Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1329/20.7T8BGC.G1
Relator: ANTERO VEIGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO DESPORTIVO
SUSPENSÃO DO CONTRATO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O facto de um terceiro se ter responsabilizado perante o “clube” contratante, no pagamento dos “custos” decorrentes da contratação de um conjunto de jogadores, ainda que do conhecimento destes, não desonera o clube relativamente às obrigações assumidas nos contratos.
A circunstância decorrente de impossibilidade de participar em jogos oficiais, por falta de registo prévio do contrato na FPF, não só não determina uma impossibilidade total de prestação do trabalho, respeitando a uma parte das tarefas; como não se trata de” facto respeitante ao trabalhador”, não determinando a suspensão do contrato nos termos do artigo 296º do CT.
Com o cancelamento das competições nacionais da FPF de futebol da época 2019/2020, apenas ficou afetada uma parte das tarefas, embora nuclear, das funções do trabalhador. Tendo-se os trabalhadores mantido ao serviço, designadamente treinando, não ocorre a caducidade dos contratos.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

1º AA, solteiro, jogador de futebol, de nacionalidade ..., portador do passaporte n.º ...59, emitido pela ..., válido até ../../2023, residente em ..., ..., ..., ... (de ora em diante designado como 1º A.)
2º BB, solteiro, jogador de futebol, de nacionalidade ..., portador do passaporte nº ...07..., emitido pela ..., válido até ../../2021, residente em Rua ..., ... (de ora em diante designado como 2º A.);
3º CC, solteiro, jogador de futebol, de nacionalidade ..., contribuinte fiscal nº ...80, portador do passaporte nº ...60, emitido pela ..., em 21/06/2019 e válido até 21/06/2029, e residente em Rua ... n° ..., ... ... (de ora em diante designado como 3º A.),
4º DD, solteiro, de nacionalidade ..., contribuinte fiscal nº ...72, portador do passaporte n.º ... pela ..., em 12.01.2015 e válido até 12.01.2025, com residência no seu país de origem, na Rua ..., ....);
5º EE, solteiro, de nacionalidade ..., contribuinte fiscal nº ...53, portador do passaporte nº ...24, emitido pela ... a 11.06.2018, válido até 11.06.2028, residente na Rua ...77 entre ..., ..., ..., ... (doravante designado 5.º A.);
6º FF, contribuinte fiscal nº ...89, portador do passaporte nº ...36, emitido pela ... a 14.06.2019 e válido até 14.06.2029, residente na Rua ..., norte entre ..., nº ..., ..., ..., ... (doravante designado como 6º A.);
7º GG, solteiro, de nacionalidade ..., portador do passaporte n.º ...12, emitido pela ..., válido até ../../2025, residente na Rua ..., ..., ..., ... (de ora em diante designado como 7º A.); e
8º HH, Contribuinte Fiscal nº. ...45, portador do passaporte nº. ...47, emitido pela ... a 12/06/2019, válido até 12/06/2029, residente Rua ..., ... ..., ..., ... (de ora em diante designado como 8º A.)
intentaram ação declarativa de condenação com processo comum emergente de contrato de trabalho contra, GRUPO DESPORTIVO ..., NIPC: ...12, com sede no Estádio ..., na Rua ..., ..., ....
2. Pedido:
Pedem os Autores a condenação do R. a pagar aos Autores as remunerações vencidas e não pagas, referentes na época de 2019/2020, acrescido dos juros de mora e da indemnização por danos não patrimoniais da seguinte forma:
a) Ao 1º Autor a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €231,54 (duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.250,00 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros);
b) Ao 2º Autor a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €231,54 (duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.250,00 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros);
c) Ao 3º Autor quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €231,54 (duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.250,00 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros);
d) Ao 4º Autor a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €231, 54(duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.250,00 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros);
e) Ao 5º Autor a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €231,54 (duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.250,00 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros);
f) Ao 6º Autor quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €231, 54 (duzentos e trinta e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.250,00 (vinte e três mil, duzentos e cinquenta euros);
g) Ao 7º Autor a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil, duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €321,13 (trezentos e vinte e um euros e treze cêntimos) a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de € 23.571,13 (vinte e três mil quinhentos e setenta e um euros e treze cêntimos);
h) Ao 8º Autor a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), acrescido dos juros de mora no montante de €321,13 (trezentos e vinte e um euros e treze cêntimos), a título de créditos laborais em dívida, e ainda, a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, perfazendo a quantia global de €23.571,13 (vinte e três mil quinhentos e setenta e um euros e treze cêntimos).
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Alegaram os AAA., em síntese, que:

- são jogadores de futebol onze, todos oriundos da ... e sócios do Sindicato dos Jogadores Profissionais de futebol;
- o Réu é um clube desportivo, cuja equipa de futebol sénior tem participado nas competições nacionais organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol e Associação de Futebol de ....
- após terem sido recrutados no seu país de origem, os AA. celebraram um contrato promessa de trabalho desportivo com a EMP01..., SAD, com a duração de três épocas desportivas e validade de ../../2019 a 30.06.2022;
- contudo, foi-lhes comunicado, já em Portugal, que não poderiam jogar, nessa época desportiva, pela EMP01... SAD, tendo-lhes sido proposto, então, jogar, na época desportiva 2019/2020 pelo clube R.;
- no dia ../../2019, cada um dos Autores assinou um contrato de trabalho desportivo com o Réu, através do qual estes se obrigavam a prestar, com regularidade, zelo, dedicação e assiduidade, mediante retribuição, a atividade de futebolista a favor do Réu, em representação e sob autoridade e direção deste;
- por seu turno, o Réu obrigou-se a pagar na época de 2019/20020, a título de retribuição, a cada um dos Autores, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), no qual se incluíam os proporcionais dos subsídios de natal e de férias, valor a ser pago em 11 (onze) prestações, no montante unitário ilíquido de €750 (setecentos e cinquenta euros);
- durante a época de 2019/2020, com início a ../../2019 e termo a ../../2020, os Autores prestaram a atividade de jogadores de futebol sob a autoridade e direção do R., para o qual treinaram e jogaram a tempo inteiro e em regime de exclusividade;
- o Réu, ao longo da execução dos contratos de trabalho desportivos celebrados com os Autores, incumpriu, de forma grave e culposa, a obrigação de pagar atempadamente a retribuição aos Autores, não pagando uma única remuneração a nenhum dos Autores ao longo da referida execução do contrato;
- Apesar de instada, sucessivas vezes e por diversas formas, para proceder ao pagamento das importâncias em dívida, a verdade é que o R. nunca o fez.
- A atuação do Réu provocou nos AA. danos de natureza não patrimonial, traduzidos em sentimentos de enorme angústia, revolta, ansiedade e de profunda tristeza e frustração das suas expectativas pessoais e profissionais.
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A ré contestou por exceção, invocando a suspensão dos contratos de trabalho celebrados com os AA. e a sua caducidade e por impugnação, impugnando, parcialmente, os factos alegados pelos AA. Sustentou o R., em síntese que:

-Após a celebração dos contratos de trabalho com os AA., incumbia à R. diligenciar junto das entidades competentes ao prévio registo dos contratos na respetiva federação, o que o R. fez junto da Associação de Futebol ..., entidade que procede ao registo definitivo junto da Federação Portuguesa de Futebol;
-Acontece, que por culpa exclusiva da Associação de Futebol ..., os contratos de trabalho dos AA. não foram registados na Federação Portuguesa de Futebol, ficando os AA. impossibilitados de prestar o seu trabalho e o R. de o receber, pelo menos até a reabertura do mercado de transferências, ../../2020, o que determinou a suspensão dos contratos de trabalho;
-A participação efetiva dos AA. nos jogos oficiais do R. foi requisito essencial à manutenção do vínculo laboral entre as partes, pelo que o facto que determinou a suspensão é superveniente e imprevisível;
-Assim, ocorrendo a suspensão dos contratos de trabalho dos AA. de 1 de setembro a 31 de dezembro de 2019, não existia a obrigação de proceder ao pagamento da correspondente retribuição nesse mesmo período;
-Fruto da suspensão de competições nacionais da FPF motivada pela declaração do estado de emergência nacional, ocorrida e comunicada a ../../2020, por facto que não é imputável a ambas as partes, ficaram os AA. impedidos de prestar o seu trabalho e o R. de o receber;
-A competição nacional em que o R. se encontrava inserida e a disputar, foi suspensa em ../../2020 e posteriormente cancelada, por decisão governativa e federativa;
-Tendo sido canceladas as competições nacionais da FPF de futebol da época 2019/2020, ficam totalmente impossibilitados e os AA. cumprirem com o seu principal dever no âmbito da relação laboral, que consiste na participação de jogos oficiais da sua equipa, e o R. de receber essa prestação laboral;
-Face ao exposto, duvidas não existem de que a suspensão do campeonato nacional de futebol da época de 2019/2020 e subsequente cancelamento, foi causa determinante da caducidade dos contratos de trabalho dos AA.;
-Os contratos de trabalho dos AA. caducaram automática e imediatamente a ../../2020 por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de os mesmos prestarem o seu trabalho, jogar, e o R. de o receber;
-A caducidade dos contratos de trabalho dos AA. invocada não está sujeita a qualquer procedimento, designadamente o exigido para outras formas de extinção do vínculo laboral, nem resulta qualquer indemnização para os mesmos;
-Face à impossibilidade de os AA. jogarem pela EMP01... SAD, o Senhor II, que recrutou os AA. na ... e os trouxe para Portugal, propôs ao presidente do R., JJ, a cedência dos AA. ao GRUPO DESPORTIVO ... por uma época desportiva, mediante a assinatura de um contrato de trabalho desportivo;
-O R., ciente de que tais jogadores, aqui AA., poderiam ser uma mais valia para o clube, informou o Sr. II de que o Clube não tinha capacidade financeira para suportar um vencimento mensal;
-Ao que o Sr. II disse que era ele que assumia o pagamento mensal do vencimento de todos os jogadores cedidos, aqui AA., não tendo o clube de se preocupar com tal encargo,
-Competindo à R., unicamente, providenciar pelo alojamento e alimentação dos jogadores, como acabou por fazer;
- Mediante as condições propostas pelo Sr. II, no dia ../../2019 cada um dos AA. assinou um contrato de trabalho desportivo com o R.;
-Os AA. sabem que assinatura do contrato de trabalho desportivo com o R., era apenas uma exigência legal;
-Bem como sabem que a clausula 3º do contrato de trabalho desportivo que estipula a retribuição e prémios, apesar daí inserida, era da exclusiva responsabilidade quanto ao seu cumprimento do Sr. II;
-A retribuição aposta nos contratos de trabalho dos AA. foi proposta pelo Sr. II, na medida em que ele assumiu perante os AA. que seria o único responsável pelo pagamento da mesma;
-O pedido de condenação do R. no pagamento dos salários aos AA., que sabem não ser da responsabilidade do R., constitui uma atuação com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, em consonância com o disposto no artigo 334º do Código Civil;
-Os AA. foram sempre bem tratados pelo R., nunca lhes tendo faltado com alojamento e alimentação condignos;
- O R. é alheia a hipotéticos danos não patrimoniais alegadamente sofridos pelos AA., razão pela qual não deve ser condenada nos mesmos.
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Os AA., vieram responder à contestação do R., a pretexto da invocação, pelo R., de factos novos na contestação.
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Foi determinada a apensação de todos os processos.

