Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2445/23.9BELRS
Secção:

JUIZ PRESIDENTE
Data do Acordão:05/14/2024
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:CONFLITO
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO ADMINISTRATIVO SOCIAL VS JUÍZO ADMINISTRATIVO COMUM
DECRETO-LEI Nº 74-B/2023,DE 28/08
RENDIMENTO SOCIAL DE INSERÇÃO
LEI INTERPRETATIVA
LEI INOVADORA
Sumário:
Votação:DECISÃO SUMÁRIA
Indicações Eventuais:Vice-Presidente em substituição do Juiz Presidente
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
DECISÃO

I- RELATÓRIO

O Senhor Juiz do Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (doravante, TAC de Lisboa ou TACL) veio requerer oficiosamente, junto deste Tribunal Central Administrativo (TCA) Sul, ao abrigo do disposto na alínea t) do nº1 do artigo 36º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), conjugado com os artigos 135º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 109º e ss do Código de Processo Civil (CPC), a resolução do conflito negativo de competência, em razão da matéria, suscitado entre si e a Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum do mesmo Tribunal, uma vez que ambos se atribuem mutuamente competência, negando a própria, para conhecer da ação administrativa que F ………………………. intentou no TACL contra o Instituto da Segurança Social, I.P..


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Chegados os autos a este TCA Sul, foi ordenado o cumprimento do disposto no artigo 112º, nº 1 do CPC; as partes nada disseram.

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Foi dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, conforme dispõe o artigo 112.º, n.º 2, do CPC, que emitiu pronúncia no sentido de a competência dever ser atribuída ao Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa.

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- QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão colocada consiste em determinar se a competência para decidir a presente ação, que deu entrada em juízo em 18 de julho de 2023 ou seja, antes da alteração ao artigo 44º-A do ETAF (operada pelo Decreto-Lei nº74-B/2023, de 28/08), em que está em causa um litígio relacionado com questões de proteção social (Rendimento Social de Inserção), cabe ao Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa ou ao Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

Para julgamento do presente conflito, são relevantes as seguintes ocorrências processuais:

1) Em 18/07/2023, F ………………… intentou, no TAC de Lisboa, ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., na qual peticiona a anulação das decisões proferidas pela Unidade de Prestações de Solidariedade do ISS.I.P., que lhe impôs a restituição da prestação indevidamente paga a título de Rendimento Social de Inserção, no valor de €3.919,77, conforme Nota de Reposição nº12097807, de 10/04/2023, e que determina a redução da prestação do RIS, com efeitos a abril de 2022,. [cfr. pi e 2 docs. fls. 4/15- SITAF].

2) Por decisão de 5/9/2023, o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum do TAC de Lisboa, excecionou a incompetência em razão da matéria daquele tribunal e determinou a remessa dos autos ao Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal por entender ser esse o competente, aduzindo, para tanto, a fundamentação de direito que, de seguida, se transcreve nos trechos mais significativos. Assim:

«(…) atendendo ao pedido formulado pela Autora na presenta ação administrativa, verifica-se que a mesma pretende, no essencial, a anulação de decisões proferidas pela Entidade Demandada relativas à restituição de prestações indevidamente pagas e à alteração do montante do rendimento social de inserção, pelo que a competência material para dirimir a questão encontra-se atribuída ao juízo administrativo social, nos termos do artigo 44.º-A, n.º 1, alínea b), subalínea iii), do ETAF.

(…)

Declaro incompetente em razão da matéria o juízo administrativo comum para conhecer da presente ação administrativa, com a consequente remessa dos autos ao juízo administrativo social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa

(…)».

[cfr. fls. 17/19 -SITAF]

3º) Uma vez ali chegados, o Senhor Juiz a quem os presentes autos foram distribuídos proferiu sentença com data de 22/11/2023, a declarar-se igualmente incompetente em razão da matéria para dirimir o litígio que lhe foi submetido, devolvendo a competência ao tribunal remetente. Dessa decisão, sustentada nas decisões proferidas pelos Presidentes dos TCA’s, em processos em que estava em causa a resolução deste tipo de conflito de competência - na vigência da redação originária do artigo 44º-A do ETAF-, extrai-se o seguinte trecho:

“(…) De facto (…) já estava jurisprudencialmente assente que não se trata de matéria que caiba na específica competência especializada do Juízo Social, no que se refere aos litígios relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social, cujo alcance é mais restrito, abarcando apenas a designada "previdência social e aposentação" conexa, pois, com a relação laboral (correspondente ao Capítulo III da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social, Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro).

