Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3709/12.2YYPRT-I.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: AÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
VALOR DA CAUSA
SUCUMBÊNCIA
PEDIDO
CUSTAS CÍVEIS
TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
REVOGAÇÃO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: DEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Sumário :
I. Especificamente para os recursos, estipula-se no n.º 2 do art.º 12.º do RCP que “…o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da ação.”

II. O valor do processo executivo é aferido nos termos gerais.

III. O valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido.

IV. A regra geral é a de que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa.

V. Visando os embargos de executado extinguir uma execução que tem por objeto o pagamento da quantia de € 6 350 000,00, nada há a apontar ao valor que, na 1.ª instância, foi fixado aos embargos (€ 6 350 000,00).

VI. Tendo a apelação e a revista por fim a revogação do despacho saneador que julgara improcedentes algumas das exceções alegadas pelas executadas para que se pusesse fim à execução, determinando (o despacho recorrido) a prossecução da tramitação dos embargos, isto é, visando os recursos (visto que a apelação improcedeu na totalidade) a extinção da execução, o valor, tanto da apelação como da revista, equivale ao valor da causa em que se inserem (os embargos de executado), isto é, o seu valor é de € 6 350 000,00.

VII. A possibilidade legal de dispensa, pelo juiz, da taxa de justiça remanescente em causas de valor superior a € 275 000,00 visa adequar o sistema retributivo da atividade jurisdicional estadual aos princípios da adequação e proporcionalidade.

VIII. Tendo o acórdão do STJ revogado as decisões recorridas (o saneador proferido pela 1.ª instância e o acórdão da Relação que o confirmou), nada obsta a que o STJ se pronuncie acerca de eventual dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente nas instâncias, nomeadamente na Relação. Isto é, casos como o destes autos ficam à margem da controvérsia que se tem suscitado quanto à competência do STJ para dispensar a taxa de justiça remanescente quanto à tramitação na 1.ª e 2.ª instâncias.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

Nota prévia:

Conforme se deu nota em despacho de 11.4.2024, na sessão do passado dia 10.4.2024, por lapso do relator, introduziu-se na plataforma Citius o texto do acórdão que, nestes autos, havia sido proferido em 28.11.2023, e não o texto do acórdão que havia sido votado e aprovado pelos ora subscritores. A formalização da correção deste erro é agora efetuada, publicando-se o acórdão com o texto pertinente.

I. RELATÓRIO

1. Associação Portuguesa de Casinos, Estoril Sol III – Turismo, Animação e Jogo, S.A., Varzim – Sol – Turismo, Jogo e Animação, S.A., Solverde – Sociedade de Investimentos Turísticos da Costa Verde, S.A., S..., S.A. e ITI – Sociedade de Investimentos Turísticos na Ilha da Madeira, S.A. notificadas do acórdão proferido nestes autos em 28.11.2023, apresentaram o seguinte requerimento, que se transcreve, na parte relevante:

1. Tanto as Recorrentes como as Recorridas requereram que o valor dos recursos interpostos no âmbito do presente apenso fosse fixado em EUR 30.000,01.

2. Subsidiariamente, requereram que fosse dispensado ou, pelo menos, significativamente reduzido, o pagamento do valor remanescente da taxa de justiça devida.

3. No entanto, nem o Tribunal da Relação nem o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciaram sobre a fixação do valor dos recursos.

4. Apesar de tal omissão e no que se entende corresponder a um acolhimento do valor proposto e aceite pelas partes, foram, ambos os recursos, autuados com o valor de EUR 30.000,01.

5. Neste contexto, requer-se, muito respeitosamente, a V. Exa. se digne esclarecer, no que importa designadamente para efeitos de elaboração da conta de custas, (i) se o valor a considerar, no âmbito dos recursos interpostos no presente apenso e para efeitos de custas, é fixado no supra aludido montante de EUR 30.000,01, ou (ii) se, subsidiariamente, deverá ser considerada a dispensa ou, pelo menos, a significativa redução, do pagamento do valor remanescente da taxa de justiça devida no âmbito dos recursos interpostos no presente apenso”.

