Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2622/23.2T8BCL.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: AÇÃO EMERGENTE DE DOENÇA PROFISSIONAL
FASE ADMINISTRATIVA
COMUNICAÇÃO DA NÃO CERTIFICAÇÃO DE DOENÇA PROFISSIONAL
DIREITO DE ACÇÃO
CADUCIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/18/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - No regime do processo emergente de acidente de trabalho o direito de acção caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado - 179º, 1, LAT.
II - No regime do processo emergente de doença profissional a lei não é inequívoca na estipulação de um prazo de caducidade para exercer o direito de acção, nem sobre o evento a partir do qual aquela se iniciará, dúvida acentuada pelo escrutínio da sucessão de leis que regulam a matéria (Base XXXVIII da Lei 2127, de 3/8, artigos 32º da Lei 100/97, de 13-09 e 179º da Lei 98/2009, de 4-09).
III - A fase administrativa que corre na segurança social, e que antecede o processo judicial, visa a certificação, ou não, da doença profissional, a qual abrange o seu diagnóstico, a sua caracterização como doença profissional e graduação de incapacidade. Em caso de discordância, o interessado dará inicio à fase contenciosa no tribunal do trabalho, apresentando petição inicial ou requerimento para fixação de incapacidade para o trabalho conforme o que seja controvertido, em ambos os casos se considerando, então, a acção intentada.
IV- No caso concreto, um simples ofício do segurança social, através do qual se dá conhecimento à autora da intenção de indeferir o seu pedido de reconhecimento de doença profissional, não é evento alternativo equiparado à comunicação formal de alta clínica, que seja idóneo a desencadear o início do prazo de caducidade.
V - Com tal comunicação a autora não ficou inteirada dos elementos de diagnóstico, da avaliação e fundamentação clínica que motivou o indeferimento, nem, consequentemente, em condições de poder exercer o seu direito de acção.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

AA, patrocinada pelo Ministério Público, em 8-10-2023 intentou a presente acção especial emergente de doença profissional comum contra Instituto da Segurança Social, IP, “Instituto da Segurança Social, IP (Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais)” - 155º CPT.
Causa de pedir: alega que sofre de doença profissional (“síndrome do canal Cárpico à direita”), tendo requerido previamente à ré que lhe fosse reconhecida doença profissional, o que lhe foi indeferido por ofício de 11-09-2022 (quererá referir 12-09-2022, conforme oficio para onde remete). 
Formula os seguintes pedidos: a) reconhecer que a Autora padece de doença profissional nos termos e com os fundamentos peticionados (síndrome de túnel cárpico bilateral grave); b) reconhecer que no período compreendido entre 2/4/2021 a 4/11/2021, a Autora beneficiou de baixa por doença profissional com incapacidade absoluta para o trabalho (ITA); c) a pagar-lhe a pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada em consequência do resultado da junta médica;”
Requereu a realização de junta médica e formulou quesitos.
Contestação: no que importa à economia do recurso, a ré excepciona a caducidade do direito de ação, por, à data da propositura da acção, ter decorrido o prazo de ano contado da notificação (ocorrida no máximo em 15-09-2022, 3 dias após a expedição da comunicação) de indeferimento do pedido de reconhecimento de doença profissional, nos termos do art. 179º 1, da Lei 98/2009, de 4/9, doravante LAT. Refere em abono ac. da Relação de Lisboa, datado de 09.04.2008- Processo nº 297/2008-A.
Reposta: a autora sustenta que o prazo de caducidade de um ano previsto na norma citada é apenas aplicável aos acidentes de trabalho.

DECISÃO RECORRIDA: foi proferido despacho saneador onde, entre o mais, se julgou improcedente a excepção de caducidade e determinou o prosseguimento dos autos, incluindo para fixação de incapacidade para o trabalho.

FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ –CONCLUSÕES (sintetizadas):
“O presente Recurso destina-se a recorrer da decisão proferida pelo douto Tribunal de 1.ª instância, o qual em sede de Despacho-Saneador julga improcedente a “exceção de caducidade” defendida pelo aqui Recorrente em sede de Contestação.
O Tribunal a quo entende que a norma prevista no n.º 1 do artigo 179.º não se aplica aos casos de doença profissional.
Contudo, o n.º 2 do artigo 1.º da Lei 98/2009, de 04 de Setembro, manda aplicar às doenças profissionais as normas relativas aos acidentes de trabalho, excetuando aquelas que se encontrem no Capítulo III; Encontrando-se a norma do artigo 179.º no capítulo VI da referida Lei, é, portanto, totalmente aplicável aos casos de doenças profissionais.
...na sequência da apresentação da Participação Obrigatória .. não foi reconhecida à Autora/aqui Recorrida a existência de doença profissional, decisão oportunamente comunicada, a título de decisão final, em 12/09/2022 (cfr. Fls. 46 do p.a.).
... a própria A/aqui Recorrida, quem em sede de Petição Inicial reconhece que o pedido de reconhecimento de doença profissional foi indeferido em 12/09/2022 ...
Como se sabe, nos termos do Código do Processo Administrativo, determina o n.º 1 do artigo 113.º que: “A notificação por carta registada presume-se efetuada no terceiro dia útil posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”
Ora, o terceiro dia útil posterior à data do registo é o dia 15/09/2022, data em que se entende que a Autora/aqui Recorrida se considera notificada, ...
... quer uma data (11/09/2022) quer a outra, de 15/09/2022, conduzem ao mesmo resultado: que o direito de exercício de ação da Autora já se encontrava caduco na data de propositura da ação.
Nos termos do artigo 179.º da Lei 98/2009, o direito de Acão respeitante às prestações caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
A jurisprudência clarifica ainda, que o prazo para o exercício do direito de ação emergente de doença profissional é de um ano e inicia-se a partir do dia em que o/a beneficiário/a teve conhecimento inequívoco do diagnóstico ou da certificação da doença. 
Neste sentido, vide Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 09.04.2008- Processo nº 297/2008-A, ....
.. a presente ação só deu entrada em juízo em 08/10/2023, ...
... decorre do artigo 138.º da LAT que a certificação e a revisão das incapacidades é da exclusiva responsabilidade do serviço com competência na área de proteção contra os riscos profissionais, isto é, o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais [DPRP] do ISS, IP., aqui Recorrente.
No entanto dispõe o artigo 155.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho que “o disposto nos artigos 117.º e seguintes aplica-se, com as necessárias adaptações, aos casos de doença profissional em que o doente discorde da decisão do Centro Nacional de Proteção Contra os Riscos Profissionais”.
...Se o beneficiário/doente não concordar com alguma decisão do DPRP pode recorrer a tribunal, para aí prosseguir o processo, na fase contenciosa, à semelhança dos acidentes de trabalho.
.. a propósito de questão diferente e ao abrigo da anterior Lei n.º 100/97, de 13.09, mas com inteira pertinência para a questão dos autos pode ver-se o Ac. TRL de 09.04.2008
 ...Sem conceder, por mera cautela e dever de patrocínio, sempre se diga o seguinte:
De acordo com o disposto no artigo 135.º do CPA “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”
A nulidade é considerada a forma mais grave de invalidade do ato administrativo e tem um caráter excecional, sendo inaplicável no presente caso. 
A impugnação com base na verificação da anulabilidade dos atos administrativos está sujeita aos prazos previstos no artigo 58.º do CPTA. O n.º 1 do mesmo artigo prevê dois prazos distintos para a impugnação judicial, um de um ano para o Ministério Público [cfr. al. a)] e outro de 3 meses que funcionará como a regra nos demais casos [cfr. al. b)].
Do referido artigo decorre assim que os atos administrativos que enfermam de mera anulabilidade, em regra, apenas poderão ser impugnados no prazo de 3 meses.
... a contagem do prazo para impugnação inicia-se com a notificação do ato ao abrigo do artigo 59.º n.º 2 do CPTA.
Decorrido que seja assim o prazo de 3 meses contado desde a notificação, sem que o mesmo seja tempestivamente impugnado, o ato administrativo consolidar-se-á na ordem jurídica.
Ora, no caso em apreço, se dúvidas houvessem, que não as há, é a própria Autora/aqui Recorrida que confessa na P.I. que se considerada notificada a 11/09/2022, confissão essa que se aceitou expressamente em sede de Contestação para todos os efeitos legais.
... o direito de exercício de ação da Autora/aqui Recorrida já se encontrava caduco na data de propositura da ação, quer se entende que o prazo de caducidade é de 1(um) ano, quer se entende que o prazo de caducidade é de 3 meses.
O que não se aceita, nem se pode aceitar, com todo o respeito que é muito, é que o Tribunal a quo entenda inexistir prazo para impugnar judicialmente este ato administrativo, perpetuando a ideia de que se trata de um prazo com impugnação “ad eternum” sem se consolidar efetivamente na ordem jurídica. Como se se tratasse de um ato ferido de nulidade, o que não se concede, nem se pode conceder. 
 Nestes termos, como nos demais e melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de v. exas., deverá o despacho saneador proferido pelo douto tribunal a quo ser revogado e substituído por outro que julgue procedente a exceção de caducidade do direito de ação ....”
CONTRA-ALEGAÇÕES - sustenta-se a improcedência da apelação.
O recurso foi apreciado em conferência – art. 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR [1]: caducidade do direito de acção emergente de doença profissional.

II - FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS A ATENDER: os mencionados no relatório e ainda os seguintes (por acordo e documentos não impugnados):
A.1 - A autora requereu à Ré, em 11/3/2021, a atribuição do reconhecimento de doença profissional apresentando participação obrigatória (24º da p.i)
A. 2 - A Autora foi notificada por ofício datado de 12.09.2022, em sede de audiência prévia do projeto de decisão de indeferimento relativo à pensão por incapacidade para o trabalho pela doença Síndrome Túnel Cárpico, conforme doc. ...2 da petição inicial que se reproduz, e fls 46 do processo administrativo (25º da p.i., 7º e 8º, 26 da contestação).
A.3- A petição inicial deu entrada em 8-10-2022.

B) A CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
O tribunal a quo julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré, por considerar inaplicável às acções emergentes de doença profissional o prazo de um ano mencionado no art. 179º, 1, do regime jurídico de reparação de acidentes de trabalho e doenças profissionais Lei 98/2009, de 4/09 (doravante LAT), que, em seu entender, estaria circunscrito às acções emergentes de acidente de trabalho (AT´s, doravante), com o que o recorrente não concorda.
Sustenta-se na decisão recorrida: a caducidade de um direito só ocorre se e quando estipulada na lei (ou na vontade das partes, o que no caso não se põe); o prazo invocado pela ré (179º, 1, LAT) não é aplicável às acções emergentes de doença profissional (DP´s, doravante) porque a letra da lei (elemento literal) não o permite, interpretação coadjuvada pelo elemento sistemático na medida em que, inserindo-se a norma questionada num capítulo comum às DP´s e aos AT´s, deixa de fora a caducidade, o que só ser entendido como intencional, ademais regulando especificamente a prescrição nas DP´s e nunca referindo a caducidade (179º, 2, LAT); finalmente, o elemento histórico, o mais importante, desempatará definitivamente a questão, verificando-se que ao tempo de vigência da  Base XXXVIII da Lei 2127, de 3/8 se encontrava expressa e especificamente estatuído que, no caso de doença profissional, o prazo de caducidade se contava a partir da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença[2], estipulação essa que foi abandonada na subsequente Lei 100/97 de 13/09 (32º), bem como na sua sucessora, a actual Lei 98/2009, de 4/04 (179º, 1). Sustenta-se, também que, ainda que se perfilhasse o entendimento de que a referida norma se deveria considerar analogicamente aplicável ao caso das doenças profissionais, sempre seria de concluir pela não verificação da pretendida caducidade, porque o prazo correria a partir do conhecimento do diagnóstico inequívoco ou da certificação da doença. A ré, a quem a aludida exceção aproveitaria, não tratou de alegar a data em que tais factos ocorreram (art. 342.º, 2, do Código Civil), tendo-se apenas limitado a alegar a data da notificação à autora da decisão administrativa de não reconhecimento da existência de doença profissional.
Contrapõe a recorrente que a lei dispõe que o direito de acão respeitante às prestações fixadas na lei de acidentes de trabalho e de doenças profissionais caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado, clarificando a jurisprudência que o prazo para o exercício do direito de ação emergente de doença profissional é igualmente de um ano e inicia-se a partir do dia em que o/a beneficiário/a teve conhecimento inequívoco do diagnóstico ou da certificação da doença. 

