Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3418/18.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
JUROS DE MORA
CONDENAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONTRA-ALEGAÇÕES
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I – Um Acórdão do Supremo que confirmou o acórdão recorrido, que, por sua vez, não condenou a ré em juros de mora quanto à indemnização por danos não patrimoniais, não padece de qualquer omissão quanto a juros, nem constitui um lapso a ser corrigido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 614.º, n.º 1, do CPC.

II – A questão dos juros não integrou o thema decidendum no recurso de revista, dado que a autora, agora reclamante, não impugnou esse segmento do acórdão da Relação em sede de ampliação do objeto do recurso de revista.

Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. AA, Recorrente, tendo sido notificada do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06-02-2024, que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação, que decidiu «b) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela apelante, AA e, consequentemente, altera-se a decisão recorrida, condenando-se a apelada, CP – Comboios de Portugal, E.P.E., a pagar à apelante, AA, a título de indemnização, a quantia total de € 21 767,59 (vinte e um mil, setecentos e sessenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos), acrescendo à quantia de € 1767,59 (mil, setecentos e sessenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) os juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento» - veio, ao abrigo do artigo 614º, nº 1 do CPC, requerer a retificação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos e com os fundamentos que se passam a transcrever:

«2. Tal como consta do relatório do douto acórdão, a A. pediu a condenação da R. no pagamento da quantia de €150.000,00, a título de danos não patrimoniais, passados, presentes e futuros, acrescida de juros de mora à taxa legal.

3. Sucede que, quer a decisão da primeira instância quer a decisão da segunda instância, apenas mencionaram a condenação nos juros de mora respeitantes aos danos patrimoniais, nada referindo relativamente aos juros de mora respeitantes aos danos morais.

4. Poderia pensar-se que, tendo em conta que os juros de mora devidos por danos não patrimoniais devem ser computados apenas a partir do trânsito em julgado da decisão condenatória, no momento da mesma ainda não serão devidos e, consequentemente, não haverá mora.

5. Relativamente ao momento a partir do qual deverão ser contados os juros de mora, entendeu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2015 (Processo 30516/11.7...):

6. VI - Tendo o tribunal “a quo” se pronunciado sobre a verificação de danos não patrimoniais e determinado o montante indemnizatório a atribuir, sem que os recorrentes, no recurso de revista, tenham impugnado a sua existência, apenas se insurgindo quanto ao montante indemnizatório, os juros de mora são devidos desde o trânsito em julgado do acórdão que fixou a existência de tais danos e não desde a citação.

7. Por esta razão, parece à A. que deverá ser retificada esta omissão, sendo mencionado, por despacho, que os juros de mora respeitantes aos danos não patrimoniais serão devidos desde o trânsito em julgado do acórdão que fixou a indemnização atribuída a este título até efetivo pagamento.

8. Nesta conformidade, requer a Vossa Excelência a apreciação do presente requerimento».

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. Pede a autora uma retificação do dispositivo do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, com base no artigo 614.º, n.º 1, do CPC, invocando que houve uma omissão no que diz respeito à condenação em juros de mora relativamente à indemnização por danos não patrimoniais, os quais se devem contar a partir do trânsito em julgado da decisão que concedeu a indemnização.

Sustenta que a circunstância de quer o tribunal de 1.ª instância, quer o Tribunal da Relação terem apenas condenado a ré ao pagamento de juros de mora em relação à indemnização por danos patrimoniais, significa apenas que ainda não havia mora no momento da respetiva decisão condenatória por ausência de trânsito em julgado.

2. Todavia, a interpretação sustentada pela autora sai fora dos parâmetros habituais na prática judiciária, em que se constata que as decisões judiciais têm de conter uma pronúncia expressa quanto a juros de mora, quando condenam ao pagamento de indemnizações por danos não patrimoniais, desde que tal tenha sido pedido pelo autor da ação, não ficando tal decisão quanto a juros adiada para momento ulterior ao trânsito.

Ora, nem a sentença do tribunal de 1.ª instância, nem o Tribunal da Relação procederam a qualquer condenação em juros de mora relativamente à indemnização por danos não patrimoniais, o que não pode deixar de ser, ou uma decisão deliberada de negar esses juros não impugnada atempadamente pela autora, ou uma nulidade por omissão de pronúncia, que não foi invocada pela autora no recurso de apelação, nem para o Supremo, em sede de ampliação do objeto do recurso.

3. Por outro lado, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-11-2015, invocado como paradigma na sua reclamação, o que sucedeu foi radicalmente distinto da presente tramitação processual. Aí o Supremo fez acrescer à indemnização por danos não patrimoniais juros de mora desde a decisão atualizadora, corrigindo um erro da Relação que tinha fixado esses juros a partir da citação e cumprindo assim o estipulado no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº4/2002, de 9 de maio. E, fê-lo, porque os réus nas conclusões do recurso de revista suscitaram a questão, o que a aqui Autora não fez, como acima afirmado, nem no recurso de apelação, nem pedindo uma ampliação do objeto do recurso de revista nas contra-alegações, em que apenas pugnou pela manutenção do acórdão recorrido, sem qualquer pedido de correção do acórdão da Relação quanto a juros de mora no que diz respeito à indemnização por danos não patrimoniais.

3. Não estamos, pois, perante um erro material, de escrita ou de cálculo, ou qualquer inexatidão do Acórdão do Supremo, por lapso manifesto, suscetíveis de correção, nos termos do n.º 2 do artigo 614.º do CPC, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz. Mas perante uma questão nova em relação à qual este Supremo Tribunal não tem poderes jurisdicionais.

4. Assim sendo, o Supremo Tribunal, no Acórdão de 06-02-2024, não cometeu qualquer omissão nem qualquer lapso, que careça de ser agora corrigido, tendo-se limitado a conhecer das questões suscitadas pela recorrente CP – Comboios de Portugal no seu recurso de revista, como lhe competia.

5. Anexa-se Sumário ao abrigo do n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I – Um Acórdão do Supremo que confirmou o acórdão recorrido, que, por sua vez, não condenou a ré em juros de mora quanto à indemnização por danos não patrimoniais, não padece de qualquer omissão quanto a juros, nem constitui um lapso a ser corrigido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artigo 614.º, n.º 1, do CPC.

II – A questão dos juros não integrou o thema decidendum no recurso de revista, dado que a autora, agora reclamante, não impugnou esse segmento do acórdão da Relação em sede de ampliação do objeto do recurso de revista.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça indeferir a reclamação.

Custas pela reclamante.

Lisboa, 23 de abril de 2024


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Manuel Aguiar Pereira (1.º Adjunto)

Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto)