Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1466/20.8T8ALM-D.L1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RICARDO COSTA
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
EXEQUIBILIDADE
Data do Acordão: 04/30/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Sumário :

Sendo de aplicar os arts. 46º, 1, c), e 50º (analogicamente) do CPC 1961, por força de execução instaurada com base em incumprimento e resolução de “contrato de abertura de crédito”, em sistema de conta-corrente, celebrado antes de 1/9/2013 (data da entrada em vigor do CPC 2013: Ac. TC n.º 408/2015), o título executivo, enquanto “documento particular” relativo ao reconhecimento de obrigações pecuniárias que resultam das prestações futuras nele convencionadas ou subjacentes e efectivamente realizadas, para ter a completude necessária à sua exequibilidade, necessita de prova complementar, assente em documento passado em conformidade com as cláusulas convencionadas no contrato (nomeadamente, extractos bancários de movimentos de conta-corrente ou outros documentos contratuais).

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1466/20.8T8ALM-D.L1.S1


Revista – Tribunal recorrido: Relação de Lisboa, ... Secção


Acordam na 6.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça


I. RELATÓRIO


A) «A..., S.A.» (doravante: «A...») requereu execução sumária (25/2/2020) contra «Ideal Escolha, Compra e Venda de Propriedades, Unipessoal, Lda.» (doravante: «Ideal Escolha»), AA e BB tendo em vista obter o pagamento do capital de 170.000 € que, com juros, à data de 28/12/2019, ascendia a 171.897,38€; a este valor a «A...» pretende que acrescençam juros de mora de 4%, contabilizados desde 28/12/2019, pelo que o montante global em dívida, a 25/02/2020, ascenderia a 178.734,64 €, “sem prejuízo de juros vincendos e imposto selo vencido e vincendo, devidos até efectivo e integral pagamento”.


Em síntese, alegou que a «Caixa Económica Montepio Geral, Caixa Económica Bancária, S.A.» (doravante: «CEMG») emprestou € 170.000, a 12/10/2010, à «Ideal Escolha», pelo prazo de 6 meses, renovando-se automaticamente, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título. Para garantia do cumprimento das obrigações emergentes do contrato, simultaneamente, os executados AA e BB constituíram uma hipoteca sobre imóvel, por escritura de 10/05/2005, registada, a favor da CEMG. A quantia mutuada foi efectivamente disponibilizada à «Ideal Escolha», mediante crédito processado na sua conta de depósitos à ordem na CEMG, que movimentou e utilizou em proveito próprio o valor resultante daquele crédito, confessando-se devedora da quantia recebida. A «Ideal Escolha» interrompeu o pagamento das prestações do empréstimo, o que determinou o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga e, consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga. O crédito exequendo é certo, líquido e exigível, nos termos do art. 703º, 1, d), do CPC. O contrato de crédito constitui título executivo, nos termos do art. 46, 1, c), do CPC, na redacção anterior a 2013. Este crédito, com as garantias e os acessórios inerentes, foi cedido pela CEMG à «M...», por contrato de 27/12/2018 (doc.1), notificando a cessão aos executados; por sua vez, a «M...» cedeu-os à «A...» em 12/04/2019 (doc. 2), notificando a cessão aos executados.


B) A Executada BB, uma vez falecida, levou a julgar-se o Executado AA habilitado na posição da falecida.


C) Foi celebrado acordo de reconhecimento da dívida pagamento (26/4/2021) entre a «..... e os Executados «Ideal Escolha» e AA, “atentendo que os Executados aqui intervenientes têm interesse em liquidar parcialmente as responsabilidades decorrentes (…) e nestes autos peticionados e a Exequente aceita o pagamento da quantia fixada”, no qual os Executados confessam-se devedores da quantia exequenda (cláusula 1.), que motivou a suspensão da execução em 27/4/2021 até 26/7/2021, nos termos do art. 272º, 4, do CPC; tal suspensão foi renovada em 28/1/2022 até 27/4/2022.


D) A «Ertow Asset Management, S.A.» (doravante: «Ertow») requereu em incidente próprio (16/3/2022) a sua habilitação como cessionária, alegando que a «A...» lhe tinha cedido, a 18/01/2022, os créditos (da operação ..........34) contra os Executados e que estes foram notificados dessa cessão; foi proferido despacho (18/03/2022) julgando habilitada a Requerente.


E) A «Ertow» veio aos autos comunicar a impossibilidade de conclusão das negociações com os Executados e solicitar a prossecução dos autos nos seus regulares termos; o Agente de Execução (AE) decidiu o levantamento da suspensão da execução, assim como a forma do processo, o bem a penhorar e a legitimidade dos Executados (14/4/2022).


F) O AE procedeu à citação dos Executados para pagamento ou dedução de embargos de executado ou oposição à penhora, depois de ter efectuado a penhora do imóvel hipotecado (6/9/2022).


G) A 20/10/2022 foi deduzida Oposição à Execução pela dedução de Embargos pelos dois Executados na acção executiva, «Ideal Escolha» e AA – apenso “C”.


H) A 13/12/2022 a «Ertow» apresentou Contestação aos Embargos, impugnando os factos correspondentes à matéria das excepções e reiterando-desenvolvendo o requerimento executivo.


I) É proferido despacho em 13/02/2023:


“Em face de a causa de pedir, as partes e os respectivos mandatários serem os mesmos nos apensos C e D, e atento o princípio do aproveitamento dos actos processuais, determino a incorporação dos presentes no apenso D para prosseguir como processo único. Incorpore e dê a competente baixa.”


J) Uma vez realizada audiência final, o Juiz ... do Juízo de Execução de ... proferiu sentença (29/6/2023), que julgou improcedente a Oposição por Embargos de Executado.


K) Inconformados, os Executados e Embargantes interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, delimitadas as questões recursivas – “impugnação de alguns factos provados”; “se o título apresentado pela exequente é exequível e se é certo, exigível e líquido” –, conduziu a ser proferido acórdão, no qual se modificou por substituição o facto provado 8. e se julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e julgando os embargos procedentes, “por falta de título executivo”, extinguindo-se a execução e determinando-se o levantamento da penhora.


L) Agora sem se resignar, a Exequente e Embargada «Ertow Asset Management, S. A.» interpôs recurso de revista para o STJ, baseando-se no art. 674º, 1, a) e b), do CPC, visando a revogação do acórdão da Relação e finalizando as suas alegações com as seguintes Conclusões:


“1. Veio o Tribunal a quo decidir, da seguinte forma, “Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e julgando agora os embargos procedentes, por falta de título executivo e, em consequência, extingue-se a execução e determina-se o levantamento da penhora”.


2. A presente decisão teve por base os seguintes fundamentos:


“Em suma: o contrato junto como título executivo é um contrato particular de abertura de crédito em conta corrente e não um empréstimo e não é título executivo nem na nova redacção do CPC (art. 703 do CPC) nem na anterior(art. 46do CPC);o contrato poderia, aoabrigo do art.50doCPCna redacção anterior, ser título executivo se se provasse documentalmente que o empréstimo nele previsto se efectivou mas isso se esse documento complementar existisse e fosse anterior à entrada em vigor da nova redacção do CPC (2013), o que não é o caso. Não havendo título executivo, os embargos têm que proceder, tal como o recurso, com prejuízo das outras questões e de todos os outros argumentos invocados quer nas alegações quer nas contra-alegações.”


3. Ressalvando-se o devido respeito pela opinião dos Ilustres Julgadores a quo, vem a Recorrente interpor recurso do Acórdão proferido, porquanto crê que a decisão, assenta em pressupostos errados, não resultando a correcta interpretação da prova junta aos autos nem a correcta aplicação da Lei ao caso dos presentes autos.


4. O Banco Cedente, a 12 de Outubro de 2010, emprestou à Executada Ideal Escolha, Compra e Venda de Propriedades, Unipessoal Lda., pelo prazo de 6 meses, renovando-se automaticamente, a importância de Euros 170.000,00, a liquidar em prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título.


5. Paragarantia dobome pontualcumprimento dasobrigações emergentesdo contrato aquesevem fazendo referência, simultaneamente, os Executados AA e BB constituíram uma garantia hipotecária unilateral com cláusula de efeito abrangente, por escritura de 10/05/2005, a favor do Exequente sobre o Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 5932, freguesia de .... 23. A hipoteca referente ao referido imóvel encontra-se registada a título definitivo a favor do Banco Exequente pela inscrição AP. 42 de 2005/05/218, conforme se alcança da certidão predial.


6. A quantia emprestada foi efetivamente disponibilizada à Executada Ideal Escolha, Compra e Venda de Propriedades, Unipessoal Lda, mediante crédito processado na sua Conta de Depósitos à Ordem, domiciliada na agência do Banco Cedente, que movimentou e utilizou em proveito próprio o valor resultante daquele crédito, confessando-se devedora da quantia recebida perante o Banco Cedente.


7. Acontece que a Executada Ideal Escolha, Compra e Venda de Propriedades, Unipessoal Lda interrompeu o pagamento das prestações do empréstimo acima referido, nada mais tendo pago por conta do mesmo.


8. A situação descrita determinou, nos termos legais e contratuais, o direito de considerar vencida toda a dívida, reportada à data da última prestação paga, e, consequentemente, exigir o pagamento imediato de todo o capital em dívida, à data daquela última prestação paga.


9. No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende a Euros 170.000,00.


10. A agora Cessionária é credora com garantia real e o crédito exequendo é certo, líquido e exigível, estando suficientemente titulado.


11. O contrato de crédito supra referido constitui título executivo, nos termos da alínea c) do n.º 1 artigo 46.º do antigo C.P.C., cuja validade deste documento como título executivo foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Évora, bem como pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 847/2014 o qual considerou inconstitucional a norma que retirou a força de exequibilidade a estes documentos.


12. Vemo Tribunal a quo no seguimento do enquadramento dosactos e apósa transcrição do contrato concluir que «deve ser eliminado do ponto 8 dos factosprovados a referência a um empréstimo e,para sepossibilitar a melhor discussão futura da questão de direito, a síntese conclusiva desse ponto deve ser substituída pela reprodução integral de todo o contrato (que já foi transcrito acima).»


13. Não pode a aqui Recorrente aceitar esta conclusão. O tribunal aprecia livremente a matéria de facto, mas essa liberdade tem limites. E não desvirtuar a prova produzida é um limite!


14. Antes de mais ressalve-se que ficou demonstrado por via da prova documental e prova testemunhal a efectiva utilização do valor total disponibilizado – 170.000,00€.


15. Tendo o Tribunal de primeira instância ficado esclarecido quanto à efectiva utilização da totalidade do saldo disponibilizado. Razão pela qual proferiu a sua sentença julgando improcedentes os Embargos deduzidos.


16. No demais sempre se dirá e demonstrará que o Tribunal da Relação, interpretou / leu erradamente o extrato junto aos autos, fazendo tábua rasa de toda a prova produzida e esclarecimentos prestados.


17. Em bom rigor, o Tribunal da Relação pegou num documento; Interpretou-o à sua maneira; E recontou toda uma nova história.


18. Pelo que, para se repor a verdade material, e para que não mais sejam proferidas decisões sobre pressupostos errados pretende a Recorrente demonstrar movimento-a-movimento cada utilização do valor total de capital. Assim,


19. Da leitura do extrato resulta que logo em 15.10.2010 foi transferido para a conta à ordem o valor de 170.000,00 €.


20. Ou seja, foi transferido e disponibilizado o total de capital contratado, para a conta à ordem associada que está referida no contrato.


21. Em 10.11.2010 foi efectuada uma amortização de 67.500,00€.


22. Note-se que a leitura do extrato deve sê-lo adaptada ao tipo de contrato que neste caso é uma conta corrente. Ou seja, o valor negativo indica a amortização (e não a utilização cfr. pretendem os Executados/ Recorrido fazer crer).


23. Em seguida foram efectuadas diversas utilizações do valor, somando um total de 65.000,00 €, num total de saldo utilizado de 167.500,00€ cfr. infra – última coluna.