Analisando:

Pese embora a questão não seja linear, julgamos que o tribunal a quo fez adequada resolução final do caso.
Sabe-se que o tempo tem repercussão nas relações jurídicas. O não uso de um direito dentro de prazo que a lei estipule (ou as partes, em certo casos) leva à sua extinção (296º e ss CC). Ninguém deverá estar eternamente na incerteza da demanda e do conflito. A caducidade é, pois, uma forma de extinção de direitos potestativos que resulta da falta do seu exercício num determinado prazo. Trata-se de um instituto que se funda em razões objectivas de segurança e certeza jurídica, prosseguindo o interesse público de definição dos litígios – Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 5ª ed., p. 961, Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 2ª reimpressão, p. 464.
Ainda de acordo com o artigo 329º do CC:
“O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”. Existem inúmeros casos em que a lei fixa o evento a partir do qual se inicia a contagem do prazo, sendo a LAT um deles, como veremos. Contudo, mesmo nestes caos, a norma poderá ser útil, ajudando a resolver casos complexos que não sejam inequívocos, como o dos autos.
Por regra os prazos de caducidade referem-se à propositura de acção. Assim, obsta-se à caducidade propondo a acção dentro do prazo estabelecido - 332º, 1, 1ª parte, CC e Manuel de Andrade, ob. cit., p. 465.
Para efeito da caducidade, em termos gerais a acção considera-se intentada logo que a respetiva petição se considere apresentada - 259º, 1, 144º, 1 e 6, CPC. No caso dos acidentes de trabalho e doenças profissionais existem normas específicas que se afastam deste regime geral, a que abaixo aludiremos, mas há que reter, desde já, que “algo” tem de entrar no tribunal, seja uma participação (no caso de AT), seja uma petição inicial, seja um requerimento para fixação de incapacidade para o trabalho.
A referida LAT regula quer o regime de reparação de acidentes de trabalho, quer de doenças profissionais.
O diploma contém um minúsculo capítulo inicial em que se limita a definir o âmbito e objeto da lei, destacando-se a aplicação às doenças profissionais, com as devidas adaptações, das normas de acidente de trabalho e, subsidiariamente, do regime geral de segurança social -CAP I, art.s 1 e 2º. Contém, depois, capítulos específicos de cada um dos referidos regimes, CAP II, art.s 3º a 92º para os acidentes de trabalho, CAP III, art.s 93 a 153º para as doenças profissionais. Finalmente, esquecendo outros que ao caso irrelevam, contém um capítulo de disposições finais aplicáveis declaradamente aos dois regimes de acidentes de trabalho e de doenças profissionais (CAP VI, art. s 174 a 187º). É neste último que encontramos as disposições especiais referentes aos prazos de caducidade e de prescrição, pelo que a primeira ilação a retirar é a de que não há que recorrer a regimes subsidiários para resolver o caso, na medida em que este está regulado na e pela LAT. São, assim, despropositadas as referências da recorrente a prazos administrativos, mormente de 3 meses para anulação de actos administrativos, quando a LAT regula a relação jurídica em causa e concede aos interessados o direito de acção judicial perante o tribunal nos termos nela especialmente regulados, motivo pelo qual se arreda liminarmente aquela argumentação.

Refere o artigo em causa, 179º da LAT (epigrafe caducidade e prescrição):
1- O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
2- As prestações estabelecidas por decisão judicial ou pelo serviço com competências na área da protecção contra os riscos profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3- O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”

É fácil constatar que, não tendo existido assistência clínica por parte da Ré e consequente emissão de boletim de alta, nunca este preceito poderá aplicar-se tal qual ao caso dos autos.
Importa introduzir que a LAT consagra dois procedimentos distintos para exercer os direitos referentes a prestações devidas por acidentes de trabalho e por doenças profissionais.