Neste sentido, foi decidido, em sede de conflito de competências e entre outras, nas Decisões Sumárias da Presidente do Tribunal Central Administrativo Norte de 08.04.2021, no processo n.º 2799/18.9BEPRT, e de 12.04.2021, no processo n.º 1059/19.2BEPRT.

O rendimento social de inserção (RSI), criado e previsto na Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, é uma prestação inseridas no subsistema de solidariedade, do sistema de protecção social de cidadania (cf. artigo 1.º, da Lei n.º 13/2003; e Capítulo II da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social – Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), ou seja, manifestamente fora do sistema previdencial, previsto no Capítulo III da Lei de Bases do Sistema de Segurança Social.

De resto, em situações essencialmente idênticas à dos presentes autos, relativas especificamente ao rendimento social de inserção, já foram proferidas, entre outras, as Decisões Sumárias da Presidente do TCA Norte de 05.12.2021, no processo n.º 469/21.0BEBRG; e do Presidente do TCA Sul de 01.07.2022, no processo n.º 196/218BESNT, de 20.07.2022, no processo n.º 748/20.3BESNT, e de 04.01.2023, no processo n.º 217/22.7BEALM (os dois primeiros disponíveis em www.gde.mj.pt), no sentido propugnado na presente decisão, atribuindo a competência para conhecimento do mérito da causa ao Juízo Administrativo Comum.

Assim, e subscrevendo a jurisprudência citada, a competência do Juízo Administrativo Social no que respeita aos litígios "relacionados com formas públicas ou privadas de protecção social" apenas se refere às que respeitem ao sistema previdencial.

Entendimento esse que, como se avançou, veio também a ser o acolhido de forma expressa pelo legislador na nova redacção dada ao artigo 44.º-A do ETAF pelo DL 74-B/2023, de 28 de Agosto, a qual, embora não aplicável ao presente processo porque já pendente antes sua entrada em vigor, foi a invocada na decisão do Juízo Administrativo Comum. (…)».

[cfr. fls.25/28- SITAF]

4º) Em 29/01/2024, o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Social deixou consignado nos autos o seguinte:

“Por sentença de 05.09.2023, já transitada em julgado, o Juízo Administrativo Comum deste Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção administrativa e determinou a remessa a este Juízo Administrativo Social do mesmo Tribunal.

Por sentença de 22.11.2023, igualmente já transitada em julgado, este Juízo Administrativo Social julgou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da presente acção administrativa e determinou a remessa dos autos ao Juízo Administrativo Comum.

Emerge, assim, um conflito negativo de competência entre o Juízo Administrativo Comum e este Juízo Administrativo Social do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.

Assim, nos termos do disposto nos artigos 135.º e seguintes do CPTA, 109.º e seguintes do CPC, e 36.º, n.º 1, alínea t), do ETAF, remeta os autos ao MM. Juiz Desembargador Presidente do Tribunal Central Administrativo Sul para resolução do presente conflito.

[cfr. fls. 32- SITAF]

5º) Quando os presentes autos chegaram a este Tribunal ambas as decisões judiciais tinham transitado em julgado [cfr. consulta ao SITAF].


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- De direito

Sendo esta a factualidade relevante, importa agora apreciar e decidir qual o Juízo competente para tramitar e, a final, proferir decisão nos presentes autos: se o Juízo Administrativo Social do TAC de Lisboa, como sustenta o Senhor Juiz do Juízo Administrativo Comum do mesmo Tribunal, ou se este último Juízo, como defende o Senhor Magistrado que requereu a resolução deste conflito negativo de competência.