Procedeu-se ao saneamento do processo, através de despacho escrito de 28/04/2022 (ref.ª ...98), no qual se decidiu, além do mais:

a) admitir, parcialmente as respostas dos AA. à contestação, quanto ao alegado nos artigos 1º a 198º (ref. ...75 junto aos presentes autos) e 1º a 201º (ref.ª ...44 junto ao apenso B).
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Realizado o julgamento foi proferida decisão nos seguintes termos:
“ Pelo exposto, julgo parcialmente procedentes, por em igual medida provadas as presentes ações e, em consequência, condeno o R. GRUPO DESPORTIVO ... a pagar:

1º Ao A. AA, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
2º Ao A. BB, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
3º Ao A. CC, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
4º Ao A. DD, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
5º Ao A. EE, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
6º Ao A. FF, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
7º Ao A. GG, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais; e
8º Ao A. HH, a quantia ilíquida de €8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal vigente, até integral e efetivo pagamento, perfazendo os vencidos até à data da presente sentença a quantia de €1.007,43 (mil e sete euros e quarenta e três cêntimos); e a quantia de €7.000,00 (sete mil euros) a título de compensação por danos não patrimoniais;
(…)”
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Inconformada a ré interpôs recurso apresentando as seguintes conclusões:

1 – A ação foi julgada procedente por a Meritíssima Juiz ter entendido que ficou provado a existência de contratos de trabalho desportivos celebrados entre AA e Réu, sendo improcedente a suspensão e caducidade nos termos invocados.
2 – Com o devido respeito por outra interpretação, foi produzida prova, documental e testemunhal, nos autos suficientemente convincente, clara e credível no sentido de alterar os factos provados dos pontos 22, 24, 27, 31 e 65, para factos não provados e os artigos 21º, 88º e 89º da contestação para factos provados.
3 – Resulta dos pontos 45 a 49 dos factos provados, que os AA. sabiam que o Sr. II tinha assumido perante eles e o R. o pagamento da retribuição e prémios referidos na cláusula 3ª dos respetivos contratos de trabalho desportivo, desonerando o Réu dos pagamentos.
4 – Factos comprovados pela prova testemunhal, designadamente através do depoimento de KK (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 00:39:45), LL, (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 00:59:45 – 00:00:01 a 00:27:48) e JJ, (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 01:11:10 – 00:00:01 a 00:47:15).
5 – Os AA. nunca interpelaram o Réu para esta proceder ao pagamento de salários ou quaisquer outras quantias., cabendo a responsabilidade pelo pagamento exclusivamente ao Sr. II;
6 – O tribunal “a quo” errou no julgamento ao incluir nos factos provados o ponto 22º dos factos provados, impondo-se obrigatoriamente a inclusão do ponto 22º nos factos não provados.
7 - A retribuição aposta nos contratos de trabalho dos AA. foi proposta pelo Sr. II, na medida em que ele assumiu perante os AA. que seria responsável pelo pagamento da mesma, situação que os mesmos confirmaram ao presidente do Sindicato dos Jogadores, posteriormente em entrevista que deram a um jornal da ..., bem como em conversas telefónicas ocorrida entre eles e o Sr. II.
8 – A ausência de responsabilidade do Réu no pagamento dos salários dos AA., exclui a ilicitude no pagamento.
9 - Factos comprovados pela prova testemunhal, designadamente através do depoimento de KK (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 00:39:45) e de LL, (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 00:59:45 – 00:00:01 a 00:27:48).
10 – O tribunal “a quo” errou no julgamento ao incluir nos factos provados o ponto 24º dos factos provados, impondo-se obrigatoriamente a inclusão do ponto 24º nos factos não provados.
11 - Da prova produzida que resultou nos factos dados como provados, nomeadamente, dos constantes nos pontos 45 a 49, os AA. sabiam que o Réu não era a entidade responsável pelo pagamento dos seus salários, competindo-lhe unicamente providenciar pela alojamento e alimentação.
12 - Factos comprovados pela prova testemunhal, designadamente através do depoimento de JJ, (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 01:11:10 – 00:00:01 a 00:47:15).
13 - Não resultou provado, “Que a situação total exploração laboral que os Autores vivenciaram, bem como a forma fria e de absoluto desprezo demonstrada pelo Réu, numa total ausência de empatia e humanidade pela situação difícil a que sujeitos os Autores, causou um enorme desgaste psicológico e emocional a cada um dos Autores,”,
29º da pi., mais sim prova convincente, clara e credível no sentido de incluir nos factos não provados o ponto nº 31 dos factos provados.
14 - Resulta do ponto 35 dos factos provados que o registo definitivo dos contratos desportivos dos AA. junto da FPF ocorreu por culpa de ..., como esta refere no email junto aos autos “por lapso e ineficácia de um funcionário da referida associação não tinham procedido ao registo dos contratos dos AA na Federação Portuguesa de Futebol.”.
15 - Não pode o tribunal “a quo” dar como provado o ponto 65 dos factos provados, nomeadamente, que os pagamentos das taxas de inscrição não foram efetuados dentro do prazo previsto e que, por isso não foram inscritos logo na 1ª janela de inscrições …”.
16 – Dos factos provados pela prova documental e testemunhal, designadamente através do depoimento de JJ, (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 01:11:10 – 00:00:01 a 00:47:15), o ponto 65 terá de ser incluído nos factos não provados.
17 - Face à factualidade provada, é inequívoco que a não inscrição dos AA. na 1ª janela de mercado, se deveu unicamente a culpa da Associação de Futebol ....
18 - Recorrendo ao depoimento de parte do legal representante do Reu JJ, (CD sessão de ../../2022, minuto 00:00:01 a 01:11:10 – 00:00:01 a 00:47:15), resulta que o pagamento foi efetuado através de cheque, não ocorrendo omissão de pagamento da taxa de inscrição.
19 - O tribunal “a quo” errou no julgamento ao incluir nos factos não provados o artigo 21º da contestação, impõe-se obrigatoriamente a inclusão nos factos provados.
20 - Dos factos provados (45 a 49) resulta sem qualquer margem de dúvida que o responsável pelo pagamento era o Sr. II, nunca o Réu foi interpelado para pagar.
21 - O tribunal “a quo” errou no julgamento ao incluir nos factos não provados os artigos 88º e 89º da contestação, impõe-se obrigatoriamente a inclusão nos factos provados.
22 - A impossibilidade temporária total da prestação de trabalho por parte do AA. derivou de facto imputável exclusivamente a terceiros, Associação de Futebol ....
23 – Resulta do disposto no artigo 3º nº 1 da Lei nº 54/2017 de 14 de julho, “Às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo aplicam-se, subsidiariamente as regras aplicáveis ao contrato de trabalho que sejam compatíveis com a sua especificidade.”
24 – Aos contratos dos AA. aplicam-se os artigos 294º e 296º do Código do Trabalho, conduzindo à suspensão do contrato de trabalho por impossibilidade temporária de prestação de trabalho durante os meses de setembro a dezembro de 2019, iniciando a sua prestação apenas em ../../2020 com a reabertura dos mercados de transferências e inscrição de novos jogadores.
25 – O tribunal a ter julgado improcedente a suspensão dos contratos dos AA violou as normas contidas nos artigos 3º nº 1, da Lei 54/2017 e artigos 294º e 296º do CT.
26 - Fruto da suspensão de competições nacionais da FPF motivada pela declaração do estado de emergência nacional, ocorrida e comunica a ../../2020, por facto que não é imputável a ambas as partes, ficaram os AA. impedidos de prestar o seu trabalho e a R. de o receber.
27 – Com o cancelamento das competições nacionais da FPF de futebol da época 2019/2020, ficam totalmente impossibilitados de os AA. cumprirem com o seu principal dever no âmbito da relação laboral.
28 - Os contratos de trabalho dos AA. caducaram automática e imediatamente a ../../2020 por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de os mesmos prestarem o seu trabalho.
29 – O tribunal “a quo”, ao ter julgado improcedente a caducidade dos contratos de trabalho desportivos dos AA., no entender do R. errou na aplicação e interpretação das normas jurídicas, violando os artigos 790º, 791º e 793º ambos do Código Civil e artigos 340º e 343º do Código do Trabalho.
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Em contra-alegações o autor AA impugna o alegado e requer aa ampliação do âmbito do recurso, apresentando as seguintes conclusões:

