Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1122/08.5TABRG.G1
Relator: PEDRO FREITAS PINTO
Descritores: PRESCRIÇÃO DA PENA
PENA DE PRISÃO SUSPENSA NA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – A pena de suspensão da execução da pena de prisão é uma verdadeira pena autónoma, substitutiva da pena privativa da liberdade.
II – É de 4 anos, o prazo de prescrição dessa pena de substituição, que não tenha sido entretanto revogada, por se enquadrar nos “casos restantes” previstos na alínea d) do artigo 122º nº 1 do Código Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - Relatório

Decisão recorrida.

No âmbito do Processo Sumário nº 1122/08.5TABRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Criminal de Braga foi proferido o seguinte despacho que se transcreve:

“Da prescrição da pena de substituição
Referências nºs...30, ...47 e ...67.
O arguido AA, invocando o disposto no artigo 122º, nº1, alínea d), do Código Penal (CP), veio requerer a extinção, por prescrição, da pena de prisão suspensa na sua execução (pena de substituição) em que foi condenado.
*
Colhida vista, a Digna Procuradora da República, invocando o decidido no Acórdão da Relação de Coimbra, de 26.05.2021 (acessível em www.dgsi.pt/jtrc, Processo nº334/10.6JAPRT-A.C1, relator ALICE SANTOS), sustenta que atendendo à pena de prisão aplicada ao arguido, o prazo de prescrição é o previsto na alínea c), do nº1, do artigo 122º, do CP, isto é, 10 anos.
Conclui que o prazo de prescrição dessa pena ainda não ocorreu, o que apenas irá verificar-se na data de 16.12.2028, sem que se mostre excedido o prazo máximo a que se alude no nº3, do artigo 126º, do mesmo diploma legal.
*
Apreciando.

O arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova (cfr. acórdão de fls.1124ss, confirmado por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, a fls.2142ss).
Essa condenação transitou em julgado no dia 15.12.2014 (cfr. referência nº...97).
Nos termos do artigo 122º, nº2, do CP, o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.
Deste modo, o prazo de 4 anos de duração da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido nos presentes autos foi atingido no dia 15.12.2018.
No entanto, prescreve o artigo 57º, nº2, do mesmo diploma legal, que se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.
No caso vertente, por força desse normativo, os presentes autos aguardam que transite em julgado o acórdão proferido no âmbito do Processo Comum Colectivo nº85/15...., do Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em que o mencionado AA é arguido, tendo sido condenado em cúmulo jurídico numa pena única de 6 anos e 10 meses de prisão, de que interpôs recurso.
É certo que, como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães, de 20.02.2017: (...) uma vez decorrido o período de suspensão da execução da pena de prisão e da eventual prorrogação que tenha sido decidida, só a pendência de incidente por incumprimento dos deveres, regras de conduta ou do plano de reinserção social, ou a pendência de processo por crime que possa determinar a sua revogação, poderá evitar a extinção da pena pelo decurso do período de suspensão, mas apenas enquanto não decorrer o prazo prescricional – sublinhado nosso  (acessível em www.dgsi.pt/jtrg, Processo nº59/08.2IDVRL.G1, relator JORGE BISPO).
Cumpre, portanto, averiguar se o prazo de prescrição da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido/condenado AA mostra-se já decorrido.
Salvaguardando o devido respeito por entendimento distinto, consideramos – tal como defende a Digna Procuradora da República – que o prazo prescricional ora sob discussão não é de 4 anos, mas antes de 10 anos, em face do vertido no artigo 122º, nº1, alínea c), do CP.
Nesse sentido, seguimos o decidido pela Relação do Porto, em Acórdão proferido no dia 07.07.2021, onde se sumaria que: I – A autonomia entre a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão e a pena principal de prisão leva a distinguir entre a prescrição dessa pena de substituição e a prescrição da pena principal de prisão. II – Quanto à pena de prisão principal, a prescrição só começa a correr a partir da notificação do despacho que revogou a suspensão da sua execução. III – Decorre de jurisprudência recente que na alínea d) do número 1 do artigo 122.º do Código Penal, onde se referem os casos não referidos nas alíneas anteriores desse número, as quais aludem sempre a penas de prisão, não cabem todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, mas as penas de prisão inferiores a dois anos de prisão, sejam ou não suspensas na sua execução. IV – Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem iguais ou superiores a dois anos e inferiores a cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea c) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de dez anos. V – Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem de cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea b) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de quinze anos – sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jtr9, Processo nº1304/00.8PUPRT.P1, relator PEDRO VAZ PATO).
Na verdade, como se alcança deste aresto (que cita jurisprudência a propósito), as penas de prisão suspensas na sua execução não têm um prazo de prescrição autónomo do da pena originária.
Como tal, não cabem na alínea d), do nº1, do artigo 122º, do CP, todas as penas suspensas na sua execução, mas tão-só as que forem inferiores a 2 anos.