Acções emergentes de acidentes de trabalho:
Em termos muitos latos, apenas os necessários ao entendimento do caso, os acidentes de trabalho comportam potencialmente duas fases que correm ambas no tribunal. Uma conciliatória, obrigatória, dirigida pelo Ministério Público que se inicia com uma participação, para alguns obrigatória, para outros facultativa (vg, empregadora, seguradora, sinistrado, etc...- 88º, 90º, 91º, 92º) e que pode terminar nessa fase por acordo, onde o juiz apenas será chamado a intervir para o homologar - 99º a 111º, 114 a 116º CPC. Outra fase, potencial, contenciosa e de natureza judicial, que tem lugar quando não há acordo. Podendo acontecer que o sinistrado/beneficiário discorde apenas da incapacidade para o trabalho que lhe foi atribuída, caso em lhe basta apresentar um simples requerimento para efeitos da sua fixação. Ou podendo ocorrer uma discordância mais vasta que se estende a outros aspectos tendentes ao reconhecimento do acidente de trabalho, quiçá à ocorrência do próprio evento, caso em que terá de apresentar petição inicial -  117º, 119, 138º, CPT. Nesta tramitação, em razão destas assinaladas especificidades e fugindo às supra anunciadas regras gerais (processuais civis), o evento que faz cessar a contagem do prazo de caducidade é o referido acto de participação do acidente ao tribunal de trabalho. A partir de então, o Ministério Público está apto a instruir o processo, o qual, por ser instrumental de matérias de relevante interesse social e público, referente a direitos e garantias irrenunciáveis, é de natureza urgente e oficiosa, competindo, por conseguinte, ao MP impulsioná-lo - 26º, 1, e), 3 e 4, CPC e 12º da LAT.

Acções emergentes de doença profissional:
No que tange, agora, às acções emergentes de doenças profissional, pese embora classificadas de igual modo de oficiosas, urgentes e referentes a direitos irrenunciáveis, imbuídas do mesmo interesse social e público, estas obedecem, contudo, a uma tramitação inicial diferente, não correndo na sua primeira fase no tribunal, antes constituindo um procedimento administrativo que corre na Segurança Social.
O que acontece porque a protecção da eventualidade de doenças profissionais e o direito à reparação delas emergentes foi transferido para o sector público, ao contrário do que acontece nos acidentes de trabalho em que o empregador é obrigado a transferir a sua responsabilidade para entidades privadas legalmente habilitadas (seguradora)- 93º, 95º, 98º LAT.

Segundo o disposto no art. 93º da LAT:
1 - A protecção da eventualidade de doenças profissionais integra-se no âmbito material do regime geral de segurança social dos trabalhadores vinculados por contrato de trabalho e dos trabalhadores independentes e dos que sendo apenas cobertos por algumas eventualidades efectuem descontos nas respectivas contribuições com vista a serem protegidos pelo regime das doenças profissionais.”