Nos termos do artigo 36º, nº1, alínea t) do ETAF, compete ao Presidente de cada Tribunal Central Administrativo “conhecer dos conflitos de competência entre tribunais administrativos de círculo, tribunais tributários ou juízos de competência especializada, da área de jurisdição do respectivo tribunal central administrativo”, sendo que no âmbito do contencioso administrativo os conflitos de competência jurisdicional encontram-se regulados nos artigos 135º a 139º do CPTA.

Estabelece-se no nº 1 do artigo 135º do CPTA que a resolução dos conflitos “entre tribunais da jurisdição administrativa e fiscal ou entre órgãos administrativos” segue o regime da ação administrativa, com as especialidades resultantes das diversas alíneas deste preceito, aplicando-se subsidiariamente, com as necessárias adaptações, o disposto na lei processual civil (cfr. artigos 109º e segs. do CPC).

Por sua vez, o artigo 136º do mesmo diploma estatui que “a resolução dos conflitos pode ser requerida por qualquer interessado e pelo Ministério Público no prazo de um ano contado da data em que se torne inimpugnável a última das decisões”.

Este preceito corresponde ao artigo 111º do CPC, que dispõe o seguinte: “1 – Quando o tribunal se aperceba do conflito, deve suscitar oficiosamente a sua resolução junto do presidente do tribunal competente para decidir. 2 – A resolução do conflito pode igualmente ser suscitada por qualquer das partes ou pelo Ministério Público, mediante requerimento dirigido ao presidente do tribunal competente para decidir”.

E, apesar do citado artigo 136º do CPTA manter a redação originária, acima transcrita, afigura-se-nos que a mesma não afasta a aplicação da norma do nº 1 do artigo 111º do CPC, a qual deve ser também aplicada no contencioso administrativo, com as devidas adaptações, por força do citado artigo 135º do CPTA.

Tenha-se presente que o âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria – artigo 13º do CPTA.

Continuando, sob a epígrafe “Conflito de jurisdição e conflito de competência”, estatui o artigo 109º do CPC, aqui aplicável “ex vi” artigo 135º do CPTA, que:

1 – Há conflito de jurisdição quando duas ou mais autoridades, pertencentes a diversas actividades do Estado, ou dois ou mais tribunais, integrados em ordens jurisdicionais diferentes, se arrogam ou declinam o poder de conhecer da mesma questão: o conflito diz-se positivo no primeiro caso e negativo no segundo.

2 – Há conflito, positivo ou negativo, de competência quando dois ou mais tribunais da mesma ordem jurisdicional se consideram competentes ou incompetentes para conhecer da mesma questão.

3 – Não há conflito enquanto forem susceptíveis de recurso as decisões proferidas sobre a competência”.

Vejamos, então, repetindo que a questão que nos é agora trazida a juízo coloca-se por via da alteração ao artigo 44º-A, do ETAF, operada pelo Decreto-Lei nº74-B/2023, de 28/08, mais precisamente no que respeita à competência que é atribuída ao Juízo Administrativo Social para julgar as causas relativas a formas públicas e privadas de previdência social, a qual se mostra contemplada em iii), da alínea b), do nº1, do citado preceito.

A nova redação dada à alínea b), do nº1 do artigo 44º-A, do ETAF, introduzida pelo Decreto-Lei nº74-B/2023, de 28/08, dispõe assim:


“1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete:


(…)


b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a:


i) Litígios emergentes do vínculo de emprego público, incluindo a sua formação;


ii) Exercício do poder disciplinar;


iii) Formas públicas ou privadas de previdência social;


iv) Pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial;


v) Efetivação de responsabilidade civil emergente de atos ou de omissões ocorridos no âmbito das relações jurídicas referidas nas subalíneas anteriores;


vi) Demais matérias que lhe sejam deferidas por lei” (sublinhado nosso).


Por sua vez, a redação anterior, decorrente da Lei nº114/2019, de 12/9, o artigo 44.º-A, do ETAF estabelecia, sob a epígrafe “Competência dos juízos administrativos especializados”, o seguinte, no que para aqui releva:


“1 - Quando tenha havido desdobramento em juízos de competência especializada, nos termos do disposto no artigo 9.º, compete:


(…)


b) Ao juízo administrativo social, conhecer de todos os processos relativos a litígios emergentes do vínculo de trabalho em funções públicas e da sua formação, ou relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social, incluindo os relativos ao pagamento de créditos laborais por parte do Fundo de Garantia Salarial, e das demais matérias que lhe sejam deferidas por lei”. (sublinhado nosso).