24. Depois destas ultilizações foi efectuada uma nova amortização a 16.02.2011 de 5.000,00 €,


25. Seguida de uma utilização de 7.500,00€ a 21.01.2011,


26. Resultando num capital/saldo utilizado de 170.000,00 €


27. Após esta data, em 02.05.2011, os Excutados / Recorrido amortizaram 5.000,00 €,


28. Valor que se utilizou logo em seguida em 05.05.2011 tendo amortizado novamente este valor em 11.05.2011,


29. Ficando novamente um saldo utilizado de 170.000,00 €.


30. Em 15.03.2012 os Executados/ Recorrido fizeram nova amortização no valor de 2.500,00€,


31. Utilizando o referido montante em 12.04.2012.


32. No mês seguinte (Maio) os Executados/ Recorrido fizeram nova amortização no valor de 7.500,00 €.


33. Que foi utilizado novamente em 14.05 e 12.06 de 2012.


34. Data em que ficou novamente utilizada a totalidade do capital disponível, cfr. infra.


35. Não tendo ocorrido novas amortizações após a última utilização.


36. Permanecendo em dívida até ao momento o valor total de capital de 170.000,00€


37. Face a todo o supra exposto, não pode o Tribunal a quo fazer tábua rasa de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos quanto a este extrato, e que corresponde à explicação supra,


38. E bem assim montar uma nova narrativa, com base numa leitura errada de um documento bancário, cujos movimentos foram explicados e justificados em sede de audiência de julgamento.


39. Recorde-se que a testemunha CC, gestora de recuperação de activos, mereceu a credibilidade do Tribunal, demonstrando o conhecimento directo dos factos.


40. Conforme resulta da sentença de primeira instância, “Em relação aos pagamentos, a testemunha confirmou que foram feitas amortizações mas seguidas de nova utilização pelo cliente. Confrontada com o extrato junto ao autos, a testemunha afirmou que a análise do extrato de movimentos junto com a contestação espelha as movimentações do contrato. Por último, a testemunha confirmou o envio das cartas para a morada indicada no contrato, tendo tido intervenção directa na expedição das mesmas. Esclareceu que as cartas foram enviadas para a mesma morada para a qual foi enviada uma carta de campanha do banco, a qual foi recebida pois o embargante entrou em contato com o banco na sequência do recebimento da mesma.”


41. O tribunal de primeira instância aprecia livremente as provas e goza dos princípios da imediação, da oralidade, da concentração. Princípios que o Tribunal da Relação não usufrui.


42. E por isso, tal situação conduz que só em casos extremos é que a Relação poderá concluir diferentemente do julgador da 1ª instância quanto à matéria de facto.


43. O Juiz em 1ª instância encontra-se, por via do imediato contacto com as provas, em particulares condições para efeitos de julgamento da matéria de facto – condições estas que, por regra, não são repetíveis no julgamento em 2ª instância.


44. Concordamos que o Tribunal da Relação se deve assumir “como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações que se justificarem (…), assistindo-lhe plena autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.”


45. Contudo, não pode o Tribunal da Relação alterar discricionariamente a prova e os factos provados.


46. Ora, de acordo com o preceituado no artigo 662º, n.º 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


47. O que não sucedeu nestes autos!


48. Ou seja, a prova produzida não impõe, nem poderia impor uma decisão diferente da decisão proferida em primeira instância.


49. É nosso humilde entendimento que muito mal decidiu o douto tribunal da Relação ao considerar,


50. Com base na sua errada leitura do extrato, que deveria ser “eliminado do ponto 8 dos factos provados a referência a um empréstimo e, para se possibilitar a melhor discussão futura da questão de direito”.


51. Por maisrespeito que o tribunal recorrido nos mereça, entendemosque nospresentes autos não se decidiu bem, umavezqueo tribunalrecorrido,dispondodospoderesdeapreciaçãodeprovaquelhesão conferidos pelo artigo 662º do CPC fez um mau uso destes poderes,


52. Fazendo tábua rasa da prova produzida, e de forma errada (re)interpretando os factos, aplicando inadequadamente o Direito ao caso em concreto.


53. Devendo porisso serapreciado e censurado ouso indevido pela Relação dospoderes quelhe são conferidos pelo artigo 662.º do CPC.


54. Ou seja, o modo de exercício dos poderes de reapreciação da matéria de facto que são confiados à Relação pelo artigo 662.º do CPC, dado que esta previsão constitui “lei de processo” para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.


55. Pretende a Recorrente deixar claro que entende e concorda que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelaspartes ou daquelesque se mostrem acessíveise com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.


56. Contudo não pode a Recorrente aceitar que a Relação nos poderes que lhe são atribuídos for força do normativo indicado, tenha o poder de subverter a prova já produzida,


57. O objectivo do Tribunal da Relação ao eliminar “o ponto 8 dos factos provados a referência a um empréstimo” visa no entender da Relação “possibilitar a melhor discussão futura da questão de direito”,


58. Ou seja, a existência ou não de título executivo. Essa sim a questão central deste Recurso.


59. Contudo, não pode passar em branco a conduta do Tribunal da Relação quanto toma a decisão de eliminar “o ponto 8 dos factos provados a referência a um empréstimo”.


60. Assim, considera o Tribunal recorrido que “considerando esta alteração da decisão da matéria de facto, pode-se resolver desde já aquela que era uma das questões colocadas pelos executados desde o início, qual seja, a da inexistência de um título executivo, tornando inútil quer a apreciação da restante impugnação da decisão da matéria de facto, quer a questão da falta de certeza, exigibilidade e liquidez da dívida exequenda.”


61. Adianta o Tribunal Recorrido que “A execução deu entrada em 2020, aplicando-se, pois, ao caso a versão do CPC dada pela reforma de 2013. Nesta, os documentos particulares deixaram de ser título executivo à excepção dos títulos de crédito (art. 703 do CPC, a contrario). O contrato em que a execução se baseia está formalizado num documento particular e não é um título de crédito. Logo, não há título executivo.


62. Conclusão que desde já não se aceita.


63. Conforme indicado desde logo no requerimento executivo o documento dado à execução “constitui título executivo, nostermos da alínea c) do n.º 1 artigo 46.º do antigo C.P.C., cuja validade deste documento como título executivo foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Évora, bem como pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 847/2014 o qual considerou inconstitucional a norma que retirou a força de exequibilidade a estes documentos.”


64. O legislador (intencionalmente) não atribuiu um período de tempo após a publicação da nova lei durante o qual fosse permitido aos titulares de tais documentos instaurar execuções,


65. Pelo que contrariamente ao entendimento do Tribunal da Relação entende a Recorrente que,


66. Ainda que a execução tenha dado entrada em 2020,


67. Ainda que à presente execução se aplique a versão do CPC dada pela reforma de 2013,


68. E ainda que nesta nova versão do CPC os documentos particulares tenham deixado de ser título executivo à excepção dos títulos de crédito (art. 703 do CPC, a contrario),


69. Ainda assim, o título dado à execução é excepcionalmente um título executivo a todo o tempo, por força do art. 46/1-c do CPC na redacção anterior à reforma de 2013 do CPC e do acórdão do Tribunal Constitucional.


70. Vem o Tribunal no seu Acórdão recorrido concluir que, “O art. 46/1-c do CPC admitia como título executivo “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importassem constituição […] de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto.” Tendo em conta a apreciação que foi feita acima das cláusulas do contrato em causa, já se pode dizer que dele não resulta a constituição deuma obrigação pecuniária,como seja a obrigação derestituir umempréstimo feito. O que resulta dos factos provados subsume-se, antes, no contrato com o nome que as próprias partes lhe deram, ou seja, no que a doutrina define como “o contrato através do qual o banco disponibiliza crédito ao cliente através de dinheiro ou da sua assinatura até um determinado montante e por um período de tempo determinado ou determinável. […]” E em que “o limite fixado constitui […] o máximo de utilização possível a cada momento, em função do saldo da conta corrente da abertura de crédito – […] ainda que o creditado atinja o limite de utilização, pode reutilizar o crédito na medida dos pagamentos que efectue (revolving credit) […] ” (Manuel Januário da Costa Gomes, Contratos comerciais, 2013, Almedina, páginas 324 a 331, especificamente páginas 326 e 327).”


71. Antes de mais o Tribunal Recorrido parte desde logo da errada interpretação das cláusulas do contrato em causa, quando refere que “dele não resulta a constituição de uma obrigação pecuniária, como seja a obrigação de restituir um empréstimo feito”


72. Não concorda a Recorrente que com a assinatura do contrato aqui em causa não se tenha constituído uma obrigação pecuniária.


73. A obrigação pecuniária é obrigação de entregar dinheiro, ou seja, de solver uma dívida em dinheiro.


74. Conforme resulta expresso das cláusulas do contrato, com a assinatura deste documento e a consequente disponibilização do capital, este teria que ser pago no seu termo, igualmente em dinheiro (e não em géneros, por exemplo).


75. Desta feita, constituiu-se uma obrigação pecuniária cujo montante está determinado ou é determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas constantes do contrato.


76. O título dado à execução é título executivo bastante nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil aprovado pelo DL nº 324/2003,de 27 de Dezembro, ainda que no novo Código de Processo Civil, no seu artigo 703º, se veio retirar do elenco taxativo de títulos executivos os documentos particulares.


77. No entanto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015 veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).


78. Subjacente a este Acórdão do Tribunal Constitucional está o facto de a imprevista eliminação de exequibilidade a um documento que anteriormente era dotado de força executiva poderia deixar o credor em sérias dificuldades (senão mesmo privado de meios) para ver satisfeito o seu direito de crédito.


79. Ainda quesubsistissemoutrasviasdeacesso ao direito,como oprocesso deinjunção ouaacção declarativa, o credor deixaria com a reforma de 2013 de poder contar com a presunção de prova da dívida que lhe oferecia o documento munido de força executiva – como é o caso do contrato dado à execução.


80. Na verdade, não deve ignorar-se que o direito de acção executiva, materializado no título executivo, pressupõe a presunção da prova da dívida.


81. Por conseguinte, a exclusão de determinado tipo de documento do rol dos títulos executivos acarreta consigo nãoapenasaprivação do acesso imediato àacçãoexecutivacomo tambémaprivação dapresunção de prova do direito de crédito.


82. Pelo que, o contrato dado à execução, sendo anterior a 26 de Junho de 2013, se encontra incluído nesta “bolha” de excepção, valendo como título executivo bastante.


83. Mais, o título executivo aqui emcausa, não obstante ser bastante, foi no decurso da acção complementado com o respectivo extracto.


84. Assim, o título executivo – documento particular que formalizou o contrato de crédito em conta corrente – foi e está acompanhado de elementos que demonstram, assim, a concretização das operações subsequentes de disponibilização e utilização do capital a que se reporta e dos pagamentos efectuados, resultando do(s) próprio(s) documento(s) junto(s) como requerimento executivo, osprazose aforma como o capital mutuado deveria ser reembolsado.


85. Pelo que salvo melhor opinião falece a posição do Tribunal a quo.


86. No demais, vem o Tribunal a quo defender que “se se admitisse que o extracto bancário junte aos autos fosse esse documento complementar, diga-se que o mesmo tem a data de 29/11/2022 pelo que o título só se teria completado nessa data e, por isso, já depois da entrada em vigor da nova redacção do CPC que, como já se disse, não admite que os títulos particulares, com a excepção dos títulos de crédito, sejam títulos executivos. Pelo que, o título particular base da execução, mesmo que estivesse completado pelo extracto bancário junto aos autos, não era título executivo à luz do actual CPC.”


87. Salvo melhor entendimento e com todo o respeito que o Tribunal a quo merece, a posição supra não faz qualquer sentido!


88. A data inscrita no extrato foi a data da sua consulta e a data de emissão;


89. Inscrição esta automática a cada consulta e emissão por via do sistema informático do banco.


90. Recorde-se que o título dado à execução já era título bastante, conforme já demonstrado.


91. Tendo sido completado a posteriori pelo extrato junto.


92. Não sendo a datadeste documento quedefineo título executivo poiso contrato junto jáeratítulo executivo bastante por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961.


93. Da mesma forma é falsa a afirmação do Tribunbal da Relação quando indica que “o extracto bancário junto aos autos não é um extracto da conta-corrente e muito menos consta dele um saldo desta”.


94. Um extrato bancário é um documento emitido pelo banco que resume todas as atividades financeiras de uma conta durante um período específico.


95. No extrato junto aos autos encontram-se todas as transações, referentes ao contrato ..............4,


96. E bem assim, o valor do saldo utilizado.


97. Acredita a Recorrente que existe uma clara confusão do Tribunal Recorrido na leitura do extracto.


98. O que se retira com facilidade quando se lê a seguinte conclusão do Tribunal, “Os movimentos de transferências para D.O. e de D.O. são apenas 23 e realizados entre 15/10/2010 e 12/06/2012, dos quais 17 MD com valores entre 2.500€ e 12.500€, num total de 92.500€ (para além do inicial de 170.000€), e 6 MC com valores entre 2.500€ e 67.500€, num total de 92.500€. Não há quaisquer outras transferências de valores para e de D.O. ou de qualquer outra conta. E tudo isto ocupa menos de ½ da primeira de 12 páginas. Desta lista de movimentos é impossível derivar um saldo da conta-corrente do contrato de abertura de crédito que, esse, seria o valor do empréstimo a ser restituído. Ou seja, desta lista de movimentos bancários não é possível retirar a prova da parte do crédito de 170.000€ que foi utilizado pela Ideal.”


99. Ora, a aqui Recorrente já explicou no início do seu recurso os movimentos aqui colocados em causa e bem assim, demonstrou como se deve ler o extrato, sendo que da leitura correcta do extrato junto aos autos resulta evidente a utilização total do capital contratado.


100. Entende a Recorrente que salvo melhor opinião o Tribunal a quo fez uma grande confusão aquando da interpretação do extrato,


101. O mesmo se dirá quanto ao cálculo dos juros,


102. Pois que a resolução só operou em 2015, pelo que não poderia peticionar juros anteriores a essa data...


103. Por fim, como se toda a confusão supra não fosse suficiente, vem o Tribunal a quo referir o seguinte, “o contrato em causa nos autos refere-se à conta de DO 1214-7 (cláusula 1/4 do contrato: A presente abertura de crédito funciona mediante articulação com a conta DO n.º ...........-7) e o extracto bancário refere-se à conta 43.4”.


104. Mais uma vez extrato não foi devidamente interpretado.


105. O extrato é referente ao contrato (e não à conta) nº ..............4,


106. Conforme se retira do contrato dado à execução, na sua cláusula primeira, “A PARTE DEVEDORA acorda em constituir, na CEMG, uma conta MONTEPIO GESTÃO ACTIVA, que consiste numa conta de depósito à ordem (DO), sem remuneração, que, de uma forma automática, transfere saldos para uma conta de aplicação financeira ou desta para a conta DO, bem como, de uma forma igualmente automática, efectua transferências da conta DO para a presente conta corrente e desta para a conta DO. Todos os movimentos automáticos aqui descritos serão efectuados diariamente.”


107. Face a todo o supra exposto, entende a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo quando decidiu, “o contrato junto como título executivo é um contrato particular de abertura de crédito em conta corrente e não umempréstimo e não é título executivo nemna nova redacção do CPC (art. 703do CPC)nemna anterior (art. 46 do CPC); o contrato poderia, ao abrigo do art. 50 do CPC na redacção anterior, ser título executivo se se provasse documentalmente que o empréstimo nele previsto se efectivou mas isso se esse documento complementar existisse e fosse anterior à entrada em vigor da nova redacção do CPC (2013), o que não é o caso. Não havendo título executivo, os embargos têm que proceder, tal como o recurso, com prejuízo das outras questões e de todos os outros argumentos invocados quer nas alegações quer nas contra-alegações.”.


108. Decisão quenãose aceitae queviola odireito decréditodaRecorrente, contrariando o Acórdão doTribunal Constitucional – ACÓRDÃO Nº 847/2014.


109. Razão pela qual se recorre da presente decisão.


110. Quanto às demais considerações do Tribunal, entende a Recorrente que o Tribunal a quo pretende (re)contar a “história” ao seu jeito.


111. Refere o Tribunal da Relação que, “Não tendo a exequentealegado umsaldo devedor – masum empréstimo inicial inexistente – ele não pode ter sido confessado ou reconhecido pelo acordo de 01/04/2021. E os pagamentos posteriores efectuados no âmbito desse acordo – tudo aliás antes de qualquer citação dos executadospara a execução [ao contrário do que diz a exequente] – podem ser considerados uma admissão da existência de uma dívida, mas não do seu valor concreto. E nada disto supre a falta de título executivo”.


112. A Recorrente já demonstrou a existência de um saldo devedor e já demonstrou igualmente que o extrato não foi devidamente interpretado.


113. O valor concreto da dívida resulta expresso do extrato, não devendo existir dúvidas sobre o valor emdívida, uma vez que foi feita prova documental e testemunhal sobre este.


114. Pretende o Tribunal Recorrido subverter os factos ocorridos nestes autos e substituir-se aos Executados,


115. Referindo inclusivamenteque “a confissão invocada pela exequente no requerimento executivo e reportada ao contrato (logicamente sem indicação do local preciso) não existe(nem podia existir porque o empréstimo seria posterior à celebração do contrato).”


116. A confissão está no poder das partes.


117. O Acordo não foi impugnado nem tão pouco a sua assinatura.


118. As partes, quando celebraram o acordo fizeram-no de livre e espontânea vontade,


119. Sabendo o valor que se encontrava em dívida.


120. Face a todo o supra exposto não se aceita o Acórdão recorrido.


121. Considera a Recorrente que andou mal o Tribunal a quo quando decidiu julgar, “procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e julgando agora os embargos procedentes, por falta de título executivo e, em consequência, extingue-se a execução e determina-se o levantamento da penhora”.


122. O Tribunal a quo sempre devia ter decidido no sentido de manter a decisão do Tribunal de Primeira Instância.


123. Não o fazendo e decidindo com os fundamentos vertidos no Acórdão recorrido viola o direito de crédito da Recorrente.


124. Razão pela qual se recorre da presente decisão.


125. Em suma, ao decidir o Tribunal a quo, em julgar procedente a excepção em apreço, não fez a correcta interpretação e aplicação da letra da lei ao caso concreto,


126. Contrariando o Acórdão nº 847/2014.


127. Assim, entende a Recorrente que esta decisão de qual aqui se recorre, violou o sentido do artigo 9.º do Código Civil;


128. E bem assim, o artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, violando o princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente subjectiva de princípio de protecção da confiança.


129. Imperando a necessidade de revogação do Acórdão de que aqui se recorre.”





Os Executados e Embargantes apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência da revista e confirmação do acórdão recorrido.





Colhidos os vistos nos termos legais, e verificando-se a regularidade da instância, cumpre apreciar e decidir.


II. APRECIAÇÃO DO RECURSO E FUNDAMENTOS


A) Admissibilidade e objecto do recurso


1. A revista é admissível enquanto decisão proferida no apenso de embargos de executado (art. 857º do CPC) e estão verificados os requisitos gerais do art. 629º, 1, e 631º, do CPC.


2. As questões recursivas são:


— sindicação do art. 662º, 1, do CPC na decisão sobre a reapreciação da matéria de facto;


— exequibilidade do título executivo dado à execução pela Exequente (por habilitação) e Embargada.


B) Factualidade


Foram considerados provados pelas instâncias os seguintes factos, com a agregação e a numeração (para além das abreviaturas) conferidas pelo acórdão da Relação:

1. Por óbito da Executada BB foi deduzido o competente incidente de habilitação de herdeiros, relativamente ao qual foi proferida sentença em 06/12/2021, transitada em julgado (apenso A dos autos).

2. A cessão da Créditos da Caixa Económica Montepio Geral à M... foi comunicada pela Cedente aos Embargantes, por cartas datadas de 27/12/2018, que ora se juntam como Doc. 1 e Doc. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3. Por sua vez, também a Embargada, comunicou a cessão de créditos da M... para a A..., S.A., conforme cartas datadas de 15/04/2019, que ora se juntam como Doc. 3 e Doc. 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

4. Também a Embargada, comunicou a cessão de créditos da A..., S.A. para a Ertow Asset Management, S.A., conforme cartas datadas de 28/01/2022, que ora se juntam como Doc. 5 e Doc. 6, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.


5. A cessão de créditos foi formalizada por escrituras públicas juntas com a petição inicial de requerimento executivo e com a petição inicial de habilitação de cessionário (apenso B dos autos), sendo que as primeiras se reenviam de modo mais legível, como Doc. 7 e Doc. 8.


6. Correspondendo a numeração do contrato peticionado à lista de créditos cedidos anexa às escrituras em causa, conforme numeração do contrato sub judice, cuja página destacada da lista de créditos cedidos e da identificação do imóvel garantia se juntam como Doc. 9, Doc. 10 e Doc. 11 e que é o seguinte: ......................00 (atual operação nº 97604).


7. Ao acima exposto, acresce o facto de a transmissão da hipoteca sobre o imóvel garantia do contrato, título executivo dos autos, se encontrar registada a favor da cessionária, ora Embargada, conforme certidão do registo predial que se junta como Doc. 12, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.


8. O contrato celebrado tem o seguinte teor (cf. título executivo junto como doc. 3 invocado pela exequente no RE):


CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE


- MONTEPIO GESTÃO ACTIVA -


ENTRE:


CEMG


e


IDEAL, adiante designada por PARTE DEVEDORA, representada por AA, adiante designado por SEGUNDO CONTRAENTE, que intervém por si e na qualidade de sócio-gerente da referida Sociedade, com poderes para o acto.


Pelos contraentes e nas respectivas qualidades, é celebrado o presente contrato de abertura de crédito em conta corrente, que se rege pelas cláusulas seguintes:


CLÁUSULA 1.ª (Abertura de crédito em conta corrente)


1. A PARTE DEVEDORA acorda em constituir, na CEMG, uma conta MONTEPIO GESTÃO ACTIVA, que consiste numa conta de depósito à ordem (DO), sem remuneração, que, de uma forma automática, transfere saldos para uma conta de aplicação financeira ou desta para a conta DO, bem como, de uma forma igualmente automática, efectua transferências da conta DO para a presente conta corrente e desta para a conta DO. Todos os movimentos automáticos aqui descritos serão efectuados diariamente.


2. No âmbito da conta MONTEPIO GESTÃO ACTIVA, a CEMG abre um crédito em conta corrente à PARTE DEVEDORA até limite máximo contratado de 170.000€ que se destina, exclusivamente, a ser utilizado nesse âmbito.


3. Após a contratação da presente conta corrente, a conta de aplicação financeira será, automaticamente, constituída, a qual aufere juros calculados dia a dia, de acordo com o definido no Preçário da CEMG, e funciona nos seguintes termos:


a) Sempre que a conta DO tenha um saldo superior a 2.500€ e desde que o valor excedente o permita, são transferidos automaticamente montantes de 500€, para a conta de aplicação financeira;


b) Quando na conta de aplicação financeira exista saldo disponível e a conta DO tenha saldo inferior a 2.500€, serão efectuadas transferências automáticas da conta de aplicação financeira para a conta DO, até igualar ou superar o valor definido na alínea anterior, ou até esgotar o saldo da conta de aplicação financeira;


4. A presente abertura de crédito funciona mediante articulação com a conta DO n.º ...........-7, aberta no balcão da CEMG em ..., em nome da PARTE DEVEDORA, e uma conta corrente específica associada ao presente contrato de financiamento, sendo que, a utilização do crédito bem como as restituições à conta corrente, serão sempre efectuadas automaticamente pela CEMG, nos seguintes termos:


a) Se o saldo da conta DO for igual ou inferior a 0€ e o saldo da conta de aplicação financeira for igual a 0€, será automaticamente transferido da conta corrente associada ao presente contrato para a conta DO, tranches no valor de 500€, até igualar ou superar o saldo definido no ponto 3/-a até ao máximo do limite do crédito aberto e ainda não utilizado;


b) Quando a conta DO apresentar um saldo superior a 2.500€ e desde que o valor excedente o permita, se a presente abertura de crédito estiver a ser utilizada, a fim de repor o capital entretanto utilizado, serão efectuadas transferências automáticas da conta DO para a conta corrente associada ao contrato, em tranches de 500€;


5. O débito de juros da presente conta corrente será efectuado com a mesma periodicidade do crédito de juros da conta de aplicação financeira.