CX- Sem prescindir, nos termos do disposto no artigo 636. Nº2, vem o Apelado, por mero dever de cautela de patrocínio, requerer a ampliação do âmbito do recurso, no que à matéria de facto diz respeito, requerendo que seja dada como não provada a matéria de facto relativa aos pontos: 45, 46, 48 e 49, atenta à prova testemunhal e documental produzida, não resulta como provado nenhum dos factos produzidos nos referidos itens, em especial no que diz respeito ao Sr. II ter assumido perante os AA., que seria ele o responsável pelo pagamento dos seus salários.
CXI- Ora da prova documental junta, que é aliás prova plena e não impugnada pelo R., constam contratos de trabalho desportivo a remuneração acordada entre R. e AA., ficando bem expresso no contrato que a responsabilidade pelo pagamento do salário dos AA, era o R., daí que os AA., sempre estiveram seguros de que independentemente de que forma seria feita, que seria o R. a assumir o pagamento dos seus salários, sendo depois irrelevante para estes se o faria através de um investidor ou arranjasse qualquer outra forma de ter financiamento para o pagamento dos seus salários.
CXII- Aliás, da prova testemunhal produzida, resulta claro que o Sr. II não comunicou aos AA., que seria ele o responsável pelo pagamento dos seus salários, nos termos do já supra demonstrado, em concreto nos seguintes depoimentos:
Depoimento da testemunha MM (CD sessão de ../../2022, 00.04.30 – 00.05.02, 00.23.10 – 0.23.35; 00.34.00 – 00.35.30, Depoimento BB – CD sessão de ../../2022, minutos 00.02.20-00.04.26 e 00.19:22 – 00.22.00, CD depoimento NN - CD sessão ../../2022, 00.16.53 – 00.18.20.

CXV- Pelo que, só por mero lapso, poderá igualmente o Tribunal a quo ter dado como factos provados os factos nº 45º e 46º, porquanto o próprio Presidente do Sindicato dos Jogadores, Dr. OO, no seu testemunho negou claramente que os AA. lhe tivessem dito que o responsável pelo pagamento dos seus salários seria o Sr. II.

CXVII- Deve ser dado como não provado o facto nº 48, na parte em que se refere que numa conversa telefónica ocorrida entre o Sr. II e os AA, foi dito por aquele que efetivamente assumiria o pagamento dos salários dos AA, e que estaria com dificuldades em cumprir o pagamento, mas que o iria fazer.
CXVIII- Nenhum dos AA., fosse em sede de declarações de parte fosse como testemunhas confirmaram essa versão apresentada pela RR.

CXXIII- Deve ser considerado como provado o facto nº 7 da PI, de que o Réu através do seu presidente, propôs aos Autores a celebração de contratos de trabalho desportivos.
CXXIV- Tal facto deve resultar como provado, desde logo, atendendo ao facto provado nº5, ou seja, se cada um dos AA. assinou um contrato de trabalho desportivo com o R., para que exista uma celebração de contrato tem de haver uma óbvia manifestação das partes em celebrarem um contrato de trabalho desportivo.
CXXV- Acresce ainda que, resultou da prova produzida, nomeadamente, o Depoimento BB – CD sessão de ../../2022, minutos 00.02.20-00.04.26 e o Depoimento da testemunha MM (CD sessão de ../../2022, minutos 00.04.30 – 00.05.02 e 00.23.10 – 00.23.50, que quem esteve na celebração do contrato de trabalho desportivo foi o Presidente do R., tendo sido garantido por este aos AA, de que o clube para além do salário constante do contrato iria garantir alojamento e habitação.
CXXVI- Deve ser ainda dado como provado o facto nº 15 da PI, em que se refere que o réu foi instado, sucessivas vezes e por diversas formas, para proceder ao pagamento das importâncias em dívida.
CXXVII-Tal facto deve ser considerado como provado atenta à prova testemunhal produzida, pois os AA, efetivamente queixaram-se e interpelaram a R., nomeadamente junto do seu presidente, o Sr. JJ, a requerer o pagamento dos salários, o que se comprova nos seguintes depoimentos: Depoimento de PP, Presidente da Mesa da AG do R. (CD ../../2022), minutos 00.32.30 -00.32.25; Depoimento de MM ( CD sessão ../../2022, minutos 00.30.48 -00.32.05 ; Declarações de parte de DD ( CD Sessão de 13.10.2022 , minutos 00.47.16- 00.50.30).
CXXVIII- O ponto 30º da matéria de facto da PI, onde se refere que os AA. Se depararam com uma realidade absolutamente degradante, humilhante e vexatória da sua dignidade quer como profissionais quer como seres humanos. deve igualmente passar a ser considerado facto provado, atenta à toda a matéria de facto dada como provada, nomeadamente os factos: 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32.
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Neste tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Colhidos os vistos das Ex.mas Des. Adjuntas há que conhecer do recurso.
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Factualidade:

a) Por confissão ou admitidos por acordo nos articulados e por documento:
1- Os Autores (AA) são jogadores de futebol onze, todos oriundos da ....
2- O Réu é um clube desportivo, cuja equipa de futebol sénior tem participado nas competições nacionais organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol e Associação de Futebol de ....
3- Os Autores militavam em clubes argentinos na época 2018/2019, tendo sido recrutados pelos Senhores QQ e II, ambos também argentinos e à época, respetivamente, diretor desportivo e administrador da EMP02..., SAD, uma sociedade anónima desportiva sediada em ..., que competia na época desportiva 2019/2020 no Campeonato de Portugal, prova organizada pela Federação Portuguesa de Futebol.
4- Contudo, uma vez chegados a Portugal, em meados de ../../2019 e após terem iniciado os treinos com a EMP01... SAD, foi comunicado aos Autores pelos Senhores RR e II, que afinal não poderiam jogar, nessa época desportiva, pela EMP01... SAD, mas que teriam outra solução para as suas carreiras desportivas que passaria por jogarem, durante a época 2019/2020, ao serviço da equipa de futebol do aqui Réu.
5- No dia ../../2019, cada um dos Autores assinou um contrato de trabalho desportivo com o Réu, através do qual estes se obrigavam a prestar, com regularidade, zelo, dedicação e assiduidade, a atividade de futebolista a favor do Réu, em representação e sob autoridade e direção deste, contratos de trabalho desportivos esses, cujas cópias se encontram juntas aos autos a fls. 13 vº a 25 destes autos, 13 a 24 do apenso A e 12 a 19 do apenso B e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6- Em obediência ao estipulado contratualmente, os Autores cumpriram escrupulosamente os seus deveres laborais decorrentes da relação contratual que os vinculavam ao Réu, sob o comando e direção deste.
7- Assim, durante a época de 2019/2020, com início a ../../2019 e termo a ../../2020, os Autores prestaram a atividade de jogadores de futebol sob a autoridade e direção do R..
8- Os AA. estavam obrigados a comparecer nos treinos, deslocações, exames, etc;
9- Após a celebração dos contratos de trabalho com os AA., incumbia à R. diligenciar junto das entidades competentes ao prévio registo dos contratos na respetiva federação.
10- Aliás, a possibilidade de os futebolistas participarem em competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol fica dependente de registo prévio do contrato na mesma.
11- Simplesmente, não tendo sido registados os contratos dos AA. na federação, os jogadores ficaram impedidos de participar na referida competição.
12- Os contratos de trabalho dos AA. não foram registados na Federação Portuguesa de Futebol, ficando os AA. impedidos de participar nas competições organizadas pela FPF, pelo menos até a reabertura do mercado de transferências, ../../2020.
13- Apesar de todas as diligências feitas pela Associação de Futebol ... junto da Federação Portuguesa de Futebol para aceitar a inscrição dos contratos de trabalho dos AA., esta disse: “Na sequência da análise efetua ao V. pedido, informamos que a FPF não poderá dar seguimento às inscrições em causa, uma vez que as mesmas não se encontravam submetidas à FPF no prazo previsto no Regulamento aplicável.”
14- Em ../../2020 foi comunicada pela FPF a suspensão de todas as competições nacionais de futebol e futsal organizadas pela FPF, com efeitos a ../../2020, motivada pela declaração da Pandemia COVID 19.
15- O presidente do Sindicato dos Jogadores, OO, deu uma entrevista à “...” a ../../2020, na qual diz o seguinte: “Um grupo de 12 jogadores foi encaminhado meses antes destes problemas para o GRUPO DESPORTIVO ..., sob o acordo informal de que seria o Sr. II a pagar os seus salários durante esta época. Informalmente quem manda é ele, formalmente são jogadores profissionais do GRUPO DESPORTIVO ..., com contrato registado na FPF e não recebem há oito meses, embora alojamento e alimentação providenciada pelo clube não lhes falte, segundo nos informaram.”

b) Factos provados da matéria controvertida:

16- Os Autores apresentaram-se nos treinos da equipa de futebol do Réu no dia 04.08.2019, por indicação de II e com o acordo do R..
17- Nos termos da cláusula 3ª dos contratos de trabalho celebrados entre os AA. e o R., este comprometeu-se a pagar a cada um dos AA., na época desportiva de ../../2019 a 30/6/2020, a quantia ilíquida de € 8.250,00 (oito mil duzentos e cinquenta euros), no qual se incluíam os proporcionais dos subsídios de natal e de férias, valor a ser pago em 11 (onze) prestações, no montante unitário ilíquido de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
18- Os AA. participaram regularmente nos treinos e nos jogos da equipa, sob o comando e direção desta, a tempo inteiro e em regime de exclusividade.
20- Os Autores, durante a época em questão, tiveram treinos semanais, em datas e horário determinados pelo Réu, treinos que, até à Declaração da pandemia Covid 19, decorriam nas instalações do R., aos quais foram sempre pontuais e assíduos.
21- Os Autores, a partir de ../../2020, após a sua inscrição na FPF como jogadores do R., participaram em jogos oficiais ao serviço do Réu.
22- O Réu, ao longo da execução dos contratos de trabalho desportivos celebrados com os Autores, não pagou uma única remuneração a nenhum dos Autores ao longo da referida execução do contrato.
23- Os Autores vieram da ... para Portugal para prosseguirem a sua carreira desportiva, sendo que estes dependiam da remuneração obtida pela via do exercício das suas atividades para poderem subsistir, mais ainda quando se encontravam deslocados do seu país e sem uma rede familiar próxima para os amparar.
24- Por causa da falta de pagamento de qualquer salário, os Autores ficaram numa situação de grave fragilidade económica e de receio pela sua saúde e bem-estar.
25- O Réu tinha como orçamento anunciado para a época 2019/2020, um montante próximo dos € 40.000,00 (quarenta mil euros).
26- O Réu, na pessoa do seu Presidente, o Sr. JJ, destacou publicamente a necessidade de contratar jogadores estrangeiros para lutar por estar nos lugares cimeiros da tabela classificativa.
27- Alterado:
O Réu, aproveitou o trabalho dos AA., profissionais provenientes do futebol ... e que lhe dava vantagem competitiva em relação aos demais competidores, autores que por não receberem o salário ficaram em situação bastante débil.
28- Os Autores pediram auxílio ao Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol, que os ajudou através de apoio económico após o termo do contrato de trabalho desportivo, e contaram com a ajuda de alguns locais de ... que os foram igualmente ajudando com géneros alimentícios e outros.
29- Tal situação de necessidade foi, aliás, do domínio público tendo saído várias reportagens em jornais desportivos e não só, em que alguns dos atletas argentinos recrutados pelo Réu denunciavam o tratamento a que tinham sido sujeitos e descreviam o tipo de ajuda que tiveram de requerer junto do Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol.
30- A situação precária e de enorme dificuldade que os Autores tiveram que passar, trabalhando sem receber qualquer salário ao longo de todo o período de execução dos contratos de trabalho assinados com o Réu, mereceu destaque em publicações desportivas, de cariz nacional, como a do Jornal ..., com uma reportagem publicado no dia 10.04.2020, na edição online do jornal (disponível para consulta em ...).
31- A situação a que os Autores estiveram sujeitos por via do comportamento por parte do Réu, que aproveitou a força de trabalho qualificada dos Autores sem pagar a remuneração acordada, provocou nos Autores sentimentos de enorme angústia, revolta, ansiedade e de profunda tristeza.
32- Os Autores são jovens atletas que saíram do seu país e vieram para a Europa em busca de um sonho, mas aquilo que havia sido um momento importante para as suas carreiras e motivo de orgulho dos seus familiares, acabou por lhes causar um sentimento de frustração e de vergonha a cada um dos Autores, por terem que pedir ajuda para poderem subsistir, quando tinham vindo para Portugal, exatamente, na busca de melhores condições para o prosseguimento das suas carreiras.

Da contestação

33- Estando o R. munida de todos os documentos necessários para proceder ao prévio registo dos contratos dos AA., entregou, pelo menos em ../../2019, toda a documentação na Associação de Futebol ..., entidade que procede ao registo definitivo junto da Federação Portuguesa de Futebol.
34- Obrigou-se a Associação de Futebol ... a proceder ao registo definitivo dos contratos dos AA. junto da Federação Portuguesa de Futebol.
35- Eis que quando o R. se preparava para iniciar a época desportiva 2019/2020, foi contactada pela Associação de Futebol ..., comunicando-lhe de que não poderiam utilizar nos jogos do Campeonato Distrital de Seniores da 1ª Divisão os jogadores, aqui AA., porque, por lapso e ineficácia de um funcionário da referida associação, não tinham procedido ao registo dos contratos dos AA. na Federação Portuguesa de Futebol.
36- Os AA. obrigaram-se perante o R. a participar nos jogos oficiais da equipa sénior do R., desde que fossem convocados pelo treinador para o efeito.
37- A competição nacional em que o R. se encontrava inserida e a disputar, após a suspensão decretada em ../../2020, foi posteriormente cancelada, por decisão federativa, com efeitos a ../../2020, tendo sido canceladas as competições nacionais da FPF de futebol da época 2019/2020.
38- Os AA. treinavam e realizavam exames médicos e tratamentos para estarem aptos e poderem jogar.
39- Os AA. ficaram impedidos de jogar, fruto do cancelamento dos campeonatos.
40- Face à impossibilidade de os AA. jogarem pela EMP01... SAD, o Senhor II propôs ao presidente do R., JJ, a cedência dos AA. ao GRUPO DESPORTIVO ... por uma época desportiva, mediante a assinatura de um contrato de trabalho desportivo entre este e aqueles.
41- O R., ciente de que tais jogadores, aqui AA., poderiam ser uma mais valia para o clube, informou o Sr. II de que o Clube não tinha capacidade financeira para suportar o vencimento mensal.
42- Ao que o Sr. II disse que era ele que assumiria o pagamento mensal do vencimento de todos os jogadores cedidos, aqui AA., não tendo o clube de se preocupar com tal encargo.
43- Competindo à R. providenciar pelo alojamento e alimentação dos jogadores, como acabou por fazer.
44- Mediante as condições propostas pelo Sr. II, no dia ../../2019 cada um dos AA. assinou um contrato de trabalho desportivo com o R.
45- A retribuição aposta nos contratos de trabalho dos AA. foi proposta pelo Sr. II, na medida em que ele assumiu perante os AA. que seria o responsável pelo pagamento da mesma.
46- Eliminado.
47- Um colega dos AA., também futebolista de GRUPO DESPORTIVO ... na época desportiva 2019/2020, em entrevista que deu a um jornal desportivo da ... no dia 05/04/2020, disse que o R. apenas tinha de providenciar pelo alojamento e comida, sendo o Sr. II responsável pelo pagamento do salário.
48- Mais, numa conversa telefónica ocorrida entre o Sr. II e os AA., é dito por aquele que efetivamente assumiria o pagamento dos salários dos AA., sendo que presentemente tinha algumas dificuldades em cumprir com o pagamento, mas que o iria fazer.
49- Os AA. sabiam que o Sr. II tinha assumido perante eles e o R. o pagamento da retribuição e prémios referidos na cláusula 3ª dos respetivos contratos de trabalho desportivo.
50- O R., pelo menos até ao termino do contrato dos AA., providenciou aos AA. alojamento local numa habitação no centro histórico da cidade ..., composta por dez quartos, sala com bilhar de snooker, sala de convício, internet, 3 wc´s e cozinha totalmente equipada.
51- As refeições eram confecionadas diariamente na cozinha da habitação cedida aos AA., por uma senhora ao serviço do clube, sem queixas por parte dos AA. durante a vigência do contrato.
52- O R. nunca faltou aos AA. com alojamento e alimentação na vigência dos contratos.

Da resposta

53- Entre o dia 1/9/219 e o início do mês de ../../2020 os AA., continuaram a prestar a sua atividade ao serviço do Réu, continuaram a treinar e a participar em jogos amigáveis, participando em todas as atividades preparatórias à competição, procurando manter-se em forma física e técnica para poderem competir assim que fossem convocados para qualquer jogo oficial.
54- Durante esse período, o R. acabou por participar na competição.
55- Durante esse período de tempo, em momento algum o Réu alegou ou manifestou aos AA. que os seus contratos de trabalho estariam suspensos e que, por isso, não teriam de continuar a cumprir com todas as obrigações decorrentes do contrato de trabalho desportivo assinado.
56- Durante esse período, o R. não pagou qualquer retribuição aos AA., nem pagou as contribuições para a segurança social sobre a retribuição auferida pelos Autores.
57- O R. não procedeu ao pagamento das contribuições relativas à retribuição dos AA. junto do Instituto da Segurança Social.
58- No comunicado oficial nº 1 da FPF, constam as regras e procedimentos referentes à inscrição de jogadores.
59- O dito regulamento, referente à época desportiva 2019/2020, foi aprovado na reunião do Comité de Emergência da Federação Portuguesa de Futebol, de 28 de junho de 2019.
60- Na Tabela 2 do dito regulamento estabelecem-se os períodos de inscrição e transferências, dividindo os tipos de inscrição em 4 categorias:
i) menores de idade, ii) pedidos decorrentes de transferências internacionais (jogadores que na época anterior atuavam num país estrangeiro), iii) pedido de inscrição de jogadores com contrato de trabalho e iv) pedido de inscrição de jogadores amadores.
61- Os Autores enquadravam-se nos pedidos decorrentes de transferência internacional, uma vez que todos eles jogavam na época anterior na ....
62- Assim, nos termos desses mesmos regulamentos a inscrição desses atletas, decorrentes de transferência internacional tinham um prazo próprio para inscrição que seria de ../../2019 até ../../2019.
63- Era essa também a data limite para inscrição, na 1ª janela de transferências, de jogadores com contrato de trabalho, como era o caso dos aqui AA.
64- Para proceder à inscrição de jogadores que vêm de transferência internacional para clube nacional, caberia ao Réu pagar a quota de inscrição prevista na tabela 6, ínsita na página 13 do dito comunicado oficial, no montante de € 1.065,00 (mil e sessenta e cinco euros), por cada atleta registado.
65- Alterado:
Foi comunicado aos Autores pelo próprio Réu, nomeadamente pelo presidente da direção do Réu, que os pagamentos das taxas de inscrição não foram efetuados dentro do prazo previsto.  Os AA. Não foram inscritos logo na 1ª janela de inscrições, algo que deixou os AA bastante desagradados, não obstante terem continuado a exercer a sua atividade com enorme brio e profissionalismo.
66- Alguns clubes, por exemplo, o clube ... da 2ª Liga, interpuseram recurso junto da CJ da Federação Portuguesa de Futebol, no sentido de solicitar a decisão de cancelar a II Liga.
67- Também no Campeonato de Portugal, competição que igualmente foi dando por encerrada pela FPF, os clubes expressaram a sua intenção de recorrer aos tribunais para revogar essa decisão, tendo tal postural sido amplamente divulgada em toda a comunicação social.
68- Os Autores mantiveram-se sempre ao serviço do Réu, treinando em casa e em espaços ao ar livre, perto de casa, por forma a manterem a sua forma física e cumprirem com as suas obrigações laborais, mostrando-se disponíveis para treinar e competir.
69- Vários clubes continuaram a treinar já após a suspensão da competição, estabelecendo as equipas técnicas planos de treino para cada um dos atletas fazer em casa, e muitas delas utilizando inclusive meios de comunicação à distância para realizarem treinos em equipa, fosse através do Zoom ou qualquer outra plataforma.
70- Em momento algum o Réu exprimiu qualquer declaração ou manifestação no sentido de informar os AA., de que considerava que os seus contratos haviam caducado por impossibilidade superveniente, total e absoluta.
71- Os Autores continuaram na casa disponibilizada pelo Réu até à data do termo fixado nos contratos de trabalho desportivos (../../2020), tendo os Autores abandonado essa casa após ../../2020.
72- O Réu também não comunicou à Federação Portuguesa de Futebol a caducidade dos contratos de trabalho dos AA. com efeitos a partir de ../../2020.
73- A Federação Portuguesa de Futebol disponibilizou uma linha de crédito, criando ainda fundo de apoio ao futebol não profissional, em cuja competição se incluía o Réu, com o objetivo de garantir que os clubes cumprem com os compromissos estabelecidos para esta época com jogadores e treinadores.
74- De acordo com a cláusula 8ª do contrato de trabalho celebrado entre o Réu e os AA., era cedido ao Réu o direito de exploração e comercialização direta ou indiretamente do direito individual de imagem dos Autores.
Aditado:
75 - “O réu foi instado para proceder ao pagamento das importâncias em dívida.
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2. Factos não provados

Nenhuns outros factos, de entre os alegados pelas partes, se provaram, com relevo para a decisão, designadamente
Das petições iniciais:
-Que os AA. são sócios do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol (1º);
-Que os Autores celebraram então um contrato promessa de trabalho desportivo com a EMP01..., SAD, com a duração de três épocas desportivas e validade de ../../2019 a 30.06.2022(4º);
-Que o Senhor II teria, também, algum tipo de controlo sobre o aqui Réu (6º);
-Que o Réu através do seu presidente, propôs aos Autores a celebração de contratos de trabalho desportivos (7º);
-Que o Réu foi instado, sucessivas vezes e por diversas formas, para proceder ao pagamento das importâncias em dívida (15º);
-Que o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol acionou o Fundo de Solidariedade Social, no sentido de apoiar os Autores para que este pudessem satisfazer as suas necessidades básicas e prover para a sua subsistência (22º);
-Que para além de terem gastado todas as poupanças que traziam da ..., os Autores viram-se na obrigação de recorrer ao apoio, também, de familiares, o que lhes causou uma enorme angústia quando pensável, precisamente em sentido contrário, vir para Portugal auferir um salário que lhes permitisse ajudar a família (27º);
-Que a situação de total exploração laboral que os Autores vivenciaram, bem como a forma fria e de absoluto desprezo demonstrada pelo Réu, numa total ausência de empatia ou humanidade pela situação difícil a que sujeitou os Autores, causou um enorme desgaste psicológico e emocional a cada um dos Autores (29º);
-Que os AA. se depararam com uma realidade absolutamente degradante, humilhante e vexatória da sua dignidade quer como profissionais, quer como seres humanos (30º);
-Que são quase incalculáveis os danos psicológicos e o trauma que esta omissão de um dever por parte do Réu causou nas vidas dos Autores e que os acompanhará para sempre (31º).
Das contestações
-Que o objetivo de qualquer clube de futebol quando contrata um jogador profissional, é que ele possa participar/jogar nos jogos oficiais que o clube realiza (1º);
-Que um jogador de futebol é contratado para jogar a fim de que o clube que o contrata atinja os seus objetivos no sentido do alcance do maior número de vitórias (2º);
-Que por culpa exclusiva da Associação de Futebol ..., não foram registados na Federação Portuguesa de Futebol (21º);
-Que os AA. sabem que assinatura do contrato de trabalho desportivo com o R., era apenas uma exigência legal (81º);
-Que nunca os AA. interpelaram o R. para que esta proceder ao pagamento de salários ou quaisquer outras quantias (88º);
-Que nunca o fizeram, porque sabiam que essa responsabilidade não competia à R., mas sim exclusivamente ao Sr. II (89º).
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Conhecendo do recurso:

Nos termos dos artigos 635º, 4 e 639º do CPC, o âmbito do recurso encontra-se balizado pelas conclusões do recorrente.
Importa apreciar as seguintes questões:

Ré:
- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto, quanto aos factos provados dos pontos 22, 24, 27, 31 e 65, para factos não provados e os artigos 21º, 88º e 89º da contestação para factos provados.
- Suspensão do contrato de trabalho por impossibilidade temporária de prestação de trabalho durante os meses de setembro a dezembro de 2019 – violação das normas contidas nos artigos 3º nº 1, da Lei 54/2017 e artigos 294º e 296º do CT.
- Caducidade automática e imediatamente dos contratos a ../../2020 por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de os mesmos prestarem o seu trabalho – violação dos artigos 790º, 791º e 793º ambos do Código Civil e artigos 340º e 343º do Código do Trabalho.

Pelo autor:
- Impugnação da decisão de fato no que respeita aos pontos:
- 45, 46, 48 e 49 da factualidade, que devem ser considerados não provados.
- Deve ser considerado como provado o facto nº 7 da PI, de que o Réu através do seu presidente, propôs aos Autores a celebração de contratos de trabalho desportivos,
- Deve ser ainda dado como provado o facto nº 15 da PI, em que se refere que o réu foi instado, sucessivas vezes e por diversas formas, para proceder ao pagamento das importâncias em dívida.
- Deve ser dado como provado o ponto 30º da matéria de facto da PI, onde se refere que os AA. Se depararam com uma realidade absolutamente degradante, humilhante e vexatória da sua dignidade quer como profissionais quer como seres humanos. deve igualmente passar a ser considerado facto provado.
*
Quanto à decisão relativa à matéria de facto:

- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto, quanto aos factos provados dos pontos 22, 24, 27, 31 e 65, para factos não provados e os artigos 21º, 88º e 89º da contestação para factos provados.
Pretende-se seja considerado não provada a seguinte matéria:
22- O Réu, ao longo da execução dos contratos de trabalho desportivos celebrados com os Autores, não pagou uma única remuneração a nenhum dos Autores ao longo da referida execução do contrato.
Trata-se de questão de facto em que todos estão de acordo. A ré aceita que não pagou, sustentando não caber a ela o pagamento.  O item não questiona se era dever ou não da ré pagar. É de manter.
*
24- Por causa da falta de pagamento de qualquer salário, os Autores ficaram numa situação de grave fragilidade económica e de receio pela sua saúde e bem-estar.
A recorrente não contesta o facto em si, referindo na alegação que “(25º) é inegável que a falta de pagamento de qualquer salário causa uma situação de grave fragilidade económica e de receio pela saúde e bem-estar”, “(26º) Mas também é inegável, conforme já supra exposto, e resulta dos pontos 45 a 49 dos factos provados, que a responsabilidade pelo pagamento dos salários e prémios aos AA. Resultante dos contratos de trabalhados desportivos que  assinaram com o R., era da exclusiva responsabilidade do Sr. II.”
O que se contesta é que o direito indemnizatório seja da sua responsabilidade, defendendo não ser sua responsabilidade o pagamento do salário e prémios. Tal facto constitui matéria de direito que não interfere com a realidade fáctica. Os autores, ou “ficaram numa situação de grave fragilidade económica e de receio pela sua saúde e bem-estar”, ou não ficaram, independentemente de quem deveria pagar as remunerações.
É de manter o decidido.
*
27- O Réu, através dos seus legais representantes, não teve qualquer tipo de pejo em aproveitar o trabalho dos AA., profissionais provenientes do futebol ... e que lhe dava uma clara vantagem competitiva em relação aos demais competidores, pois usufruiu do trabalho destes sem pagar qualquer salário, colocando os Autores em situação bastante débil.
31- A situação a que os Autores estiveram sujeitos por via do comportamento por parte do Réu, que aproveitou a força de trabalho qualificada dos Autores sem pagar a remuneração acordada, provocou nos Autores sentimentos de enorme angústia, revolta, ansiedade e de profunda tristeza.
Resulta das alegações que a ré entende que por não ser da sua responsabilidade o pagamento das retribuições, não pode ser dado como provado o que consta dos factos. Invoca ainda que não resultou provado, “que a situação total exploração laboral que os Autores vivenciaram, bem como a forma fria e de absoluto desprezo demonstrada pelo Réu, numa total ausência de empatia e humanidade pela situação difícil a que sujeitos os Autores, causou um enorme desgaste psicológico e emocional a cada um dos Autores,”, 29º da pi.; mais sim prova convincente, clara e credível no sentido de incluir nos factos não provados o ponto nº 31 dos factos provados.
Não resulta da prova que o comportamento da ré tenha sido “despudorado”, sem vergonha, no sentido do aproveitamento do trabalho dos autores, sem lhes pagar. Como resulta dos factos 15, 42 a 45, 49, designadamente, o Sr. II assumiu perante a ré e os autores o compromisso de pagar as remunerações. A ré pretendeu sim aproveitar o trabalho dos autores, contando que apenas suportaria alojamento e alimentação.
Alteram-se o facto 27 nos seguintes termos:
27- O Réu, aproveitou o trabalho dos AA., profissionais provenientes do futebol ... e que lhe dava vantagem competitiva em relação aos demais competidores, autores que por não receberem o salário ficaram em situação bastante débil.
É de manter o facto 31. Não obstante o referenciado atrás, a ré aproveitou a força de trabalho qualificada dos Autores, nunca tendo pago qualquer retribuição, o que conforme resulta da prova produzida, designadamente dos depoimentos dos próprios autores, e resulta das regras da experiencia comum, provocou nos Autores sentimentos de enorme angústia, revolta, ansiedade e de profunda tristeza.
*
65- Foi comunicado aos Autores pelo próprio Réu, nomeadamente pelo presidente da direção do Réu, que os pagamentos das taxas de inscrição não foram efetuados dentro do prazo previsto e que, por isso não foram os AA. inscritos logo na 1ª janela de inscrições algo que deixou os AA bastante desagradados, não obstante terem continuado a exercer a sua atividade com enorme brio e profissionalismo.
O depoentes SS, confirmou que o clube referiu que não tinham pago a inscrição, referiu que estavam mal, sem dinheiro para comprar coisas, o que os afetou animicamente. O BB referiu que o presidente aludiu à falta de pagamento da inscrição, mas que sempre treinaram e iam aos jogos, porque lhes era ordenado. Referiu as dificuldades em termos psicológicos e mentais, referindo designadamente a circunstancia de não poderem jogar. CC referiu igualmente que lhes foi dito sobre a falta de pagamento da inscrição. Mais referiu que nunca foram dispensados do trabalho, designadamente treinos. Referiu que andaram tristes e se sentiram abandonados.  DD, referiu a vergonha que sentiu e que nem saía de casa, aludindo à frustração por não receber. Referiu que o empenho sempre foi o mesmo. Os restantes autores confirmaram no essencial estes depoimentos, aludindo à tristeza e angustia que sentiam. Sempre treinaram.   
O legal representante da ré depôs no sentido da versão desta. Referiu que pagou a inscrição por cheque, mas referiu que “cheque nunca entrou na nossa conta, nunca mais apareceu esse cheque”, “passado uma hora o presidente ligou que fossem buscar o cheque que não aceitavam aquele método de pagamento”. Ele referiu-lhe que mais à frente falariam no moo de saldar a dívida, não referiu que não inscreveriam. Não resulta claro que o clube tivesse ficado ciente de que o facto de não aceitarem o cheque implicaria a não inscrição.
O TT referiu que o pedido de inscrição pode ficar bloqueado por falta de pagamento, dependendo de cada associação. Referiu que da Associação de Futebol ... lhe foi referido a falta de pagamento.
Não resulta que o presidente da ré tenha referido que a não inscrição resultou da falta de pagamento, podendo embora ser essa a razão.
Altera-se o facto nos seguintes termos:
65- Foi comunicado aos Autores pelo próprio Réu, nomeadamente pelo presidente da direção do Réu, que os pagamentos das taxas de inscrição não foram efetuados dentro do prazo previsto.  Os AA. Não foram inscritos logo na 1ª janela de inscrições, algo que deixou os AA bastante desagradados, não obstante terem continuado a exercer a sua atividade com enorme brio e profissionalismo.
*
Pretende seja considerado provado:
21º
Tal impossibilidade temporária, por culpa exclusiva de terceiros, conforme supra demonstrado, gerou automaticamente uma suspensão dos contratos de trabalho dos AA.
Trata-se de questão de direito ou conclusiva, devendo manter-se a decisão.
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88º
Nunca os AA. interpelaram a R. para que esta proceder ao pagamento de salários ou quaisquer outras quantias.
89º
E nunca o fizeram, porque sabiam que essa responsabilidade não competia à R., mas sim exclusivamente ao Sr. II.
Não resultam demonstrado. Desde logo veja-se que os autores se socorreram do sindicado de jogadores, tendo havido diligencias deste junto da ré. Veja-se o depoimento de OO. Também nesse sentido PP, MM, DD. É de manter o decidido.
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Impugnação da decisão de facto pelos autores:
- 45, 46, 48 e 49 da factualidade, que devem ser considerados não provados.
45- A retribuição aposta nos contratos de trabalho dos AA. foi proposta pelo Sr. II, na medida em que ele assumiu perante os AA. que seria o responsável pelo pagamento da mesma.
A prova aponta no sentido de que o facto ocorreu conforme descrito. Embora os AA. Tenham evitado uma resposta clara à matéria, resulta da prova globalmente produzida.
O BB sempre referiu que o presidente do clube disse que o Sr. II ia ajudar o clube. O DD referiu também que o presidente dizia que que tinha que entrar o dinheiro, e que tinha ele tinha um acordo com outras pessoas, acha que era o II. Confirmou que houve uma reunião, embora dizendo não se lembrar do que o II tivesse referido que pagaria os salários.
O legal representante da ré referiu que os jogadores vieram emprestados do EMP01..., o que não foi possível por ter mudado a lei e por isso se fizeram os contratos. O clube dava alojamento e alimentação, o QQ e o II pagariam os custos.  Referiu que as condições foram acordadas na presença dos jogadores.
O OO depôs no sentido do facto. Referiu que falou com o II e este disse que iria pagar aos jogadores, mais referiu, contudo, que os jogadores nunca lhe disseram que era o II a pagar o salário. O acordo do II era com o clube.
O depoente LL referiu que os jogadores diziam que o clube tinha de lhes dar alojamento e alimentação e o II é que lhes ia pagar. Referiam igualmente que iam falar com o II. O UU confirmou a mesma matéria. Os contratos foram feitos com o acordo do II.
A prova documental junta, designadamente publicações nos meios de comunicação social, (doc. ..., ... pi, doc. ... e ... da contestação) aponta no sentido da resposta dada. É de manter o decidido.
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46- Informação que os AA. confirmaram ao presidente do Sindicato dos Jogadores, OO.
Não resulta claro, face ao depoimento do Sr. OO, que negou tal comunicação. Elimina-se o facto.
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48- Mais, numa conversa telefónica ocorrida entre o Sr. II e os AA., é dito por aquele que efetivamente assumiria o pagamento dos salários dos AA., sendo que presentemente tinha algumas dificuldades em cumprir com o pagamento, mas que o iria fazer.
O depoente HH confirmou que falaram com o II, referindo este, problemas económicos. Os AA. Conheciam o acordo relativo ao pagamento de salários. O depoente LL referiu também que os autores aludiram a que iam falar com o II. Atenta a globalidade da prova e não obstante os autores não terem confirmado o facto, não há razão para censurar a decisão.
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49- Os AA. sabiam que o Sr. II tinha assumido perante eles e o R. o pagamento da retribuição e prémios referidos na cláusula 3ª dos respetivos contratos de trabalho desportivo.
Sobre o conhecimento dos autores do acordo sobre o pagamento dos custos, repete-se para o atrás referido, sendo de manter o facto.
*
- Deve ser considerado como provado o facto nº 7 da PI, de que o Réu através do seu presidente, propôs aos Autores a celebração de contratos de trabalho desportivos,
Resulta claro da prova que a contratação foi proposta pelo II, tanto que os autores vieram para ingressar no EMP01.... As circunstancias da contratação resultam da factualidade e de acordo com a prova produzida, remetendo-se para o já aludido quanto a tais circunstâncias.
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- Deve ser ainda dado como provado o facto nº 15 da PI, em que se refere que o réu foi instado, sucessivas vezes e por diversas formas, para proceder ao pagamento das importâncias em dívida.
Conforme referido atrás, apreciação do ponto 89, os autores recorreram ao sindicato dos jogadores, que encetou diligências junta da ré. Também foi referenciado pelos depoentes referenciados, que os autores falaram com a ré quanto ao pagamento.