Na redação do artigo 44º-A do ETAF, introduzida pelo legislador de 2019, e no que aqui importa, competia ao juízo administrativo social dirimir os litígios relacionados com formas públicas ou privadas de proteção social.

Tendo-se estatuído no Decreto-Lei nº74-B/2023, de 28/08 - como decorre da norma supra transcrita – que o âmbito da esfera de competência do juízo administrativo social abarca “apenas” os litígios relacionados com o sistema previdencial.

Disso deu conta o preâmbulo do aludido diploma quando refere que “(…) o conceito de «formas públicas ou privadas de proteção social», originariamente empregue na redação inicial da norma delimitadora da competência do juízo administrativo social, é agora substituído pela noção, mais restrita e mais rigorosa, de «formas públicas ou privadas de previdência social». Neste sentido, clarifica-se que o juízo administrativo social não é o juízo comum de todos os litígios relacionados com questões de proteção social que cabem no âmbito da jurisdição administrativa, mas apenas dos litígios respeitantes a questões relacionadas com o sistema previdencial, refletindo assim, de forma mais fiel, aquela que era a intenção originária do legislador da Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro.”.

Este diploma é a consagração do entendimento que os TCA repetida, sucessiva e uniformemente vinham defendido nos conflitos de competência em que estavam em causa prestações sociais não abrangidas pelo denominado direito da segurança social/sistema previdencial, a saber: (…) de que o legislador [Lei nº114/2019, de 12/9] não pretendeu que o juízo administrativo social fosse o juízo comum de todos os litígios relacionados com questões de protecção social que cabem no âmbito da jurisdição administrativa, mas apenas dos litígios emergentes de relações jurídicas administrativas em que estejam em causa formas públicas ou privadas de protecção social/sistema previdencial (…)“- vide, entre mais, as decisões proferidas neste TCA Sul, no âmbito dos Proc.s n.ºs 196/218BESNT e 196/218BESNT, respetivamente em de 20/07/2022 e de 04/01/2023, disponíveis em www.dgsi,pt, e no TCA Norte, de 08/04/2021, no âmbito do proc. nº2799/18.9BEPRT (não disponível on line) e citadas pelo Senhor Juiz do Juízo Administrativo Social do TACL.

Face ao que vem dito, uma questão se coloca de imediato. Será que o presente conflito de competência, fundado na apontada alteração, introduzida pelo Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8, ao citado artigo 44º-A do ETAF, encontra justificação?

A nosso ver, a resposta é negativa.

E isto porque, no caso dos autos, em que está em causa - repete-se - uma questão relacionada com um subsídio que se prende com uma forma de proteção social - intervenção assistencial supletiva do Estado- sempre seria o Juízo Administrativo Comum do TACL o competente, quer nos processos instaurados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/08, quer nas ações entradas em juízo a partir de 29 de agosto de 2023 (cfr. artigo 9º do citado diploma).

Vejamos.

Relembre-se que, na presente ação administrativa, a autora veio pedir ao tribunal a anulação da decisão proferida pela Unidade de Prestações de Solidariedade do ISS.I.P., que lhe impôs a restituição da quantia de €3.919,77, conforme Nota de Reposição nº12097807, de 10/04/2023, em resultado do recálculo da prestação paga a título de Rendimento Social de Inserção, em virtude de ter sido contabilizado o valor do Subsidio de Apoio ao Cuidador Informal Principal que recebe e, ainda, a decisão da mesma Entidade que, com o mesmo fundamento, determina uma redução do montante da prestação do RSI.

Em causa está, pois, a reposição de uma prestação prevista na Lei n.º 13/2003, de 21 de Maio, alterada pela Lei nº 45/2005, de 29 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho.

Nos termos do artigo 1.º da citada lei, o rendimento social de inserção consiste numa prestação incluída no subsistema de solidariedade e num programa de inserção social, por forma a assegurar às pessoas e seus agregados familiares recursos que contribuam para a satisfação das suas necessidades mínimas e para o favorecimento de uma progressiva inserção social, laboral e comunitária.