Tratando-se de pena suspensa igual ou superior a 2 anos e inferior a 5 anos, o prazo de prescrição é de 10 anos (cfr. artigo 122º, nº1, alínea c), do mesmo diploma legal). Será de 15 anos se a pena suspensa for igual a 5 anos (cfr. artigos 122º, nº1, alínea d) e 50º, nº5, ambos desse diploma).
No caso vertente, será então aplicável o prazo prescricional de 10 anos, atenta a condenação do arguido AA na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
Como esclarece o citado Acórdão da Relação do Porto, de 07.07.2021, este entendimento (...) tem razão de ser à luz da unidade e coerência do sistema e da ratio do instituto da prescrição. Afirma-se, nesse sentido, numa informação transcrita no supra referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça: «(…) subsumir invariavelmente penas suspensas ao prazo prescricional de 4 anos da alínea d) apenas porque é uma pena substitutiva, ofende a ratio do instituto da prescrição, concretamente nas situações em que o período da suspensão tem a duração de 3, 4 ou 5 anos. Não raras vezes cominam-se penas de 5 anos de prisão suspensos por 5 anos e nesse casos, entender que o prazo prescricional é de 4 anos, atinge frontalmente a economia do instituto da prescrição que, como pressuposto negativo de punição, visa criar uma margem suficiente que, no mesmo passo, evite com equilíbrio, por um lado, o excessivo tempo sem que se inicie a respectiva execução (para que permaneçam válidas as exigências de prevenção especial) e simultaneamente, por outro lado, a ausência do condenado que obstaculiza ao cumprimento da pena (como foi manifestamente o caso dos autos) não pode prejudicar irremediavelmente a execução da mesma como uma necessidade da Justiça. E é nesse equilíbrio que o legislador, na temporalidade das penas, sempre exprimiu uma economia dos prazos prescricionais, no mínimo, pelo dobro dos tempos de prisão, precisamente para contrabalançar aqueles dois interesses opostos, evitando tempos excessivos lesivos para a utilidade da pena, ao mesmo tempo que visou conceder o tempo suficiente para tornar possível a execução da pena perante a indisponibilidade criada pelo arguido» - sublinhado e destacado nossos (acessível em www.dgsi.pt/jtr9, Processo nº1304/00.8PUPRT.P1, relator PEDRO VAZ PATO).
Pronunciando-se quanto aos termos literais das alíneas a) a c), do nº1, do artigo 122º, do CP, este aresto sustenta que (...) não pode esquecer-se que a dicotomia entre penas de prisão e penas substitutivas é uma classificação doutrinária que o legislador não assumiu expressamente no catálogo das penas previstas na parte geral do Código (não obstante as possibilidades previstas no art.43º do Cód.Penal), e não pode a doutrina reclamar os foros do princípio da legalidade a todas as classificações que procede, sendo certo que na alínea d) do nº1 do art.122º o legislador não refere a classificação ou a categorias da penas substitutivas, ou seja, quando expressa a pena de prisão não quer opor “a contrario” as penas substitutivas – sublinhado nosso (acessível em www.dgsi.pt/jtr9, Processo nº1304/00.8PUPRT.P1, relator PEDRO VAZ PATO).
Em face do exposto, não se mostra extinta, por prescrição, a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido/condenado AA, o que apenas ocorrerá a 16.12.2028 (note-se que por força do estatuído no artigo 126º, nº1, alínea a), do CP – sob a epígrafe ‘Interrupção da prescrição’ –, o prazo de prescrição da pena de suspensão de execução da pena de prisão interrompe-se com a sua execução, o que se traduz no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão).
Indefere-se, portanto, o requerido pelo arguido/condenado.
*
Notifique e demais diligências necessárias”.
*
Recurso apresentado