Assim adita-se:

“O réu foi instado para proceder ao pagamento das importâncias em dívida.
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- Deve ser dado como provado o ponto 30º da matéria de facto da PI, onde se refere que os AA. Se depararam com uma realidade absolutamente degradante, humilhante e vexatória da sua dignidade quer como profissionais quer como seres humanos. deve igualmente passar a ser considerado facto provado
O facto é essencialmente conclusivo. A situação vivenciada pelos autores e relativamente ao que resulta da prova, consta da factualidade.
É de manter o decidido.
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Responsabilidade pelo pagamento do salário e outras componentes remuneratórias:
A ré sustenta a responsabilidade exclusiva de um terceiro o Sr. II, relativamente aos pagamentos.
Invoca acordo com este nesse sentido, do conhecimento dos trabalhadores, prévio ao contrato e não reduzido a escrito, referindo que “a ausência de responsabilidade do Réu no pagamento dos salários dos AA., exclui a ilicitude no pagamento”.
O recorrente não questiona a natureza dos contratos que celebrou com aos autores, a que, consta da cláusula 12º, se aplica o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo, do contrato de formação desportiva e do contrato de representação ou intermediação, aprovado pela L. n.º 54/2017, de 14 de julho, e o CCT outorgado entre Sindicato de Jogadores Profissionais de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional (BTE 33 de 99 com PE, BTE, 41 de 99). Os contratos são válidos, obedecendo à forma escrita, como exige a lei referida e dele constando os elementos referenciados no artigo 6º do mesmo diploma.
Subsidiariamente aplicam-se as regras do código do trabalho, conforme artigo 3º.
A recorrente parece abandonar a defesa de que a celebração dos contratos correspondeu a mera exigência legal, tratando-se na realidade de uma “cedência”. Ainda que se tratasse de uma cedência, sempre o réu seria responsável pelo pagamento das retribuições, conforme artigo 20º, 3 da Lei 54/2017, sendo de todo o modo nula por falta de forma – artigo 21º.
Uma das obrigações decorrentes do contrato é o pagamento das retribuições devidas.
Quanto ao acordo, aliás informal, no sentido de o Sr. II ser responsável pelos custos, cabendo ao réu apenas fornecer alimentação e alojamento, trata-se de convénio estranho aos AA. que nele não intervieram, não obstante terem conhecimento do mesmo, não interferindo com as obrigações decorrentes dos contratos de trabalho celebrados.
Ainda que válido fosse tal acordo, o incumprimento por parte do dito II, poderia(rá) ter implicações nas relações bilaterais entre ele e o réu, não escusando este de cumprir as suas obrigações assumidas perante os autores, de cujo trabalho beneficiou.
O contrato de trabalho é um negócio jurídico obrigacional, com natureza “intuito personae”.  Neste tipo de contrato, tendo em conta a relação desigual entre as partes, ao nível do poder económico, do poder negocial, posição de domínio e subordinação que a execução do contrato implica; a autonomia das partes sofre as limitações decorrentes da lei, ou de outro modo, deve mover-se de acordo com as normas imperativas que regulam a contratação e o desenvolvimento da relação. Ainda que estipulado no contrato a responsabilização de um terceiro pelo pagamento das remunerações, tal não poderia implicar uma desoneração da empregadora quanto a tal pagamento – vd artigos 11º; 127º, 1, b); 258º, 1 e 4; 272º; 273º; 276º, 2; 323º, 2 e 3; 324º; 333º do CT. Estipula este último, privilégios creditórios em favor dos créditos do trabalhador, sobre o património da empregadora.
Decidiu com acerto quanto a esta matéria o tribunal de primeira instância.
*
- Suspensão do contrato de trabalho por impossibilidade temporária de prestação de trabalho durante os meses de setembro a dezembro de 2019 – violação das normas contidas nos artigos 3º nº 1, da Lei 54/2017 e artigos 294º e 296º do CT.
Sustenta o réu que aos contratos dos AA. aplicam-se os artigos 294º e 296º do Código do Trabalho, conduzindo à suspensão do contrato de trabalho por impossibilidade temporária de prestação de trabalho durante os meses de setembro a dezembro de 2019, iniciando a sua prestação apenas em ../../2020 com a reabertura dos mercados de transferências e inscrição de novos jogadores.
Invoca que os AA. se obrigaram a participar nos jogos oficiais da equipa sénior da R., sendo que a possibilidade de os futebolistas participarem em competições organizadas pela Federação Portuguesa de Futebol fica dependente de registo prévio do contrato na mesma- artigo 7º da L. 54/2017. Tal participação não foi possível por culpa da Associação de Futebol ....
Nos termos do artigo 3º nº 1, da Lei 54/2017, são aplicáveis as regras que regulam o contrato de trabalho, máxime, as constantes do CT, que sejam compatíveis com especificidade do contrato de trabalho do praticante desportivo.
São aplicáveis, com as necessárias adaptações as normas dos artigos 294º e 296º do CT.

Refere o artigo 294.º

Factos determinantes de redução ou suspensão
1 - A redução temporária de período normal de trabalho ou a suspensão de contrato de trabalho pode fundamentar-se na impossibilidade temporária, respetivamente parcial ou total, de prestação de trabalho por facto relativo ao trabalhador ou ao empregador.
2 - Permitem também a redução do período normal de trabalho ou a suspensão do contrato de trabalho, designadamente:
a) A necessidade de assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção de postos de trabalho, em situação de crise empresarial;
b) O acordo entre trabalhador e empregador, nomeadamente acordo de pré-reforma.
3 - Pode ainda ocorrer a suspensão de contrato de trabalho por iniciativa de trabalhador, fundada em falta de pagamento pontual da retribuição.

No caso não ocorre qualquer circunstância relativa ao trabalhador, que pudesse determinar a suspensão do contrato. Vejam-se os termos do artigo 296º do CT:

ato determinante da suspensão respeitante a trabalhador
1 - Determina a suspensão do contrato de trabalho o impedimento temporário por facto respeitante ao trabalhador que não lhe seja imputável e se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença, acidente ou facto decorrente da aplicação da lei do serviço militar.

5 - O impedimento temporário por facto imputável ao trabalhador determina a suspensão do contrato de trabalho nos casos previstos na lei.

O artigo 298º do CT trata da suspensão por facto respeitante ao empregador:

Consta do normativo:
Redução ou suspensão em situação de crise empresarial
1 - O empregador pode reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou suspender os contratos de trabalho, por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afetado gravemente a atividade normal da empresa, desde que tal medida seja indispensável para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho.
2 - A redução a que se refere o número anterior pode abranger:

3 - O regime de redução ou suspensão aplica-se aos casos em que essa medida seja determinada no âmbito de declaração de empresa em situação económica difícil ou, com as necessárias adaptações, em processo de recuperação de empresa.
4 - A empresa que recorra ao regime de redução ou suspensão deve ter a sua situação contributiva regularizada perante a administração fiscal e a segurança social, nos termos da legislação aplicável, salvo quando se encontre numa das situações previstas no número anterior.

O réu não fez uso deste mecanismo, que nem sequer invoca. A ré baseia-se numa impossibilidade de prestar o trabalho, parecendo imputá-la aos trabalhadores, já que alude ao artigo 296º do CT.
Resulta desde logo não ocorrer uma impossibilidade total de prestação do trabalho. A impossibilidade não respeita a todas as tarefas a que os trabalhadores estavam obrigados, mas apenas a parte delas, embora se conceda que abrange tarefa nuclear das funções para que foram contratados.
Quanto à não ocorrência de uma impossibilidade total de prestação do trabalho, consta, acertadamente, da decisão recorrida:
“Nos termos do artigo 7º do RJCTPD, a participação do praticante desportivo em competições promovidas por uma federação dotada de utilidade pública desportiva depende de prévio registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação…
Por fim, o artigo 13.º do mesmo diploma estabelece, como deveres do praticante desportivo, em especial, o de prestar a atividade desportiva para que foi contratado, participando nos treinos, estágios e outras sessões preparatórias das competições com a aplicação e a diligência correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas e, bem assim, de acordo com as regras da respetiva modalidade desportiva e com as instruções da entidade empregadora desportiva.
De tal conjunto de normas ressaltam dois aspetos essenciais. Em primeiro lugar, o objeto da atividade a que o praticante desportivo se obriga não se resume à participação efetiva em jogos oficiais das competições em que a empregadora esteja envolvida;
concomitantemente, a obrigação desta não se resume a proporcionar ao praticante desportivo a efetiva participação em jogos oficiais.
Assim, a atividade do praticante desportivo envolve, não só a participação em jogos da competição desportiva em que participe a empregadora, mas também a participação nos treinos, estágios e outras sessões preparatórias das competições com a aplicação e a diligência correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas.
Em segundo lugar, o registo do contrato de trabalho desportivo não é condição de validade do contrato de trabalho desportivo, mas apenas de eficácia relativamente à respetiva federação desportiva, isto é, o contrato de trabalho não registado produz todos os seus efeitos inter partes, sendo apenas ineficaz perante a respetiva federação, já que o praticante não poderá participar em quaisquer competições organizadas ou promovidas por esta. Tem, por isso, carácter meramente declarativo e não constitutivo, relevando apenas no domínio das relações com as federações e não no tocante às relações entre as partes contratantes [Neste sentido, vd. João leal Amado, Contrato de Trabalho Desportivo, Lei nº 54/2017, de 14 de julho – Anotada, Almedina, pág. 49]...”
A par da circunstância de estarmos perante uma impossibilidade meramente parcial – embora, diga-se, respeitante a tarefa essencial e nuclear -, temos que tal impossibilidade decorre de facto relativo à empregadora e não aos trabalhadores, sendo que esta não recorreu ao mecanismo do artigo 298º. Por outro, sempre o réu recebeu durante aquele período a prestação de trabalho, com exceção da participação em jogos oficiais.
A impossibilidade respeita a facto relativo à empregadora, porquanto, a responsabilidade pela inscrição dos jogadores lhe competia, não apenas contratualmente, mas legalmente, constituindo nos termos da lei “um direito“ do trabalhador. Como refere Leal Amado, Contrato de Trabalho Desportivo, Lei nº 54/2017, de 14 de julho – Anotada, Almedina, pág. 71:
“Mas o registo é … um dever jurídico a cargo da entidade empregadora, a que corresponde um
direito do praticante desportivo a que esse registo seja efetuado (…), pois só com o registo ele poderá participar na competição, sendo que a participação na competição constitui, decerto, o objetivo fundamental do praticante ao longo da execução do respetivo contrato de trabalho desportivo”.
Assim, resulta dos artigos 7 e 11, a) da Lei n.º 54/2017, e do regulamento federativo, que compete à empregadora o registo do contrato de trabalho desportivo na respetiva federação, estabelecendo a norma no seu nº 5 que a falta de registo do contrato ou das cláusulas adicionais presume-se culpa exclusiva da entidade empregadora desportiva, salvo prova em contrário.
Dos factos não resulta ilidida tal presunção. Não obstante o constante dos factos 33 a 35, importa conjugar o provado em 58, 60, 64, 65, no sentido de que o valor devido pela inscrição não foi atempadamente liquidado, não se tendo demonstrado o modus operandi quanto a esta matéria da Associação de Futebol ....
De todo o modo, ainda que ocorresse culpa de terceiro na não inscrição, sempre a circunstância decorrente de impossibilidade de participar em jogos oficiais, por si só não determinaria a suspensão do contrato, sendo que como já referido o réu não recorreu ao mecanismo do artigo 298º do CT.
É de confirmar a decisão.
*
- Caducidade automática e imediatamente dos contratos a ../../2020 por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de os mesmos prestarem o seu trabalho – violação dos artigos 790º, 791º e 793º ambos do Código Civil e artigos 340º e 343º do Código do Trabalho.
Refere o recorrente que fruto da suspensão de competições nacionais da FPF motivada pela declaração do estado de emergência nacional, ocorrida e comunica a ../../2020, por facto que não é imputável a ambas as partes, ficaram os AA. impedidos de prestar o seu trabalho e a R. de o receber. Com o cancelamento das competições nacionais da FPF de futebol da época 2019/2020, ficam totalmente impossibilitados de os AA. cumprirem com o seu principal dever no âmbito da relação laboral.
O artigo 23º da L. 54/2017 prevê a caducidade como forma de cessação do vinculo contratual.