Trata-se, como se escreve no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 42/2006, de 23 de Fevereiro que alterou o Decreto-Lei n.º 283/2003, que regulamenta aquela Lei n.º 13/2003, de medidas de “combate à pobreza através de mecanismos que assegurem às pessoas e seus agregados familiares recursos que contribuam para a satisfação das suas necessidades mínimas e para o favorecimento de uma progressiva inserção social e profissional, respeitando os princípios da igualdade, solidariedade, equidade e justiça social.”

Não resta, pois, dúvida de que o que a autora pretende com esta ação não impõe uma interpretação e aplicação das normas respeitantes à relação do trabalho em funções públicas e/ou do estatuto de aposentação. Dito de forma diferente e socorrendo-nos das decisões do TCA Sul supra citadas, no caso em apreço “não está em causa qualquer questão relacionada com o direito especial da função pública ou com uma prestação social abrangida pelo denominado direito da segurança social/sistema previdencial.” (sublinhado nosso).

O mesmo é dizer que os litígios emergentes de uma prestação social não abrangida pela designadaprevidencial social e aposentação” conexa com a relação laboral (cfr- Cap. III da Lei de Bases do Sistema da Segurança Social, Lei nº4/2007, de 16/01), como é a dos presentes autos, será sempre da competência do Juízo Administrativo Comum, quer à luz da redação dada ao artigo 44º-A, nº 1, al. b), do ETAF, pela Lei 114/2019, de 12/09, quer na versão dada pelo legislador de 2023 (leia-se Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/08), que expressamente menciona no nº1, al.) b, ponto iii), que o Juízo Administrativo Social conhece dos processos relativos a ”Formas públicas ou privadas de previdência social”.

Como bem anteviu o Juiz que suscita o conflito de competência “para a situação dos autos, é indiferente a solução que resulta quer antes quer depois das alterações efetuadas ao referido artigo 44º-A do ETAF”.

Mas, ainda assim, diga-se, no seguimento do entendimento por nós sufragado nas decisões de 19 de abril de 2024, no âmbito do processo nº1640/22.2BELRS, bem como nos processo nº 2462/16.5BELRS, de 22 de abril de 2024, nº165/21.8BELRS e 716/22.0BESNT, ambas de 26 de abril de 2024, e mais recentemente em 04 de maio de 2024, no âmbito do processo nº 1026/14.2 BELRS (todas disponíveis in http://www.dgsi.pt/jtcae)- aplicáveis com as devidas adaptações à situação de conflito que nos vem colocado – que a redação da alínea b) do nº1 do artigo 44º do ETAF, dada pelo Decreto-Lei nº 74-B/2023, de 28/8, tem natureza inovatória e não interpretativa, e tal equivale a dizer que só se aplica aos processos entrados em juízo após a data da sua entrada ou seja, após o dia 29 de agosto de 2023, salvo as exceções previstas no seu artigo 8º, razão pela qual esse diploma não se aplica ao caso sub judice, pois que a presente ação administrativa deu entrada em no TAC de Lisboa em 18 de julho de 2023.

Em face do exposto, conclui-se que a competência material para apreciar a natureza da relação em conflito, não cabe ao juízo de administrativo social do TAC de Lisboa mas sim ao juízo administrativo comum do mesmo Tribunal - artigo 5º do ETAF, alínea b) do nº 1 do artigo 44º-A do ETAF, na redação dada pela Lei nº 114/2019, de 12/9 e artigo 2º, alínea a) do DL nº 174/2019, de 13/12 (criação de juízos de competência especializada/ ETAF), conjugado com a alínea a) do artigo 1º da Portaria nº 121/2020, de 22/5 (Entrada em Funcionamento dos Juízos Especializados dos Tribunais Administrativos e Fiscais).


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III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se o presente conflito pela atribuição de competência para a tramitação e decisão do processo ao Juízo administrativo comum do TAC de Lisboa.

Sem tributação.

Notifique.

Lisboa, 14/05/24


A Vice-Presidente, em substituição do Presidente do TCA Sul