Inconformado com tal decisão, o arguido AA veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem:

1- Vem o arguido, ora recorrente, AA, apresentar recurso ao despacho judicial de 24.11.2023 que decidiu (mal, quanto a nós) não declarar extinta, por prescrição, a pena de prisão suspensa na sua execução, com efeitos a Dezembro de 2022, uma vez que, até à presente data nunca foi proferido um despacho de revogação da suspensão.
2- O arguido entende que, face à reiterada e uniforme jurisprudência no que a esta matéria diz respeito, estão completamente reunidas todas as condições para ser proferida uma Decisão Sumária (art.º 417º n.º 6 alínea d) do C.P.P.) que revogue o despacho de 24.11.2023 e declare a pena de prisão, suspensa na sua execução, extinta por prescrição com efeitos a Dezembro de 2022, data em que atingiu os 4 anos a que faz referência o artigo 122º n.º 1 alínea d) do C.P.P. “nos restantes casos”,
3- Sendo a pena de prisão suspensa na sua execução considerada, quer pela doutrina bem como pela Jurisprudência uma pena autónoma e/ou uma pena de substituição, estão abarcadas no prazo de prescrição a que faz referência a alínea d) do n.º 1 do art.º 122º do Código Penal.
4- O despacho recorrido entendeu que o prazo de prescrição se faz por observação à pena de prisão originária – como se fosse uma pena de prisão efetiva. Não podemos concordar com tal entendimento na medida em que, considerar-se que uma pena de prisão suspensa na sua execução tem prazo de prescrição igual ao de uma pena de prisão efetiva é meter no mesmo “caldeirão” todo o tipo de penas, sejam elas efetivas, de substituição, autónomas ou suspensas na sua execução.
5- Em bom rigor, inúmeros acórdãos dos Tribunais Superiores, concretamente do Tribunal da Relação de Guimarães já decidiram, de forma reiterada e uniforme que o prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na sua execução é de 4 anos por referência à alínea d) do n.º 1 do art.º 122º do C.P., entendimento esse que não foi aplicado no despacho de 24.11.2023, pelo que impõe-se a revogação desse despacho e a substituição do mesmo por uma decisão que declare extinta, por prescrição, a referida pena.
6- Não foi apresentado nenhum novo argumento jurídico no despacho de 24.11.2023 que pudesse abalar os acórdãos de jurisprudência citados no presente recurso (motivações), sendo que até o próprio despacho recorrido cita um ac. Do Tribunal da Relação de Guimarães que declara ser de 4 anos a prescrição, porém entende aplicar (mal, claro está!) o entendimento de um acórdão citado pelo Ministério Público, quando esse acórdão citado pelo M.P. reporta-se a um caso em que a pena já tinha sido revogada antes dos 4 anos (da prescrição) estarem percorridos.
7- O Acórdão citado pelo M.P. e ao qual o despacho recorrido aderiu não se enquadra nem se aplica ao caso dos autos, uma vez que no nosso caso não existe um qualquer despacho que tenha revogado a pena de prisão suspensa na sua execução. 
8- O arguido, ora recorrente, em total lealdade com o Tribunal Judicial de Braga, anexou cópia integral do acórdão proferido no processo n.º 2062/02...., do Tribunal da Relação de Guimarães, que decidiu caso idêntico ao presente e ficou decidido naqueles autos, transponíveis para estes por totalmente coincidentes, o seguinte: não existindo, dentro do período dos 4 anos após o término do período da suspensão, qualquer despacho que revogasse a suspensão, tem que se considerar prescrita a pena de prisão, sendo de 4 anos o prazo de prescrição.
9- O arguido, caso não lhe seja dada razão neste presente recurso, terá que interpor um recurso extraordinário de fixação de jurisprudência ao Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 437º do C.P.P., para que, de uma vez por todas, acabem as disparidades de decisões judiciais em que se decide nuns processos de uma maneira, noutros de forma contrária, quando a factualidade a aplicação do direito deve ser – e tem de ser – igual para todos!
10- O ser igual para todos significa que, tal como nos autos 2062/02...., uma pena de prisão suspensa na sua execução de 5 anos, suspensos pelos mesmos 5, após percorridos 4 anos após o término dos 5 anos, e na pendência de processo por crime cometido no decurso da suspensão que poderia vir a levar à revogação, se nos 4 anos seguintes ao término da execução não existiu nenhum despacho a revogar a pena, deixa de ser possível revogar porque impera a prescrição da pena por aplicação do artigo 122º n.º 1 alínea d) do C.P.P., ou seja o prazo de prescrição é de 4 anos e não de 10 anos como aplicou o despacho recorrido de 24.11.2023.
11- Foi, assim, violado e mal interpretado o art.º 57º n.ºs 1 e 2 e, ainda art.º 122º n.º 1 alínea d) do Código Penal, na medida em que, tais artigos deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido de que, uma pena de prisão, suspensa na sua execução, está catalogada pela Doutrina e pela jurisprudência como uma pena autónoma e de substituição e que, assim sendo, o prazo de prescrição de uma pena suspensa na sua execução se reconduz ao artigo 122º n.º 1 alínea d) do C.P. “nos restantes casos” – e que esses 4 anos de prazo de prescrição se aplicam desde que, à data em que se discute a prescrição da pena ainda não tenha sido proferido nenhum despacho de revogação da pena de prisão suspensa na sua execução – o que é o nosso caso em que não existe nenhum despacho revogatório da pena de  execução suspensa.
TERMOS EM QUE, FACE ÀS MOTIVAÇÕES E CONCLUSÕES APRESENTADAS NO PRESENTE RECURSO, uma vez que a pena de prisão suspensa na sua execução terminou em 15.12.2018 ( há 5 anos) e já foram percorridos mais de 4 anos após o término da suspensão sem que tenha existido um despacho a revogar a pena, estamos perante uma pena de substituição que se rege por regras de prescrição conduzíveis à alínea d) do n.º 1 do art.º 122º do Código Penal, tendo que, em consequência, ser proferido uma Decisão Sumária (artigo 417º n.º 6 alínea d) do C.P.P.) ou um acórdão que, revogando o despacho judicial de 24.11.2023  declare extinta, por prescrição, com efeitos a 16.12.2022 a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada nos presentes autos ao arguido AA, o que se invoca e requer.
*
Resposta ao recurso por parte do Ministério Público

Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso a considerar que o recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida.