E segundo o artigo 96º da LAT:
 A avaliação, graduação e reparação das doenças profissionais diagnosticadas é da exclusiva responsabilidade do serviço com competências na área da protecção contra os riscos profissionais.”- negrito nosso.
A certificação das incapacidades abrange o diagnóstico da doença, a sua caracterização como doença profissional e a graduação da incapacidade, sendo da exclusiva responsabilidade do referido serviço com competência na área de protecção contra riscos profissionais - 138º, 1, 3, 140º, LAT.
A lei orgânica do Instituto da Segurança Social, I. P. vai no mesmo sentido, tendo este por missão a gestão dos regimes de segurança social, incluindo o tratamento, recuperação e reparação de doenças ou incapacidades resultantes de riscos profissionais - 3º, 1 DL 83/2012, de 30 de março. Sendo sua atribuição, entre outras: “Avaliar e fixar as incapacidades em matéria de doenças emergentes de riscos profissionais e assegurar a prestação dos cuidados médicos e medicamentosos necessários, bem como as compensações, indemnizações e pensões por danos emergentes de riscos profissionais, por incapacidade temporária ou permanente;”- 3º, 2, al. s), da referida lei- negrito nosso.
Idem, dos estatutos do Instituto da Segurança Social, I. P. colhe-se que faz parte da sua organização interna o Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais (DPRP, doravante), a quem compete, entre o mais, a reparação e recuperação de doenças ou incapacidades emergentes de riscos profissionais, bem como “Avaliar e fixar as incapacidades das lesões, perturbações funcionais ou doenças emergentes de riscos profissionais”;- 1º, 2, e), 9º, da Portaria 135/2012, de 8 de maio, com as posteriores alterações- negrito nosso.
Cabe agora perguntar, como se organiza então esta tramitação administrativa para reconhecimento de doença profissional ao interessado?
O processo administrativo (p.a) inicia-se com a apresentação de participação a cargo de qualquer médico (obrigatória) que tenha conhecimento de um caso clinico em que seja de presumir a doença profissional (médico de trabalho ou de família), de seguida ou concomitantemente, o interessado terá de requerer ao CNPRP as prestações pecuniárias previstas na lei (há modelos próprios para o efeito), fazem-se as diligências necessárias (vg exames de diagnóstico e consulta do interessado) e profere-se decisão - 140º a 146º, LAT.
Nos termos gerais acima assinalados, a decisão final a proferir deverá certificar a existência, ou não, de doença profissional, o que equivale a fazer o diagnóstico da doença e graduação de incapacidade com recurso à TNI se for caso disso - 138º LAT. Trata-se de uma decisão com fundamentação clinica. Não obstante a decisão poder competir ao Director de Departamento, por aderência a um parecer médico prévio, este terá de ser notificado ao interessado. Só assim fica inteirado do que se chama a decisão.
Finalmente, caso o interessado discorde da decisão do Centro Nacional de Protecção contra Riscos Profissionais, terá de dar inicio à fase contenciosa, mas no tribunal de trabalho. O qual requisita o processo administrativo que correu na segurança social, aplicando-se, então, com as necessárias adaptações a tramitação seguida para os acidentes de trabalho já acima sumariada - 155º, 117º e ss, CPT. O que equivale a dizer que se o CNPRP não reconhece ao interessado, sequer, a existência de doença profissional terá de ser apresentada petição inicial e, caso haja apenas discordância sobre da incapacidade para o trabalho atribuída, poderá apresentar simples requerimento, tudo à semelhança do que acontece no processado para os acidentes de trabalho.
Ora, é com esta apresentação de petição inicial ou de simples requerimento no tribunal de trabalho que se considera intentada a acção para efeitos de contagem de caducidade do direito de acção, se se entender que ela existe no caso das doenças profissionais.
Volvendo ao cerne do assunto, é certo que a norma citada não refere explicitamente a caducidade neste tipo de acções (recorda-se 179º, 1, LAT):” O direito de acção respeitante às prestações fixadas na presente lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.”)[3].
O elemento histórico referente à sucessão de lei no tempo assinalada na decisão recorrida tem o seu peso.

A norma que anteriormente dispunha sobre o assunto, fazia-o em moldes muitos idênticos aos actuais:

(Art. 32º da Lei 100/97, de 13-08 Caducidade e prescrição:
1 - O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano a contar da data da alta clínica formalmente comunicada ao sinistrado ou, se do evento resultar a morte, a contar desta.
2 - As prestações estabelecidas por decisão judicial, ou pelo Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais, prescrevem no prazo de cinco anos a partir da data do seu vencimento.
3 - O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”[4].

Contudo, a sua antecessora, a Base XXXVIII da Lei 2127, de 3/8, estatuía expressamente que, no caso de doença profissional, o prazo de caducidade do direito de acção referente a prestações derivadas de doença profissional contava-se a partir da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença.

Veja-se:

BASE XXXVIII Caducidade e prescrição
“1. O direito de acção respeitante às prestações fixadas nesta lei caduca no prazo de um ano, a contar da data da cura clínica ou, se do evento resultou a morte, a contar desta.
2. No caso de doença profissional, o prazo previsto no número anterior conta-se a partir da comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença. Se não tiver havido esta comunicação ou tiver sido feita no ano anterior à morte da vítima, o prazo de um ano contar-se-á a partir deste facto.
3. As prestações estabelecidas por decisão judicial, instituição de previdência ou acordo das partes prescrevem no prazo de um ano, a partir da data do seu vencimento.
4. O prazo de prescrição não começa a correr enquanto os beneficiários não tiverem conhecimento pessoal da fixação das prestações.”

Ou seja, ao tempo da referida BASE, a lei claramente impunha um prazo de caducidade para ambas as acções (por AT´s e DP´s), simplesmente o evento que desencadeava a contagem era diferente, num caso a cura clinica (deixado de fora os casos de morte), noutro caso a comunicação formal e inequívoca do diagnóstico de doença.
O que se compreende, porquanto o processo administrativo que corre na segurança social (no DPRP) não visa prestar assistência clinica ao interessado que possa culminar em alta clínica, mas, sim, certificar, ou não, a existência de doença profissional, fazer o seu diagnóstico inequívoco e atribuir, se for caso disso, incapacidade para o trabalho.
A alta clinica pressupõe que o beneficiário foi assistido e que no final do tratamento, quer por este se encontrar curado ou em condições de trabalhar, quer por qualquer outro motivo, o médico assistente emita boletim de alta clínica, em que declare a causa da cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária, bem como as razões justificativas das suas conclusões. Alta clínica corresponde à situação em que a lesão desapareceu totalmente ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada. O boletim de alta é emitido em duplicado sendo uma cópia entregue ao sinistrado, que assim fica na posse de relevante e inequívoca informação médica- 35º da LAT, Lei 98/2009, de 4 de setembro (em sentido igual vai a lei na vigência da anterior LAT, conforme 32º da Lei 143(99, de 30-04 que a regulamente).
Ora, nada disto acontece nos processos emergentes de doença profissional.
Não obstante desde a entrada em vigor (1-01-2000) da Lei 100/97, de 13-09, ter desparecido a cláusula que expressamente estipulava um prazo de caducidade de acção para as doenças profissionais (“comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença”), não apurámos que a questão fosse olhada com atenção na jurisprudência, mormente nos acórdãos citados em recurso - ac. RL de 9-04-2008, p.  297/2008-4 e de 13-04-2011, p. 2466/09.4TTLSB.L1-4. Os quais se referem a acções comuns com causas de pedir e pedidos diferentes (não é pedido o reconhecimento de doença profissional, mas sim indemnizações contra entidades empregadoras). Ademais, não obstante a entrada em vigor da Lei 100/97, de 13-09 continua a ser referenciado o evento “comunicação formal à vítima do diagnóstico inequívoco da doença” (ac. RL 9.04.2008), evento esse que a lei deixou de acolher. Assim, a jurisprudência citada pela recorrente não nos ajuda.
Os preâmbulos dos regimes de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais da Lei 100/97 de 13-09 e da subsequente Lei 98/2009, de 4-09, não deixam entrever explicação sobre a alteração, dali não resultando se houve intenção de inovar.
Poderá, abstractamente, equacionar-se a equiparação da exigência de comunicação formal de alta clínica, ao da comunicação da certificação de diagnóstico de doença profissional com eventual atribuição de incapacidade para o trabalho, para daí se iniciar a contagem do prazo de caducidade.
Relembramos que a doutrina tem sido particularmente exigente no escrutínio deste requisito no que se refere à caducidade do direito de acção emergente de acidente de trabalho - exigência essa que se deve estender às doenças profissionais. Assinalando-se, efectivamente, uma tendência generalizada e manifesta dos tribunais em acentuar a necessidade de ser comunicado ao sinistrado, de um modo formal e solene, a data da alta clinica. Sendo necessário, nos termos acima aludidos, a entrega ao sinistrado de cópia de boletim de alta clinica, onde o médico que assiste o sinistrado declara a causa de cessação do tratamento e o grau de incapacidade permanente ou temporária e justifica as suas conclusões. A jurisprudência tem assinalado que somente a partir de então o sinistrado está apto e em condições de exercer os seus direitos, aliás, em consonância, também, com a norma civil que refere que o prazo de caducidade só começa  correr no momento em que o direito poder ser exercido - 329º CC. Acórdãos havendo que denegam que o prazo de inicie enquanto tal não acontecer, ainda que o acidente de trabalho tenha ocorrido bem para lá de um ano sem participação ao tribunal, e enquanto a situação clínica do sinistrado não seja clarificada através da emissão do referido boletim de alta - neste sentido, entre muitos, ac.s do STJ de 10-07-2013, p. 941/08.7TTGMR.P1.S1 e de 22-02-2017, p. 2325/15.1T8OAZ.P1.S1.
Detetam-se algumas exceções na jurisprudência ao entender que o prazo de caducidade se pode iniciar em situações alternativas idóneas, em que não foi sequer prestada assistência clínica e, portanto, inexiste boletim de alta. Em geral tratam-se de casos “menos normais”, em regra associados à falta ou tardia comunicação do acidente às seguradoras, que acabam por não assumir responsabilidades, mas que comunicam a sua posição de recusa ao sinistrado, de modo explícito, inequívoco, cabal e formal. Casos esses em que o sinistrado não fica num limbo e numa indecisão, ao invés, estará esclarecido e em condições de exercer o direito e, não obstante, podendo participar o acidente ao tribunal e cessar a dúvida sobre o prazo de caducidade, apenas anos mais tarde o faz, com tudo o que de negativo isso acarreta, nomeadamente ao nível da reconstituição dos factos e da prova - casos abordados nos ac. RL de 11-03-2015, P. 4765/12.9TTLSB.L1-4 e da RG de 5-11-2020, p. 1040/18.9T8VCT.G1, acidentes participados ao tribunal  pelos sinistrados decorridos que estavam 7 anos num caso, e 16 anos noutro, desde a sua ocorrência.
Mas, no caso concreto não se pode fazer essa equiparação, nem sequer se podendo afirmar que foi formalmente comunicado à autora qualquer diagnóstico inequívoco da doença.
Repare-se que a decisão final deste processo administrativo de reconhecimento ou não de doença profissional funda-se em razões de natureza clínica, portanto a eventual equiparação que possa ser feita para iniciar o prazo de caducidade será com o boletim de alta clínica e inerentes exigências.