Refere o artigo 343.º do CT:

Causas de caducidade de contrato de trabalho
O contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente:
a) Verificando-se o seu termo;
b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber;
c) Com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.

Como se tem entendido a impossibilidade é absoluta, em regra, quando o trabalhador não possa prestar o trabalho a que se obrigou segundo a sua categoria profissional, e é definitiva, sempre que o facto que a determinou seja previsivelmente irreversível. A impossibilidade temporária pode ser causa de suspensão do vínculo.
Da factualidade resulta que ocorreu uma “suspensão de competições nacionais da FPF motivada pela declaração do estado de emergência nacional, ocorrida e comunicada a ../../2020. A competição nacional em que o R. se encontrava inserida e a disputar, após a suspensão decretada em ../../2020, foi posteriormente cancelada, por decisão federativa, com efeitos a ../../2020, tendo sido canceladas as competições nacionais da FPF de futebol da época 2019/2020.
Em contra-alegação é referido que a suspensão é apenas isso, tendo-se aventado várias hipóteses, como prorrogação da época desportiva, ou competição mais curta. A impossibilidade, momentânea, respeita à competição em si que não à prestação do trabalho.
Os AA. mantiveram-se sempre ao serviço do réu, designadamente treinando, cumprindo aliás a ré com o alojamento e alimentação. Tal circunstância seria suficiente para deitar por terra a pretensão do réu – vejam-se os factos 6, 7, 8, 18, 20, 50 e 52, 68 -. Resulta também provado que a ré não comunicou à FPF qualquer cessação dos contratos.

Consta da decisão recorrida, com que se concorda:
“A cessação do contrato de trabalho desportivo está regulada nos artigos 23º a 27º do RJCTPD. …
O artigo 27º estabelece, sob a epígrafe “Comunicação da cessação do contrato”, que:
1 — A eficácia da cessação do contrato de trabalho desportivo depende da comunicação às entidades que procedem ao registo obrigatório do contrato, nos termos do disposto no artigo 7.º
2 — A comunicação deve ser realizada pela parte que promoveu a cessação, com indicação da respetiva forma de extinção do contrato.
3 — O vínculo desportivo tem natureza acessória em relação ao vínculo contratual e extingue -se com a comunicação prevista no presente artigo, podendo ser registado novo contrato, nos termos gerais.

No que respeita à caducidade do contrato de trabalho, o RJCTPD regula apenas a que resulta da verificação do termo resolutivo aposto no contrato de trabalho, estabelecendo que esta opera automaticamente, isto é, não depende de aviso prévio e não confere direito a compensação.
Contudo, por via do disposto no artigo 3º nº 1 do mesmo diploma, que estabelece a aplicação subsidiária às relações emergentes do contrato de trabalho desportivo das regras aplicáveis ao contrato de trabalho que sejam compatíveis com a especificidade daquele, as causas de caducidade do contrato não se esgotam na verificação do respetivo termo. De acordo com o disposto no art. 343.º do Código do Trabalho, o contrato de trabalho desportivo está sujeito a caducidade nos termos gerais, nomeadamente no caso de impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o recebe e com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez.
A impossibilidade superveniente prevista na al. b) não constitui uma modalidade “stricto sensu” de caducidade, apesar de ser incluída num sentido amplo desta figura.
Trata-se da designada caducidade em sentido impróprio, como forma de extinção do contrato de trabalho em caso de impossibilidade não imputável a nenhuma das partes de efetuar a sua prestação ou de receber a contraprestação (sobre esta matéria, cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 3ª ed., 2006, pp. 899 e António Menezes Cordeiro, Manual do Direito do Trabalho, Almedina, 1999, p. 789 e ss).
Para fazer operar a cessação do contrato de trabalho, a impossibilidade de prestação da atividade por parte do trabalhador ou de recebimento do trabalho pelo empregador deve revestir três características cumulativas: tem de ser uma impossibilidade superveniente, no sentido de que surge posteriormente à celebração do contrato de trabalho, definitiva e não apenas temporária, pois nesse caso daria lugar à suspensão do contrato de trabalho e absoluta, no sentido de que a prestação não pode, de todo, ser efetuada ou recebida, não bastando uma difficultas praestandi, ou seja, um mero agravamento ou uma excessiva onerosidade no cumprimento da prestação.
No caso da impossibilidade se reportar ao empregador, a impossibilidade absoluta de receber a prestação ocorre quando lhe é objetivamente impossível continuar a receber a prestação e não apenas quando seja inexigível a continuação do vínculo. Já no caso do trabalhador, a impossibilidade tanto pode ser objetiva, como subjetiva, pois que a prestação do trabalho pressupõe certas qualidades pessoais do trabalhador e é uma prestação infungível, bastando, pois, que a prestação de trabalho se torne impossível para aquele trabalhador em concreto.
A impossibilidade prestacional do empregador é especificamente regulada no caso de morte do mesmo e extinção ou encerramento da empresa (art. 346º) e no caso de insolvência e recuperação de empresa (art. 347º).
Por sua vez, certas hipóteses de impossibilidade de prestação de trabalho pelo trabalhador estão expressamente previstas na lei, como é o caso da perda da carteira ou título profissional (art. 117º nº 2), ou não suscitam dúvidas, como acontece com a morte do trabalhador e a incapacidade definitiva deste para prestar todo e qualquer trabalho.
Os factos a ter em conta são, além do mais, os que constam dos itens 14, 37, 38, 68, 69, 70, 71, 72 e 73.
Ora, a suspensão e posterior cancelamento das competições desportivas nas quais o R. participava por causa da pandemia COVID 19 não constituiu um evento que impossibilitasse, de modo definitivo e absoluto, a prestação acordada entre os AA. e o R.
Valem aqui as considerações já tecidas a propósito da suspensão do contrato de trabalho, no sentido de que o objeto da atividade a que o praticante desportivo se obriga não se resume à participação efetiva em jogos oficiais das competições em que a empregadora esteja envolvida; concomitantemente, a obrigação desta não se resume a proporcionar ao praticante desportivo a efetiva participação em jogos oficiais. Como se disse, a atividade do praticante desportivo envolve, não só a participação em jogos da competição desportiva em que participe a empregadora, mas também a participação nos treinos, estágios e outras sessões preparatórias das competições com a aplicação e a diligência correspondentes às suas condições psicofísicas e técnicas. Assim, o cancelamento das competições desportivas, para além de ter natureza meramente temporária, não impossibilitava, em absoluto a prestação dos AA., na medida em que apenas determinou uma significativa redução da atividade, ao ficar temporariamente impossibilitada a realização de jogos das competições em que o R. participava; nada obstava, porém, a que os AA. continuassem a desenvolver outras tarefas incluídas na prestação devida, e que o R. continuasse a receber essa prestação e a orientá-la, designadamente os treinos e preparação física, obviamente em condições adaptadas às circunstâncias da emergência sanitária e às medidas legais implementadas para o combate à pandemia COVID, designadamente as estabelecidas no Decreto-Lei n.º 10-A/2020 de 13 de março e na Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março, que estabeleceram medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus - COVID 19 e no Decreto n.º 2-A/2020 de 20 de março, que procedeu à execução da declaração do estado de emergência efetuada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020, de 18 de março e diplomas que se sucederam enquanto se manteve o estado de emergência.
(…)”
Consequentemente também nesta parte improcede a apelação. Por estas e demais razões constantes da decisão recorrida, é de manter a mesma.
*
DECISÃO:

Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, sem prejuízo das alterações ao nível da matéria de facto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão.
Custas pela ré recorrente.
2-5-2024

Antero Veiga
Leonor Barroso
Vera Sottomayor