Apresenta as seguintes conclusões que também se reproduzem:

“1. O arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova (cfr. acórdão de fls.1124ss, confirmado por Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, a fls.2142ss).
2. Nos termos do artigo 122º, nº2, do CP, o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena, o que neste caso ocorreu em 15.12.2014.
3. No caso vertente, por força do artigo 57.º, n.º 2 do C.P., os presentes autos aguardam que transite em julgado o acórdão proferido no âmbito do Processo Comum Colectivo nº85/15...., do Juízo Central Criminal de Braga – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, em que o mencionado AA é arguido, tendo sido condenado em cúmulo jurídico numa pena única de 6 anos e 10 meses de prisão, de que interpôs recurso.
4. Se as penas de prisão suspensas na sua execução forem iguais ou superiores a dois anos e inferiores a cinco anos, caberão, como caberiam se não fossem suspensas na sua execução, na alínea c) desse número, a qual estabelece um prazo de prescrição de dez anos.
5. Como tal, não cabem na alínea d), do nº1, do artigo 122º, do CP, todas as penas suspensas na sua execução, mas tão-só as que forem inferiores a 2 anos.
6. Tratando-se de pena suspensa igual ou superior a 2 anos e inferior a 5 anos, o prazo de prescrição é de 10 anos (cfr. artigo 122º, nº1, alínea c), do mesmo diploma legal). Será de 15 anos se a pena suspensa for igual a 5 anos (cfr. artigos 122º, nº1, alínea d) e 50º, nº5, ambos desse diploma).
7. Assim, não se mostra extinta, por prescrição, a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido/condenado AA, o que apenas ocorrerá a 16.12.2028”.
*
Tramitação subsequente

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo a Exmª. Senhora Procuradora-Geral Adjunta, emitido douto parecer, no sentido da improcedência do recurso, considerando em síntese que interpretação que se afigura correta para o nº do art. 122º, do C Penal, é que a sua al. d) abrange todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.
*
Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP, tendo o arguido apresentado resposta na qual em síntese, reitera os argumentos já expendidos no seu douto recurso, salientando a circunstância de, nos presentes autos, não ter existido despacho a revogar a suspensão da pena de prisão aplicada, tendo a pena suspensa, prescrito ao fim de 4 anos após o término da sua suspensão.  
*
Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
*
II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.
A questão que se coloca à apreciação deste tribunal de recurso é a de saber se deve ser declarada extinta, por prescrição a pena suspensa aplicada ao arguido nos presentes autos.
Para tanto há a considerar o seguinte:
- O arguido AA foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinada a regime de prova, por decisão transitada em julgado em 15 de dezembro de 2014.
- Não foi revogada essa suspensão da pena de prisão, nem prorrogado o prazo da mesma.
*
Comecemos por analisar o instituto da suspensão da pena de prisão.
Atento o disposto no artigo 50º, nº 1, do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que da simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Depende assim de dois pressupostos, um de ordem formal – a pena aplicada não seja superior a 5 anos de prisão e outro de ordem material, relativo ao juízo de prognose futura efetuado pelo julgador, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, sendo que este juízo de prognose será aferido, não à data da prática do crime, mas ao momento da decisão, sendo que na opção por esta pena de substituição, não se atende unicamente a considerações de prevenção especial, mas também considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Ensina Figueiredo Dias, [1] “pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente. (...). Para formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto – o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto» (…) «A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer «correção», «melhora» ou - ainda menos - «metanóia» das conceções daquele sobre a vida e o mundo. É em suma, como se exprime Zipf, uma questão de «legalidade» e não de «moralidade» que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o «conteúdo mínimo» da ideia de socialização, traduzida na «prevenção da reincidência».
Por isso, um prognóstico favorável fundante da suspensão não está excluído - embora se devam colocar-lhe exigências acrescidas - mesmo relativamente a agentes por convicção ou por decisão de consciência (...). Mas já o está decerto naqueles outros casos em que o comportamento posterior ao crime, mas anterior à condenação, conduziria obrigatoriamente, se ocorresse durante o período de suspensão, à revogação desta (...). Por outro lado, a existência de condenação ou condenações anteriores não é impeditiva a priori da concessão da suspensão; mas compreende-se que o prognóstico favorável se torne, nestes casos, bem mais difícil e questionável - mesmo que os crimes em causa sejam de diferente natureza - e se exija para a concessão uma particular fundamentação (...)”.
Conforme elucida Maria da Conceição Cunha [2] “o critério para a substituição é o da prevenção (geral e especial), não o do grau de culpa (que, no entanto, já desempenhou o seu papel na determinação da pena concreta)”.