6. Para os efeitos do estipulado nos números 3 e 4 da presente cláusula, a CEMG fica desde já autorizada pela PARTE DEVEDORA, a efectuar todas as transferências automáticas de verbas - que se mostrem necessárias, da conta DO para a conta de aplicação financeira e desta para a conta DO, bem como da conta corrente do presente contrato para a conta DO, destinadas a cobrir os saldos negativos existentes, quer, ainda, para restituir à conta corrente os valor existentes na conta DO.


CLÁUSULA 2.ª (Prazo)


O presente contrato é celebrado pelo prazo de 6 meses, com início em 12/10/2010 e termo em 12/04/2011, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos, nas condições estipuladas contratualmente, salvo denúncia por qualquer das partes, efectuada por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias do termo do prazo em curso ou eventuais renovações.


CLÁUSULA 3.ª (Juros e Comissões)


1. O capital efectivamente utilizado no presente contrato vence juros, durante o primeiro mês, à taxa anual nominal (TAN) de 6.204%, a qual é calculada, aplicada e revista semestralmente nos termos dos números seguintes.


2. Para os efeitos do disposto no artigo 5 do DL 220/94, de 23/08, declara-se que a taxa anual efectiva (TAE), nesta data e com referência à taxa declarada no número anterior, é de 8,4570%, conforme cálculo efectuado nos termos do mesmo diploma.


3. A taxa nominal prevista no número um da presente cláusula, resulta da média aritmética simples das cotações diárias da taxa Euribor a 6 meses do mês anterior ao mês da data do contrato, ou das suas revisões semestrais, numa base actual de 365 dias, a qual será arredondada para a milésima percentual, sendo que, quando a 4.ª casa decimal for igual ou superior a 5, o arredondamento será efectuado por excesso, e, quando inferior, o arredondamento será efectuado por defeito, acrescida, nesta data, de um “spread” de 5.10% pontos percentuais, sendo que o "spread" base definido para operações do mesmo tipo e prazo é fixado, na presente data, em 9.60% pontos percentuais.


4. A taxa de juro determinada nos termos do número anterior poderá ser objecto de actualização do seguinte modo:


a) A taxa que vigorará para o novo período semestral de contagem de juros deverá ser comunicada pela CEMG à PARTE DEVEDORA com uma antecedência mínima de 15 dias em relação ao débito efectivo da primeira prestação relativa a esse novo período;


b) Se nada disser até à data do débito da primeira prestação do novo período mensal semestral de contagem de juros, considera-se que a PARTE DEVEDORA aceitou a taxa proposta, sem prejuízo da faculdade de reembolso parcial;


c) Nas revisões semestrais a nova taxa produzirá efeitos a partir do início do mês contratual subsequente e sem prejuízo da referida comunicação feita pela CEMG à PARTE DEVEDORA.


5. O spread indicado no n.º 3 da presente cláusula foi atribuída pela CEMG à parte devedora em função dos seguintes produtos e/ou serviços que esta detém na CEMG: cartão de crédito business trade e serviço multicanal.


6. Na data das eventuais renovações do presente contrato, a CEMG reserva-se o direito de proceder ao reajustamento do spread negociado nos termos do número anterior, passando a aplicar-se o spread base supra referido, se deixarem de se verificar as condições subjacentes a essa negociação.


7. O incumprimento de qualquer das obrigações assumidas no presente contrato determina para a PARTE DEVEDORA a perda automática do “spread” ora contratado, aplicando-se, de imediato, o “spread” base supramencionado.


8. Se se verificar agravamento do risco de crédito da PARTE DEVEDORA ou perda ou diminuição das garantias prestadas, e sem prejuízo do disposto no n.º 1 da cláusula relativa à resolução do presente contrato, poderá a CEMG, unilateralmente, ajustar o "spread" ora convencionado para o dito "spread" base.


9. Se a Euribor deixar de ser publicada, ou se, por qualquer motivo, deixar de existir ou de ser divulgada, a CEMG reserva-se o direito de, unilateralmente, escolher outro indexante disponível no mercado, que, no seu entender, tenha uma representatividade o mais aproximada possível à actual representatividade da Euribor, ou, em caso de inexistência ou inadequação deste, a aplicar, em alternativa, a taxa resultante da média das taxas oferecidas no mercado Euro, para o mesmo prazo, por 4 instituições de crédito escolhidas pela CEMG de entre o painel de instituições contribuidoras da Euribor.


10. Os juros são calculados dia a dia, numa base de 365 dias, e em função dos montantes de utilização efectiva de fundos pela PARTE DEVEDORA.


11. Os juros são pagos mensal e postecipadamente e nos termos da cláusula 1.ª/5.


12. Conjuntamente com o pagamento dos juros, a PARTE DEVEDORA obriga-se a pagar à CEMG, a importância correspondente a 1.25%, calculada sobre a diferença entre o limite máximo contratado e o capital utilizado, a título de comissão de imobilização, cujo valor mínimo será o indicado, em cada momento, no Preçário da CEMG, disponibilizado pelas formas legalmente exigidas.


13. Conjuntamente com o pagamento dos juros, a PARTE DEVEDORA obriga-se a pagar, à CEMG, a importância correspondente a 1.5%, calculada sobre o limite máximo contratado, a título de comissão de gestão, cujo valor mínimo será o indicado, em cada momento, no Preçário da CEMG, disponibilizado pelas formas legalmente exigidas.


14. Na data das renovações do presente contrato, a PARTE DEVEDORA obriga-se, ainda, a pagar à CEMG, a importância correspondente a 0,25 % calculada sobre o limite máximo contratado, a título de comissão de renovação, cujos valores mínimos e máximos encontram-se indicados, em cada momento, no Preçário da CEMG, disponibilizado pelas formas legalmente exigidas.


CLÁUSULA 4.ª (Amortização)


A PARTE DEVEDORA obriga-se a amortizar integralmente o saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou suas renovações e apenas no caso de denúncia por qualquer das partes nos termos da Cláusula 2.ª.


CLÁUSULA 5.ª (Cláusula penal)


1. Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, e se a CEMG recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos será devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal no montante que resultar da aplicação da sobretaxa de 4 % ao ano, calculada sobre o capital em dívida desde a data da mora.


2. Em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, e se a CEMG não recorrer a juízo será apenas devida, além dos juros remuneratórios, uma indemnização com a mesma natureza da prevista no número anterior, calculada com a sobretaxa de 2 % ao ano, a qual terá a mesma base de incidência da taxa de juros.


3. Se resultar de disposição legal a possibilidade de aplicação de uma cláusula penal mais elevada, fica a CEMG desde já autorizada a aplicá-la de imediato.


CLÁUSULA 6.ª (Despesas. Autorização de débito)


1. São da responsabilidade da PARTE DEVEDORA todas as despesas e encargos, nomeadamente de ordem fiscal, emergentes da celebração do presente contrato, bem como da emissão e subscrição da livrança destinada a novar a dívida emergente deste contrato no caso do seu incumprimento.


2. Ficam ainda por conta da PARTE DEVEDORA todas as despesas que a CEMG faça para manter, garantir ou haver o seu crédito.


3. Ficam também por conta da PARTE DEVEDORA todas as despesas de expediente, serviços prestados pela CEMG, comissões e outros encargos inerentes ao presente contrato, os quais se encontram afixados nos balcões da CEMG, considerando-se os respectivos documentos elaborados de acordo com o presente contrato.


4. As importâncias despendidas pela CEMG para pagamento das despesas mencionadas nos números anteriores, não reembolsadas por insuficiência de provisão na referida conta de depósito à ordem, vencem desde o desembolso, juros à taxa nominal anual em vigor na altura, devendo ser pagas até ao próximo vencimento de juros, sob pena de sobre elas incidir a sobretaxa a título de cláusula penal prevista na cláusula 5.ª/2 do presente contrato; no caso de recurso a juízo aplicar-se-á a sobretaxa prevista no n.º 1 da mesma cláusula.


5. A CEMG fica autorizada pela PARTE DEVEDORA a debitar a conta corrente por todas as despesas e encargos emergentes do presente contrato, designadamente os juros.


6. A CEMG fica igualmente autorizada pela PARTE DEVEDORA a proceder à compensação, total ou parcial, das quantias em dívida emergentes deste contrato, com valores existentes em quaisquer contas de que a PARTE DEVEDORA seja titular ou co-titular em conta de depósito solidária.


CLÁUSULA 7.ª (Garantia hipotecária)


Para garantia do integral cumprimento das obrigações emergentes e assumidas no presente contrato pela PARTE DEVEDORA, bem como das emergentes de qualquer livrança subscrita pela PARTE DEVEDORA que se destine a novar as obrigações emergentes deste contrato, foi constituída pelo SEGUNDO CONTRAENTE uma garantia hipotecária unilateral com cláusula de efeito abrangente, por escritura de 10/05/2005, lavrada de folhas 14 a folhas 16, do Livro 132 H, do 3° Cartório Notarial de ....


CLÁUSULA 8.ª (Titulação)


1. Para titulação e garantia de todas as responsabilidades emergentes do presente contrato é, nesta data, entregue pela PARTE DEVEDORA à CEMG, uma livrança em branco com o número ................66, subscrita pela PARTE DEVEDORA e avalizada pessoalmente pelo SEGUNDO CONTRAENTE.


2. Em caso de incumprimento do contrato, a CEMG e a PARTE DEVEDORA acordam expressamente que a CEMG poderá substituir as obrigações da PARTE DEVEDORA mediante novação, por uma obrigação cambiária constante da referida livrança.


3. A livrança será oportunamente preenchida quando a CEMG o entender, com indicação do montante que será de valor igual ao do saldo devedor na conta corrente, composto por capital, juros e demais encargos, apurados na data de encerramento da conta, que coincidirá, em caso de não prorrogação, com a data do termo do período contratual, acrescido de todos e quaisquer encargos de natureza fiscal.


4. A livrança é domiciliada em ... e é pagável no 30.º dia contado da data de encerramento da conta.


5. A CEMG poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual, desde a data do vencimento do contrato até ao vencimento da livrança, e esta vencerá juros à taxa legal.


6. O SEGUNDO CONTRAENTE declara expressamente acordar na prestação de aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.


CLÁUSULA 9.ª (Comunicações)


1. Quaisquer comunicações escritas que a CEMG remeta aos contraentes do presente contrato serão enviadas, por meio de carta simples e sem aviso de recepção, para o endereço por estes indicado no presente contrato, que se obrigam desde já a manter actualizado, o qual, para efeitos das referidas comunicações, incluindo citação ou notificação judicial, se considera ser o domicílio convencionado.


2. Qualquer alteração ao domicílio convencionado, deve ser comunicado à CEMG, no prazo de 30 dias após essa alteração, por meio de carta registada e com aviso de recepção.


CLÁUSULA 10.ª (Direito de Resolução)


1. Findo ou resolvido este contrato, não abrangendo a resolução as prestações já efectuadas pela PARTE DEVEDORA, ou vencido o crédito, a conta corrente será para todos os efeitos havida por encerrada, obrigando-se desde já a PARTE DEVEDORA ao pagamento do respectivo saldo.


2. O extracto de conta corrente prova os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados e o respectivo saldo considerado probatório. [sic]


CLÁUSULA 11.ª (Foro)


Para interpretação ou resolução de quaisquer questões ou litígios emergentes do presente contrato, e sempre que as regras legais relativas à competência em razão do território possam ser afastadas por pacto atributivo de jurisdição, acordam as partes na competência do foro da comarca de ..., com expressa renúncia a qualquer outro.


O original do presente contrato fica na posse da CEMG e o(s) demais contraente(s) fica(m) na posse de duplicado, devidamente assinado.


..., 12/10/2010


A CEMG


A PARTE DEVEDORA


Ideal


O SEGUNDO CONTRAENTE


AA


Imposto do Selo euros.


Em / /


(Facto modificado pela Relação, com redacção da sua autoria.)


9. A referida quantia foi disponibilizada na conta bancária da Executada Ideal Escolha, Unipessoal, Lda., ora Embargante, conforme resulta do extrato bancário que se junta como Doc. 13 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.


10. Acresce que, para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato a que se vem fazendo referência, o Executado AA por si e na qualidade de habilitado na posição de BB constituiu uma garantia hipotecária unilateral com cláusula de efeito abrangente, por escritura de 10/05/2005, a favor do Exequente sobre o seguinte imóvel, cfr. doc. 5 junto com o Requerimento Executivo: - Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 5932, freguesia de ....


11. A quantia mutuada foi creditada na conta bancária da Embargante Ideal Escolha, Unipessoal, Lda.


12. O cálculo de juros foi efetuado com base no estipulado na cláusula 3ª do contrato em causa.


13. Sem prejuízo, e em benefício dos Embargantes, a cessionária efetua o cálculo de juros à taxa legal de 4% conforme liquidação da obrigação exequenda [transcrita no início do relatório deste acórdão – TRL: € 170.00, 00].


14. A Embargada indicou a taxa de juro contratual, bem como a taxa legal de 4% em caso de mora.


15. Atento o incumprimento reiterado, e sem prejuízo de todas as demais tentativas de contacto, telefónicas e por escrito, a Caixa Económica Montepio Geral cedeu a dívida vencida.


16. Efetivamente, a Caixa Económica Montepio Geral interpelou os Embargantes e resolveu o contrato, por cartas datadas de 05/02/2015, as quais se juntam como Doc. 14 e Doc. 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.


17. Por seu turno, também a Embargada procedeu à interpelação dos Embargantes por cartas datadas de 10/12/2019, informando que, naquela data, se encontrava em dívida pelo contrato peticionado nos autos a quantia de € 178.691,80, cartas que se juntam com os respetivos comprovativos de registos como Doc. 16 a Doc. 19, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, as quais vieram devolvidas como “objeto não reclamado”.


18. Quer as cartas a comunicar a cessão contratual, quer as cartas de interpelação e resolução foram


remetidas para a morada dos Embargantes comunicada aquando da celebração do contrato (domicílio convencionado), sita na Rua ....


19. Sendo certo que é da responsabilidade dos intervenientes atualizar a sua morada junto da respetiva instituição de crédito, cabendo-lhe o ónus de informar a Embargada sobre a sua atual e correta morada, designadamente conforme previsto na cláusula 9ª nº 2, nos termos da qual qualquer alteração ao domicílio convencionado, deve ser comunicado à CEMG, no prazo de trinta dias após essa alteração.


20. Existiram pagamentos ao abrigo de uma campanha desencadeada por carta remetida em 01/03/2021, a qual se junta como Doc. 20, tendo sido seguidos de nova utilização do capital constante da conta pelo embargante.





Ao abrigo dos arts. 607º, 4, 663º, 2, 679º, do CPC, em especial atendendo ao documento anexo à Contestação da Embargada e Exequente, identificado como Doc. 10. (embora como Doc. 13 no facto provado 9.), com data de emissão em 29/11/2022, acrescentam-se ainda a essa materialidade os seguintes factos:


21. A quantia de € 170.000, referida nos factos provados 9 e 11., foi creditada e disponibilizada na conta bancária à ordem da Embargante «Ideal Escolha, Unipessoal, Lda.» em 15/10/2015, em referência ao contrato ..............4 (assim identificado no facto provado 6.).


22. Entre essa data e 12/6/2012, foram efectuadas por transferência de conta à ordem amortizações pela parte creditada no valor global de € 92.500.


23. Entre essa data e 12/6/2012, foram efectuadas diversas utilizações por transferência para conta à ordem do capital disponibilizado e amortizado, resultando em 12/4/2023 um capital utilizado e vencido pela parte creditada de € 170.000.


24. O contrato reproduzido em 8. encontra-se assinado por ambos os outorgantes, sendo identificado AA como intervindo “por si e na qualidade de sócio-gerente” da “Parte Devedora”-Embargante «Ideal Escolha, Unipessoal, Lda.», “com poderes para o acto”.


C) Fundamentação de direito


1. Sindicação do art. 662º, 1, do CPC e reapreciação da matéria de facto


1.1. Na sentença de 1.ª instância, foi dado como provado o seguinte facto (em oitavo lugar na numeração):


“A Embargada, a 12 de outubro de 2010, emprestou à Executada Ideal Escolha, Unipessoal, Lda., pelo prazo de 6 meses, renovando-se automaticamente, a importância de Euros 170.000,00, a liquidar a cada renovação e nas condições de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título (cfr. Título executivo junto como Doc. 4).”


Os Executados impugnaram na Apelação esta decisão de facto, colocando em causa “o empréstimo dado como provado no facto 8”.


A Relação, apreciando, considerou:


“a existência de um empréstimo não se prova por não haver temas de prova dedicados a tal matéria”;


“o empréstimo não pode ser dado como provado com o próprio ponto de facto impugnado e os pontos de [facto] 9 e 11 não provam a existência do empréstimo”;


“Daquilo que o tribunal diz sobre a prova dos factos, o que se refere ao conteúdo do contrato decorre apenas do próprio contrato. De qualquer modo, ouviu-se o depoimento da testemunha da exequente, o 2.º invocado pelo tribunal, e ela nada mais diz sobre o contrato, do qual, aliás nada mais sabe do que aquilo que resulta da consulta do contrato e dos documentos, tanto mais que só tomou contacto com o caso no âmbito do seu trabalho para as cessionárias, necessariamente depois de 2018, quando o contrato foi celebrado em 2010. Com base no extracto de movimentos de que se falará abaixo, a testemunha diz que o primeiro movimento é a disponibilização do crédito dos 170.000€, que é o mesmo que resulta dos factos dos pontos 9 e 11 e isso nada adianta como se verá a seguir.”


“Tendo em consideração a cláusula 1 do contrato, a CEMG abria no âmbito de uma conta de depósitos à ordem não remunerada (n.º ...........-7, da Ideal num balcão da CEMG) um crédito em conta corrente à Ideal até limite máximo contratado de 170.000€ e após seria automaticamente constituída uma conta de aplicação financeira, a qual auferiria juros calculados dia a dia. Entre estas três contas seriam feitas transferências automáticas dependentes do saldo dessas três contas nas condições estabelecidas e a utilização do crédito decorreria dessas transferências. O contrato foi celebrado pelo prazo de 6 meses, com início em 12/10/2010 e termo em 12/04/2011 (cláusula 2.ª). Os juros seriam calculados dia a dia, numa base de 365 dias, e em função dos montantes de utilização efectiva de fundos pela Ideal (cláusula 3/10). A Ideal obrigava-se a pagar à CEMG uma taxa calculada sobre a diferença entre o limite máximo contratado e o capital utilizado, a título de comissão de imobilização (cláusula 3/13). A Ideal obrigava-se a amortizar integralmente o saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou suas renovações (cláusula 4.ª e tacitamente cláusulas 8/3 e 10/1-2).


Daqui decorre que uma coisa era abertura de um crédito de 170.000€, isto é, a disponibilização de um crédito, numa conta de depósitos não remunerada, imobilizada, e outra a utilização efectiva desse capital reflectida numa conta-corrente, cujo saldo (de capital utilizado, juros debitados e dedução do capital restituído) seria o montante em dívida. Assim, o contrato não se traduzia num empréstimo de dinheiro, isto é, num mútuo, mas na possibilidade de se vir a emprestar dinheiro em execução desse contrato. Não se está, pois, perante um mútuo, mas sim perante uma concessão de crédito, na espécie de contrato de abertura de crédito em conta-corrente, como as próprias partes o qualificaram, que, posteriormente, daria origem a mútuo correspondente ao capital que fosse efectivamente utilizado e não restituído. Não foi, portanto, feito nenhum empréstimo, apenas se previu a futura concessão desse empréstimo através da execução do contrato.


Assim, deve ser eliminado do ponto 8 dos factos provados a referência a um empréstimo e, para se possibilitar a melhor discussão futura da questão de direito, a síntese conclusiva desse ponto deve ser substituída pela reprodução integral de todo o contrato (…).”


1.2. Insurge-se a Recorrente contra a eliminação desse facto 8. do elenco dos factos provados, porquanto apesar de o tribunal apreciar livremente a matéria de facto, essa liberdade tem limites e não pode desvirtuar a prova produzida. Ficou provado através da prova documental e testemunhal que a Executada utilizou efectivamente o montante disponibilizado de € 170 000,00, tendo o tribunal da Relação interpretado erradamente o extracto junto aos autos. O acórdão recorrido efectuou um mau uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC, ao eliminar dos factos provados o facto n.º 8, o que constitui violação da lei de processo, para os efeitos do art. 674.º, n.º 1, al. b), do CPC.


Ora.


O art. 662º do CPC, consagrando o duplo grau de jurisdição no âmbito da motivação e do julgamento da matéria de facto, estabiliza os poderes da Relação enquanto verdadeiro tribunal de instância, proporcionando ao interessado a reapreciação do juízo decisório da 1.ª instância (nomeadamente com o apoio da gravação dos depoimentos prestados, juntamente com os demais elementos probatórios que fundaram a decisão em primeiro grau) para um efectivo e próprio apuramento da verdade material e subsequente decisão de mérito. Por isso a doutrina tem acentuado que, nesse segundo grau de jurisdição, se opera um verdadeiro recurso de reponderação ou de reexame, naturalmente maximizado quando no processo constem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão da matéria de facto em causa, que conduzirá a uma decisão de substituição, uma vez decidido que o novo julgamento feito modifica ou altera ou adita a decisão recorrida.1 Sempre – e este é o ponto – com a mesma amplitude de poderes de julgamento que se atribui à 1.ª instância (é perfeitamente elucidativa a aludida remissão feita pelo art. 663º, 2, para o art. 607º, que abrange os seus n.os 4 e 5) e, destarte, sem qualquer subalternização – inerente a uma alegada relação hierárquica entre instâncias de supra e infra-ordenação no julgamento – da 2.ª instância ao decidido pela 1.ª instância quanto ao controlo sobre uma decisão relativa ao julgamento de uma determinada matéria de facto, precipitado numa convicção verdadeira e justificada, dialecticamente construída e, acima de tudo, independente da convicção de 1.ª instância2.


A norma do art. 662º do CPC, como norma central de atribuição de autonomia decisória à Relação em sede de reapreciação da matéria de facto, começa por ser uma tarefa de reponderação da decisão sobre a decisão proferida sobre a factualidade em face dos factos assentes, da prova já produzida e plasmada nos autos e, bem assim, por documentos supervenientes que imponham ou (extensivamente) sejam susceptíveis (pela sua aptidão probatória) de impor uma decisão diversa da obtida em 1.ª instância – este é o parâmetro de actuação imposto pelo n.º 1 do art. 662º.


O STJ não pode sindicar, em princípio, o uso feito (particularmente de forma activa) das competências probatórias atribuídas pelo art. 662º, 1 (e 2, quanto aos “poderes-deveres” funcionais e qualificados que este normativo encerra), tendo em conta a regra de insindicabilidade do n.º 4 do art. 662º do CPC («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»).