Veja-se, agora, o que consta da dita comunicação de indeferimento de certificação de doença profissional, o doc. ...2, único documento que as partes aceitam com tendo sido enviado e recebido pela autora:
Na comunicação consta, seguidamente, apenas os seguintes dizeres: informação de prazo (10 dias úteis) para responder caso não concorde com a decisão e de que se não responder o requerimento é indeferido no primeiro dia útil seguinte ao prazo indicado; seguindo-se informação de prazos para reclamar (15 dias úteis), recorrer hierarquicamente (3 meses) ou impugnar contenciosamente para o tribunal (3 meses); terminando com a assinatura do Director do Departamento de Protecção contra os Riscos Profissionais - fls 46 do p.a.
Ou seja, o CNPRP, primeiro limitou-se a informar a autora da intenção futura de lhe indeferir o seu pedido, segundo não lhe fez chegar qualquer diagnóstico clínico de (in)existência de doença.
A comunicação feita pela Segurança Social, própria de um outro tempo em que a Administração Pública não era sujeita a escrutínio, contém uma mera conclusão, não sendo acompanhada de nenhuma fundamentação, nenhum diagnóstico médico, nenhuma informação de carácter clínico. Não se pode afirmar que a autora ficasse inteirada do diagnóstico clínico da doença de que alega padecer. Qual o motivo para se considerar que não sofre de doença profissional?  Para o saber teria de lhe ser dada uma explicação, ainda que resumida, teria de ficar na posse de elementos clínicos relevantes que lhe permitissem rebater o resultado final. Tal omissão impede-a de aceder ao juízo valorativo clínico que estará subjacente à recusa. A razão de ser da caducidade é a inércia no exercício do direito quando se está na posse dos elementos necessários para o exercer. O que no caso não acontece.
Uma breve nota final para referir que do processo administrativo (fls 44 e 45) consta parecer médico referente à autora datado 19-08-2022, com nota de apresentação para certificação ao director do departamento do protecção contra riscos profissionais.  Porém, para além de não ter sido afirmado por nenhuma das partes que o mesmo acompanhasse a informação da segurança social em que se anuncia a intenção de indeferir o pedido de reconhecimento de doença profissional, resulta da documentação do processo administrativo que o mesmo não foi anexado (fls 46) e que a autora a ele não acedeu.
Em razão do exposto é de confirmar a decisão recorrida.

III– DECISÃO

Acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo do recorrente.
Notifique.
18-04-2024

Maria Leonor Chaves dos Santos Barroso (relatora)
Vera Sottomayor
Francisco Sousa Pereira


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa.
[2] Deixando de fora o caso morte, que manifestamente desinteressa ao caso.
[3] Aplicável aos autos por se reportar a doenças profissionais cujo disgnóstico é posterior a 1-01-2010 - 187º, 2, LAT.
[4] Aplicável a doenças profissionais cujo diagnóstico fosse posterior a 1-01-2000 (e anterior a 1-01-2010) - 71º, da Lei 143/99, de 30-04 alterada pelo DL 382-A/99, de 22-09.