A pena suspensa é atualmente reconhecida pela generalidade da Doutrina e da Jurisprudência como sendo uma verdadeira pena autónoma, substitutiva da pena privativa da liberdade.
Neste sentido, realça Figueiredo Dias [3] que se trata de uma “verdadeira pena” – dotadas, como tal, “de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena”, referindo que essa conceção vazada do CP é “continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena”, posição essa que, relativamente à suspensão da execução da pena, era já a defendida por Beleza dos Santos e Eduardo Correia. 
Salienta por sua vez Maria da Conceição Cunha [4] “O CP de 1982 assume-se claramente tributário da tradição humanista, considerando o sentido “pedagógico e ressocializador das penas”, e é neste sentido que as penas  de substituição são penas autónomas”, adiantando ainda “As penas de substituição são, todas elas, verdadeiras penas, com autonomia, implicando ainda restrições de direitos fundamentais, e partilham das mesmas finalidades que as penas que vêm substituir”.
Também a jurisprudência maioritária a que se adere, é do entendimento que a suspensão da execução da pena de prisão consubstancia uma pena autónoma.
Como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 18 de março de 2020, processo nº 359/03.8PBCVL. [5] a suspensão da execução da pena de prisão constitui, assim, uma autêntica pena autónoma, adiantando ainda que a suspensão da pena de prisão “não é um simples incidente, ou mesmo só uma modificação da execução da pena, é uma pena autónoma com o seu próprio campo de aplicação, determinado na lei, um conteúdo político-criminal próprio e regime individualizado, os quais apresentam razoável complexidade e diversidade, podendo a suspensão da pena assumir várias modalidades”.[6]
Aqui chegados, há então que apreciar qual o prazo prescricional das penas substitutivas da execução das penas de prisão.

Dispõe o artigo 122º nº 1 do Código Penal:

1 — As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) Vinte anos, se forem superiores a dez anos de prisão;
b) Quinze anos, se forem iguais ou superiores a cinco anos de prisão;
c) Dez anos, se forem iguais ou superiores a dois anos de prisão;
d) Quatro anos, nos casos restantes.

A consideração da autonomia da pena de substituição, que se defende, é assim essencial para determinar o seu prazo de prescrição.
E esta, assim entendida, deve enquadra-se nos “casos restantes”, pelo que cabe no prazo previsto nessa alínea d), ou seja, quatro anos [7].
Como bem se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 2014 [8] “A pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena de prisão, não se lhe aplicando por isso as disposições das alíneas a), b) e c). Inclui-se por essa razão «nos casos restantes», sendo-lhe aplicável a disposição da alínea d), que estabelece como prazo de prescrição 4 anos”.
No mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de julho de 2017 [9], onde de uma forma que entendemos lapidar se elucida “nos termos do disposto no artigo 122º, nº 1, al. d), e nº 2, do Código Penal, a prescrição dessa pena de substituição ocorre com o decurso do prazo de quatro anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem prejuízo, contudo, das causas de suspensão e de interrupção da prescrição estabelecidas nos artigos 125º e 126º do mesmo Código Penal, nomeadamente com a sua execução, que pode configurar-se no simples decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
Pode-se, assim, inferir que a pena de prisão suspensa na sua execução prescreve se o processo estiver pendente durante 4 anos, contados desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo tenha sido prorrogado e sem que a suspensão tenha sido revogada ou a pena declarada extinta (nos termos do preceituado no artigo 57º, nºs 1 e 2, do Código Penal)”.

Na mesma senda e mais recentemente o Ac. da Relação de Coimbra de 18 de março de 2020, procº 359/03.8PBCVL.C1 onde se entende que “Apenas a revogação da suspensão da execução da pena de prisão determinará o cumprimento da pena principal (de prisão) fixada na sentença.
Esta consideração da autonomia da pena de substituição é essencial para a determinação dos prazos de prescrição das penas. O art. 122º, n.º 1, do Código Penal estabelece como prazo de prescrição da pena de prisão igual ou superior a 2 anos, e inferior a 5 anos, em 10 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alíneas c) e d) do preceito referido.
Decorre daqui que a pena principal aplicada ao recorrente prescreve em 10 anos, mas a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, fruto da sua autonomia face à pena de prisão, prescreve em 4 anos”.
Refere e bem, o acórdão desta Relação de Guimarães de 19 de novembro de 2018, procº 273/06.5TAVLN.G3 “Não é defensável o entendimento de que o prazo da prescrição da pena de substituição está suspenso desde a sentença condenatória até ao trânsito em julgado do despacho revogatório da suspensão, por tal entendimento, poder levar a que o condenado fique indefinidamente à espera que seja declarada extinta ou revogada a pena. Como em lado nenhum se estabelece qualquer limite temporal até ao qual pode ser revogada a suspensão da pena, terá de ser o prazo de prescrição a balizar tal limite”.
Também neste sentido o recente Ac. da Relação do Porto de 19 de abril de 2023, procº n.º 1059/13.6PJPRT.P1, onde se defende que “a interpretação segundo a qual deverá contar-se o prazo de prescrição apenas a partir do trânsito da decisão revogatória, e não desde a data do termo do prazo de suspensão da execução da pena, não está suportada em nenhum normativo, além de que tal entendimento é altamente desfavorável para os direitos da defesa”.
Temos deste modo que, no caso em apreço, o acórdão que aplicou a pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, transitou em julgado no dia 15 de dezembro de 2014.
A execução da pena de substituição ficou suspensa por 4 anos, pelo que face ao disposto no artigo 125º al. a) do C. Penal a execução não podia iniciar-se antes de 15 de dezembro de 2018.
Considerando o aludido prazo de prescrição de 4 anos previsto no artigo 122º nº 1º al. d) do Código Penal e porque a pena suspensa entretanto não foi revogada, temos que a mesma se extinguiu por prescrição em 15 de dezembro de 2022, sendo indiferente que entretanto o arguido tenha sido condenado numa pena de prisão efetiva, que aliás ainda não terá transitado em julgado.
***

III – Decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido e, revogando o despacho recorrido, declaram extinta por prescrição a pena de suspensão da execução da pena de prisão a ele aplicada nestes autos, com efeitos reportados a 16 de dezembro de 2022.
*
Sem tributação.
Notifique.
                          
Guimarães, 9 de abril de 2024.
(Decisão elaborada pelo relator com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).

Os Juízes Desembargadores,
Pedro Freitas Pinto (Relator)
Cristina Xavier da Fonseca  (1ª Adjunta)
Isilda Correia de Pinho (2ª Adjunta)         



[1] “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, págs. 341 e segs.:
[2] in “As reações criminais no direito português”, Universidade Católica Portuguesa, pág. 226.
[3] Obra citada, pág. 90.
[4] Obra citada, pgs. 212 e 213.
[5] Publicado como os demais citados no site www.dgsi.pt
[6] Neste mesmo sentido e a título meramente exemplificativo cfr. o Ac. do TRP de 3 de outubro de 2018, procº 388/10.5PAMAI.P1.
[7] Neste sentido a decisão sumária proferida pelo mesmo relator, neste Tribunal da Relação de Guimarães, em 17 de setembro de 2021, procº nº 503/12.4TAVNF.
[8] Procº 1069/01.6PCOER-B.S.1
[9] Procº 150/05.7IDPRT-D.S1.