Porém, esta solução não impede, abrigado no fundamento da revista previsto no art. 674º, 1, b), do CPC, que se verifique se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites configurados pela lei para esse exercício e/ou verificar se a Relação omitiu o exercício de tais poderes, que se impunham relativamente a aspectos relevantes para a decisão. Isto é, por um lado, a verificação-censura do mau uso (deficiente ou patológico) desses poderes; por outro lado, a verificação-censura ao não uso dos poderes3 – tudo conjugado como ainda vistos como sindicação de “errores in procedendo”.


Serão sempre situações manifestas e objectivas de vício processual; mas são situações que, mesmo que residuais e muito limitadas, atentos os poderes do STJ, não podem ser ignorados, se assim for, na sindicabilidade da revista.4


Por outro lado, o exercício desses poderes legais pode ainda ser sindicado no âmbito do «erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa», tendo por fundamento «ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova» (errores in judicando relativos à identificação, interpretação e aplicação de normas do direito probatório material) – arts. 674º, 1, a), 3, 2.ª parte, 682º, 2.ª parte, CPC. O que significa, neste enquadramento, que se encontra arredado do campo de fiscalização do STJ a decisão de facto que está ancorada em meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador, podendo apenas actuar quando ocorre erro de direito na referida apreciação da prova de acordo com as regras de direito probatório.

Pois bem.

A decisão tomada pelo acórdão recorrido – eliminação da referência a “empréstimo” e substituição pela reprodução integral do contrato – foi baseada expressamente em prova testemunhal, que menciona, e na consulta da prova documental constante dos autos, meios de prova – que a Recorrente reconhece serem a base de tal decisão – sujeitos à livre apreciação do julgador, sem que se vislumbre a exclusão ou violação de força probatória material ditada pela lei (que a Recorrente nem alega nem concretiza) – cfr. arts. 376º, 1, 396º, CCiv.


E, mesmo quando a Recorrente invoca o mau uso dos poderes da Relação relativamente ao conhecimento da impugnação de facto, nos termos preditos, não se vislumbra uma censurável utilização dos poderes de reapreciação da matéria de facto consignados no art. 662.º, n.º 1, do CPC, uma vez que o acórdão recorrido plasma um exercício crítico e racional para chegar a uma convicção própria, reflectida na forma e nas razões com que se funda de maneira justificada a substituição do facto pela reprodução integral do contrato5. Regendo-se no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que tenha desrespeitado os limites da força probatória de qualquer meio de prova, muito menos imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório materialestamos perante actuação processualmente lícita (art. 607º, 4, 5, 1ª parte, 663º, 1 e 2, CPC) e insindicável nos termos dos arts. 662º, 4 («Das decisões da Relação prevista nos n.os 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.»), e 674º, 3, 1.ª parte («O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista…), do CPC. Perante uma (re)apreciação legítima e sem desconformidade legal de força probatória e feita em regime de prova livre e “não tarifada”, não há como evitar a aplicação da irrecorribilidade ope legis em revista do acórdão recorrido da decisão em matéria de facto que a Recorrente pretendia ver agora reapreciada, sem mais soçobrando a alegada ilicitude da modificação supostamente viciada, afectando inexoravelmente a viabilidade das Conclusões pertinentes, 12. a 59., do recurso, que improcedem.


2. Exequibilidade do título


2.1. Defende a Recorrente que o documento que apresentou tem que ser reconhecido como título executivo, nos termos da al. c) do n.º 1 do art. 46º do antigo CPC, ainda que a execução tenha dado entrada em 2020, de acordo com jurisprudência constitucional (Acs. do TC n.os 847/2014 e 408/2015). Mais acresce que, no decurso da presente acção executiva, a Exequente e Embargada complementou o título executivo com o respectivo extracto de conta, pelo que o título executivo – documento particular que formalizou o contrato de crédito em conta corrente – foi e está acompanhado de elementos que demonstram a concretização das operações subsequentes de disponibilização e utilização do capital a que se reporta e dos pagamentos efectuados, resultando do(s) próprio(s) documento(s) junto(s) com o requerimento executivo os prazos e a forma como o capital mutuado deveria ser reembolsado.


2.2. As instâncias dividiram-se sobre a existência de título executivo com exequibilidade para o efeito pretendido – sendo esta a única questão que deverá aqui ser reapreciada.


Não é questão recursiva, para o efeito jurídico pretendido, a aplicação do art. 46º, 1, c), do CPC 1961, em face da decisão do TC no Ac. n.º 408/2015, de 23 de Setembro, afastando a aplicação (excludente para o efeito) do art. 703º do CPC.


2.2.1. Em 1.ª instância, deu-se razão à Exequente e Embargada.


“A Embargada, a 12 de outubro de 2010, emprestou à Executada Ideal Escolha, Unipessoal, Lda., pelo prazo de 6 meses, renovando-se automaticamente, a importância de Euros 170.000,00, a liquidar a cada renovação e nas condições de capital e juros, acrescidas do imposto de selo em vigor, e nas demais condições constantes do referido título. A referida quantia foi disponibilizada na conta bancária da Executada Ideal Escolha, Unipessoal, Lda., ora Embargante.


Quanto à alegada inexistência do título executivo a argumentação dos Embargantes não procede, porquanto nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 46º do Código de Processo Civil (…), “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importa a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes…” são título executivo. Ora, o novo Código de Processo Civil, no seu artigo 703º, veio retirar do elenco taxativo de títulos executivos os documentos particulares. No entanto, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 408/2015 veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição). Pelo que, o contrato junto como Documento n.º 4, sendo anterior a 26 de Junho de 2013, vale como título executivo bastante.


Acresce que, para garantia do bom e pontual cumprimento das obrigações emergentes do contrato a que se vem fazendo referência, o Executado AA por si e na qualidade de habilitado na posição de BB constituiu uma garantia hipotecária unilateral com cláusula de efeito abrangente, por escritura de 10/05/2005, a favor do Exequente sobre o seguinte imóvel, cfr. doc. 5 junto com o Requerimento Executivo: Prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 5932, freguesia de ....


A quantia mutuada foi creditada na conta bancária da Embargante Ideal Escolha, Unipessoal, Lda. Pelo que, por tudo o exposto conclui-se que a Embargada dispõe de título bastante contra os Embargantes quanto às prestações vencidas e não pagas e respetivos juros a que o incumprimento do contrato deu causa.


Contrariamente ao alegado pelos Embargantes, do contrato peticionado no requerimento executivo resulta uma obrigação certa, líquida e exigível, tendo o cálculo de juros sido efetuado com base no estipulado na cláusula 3ª do contrato em causa. A cessionária efetua o cálculo de juros à taxa legal de 4% conforme liquidação da obrigação exequenda que parcialmente se transcreve: “1. No empréstimo a que se vem fazendo referência, o capital em dívida ascende atualmente a Euros 170.000,00. 2. À data de 28/12/2019, o montante global em dívida ascendia a Euros 171.897,38. A este valor, acrescem juros de mora de 4%, contabilizados desde a referida data, pelo que o montante global em dívida na presente data ascende a Euros 178.734,64.” Assim, a Embargada indicou a taxa de juro contratual, bem como a taxa legal de 4% em caso de mora. Atento o incumprimento reiterado, e sem prejuízo de todas as demais tentativas de contacto, telefónicas e por escrito, a Cedente Caixa Económica Montepio Geral cedeu a dívida vencida. Efetivamente, a Cedente Caixa Económica Montepio Geral interpelou os Embargantes e resolveu o contrato, por cartas datadas de 05/02/2015. Por seu turno, também a Embargada procedeu à interpelação dos Embargantes por cartas datadas de 10/12/2019, informando que, naquela data, se encontrava em dívida pelo contrato peticionado nos autos a quantia de € 178.691,80 (…).”


2.2.2. O acórdão recorrido não acompanhou essa construção.


Pronunciou-se conforme se expõe e transcreve.


“A execução deu entrada em 2020, aplicando-se, pois, ao caso a versão do CPC dada pela reforma de 2013. Nesta, os documentos particulares deixaram de ser título executivo à excepção dos títulos de crédito (art. 703 do CPC, a contrario). O contrato em que a execução se baseia está formalizado num documento particular e não é um título de crédito. Logo, não há título executivo.





A exequente, no entanto, diz que o contrato era título executivo, por força do art. 46/1-c do CPC na redacção anterior à reforma de 2013 do CPC e do acórdão do Tribunal Constitucional referido por ela.


(…)


(…) o antigo art. 46/1-c do CPC não serve para o efeito pretendido pela exequente.”





“Se e quando era admitida a exequibilidade dos títulos particulares, parte da doutrina e da jurisprudência considerava aplicável a tais contratos a previsão do art. 50 do CPC na versão em causa: “Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, em que se convencionem prestações futuras ou se preveja a constituição de obrigações futuras podem servir de base à execução, desde que se prove, por documento passado em conformidade com as cláusulas deles constantes ou, sendo aqueles omissos, revestido de força executiva própria, que alguma prestação foi realizada para conclusão do negócio ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partes” (…).


Assim, existindo um documento complementar nos termos referidos, comprovava-se a celebração de um empréstimo durante a execução do contrato de abertura de crédito em conta-corrente e admitia-se que o conjunto daquele documento com este contrato, formava um título executivo.


Esta norma tem a correspondente no art. 707 do CPC depois da reforma de 2013, mas em relação a esta já não se pode fazer a interpretação extensiva para a aplicar aos documentos particulares por estes terem deixado de ser títulos executivos.


Logicamente, esse título só se completa com o documento complementar, pelo que era a data deste que definia a data do título executivo.


Ora, se se admitisse que o extracto bancário junte aos autos fosse esse documento complementar, diga-se que o mesmo tem a data de 29/11/2022 pelo que o título só se teria completado nessa data e, por isso, já depois da entrada em vigor da nova redacção do CPC que, como já se disse, não admite que os títulos particulares, com a excepção dos títulos de crédito, sejam títulos executivos.


Pelo que, o título particular base da execução, mesmo que estivesse completado pelo extracto bancário junto aos autos, não era título executivo à luz do actual CPC.”


*


“ Em suma: o contrato junto como título executivo é um contrato particular de abertura de crédito em conta corrente e não um empréstimo e não é título executivo nem na nova redacção do CPC (art. 703 do CPC) nem na anterior (art. 46 do CPC); o contrato poderia, ao abrigo do art. 50 do CPC na redacção anterior, ser título executivo se se provasse documentalmente que o empréstimo nele previsto se efectivou mas isso se esse documento complementar existisse e fosse anterior à entrada em vigor da nova redacção do CPC (2013), o que não é o caso.


Não havendo título executivo, os embargos têm que proceder (…).”


Quid juris?


2.2.3. A questão recursiva de mérito prende-se com a exequiblidade do documento apresentado enquanto título executivo, que as instâncias convergiram em qualificar como “contrato de abertura de crédito”, e do direito de crédito nele incorporado para efeitos de acção executiva, após junção nestes autos pela Embargada e Exequente do documento complementar plasmado em “extracto de movimentos” associado ao contrato dado como título executivo.


a) Em primeiro lugar.


“Para que possa ter lugar a realização coativa duma prestação devida (ou do seu equivalente), há que satisfazer dois tipos de condição, dos quais depende a exequibilidade do direito à prestação:


a) O dever deve constar dum título: o título executivo. Trata-se dum pressuposto de carácter formal, que extrinsecamente condiciona a exequibilidade do direito, na medida em que lhe confere o grau de certeza que o sistema reputa suficiente para a admissibilidade da ação executiva.


b) A prestação deve mostrar-se certa, exigível e líquida. Certeza, exigibilidade e liquidez são pressupostos de carácter material, que intrinsecamente condicionam a exequibilidade do direito, na medida em que sem eles não é admissível a satisfação coativa da pretensão”, enquanto “condições da ação executiva” e “características conformadoras do conteúdo duma relação jurídica de direito material”6.


b) Em segundo lugar.


