurídicos que decorrem do pedido, interpretado no contexto da petição inicial.
No caso dos autos o que o autor quer é uma compensação/ /contrapartida do réu por este estar a utilizar o espaço aéreo do prédio do autor, tendo em conta que a lei atribui ao autor o uso pleno e exclusivo desse espaço [tal como resulta do disposto nos artigos 1305 (O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas) e 1344: 1. A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. 2. O proprietário não pode, todavia, proibir os actos de terceiro que, pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em impedir.)
E o autor só quer aquela compensação até que o réu cumpra a condenação judicial de que já foi alvo, momento em que o prédio do autor deixará de estar ocupado com coisas do réu e a compensação se deixará de justificar.
A sentença diz que “na perspectiva do autor os réus não cumpriram o disposto no art.º 1360/1 do CC, violando ilicitamente o direito de propriedade do condomínio sobre as partes comuns do respectivo prédio. (cf. art.º 39 da PI).”
Ora, desde logo como o autor diz, ele não alegou que o réu não tivesse cumprido o disposto no art.º 1360/1 do CC; o artigo 39 da PI que contém aquela referência é o artigo 39 da PI da acção anterior. De resto, não é o artigo 1360/1 do CC que está em causa nestes autos: o art.º 1360/1 do CC teria a ver com construções feitas no (dentro do) prédio do réu e, no caso dos autos, o que está em causa é a ocupação com coisas construídas pelo réu no espaço aéreo do prédio do autor.
Por outro lado, a sentença, embora devesse estar a tratar do pedido do autor, está antes a falar da causa de pedir: “a causa de pedir dos presentes autos tem por base uma alegada violação de um direito subjectivo da titularidade do autor.” Trata-se de uma petição de princípio: a sentença diz que a causa de pedir do autor é a responsabilidade civil, logo podia haver uma causa de pedir diferente da causa de pedir invocada pelo autor (o enriquecimento sem causa). Está assim a dar por pressuposto, aquilo que precisava de ser demonstrado.
Por último, o que o autor quer não pode ser obtido pela via da responsabilidade civil que não tem nada a ver com o caso: o autor não quer ser indemnizado pelos danos causados por um acto culposo do réu, quer sim uma compensação pelo proveito que o réu tira da utilização de uma coisa do autor cujo gozo a ordem jurídica atribui plena e exclusivamente ao autor. Trata-se do enriquecimento por intromissão ou ingerência, admitido por todos os autores e jurisprudência.
[apenas, por exemplo, Antunes Varela, obra citada, número 132, páginas 487-488, n.º 134, páginas 493-495, n.º 136.B, páginas 501-503; Júlio Gomes, O conceito, citado, páginas 180 a 228, ou no Comentário ao CC, por exemplo páginas 247-252, especialmente na pág. 250, ou nas já citadas páginas 256-257; Menezes Leitão, Direito das obrigações, páginas 450-459 e n’O enriquecimento, citado, páginas 688 e seguintes, especialmente páginas 710 a 720. Menezes Cordeiro, Tratado do direito civil português, II, tomo III, 2010, Almedina, páginas 277-279, que lembra, entre outros, os acórdãos do STJ de 31/03/2004, CJ.20024, I, 151-155 (a concessionária que instale postes eléctricos não autorizados deve, a título de restituição do enriquecimento, retornar ao proprietário o valor da ocupação) e de 24/06/2004, CJ.2004, II, 108-112 = 03B3105 (o construtor que prolonga o edifício em terreno alheio deve restituir o enriquecimento); por responder a outras questões que subjazem às que foram expressamente colocadas, lembre-se ainda o ac. do TRL de 19/09/2017, proc. 93/17.1YRLSB-7, na parte em que esclarece o que é um entendimento comum: VI.–No enriquecimento por intervenção, nem sempre a deslocação patrimonial está presente, visto que o que acontece é que o enriquecimento pode ocorrer através da obtenção de uma vantagem (que não deslocação patrimonial) que previamente pertencia ao empobrecido. VII.–E é precisamente a expectativa jurídica de aquisição desse ganho que é frustrada pela intervenção do enriquecido. VIII.–Portanto, não se trata de uma deslocação patrimonial, mas sim de um potencial de ganho não obtido. IX.–Daí que a doutrina entenda não ser aceitável exigir a deslocação patrimonial como pressuposto do enriquecimento por intervenção. X.–Mais, nem sequer é necessário que o fundamento do enriquecimento tenha de ser buscado em qualquer acção ilícita. XI.–Do que verdadeiramente se trata é da demonstração de que houve afectação da vantagem ou utilidade destinada em exclusivo ao titular do direito.; e, para a questão do ónus da prova, o ac. do TRL de 16/02/2012, proc. 1699/10.5YXLSB.L1-2: III – No enriquecimento sem causa por intervenção, ao contrário do que se passa no enriquecimento por prestação, cabe ao enriquecido o ónus da prova da existência de causa jurídica para o enriquecimento.]
Do que antecede já resulta que a tese do réu, que foi seguida pela sentença, não procede: como se vê, ao contrário do que o réu diz, o autor não quer ser indemnizado de prejuízos que a conduta do réu lhe causou ou está a causar, quer, sim, repete-se, a compensação pelo proveito que o réu está a ter com o gozo de coisa cujo gozo pleno e exclusivo está atribuído por lei ao autor.
É certo que o autor já quis outras coisas (entre elas a indemnização dos prejuízos que lhe são causados pela conduta do réu), mas isso foi na anterior acção, não nesta. Ora, não tem sentido invocar o que autor queria na acção anterior para dizer que isso podia ser obtido com outro fundamento (a responsabilidade civil). O que interessa é o que o autor quer actualmente.
Por outro lado, não se trata, como entende o réu, de o autor estar a tentar ultrapassar, de forma abusiva e ardilosa, a improcedência da anterior acção quanto ao pedido de indemnização formulado (e ampliado). O autor, o que fez, foi, na prática, aceitar a derrota e desistir da indemnização desses danos, resignando-se a tentar só evitar que o réu fique com um enriquecimento derivado do gozo do prédio do autor. 
É certo, ainda, que o autor mistura o fundamento invocado com outras referências, entre elas aos danos e a despesas que a situação (resultante da construção do prédio do réu e da utilização dele) está a causar ao autor (o que indica que a aceitação da derrota anterior e a desistência de que se falou acima não foi total ou não foi consequente), mas isso são aspectos que já não dizem respeito ao enriquecimento sem causa e que, por isso, devem ser ignorados sem outras consequências.
Assim sendo, esta excepção deduzida pelo réu – da violação da natureza subsidiariedade da obrigação de restituição – deve ser julgada improcedente em vez de procedente.
Cumpria fixar desde já o valor do enriquecimento a restituir (art.º 665/2 do CPC), pois que, perante os factos já provados (10 a 14, 20 e 21), é evidente que esse aproveitamento existe e o autor deve ser compensado por ele.
O autor avançou o valor do aproveitamento que o réu faz com a ocupação do espaço aéreo do prédio do autor com base no valor pago pelo ocupante de um prédio nas mesmas circunstância do réu, mas esse valor foi aí atingido por acordo e não constam do acordo os factos que levaram à fixação desse valor, pelo que se trata de um modo de cálculo que não pode ser aproveitado para a fixação de valor do enriquecimento nesta acção.
Assim sendo, não só este TRL não tem os elementos de facto necessários para o efeito, como não os tem o tribunal recorrido, pelo que se tem de aplicar a norma do art.º 609/2 do CPC: Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Dado que o pedido do autor se refere e pressupõe uma situação temporária, que só se verifica desde o trânsito em julgado da condenação judicial proferida na outra acção e que deixará de existir a partir do momento em que o réu cumpra aquela condenação, o valor do enriquecimento tem de dizer respeito a um aproveitamento que possa ser anualizado e que terá de respeitar aqueles limites temporais.
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Pelo exposto, julga-se:
i\ o recurso do réu improcedente, com custas do recurso, na vertente de custas de parte (não há outras) pelo réu.
ii\ o recurso do autor parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida e em sua substituição julga-se que não se verifica a excepção peremptória da violação da natureza subsidiária do enriquecimento injustificado e condena-se o réu a restituir ao autor o valor que vier a ser liquidado como o do enriquecimento injustificado que o réu tem com a ocupação do espaço aéreo do prédio do autor, por ano, desde o trânsito em julgado, em Maio de 2015, da sentença proferida no âmbito do processo 2684/10, até que ele se deixe de verificar com a realização da prestação de facto a que o réu foi condenado.
Custas da acção e do recurso, na vertente de custas de parte, provisoriamente em partes iguais (fixando-se em definitivo na decisão posterior da liquidação).

Lisboa, 18/04/2024
Pedro Martins
António Moreira
Rute Sobral