O contrato de “abertura de crédito” define-se como o contrato pelo qual o banco (creditante) se obriga a colocar à disposição do cliente (creditante) uma determinada quantia pecuniária (acreditamento ou “linha de crédito”), por tempo determinado ou não, ficando este obrigado ao reembolso das somas utilizadas e ao pagamento dos respectivos juros e comissões7.


De acordo com o critério da sua realização, a abertura de crédito pode ser simples ou em conta-corrente, consoante o crédito é mobilizável de uma só vez ou em “tranches”, incluindo a faculdade de renovação automática do “plafond” de crédito mediante entradas (cláusula de crédito “revolving”)8.


Decorre desta noção que se trata de um contrato consensual quoad effectum por oposição a contrato real quoad constitutionem: “fica perfeito com o acordo entre as partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária, ao contrário do que sucede com o mútuo clássico”9.


Resulta ainda claro que a obrigação primária da parte creditante é a disponibilização de soma pecunária e a obrigação primária do cliente creditado é o de pagamento de comissões (a começar pela comissão de abertura de crédito e a terminar na comissão de imobilização para os fundos não utilizados) e dos juros correspondentes à utilização dos fundos utilizados (nos termos do art. 6º, 2, do DL 58/2013, de 8 de Maio).


Trata-se de um contrato nominado e objectivamente comercial, ainda que legalmente atípico, tendo em conta a sua discriminação nas genéricas “operações de banco” do art. 362º do CCom.


c) Mergulhando no caso.


I. Ficou provado que o contrato de abertura de crédito celebrado pelas partes litigantes foi celebrado através de documento particular (artigo único do DL 32:765, de 29 de Abril de 1943) em 12/10/2010, até ao montante máximo de € 170.000 e realizado em sistema de “conta-corrente” (v. cláusula 1.ª, 1. e 2.: facto provado 8.), e mostra-se “garantido” ou “caucionado” através da constituição de hipoteca sobre prédio urbano descrito nos autos (facto provado 10., cláusula 7.ª).


O sistema de conta-corrente é explicitado nos pontos 3. a 6. da cláusula 1.ª:


“3. Após a contratação da presente conta corrente, a conta de aplicação financeira será, automaticamente, constituída, a qual aufere juros calculados dia a dia, de acordo com o definido no Preçário da CEMG, e funciona nos seguintes termos:


a) Sempre que a conta DO tenha um saldo superior a 2.500€ e desde que o valor excedente o permita, são transferidos automaticamente montantes de 500€, para a conta de aplicação financeira;


b) Quando na conta de aplicação financeira exista saldo disponível e a conta DO tenha saldo inferior a 2.500€, serão efectuadas transferências automáticas da conta de aplicação financeira para a conta DO, até igualar ou superar o valor definido na alínea anterior, ou até esgotar o saldo da conta de aplicação financeira;


4. A presente abertura de crédito funciona mediante articulação com a conta DO n.º ...........-7, aberta no balcão da CEMG em ..., em nome da PARTE DEVEDORA, e uma conta corrente específica associada ao presente contrato de financiamento, sendo que, a utilização do crédito bem como as restituições à conta corrente, serão sempre efectuadas automaticamente pela CEMG, nos seguintes termos:


a) Se o saldo da conta DO for igual ou inferior a 0€ e o saldo da conta de aplicação financeira for igual a 0€, será automaticamente transferido da conta corrente associada ao presente contrato para a conta DO, tranches no valor de 500€, até igualar ou superar o saldo definido no ponto 3/-a até ao máximo do limite do crédito aberto e ainda não utilizado;


b) Quando a conta DO apresentar um saldo superior a 2.500€ e desde que o valor excedente o permita, se a presente abertura de crédito estiver a ser utilizada, a fim de repor o capital entretanto utilizado, serão efectuadas transferências automáticas da conta DO para a conta corrente associada ao contrato, em tranches de 500€;


5. O débito de juros da presente conta corrente será efectuado com a mesma periodicidade do crédito de juros da conta de aplicação financeira.


6. Para os efeitos do estipulado nos números 3 e 4 da presente cláusula, a CEMG fica desde já autorizada pela PARTE DEVEDORA, a efectuar todas as transferências automáticas de verbas - que se mostrem necessárias, da conta DO para a conta de aplicação financeira e desta para a conta DO, bem como da conta corrente do presente contrato para a conta DO, destinadas a cobrir os saldos negativos existentes, quer, ainda, para restituir à conta corrente os valor existentes na conta DO.”


Os juros e comissões estão previstos na cláusula 3.ª, facto provado 8.


A cláusula 4.ª respeita à amortização do “saldo devedor apurado na conta corrente no termo do prazo contratual ou suas renovações”, no caso de “denúncia por qualquer das partes”.


II. Tendo este acordo de abertura de crédito em conta-corrente sido celebrado em 2010, é-lhe aplicável o CPC de 1961, por força do art. 6º, 3, da Lei 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o novo CPC: «O disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor».


O Ac. do TC n.º 847/2014, de 3 de Dezembro, veio julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 703.º do CPC e 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013 de 26 de junho, na interpretação de que aquele artigo 703.º se aplica a documentos particulares emitidos em data anterior à da entrada em vigor do novo CPC e então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC de 196110.


O Ac. do TC n.º 408/2015 de 23 de Setembro11 veio declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46º, 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por violação do princípio da protecção da confiança (artigo 2.º da Constituição).


Na verdade, ficaram retirados do elenco taxativo de títulos executivos no CPC de 2013 os documentos particulares elencados no art. 46º, 1, c), do CPC de 1961, e em nome desse princípio da confiança, tais documentos particulares, (i) assinados pelo devedor, (ii) que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisas móveis ou de prestação de facto, constituídos antes da entrada em vigor do novo CPC, mantêm a força de título executivo, apesar de já arredada essa qualidade na actual lei processual.


Concluiu-se neste acórdão do TC:


“Na presente situação, do regime transitório constante do artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013 não decorre uma acomodação ajustada dos interesses em presença, pois dele resulta uma lesão particularmente intensa da confiança legítima do particular – que perde o título executivo que possuía e de acordo com o qual tinha feito planos de vida, com base na lei – para prosseguir um interesse público que, embora relevante, poderia ser igualmente alcançado de forma eficaz através de meios menos lesivos.


A previsão pelo legislador de um autêntico regime transitório, quer formal, quer material, tutelador das posições de confiança alicerçadas na lei antiga, depende de uma ponderação muito específica entre os prejuízos que daí podem advir para a realização da finalidade da alteração legislativa e os prejuízos para os interesses particulares afetados decorrentes do novo regime e da não previsão de um regime transitório. Pode argumentar-se que a intenção legislativa de evitar as execuções injustas e de diminuir o número de ações executivas não precedidas de contraditório afasta ou enfraquece a possibilidade de sobrevigência da lei antiga, requerendo uma aplicação da lei nova tão imediata quanto possível. Contudo, a evolução legislativa quanto a esta matéria descrita supra foi suscetível de fundar uma confiança particularmente forte na constância do regime ou, pelo menos, na não supressão do valor de título executivo a documentos que já o possuíam. Por outro lado, o juízo quanto à excessiva amplitude do elenco dos títulos executivos, se justifica uma intervenção ablativa de uma das categorias anteriormente previstas, não impõe uma aplicação imediata e praticamente sem qualquer ressalva do novo regime, sem dar qualquer possibilidade aos titulares dos documentos que perdem a natureza de títulos executivos de instaurarem, após a publicação da nova lei, execuções com base neles.


Assim, o interesse público subjacente àquele regime não demonstra ter um contrapeso suficientemente intenso face à medida da afetação da confiança legítima dos credores. Tendo em conta o grau de relevância atribuível a este interesse público (e à urgência da aplicação do novo regime), não se afigura que «a previsão de um regime transitório adequado», tal como propugnado no Acórdão n.º 847/2014, n.º 16, afetasse de modo incomportável ou irrazoável a sua realização, a ponto de justificar o sacrifício total da posição de confiança. Nessa medida, a norma objeto do pedido afeta excessivamente as expetativas dos particulares que se mostram legítimas e fundadas em boas razões, com ofensa do princípio constitucional da proteção da confiança dos cidadãos, ínsito no princípio do Estado de Direito, que se encontra consagrado no artigo 2.º da Constituição.”


Em suma: à luz dessa decisão do TC, mantém-se a exequibilidade de um título constituído antes da entrada em vigor da reforma do CPC de 2013 (isto é, 1 de Setembro de 2013), que, ao tempo da sua emissão, era título executivo por força do art. 46º, 1, c), do antigo CPC, desde que esse título, estando assinado pelo devedor, importe a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético12.


III. Neste contrato de abertura de crédito, celebrado em 2010, não foi constituída ou reconhecida qualquer obrigação pecuniária de constituição imediata a cargo da Executada, correspectivo de um direito de crédito do Exequente banco, o que se extrai com facilidade do aludido facto provado 8., que reproduz o contrato – em especial, a respectiva cláusula 1.ª. Originariamente está reflectida no contrato uma manifestação de vontade do banco em vir a tornar-se credor quanto ao montante máximo a disponibilizar e a levantar pelo cliente. Estão sim estipuladas cláusulas que regulam obrigações de juros (remuneratórios e indemnizatórios a título de cláusula penal), de pagamento de comissões, de amortização, de “transferências automáticas” para suprimento de conta, de despesas e encargos. Cláusulas essas que dependem das prestações futuras das partes para conclusão e execução do negócio: (i) disponibilização do montante pela parte creditante e (ii) utilização efectiva do montante disponibilizado a cargo da parte creditante, ou seja, no máximo, € 170.000.


Em rigor, não resulta do contrato – nem podia resultar – a entrega desse montante; estipula-se apenas a abertura em conta corrente de um eventual crédito até esse valor máximo de disponibilização e a futura realização de prestações, que são no essencial incidentes sobre a disponibilização e a movimentação efectiva com levantamento (que corresponde a um direito a manifestar e exercer pelo creditado) e amortização pela sociedade outorgante das quantias colocadas à sua disposição e, eventualmente, repostas.


Por isso, conforme explica a doutrina13, o contrato de abertura de crédito configura – e as hipóteses dogmáticas são várias mas parece ser adequado assim considerar – duas eficácias jurídicas distintas próprias de uma dualidade contratual:


“(…) no primeiro momento da abertura de crédito há uma eficácia preparatória: produz-se um acordo de concessão de crédito que visa a disponibilidade futura do dinheiro, eventualmente, em conta corrente, ficando “perfeito com o acordo das partes, sem necessidade de qualquer entrega monetária” (STJ 15-Mai-2001)”;


“Num segundo momento há uma eficácia final: levantada a quantia concreta, maxime, da conta corrente, constitui-se o mútuo, dada a natureza real quoad constitutionem. O mútuo é intrinsecamente final. Ora se é certo que o mútuo em si mesmo poderá ser título executivo da obrigação de restituição da quantia mutuada, desde que celebrado na devida forma escrita legalmente exigida, todavia no mútuo prometido em concessão de crédito ele não apresenta autonomia formal: o documento titular das vinculações é o da abertura de crédito. Daí que se compreenda a necessidade de colmatar essa falta de documento que, titulando o mútuo, possa ser levado à execução”.


É neste segundo momento que o crédito a uma quantia pecuniária certa surge, “por via potestativa e em simples execução do contrato”14.


É desse mútuo assim concretizado na conclusão e execução do contrato de abertura do crédito que surge o direito de crédito que ora se pretende executar por força do título executivo – a restituição com juros da utilização dos € 170.000 que foram disponibilizados pelo banco creditante.


Com efeito, como se salientou no Ac. do STJ de 10/04/201815, “pode dizer-se, com referência ao citado art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC, que o contrato de abertura de crédito é um documento particular assinado pelos executados, importando a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente. (…)


Conforme dispõe o art. 804.º do CPC (actual art. 715.º), quando a obrigação esteja dependente de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente que se efectuou ou ofereceu a prestação. Assim, não resultando do contrato celebrado a concessão efectiva de qualquer crédito, o que só ocorreria posteriormente com a mobilização pelos executados do montante disponibilizado, tornava-se necessário que a exequente, através de documentação complementar, demonstrasse que os executados utilizaram efectivamente aquele montante (…)”.


Ou seja – dando um passo último.


A força executiva de que o contrato de abertura de crédito em conta-corrente se reveste, enquanto documento particular, não se adquire automaticamente, pois importa adicionalmente que se faça demonstração do reconhecimento de obrigações pecuniárias nos termos do art. 46º, 1, c), do CPC 1961.


O art. 46º, 1, c), do CPC de 1961, conjugado com o princípio ditado pelo art. 804º, 1, do mesmo CPC16 (aplicável ainda por força do art. 6º, 3, da Lei 41/2013), implica que se veja o contrato de abertura de crédito como um título executivo incompleto quanto às obrigações pecuniárias que resultam das prestações futuras nele convencionadas ou subjacentes. E a sua completude, sendo as obrigações pecuniárias determináveis nos termos da liquidação do exequente, depende de prova complementar do título, assente em “documento passado em conformidade com as cláusulas constantes do documento exequendo – extractos de conta-corrente ou outros documentos contratuais”17; assim se prova que, como se enfatizou no Ac. do STJ de 8/6/2021, “a obrigação futura, que se pretende executar, foi efetivamente constituída, isto é, que alguma prestação foi, de facto, realizada no desenvolvimento da relação contratual. Daí a necessidade de completar a (…) abertura de crédito com a prova de que foi efetivamente emprestada alguma quantia ao creditado”18.


Daí que nada obste a que se possa aplicar – e ainda solidificar mais esta interpretação – o art. 50º do CPC de 1961 (igual ao actual art. 707º do CPC 2013), de forma analógica aos documentos particulares, na parte relativa à prova das prestações e obrigações futuras que baseiam a execução: “tratando-se de contratos-quadro, ou seja, de contratos em que se convencionem obrigações futuras (como o contrato de abertura de crédito), a exequibilidade exigirá adicionalmente a demonstração, pelos meios previstos no art. 707º, da existência de prestações que tenham sido realizadas para conclusão do negócio ou de que alguma obrigação foi, entretanto, constituída”19.


IV. A junção de tal documento complementar, como “extracto de movimentos”, emitido pelo banco-parte creditante, onde se demonstram tais prestações, foi feita na Oposição e é idóneo e suficiente para completar o contrato de abertura de crédito como título executivo e fundamentar a exequibilidade do título – cfr. factos provados 9., 11., 21. a 23.


Note-se que – desde para logo para desentranhar a materialidade dos factos 21. a 23. – esses movimentos associados ao contrato de abertura de crédito (..............4: facto provado 6.), que se identificam no “extracto” como documento complementar e integrante, são típicos de uma convenção acessória de conta-corrente (prevista na cláusula 1.ª do contrato, facto provado 8.), pela qual as partes se obrigam a inscrever e registar os seus créditos e débitos recíprocos através do “mecanismo contabilístico de lançamentos a crédito e débito” e a “compensação sucessiva de créditos e débitos”20.


V. A oportunidade processual, ainda que ulterior ao requerimento executivo dos autos principais (cfr. art. 724º, 1, e 4, a), do CPC), deve ser considerada lícita para o efeito de suficiência do título executivo, em aplicação do princípio geral de aproveitamento e aperfeiçoamento do requerimento executivo expresso no art. 734º, 1, do CPC actual, correspondente ao art. 820º, 1, do CPC 1961 («Sem prejuízo da remessa do processo para despacho liminar nos termos do disposto no artigo 812.º-C, o juiz pode conhecer oficiosamente das questões a que aludem os n.os 1 e 3 do artigo 812.º-E [actual art. 726º], bem como a alínea g) do artigo 812.º-D, até ao primeiro acto de transmissão de bens penhorados.»), e superação por tal via de um desfecho de extinção da execução: será o caso da execução baseada em título de que resulte uma exequibilidade imperfeita e uma consequente incerteza da obrigação ou inexigibilidade da prestação uma vez verificada que não foi imediatamente oferecida e efectuada prova complementar do título21.


Na verdade, está em causa a elucidação do fundamento de oposição previsto na al. a) do art. 729º do CPC 2013, em articulação (prévia) com o fundamento previsto na al. e) do mesmo preceito.


E, por fim, está em causa tutelar de forma justificada a posição de um exequente que é o último cessionário de uma sucessão dos vários titulares do crédito exequendo e não coincide com o exequente que apresentou o requerimento executivo (cfr. als. A) e D). do Relatório).


VI. Por fim, é o próprio contrato que determina, a propósito do “direito de resolução” (e pagamento do saldo da conta corrente), que:


“O extracto de conta corrente prova os lançamentos a débito e a crédito na mesma efectuados e o respectivo saldo considerado probatório”.


Logo, a complementaridade, para efeitos da formação do título executivo, entre o documento particular dado à execução e o extracto bancário de movimentos descritos nos factos provados 9., 11., e 21. a 23., junto pela Exequente Embargada, corresponde (sem embargo da sua falta de rigor técnico) a uma convenção de prova da dívida válida (v. art. 345º do CCiv.)22, não podendo os Embargantes, aqui Recorrentes, opor-se à execução com base nessa junção e seu efeito constitutivo enquanto suporte da dívida exequenta.


Tanto mais que é o próprio contrato de abertura de crédito que contém referência aos movimentos que se surpreendem nesse extracto-documento complementar e à articulação para esses movimentos entre contas (conta DO ...........-7 e “conta corrente específica associada ao presente contrato de financiamento” e “conta de aplicação financeira”) – cfr. cláusula 1.ª, facto provado 8.


d) Em suma, resulta provado do contrato e do documento complementar junto em sua completude:

i. a celebração do acordo para a entrega da quantia de “abertura de crédito” máxima de € 170 000,00, em conta bancária da sociedade executada, assinada pela devedora através do seu representante (cfr. facto provado 24.);

ii. a entrega para utilização da quantia de € 170 000,00, a título de capital;

iii. a utilização da quantia disponibilizada a título de capital em sistema de conta-corrente e entrega de amortizações-“entradas” pela parte creditada.


E, portanto, temos título executivo munido de exequibilidade, nos termos do art. 46º, 1, c), e 50º (analogicamente), do CPC de 1961, que permite o reconhecimento de uma obrigação pecuniária de montante determinado, quanto ao capital (a totalidade do montante disponibilizado e levantado por transferência) e determinável (juros aplicados após o momento do incumprimento), quanto ao mais, por simples cálculo aritmético, devidamente assinado pelo devedor (propiciador, portanto, dos requisitos exigidos pelo art. 713º do CPC: certeza, exigibilidade e liquidez).


De tal modo que, no que respeita a esta questão da revista, merecem ter sucesso as Conclusões 60. a 128. do recurso ora apreciado, que assim procedem.


III. DECISÃO


Em conformidade, julga-se parcialmente procedente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença de 1.ª instância, considerando improcedente a Oposição mediante Embargos dos Executados e ordenando nos termos devidos a prossecução da acção executiva.


Custas nesta instância a repartir pelas partes: ¾ a cargo dos Recorridos e ¼ a cargo da Recorrente (art. 527º, 1 e 2, CPC).


STJ/Lisboa, 30 de Abril de 2024


Ricardo Costa (Relator)


Maria Amélia Ribeiro


Maria Olinda Garcia


SUMÁRIO DO RELATOR (arts. 663º, 7, 679º, CPC)





_______________________________________________

1. V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “A impugnação das decisões judiciais”, Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lex, Lisboa, 1997, págs. 395-396, 399-400, 400, 402-403.↩︎

2. V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, 36.↩︎

3. V. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “Prova, poderes da Relação e convicção: a lição da epistemologia – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.9.2013”, CDP n.º 44, 2013, págs. 33-34, ID., “Dupla conforme e vícios na formação do acórdão da Relação”, de 1/4/2015, in https://blogippc.blogspot.com/2015/04/dupla-conforme-e-vicios-na-formacao-do.html; ABRANTES GERALDES, Recursos… cit., sub art. 662º, págs. 312-313, sub art. 682º, págs. 435-436; JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ARMANDO RIBEIRO MENDES/ISABEL ALEXANDRE, Código de Processo Civil anotado, Volume 3.º cit., sub art. 662º, pág. 177, sub art. 674º, pág. 232. Na jurisprudência do STJ, v. Acs. de 11/2/2016, Processo n.º 907/13, Rel. ABRANTES GERALDES, 26/11/2019, processo n.º 431/14, Rel. PEDRO LIMA GONÇALVES, 6/9/2022, processo n.º 3714/15, Rel. GRAÇA AMARAL, e de 2/11/2023, processo n.º 6178/16, Rel. RICARDO COSTA; sempre in www.dgsi.pt.↩︎

4. Para tudo, v. os Acs. do STJ de 15/6/2023, processo n.º 6132/18.1T8ALM.L1.S2, e de 17/10/2023, processo n.º 2154/07.6TBPVZ.P2-B.S1, sempre como Rel. RICARDO COSTA, in www.dgsi.pt.↩︎

5. V., em abono, o Ac. do STJ de 17/1/2023, processo n.º 3123/18, Rel. LUÍS ESPÍRITO SANTO, in www.dgsi.pt.↩︎

6. JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A ação executiva – À luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª ed., Gestlegal, Coimbra, 2018, págs. 39-40.↩︎

7. CALVÃO DA SILVA, Direito bancário, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 365, JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Direito dos contratos comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 501.↩︎

8. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit., pág. 502 e nt. 958.↩︎

9. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário, colab. A. Barreto Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2016 (reimp. 2018), pág. 694.↩︎

10. Processo n.º 537/14, Rel. MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS, disponível in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20140847.html.↩︎

11. Processo n.º 340/2015, Rel. MARIA DE FÁTIMA MATA-MOUROS, disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150408.html.↩︎

12. Atenta a redacção por último conferida pelo art. 1º do DL 38/2003, de 8 de Março.↩︎

13. Vamos citar e seguir RUI PINTO, Manual da execução e despejo, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, págs. 189-190.↩︎

14. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Direito bancário cit., pág. 697.↩︎

15. Processo n.º 18853/12, Rel. PINTO DE ALMEIDA.↩︎

16. «Quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, que se verificou a condição ou que efetuou ou ofereceu a prestação”.↩︎

17. V., neste sentido, RUI PINTO, ob. cit., págs. 186-187; pioneiramente, para um título executivo de formação compósita ou complexa, os Ac. do STJ de 15/5/2001, processo n.º 01A1113, Rel. LOPES PINTO, e de 8/3/2005, processo n.º 04A4359, Rel. FARIA ANTUNES; recentemente, de 25/3/2021, processo n.º 6528/19, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, sempre in www.dgsi.pt.↩︎

18. Processo n.º 1951/16, Rel. MARIA CLARA SOTTOMAYOR, in www.dgsi.pt.↩︎

19. Neste sentido: ANTÓNIO ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil anotado, Volume II, Processo de execução, processos especiais e processo de inventário judicial, Artigos 703º a 1139º, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2024, pág. 24.↩︎

20. JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, ob. cit., págs. 491, 492.↩︎

21. V., em abono desse princípio, LOPES DO REGO, “Requisitos da obrigação exequenda”, A reforma da acção executiva, Themis, Ano IV, n.º 7, 2003, págs. 68-69, JOSÉ LEBRE DE FREITAS, ob. cit., pág. 96; convergente e inspirador, v. o cit. Ac. do STJ de 10/04/2018.↩︎

22. Neste sentido, v. Ac. do STJ de 13/5/2021, processo n.º 15465/16, Rel. MARIA DA GRAÇA TRIGO, in www.dgsi.pt.

A doutrina faz depender tal validade do preenchimento de três requisitos: disponibilidade do direito; razoabilidade; conformidade com a ordem pública – ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, “Artigo 345º”, Código Civil comentado, I, Parte geral (artigos 1.º a 396.º), coord.: A. Menezes Cordeiro, Almedina, Coimbra, 2020, págs. 1010-1011.↩︎