2. As partes contrárias nada disseram sobre o aqui requerido.

3. Foi concedido ao Ministério Público, na qualidade de representante do interesse tributário do Estado, a possibilidade de emitir o seu parecer, em 10 dias.

4. O Ministério Público apresentou douto parecer, no qual concluiu como segue:

I- A base tributável para efeitos de taxa de justiça dos recursos interpostos corresponde ao valor da causa fixado em € 6.350.000,00;

II -A pronúncia acerca da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente não pode contemplar a atividade processual desenvolvida na 2.ª instância;

III- Deve dispensar-se as recorridas do pagamento da taxa de justiça remanescente respeitante à presente instância recursória em 50% daquele valor.

5. Notificadas do parecer do Ministério Público, as requerentes pronunciaram-se sobre o mesmo, reiterando o requerido.

6. Dispensados os vistos, foi designada data para apreciação do requerimento em conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. As questões a apreciar são as seguintes: valor tributário da apelação e da revista objeto deste apenso; dispensa da taxa de justiça remanescente referente às referidas apelação e revista.

2. Primeira questão (valor da apelação e da revista)

2.1. O factualismo a levar em consideração para a decisão é o seguinte:

a. Os presentes autos respeitam a execução em cujo requerimento executivo as exequentes (ora recorridas e requerentes), reclamaram o pagamento, pelas executadas (ora recorrentes e requeridas), da quantia de € 6 350 000,00.

b. Tendo as executadas deduzido oposição à execução, em despacho saneador proferido na oposição em 16.02.2022 foi fixado à causa o valor de € 6 350 000,00.

c. No referido despacho saneador a 1.ª instância julgou improcedente a exceção da “Iliquidez da Obrigação / Incompetência Material Tribunal” e, bem assim, as exceções “de inexequibilidade do título e de inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória”, da “inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória após pedido do efeito suspensivo” e julgou procedente a “exceção de inexigibilidade da sanção pecuniária compulsória após decisão do efeito suspensivo até ao trânsito em julgado da decisão, ou seja entre 11.2.2013 e 1.11.2014, fase em que os efeitos da exigibilidade da sentença fica suspensa.” Mais se determinou, no aludido despacho, a prossecução do processo para apreciação das restantes questões suscitadas nos embargos.

d. Na sequência de requerimento de todas as partes, por despacho proferido nos embargos em 30.5.2022, a 1.ª instância decidiu o seguinte:

Face ao exposto, dispensa-se os sujeitos processuais de parte do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder 275000,00 €., apenas sendo devido, o valor correspondente a 20% desse remanescente, dispensando-se do pagamento de 80% do remanescente da taxa de justiça na parte que corresponderia ao excesso sobre o valor tributário de 275.000,00 €

e. As embargantes apelaram do despacho saneador referido em c., quanto à improcedência das referidas exceções, tendo, no requerimento de interposição do recurso, indicado, como valor da apelação, o montante de € 30 000,01 e requerido, subsidiariamente, na eventualidade de se considerar que o valor do recurso equivalia ao valor da execução, a dispensa do remanescente da taxa de justiça ou a diminuição significativa do seu valor.

f. Na contra-alegação da apelação as recorridas indicaram como valor o indicado pelas recorrentes e, subsidiariamente, requereram a dispensa da taxa de justiça remanescente.

g. Por acórdão proferido em 08.11.2022 a Relação do Porto julgou a apelação totalmente improcedente e condenou as apelantes nas custas.

h. Contra esses acórdãos as embargantes interpuseram revista normal e, subsidiariamente, revista excecional.

i. No requerimento de interposição da revista as embargantes indicaram como valor da revista o montante de € 30 000,01 e requereram, subsidiariamente, na eventualidade de se considerar que o valor do recurso equivalia ao valor da execução, a dispensa do remanescente da taxa de justiça ou a diminuição significativa do seu valor.

j. As recorridas contra-alegaram e no requerimento de apresentação das contra-alegações declararam concordar com o valor do recurso indicado pelas recorrentes; subsidiariamente, requereram a dispensa da taxa de justiça remanescente.

k. Neste Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão que, na sequência de reclamação para a conferência, confirmou a decisão do relator, foi rejeitada a revista normal e determinou-se a apresentação dos autos à Formação, para apreciação da admissão da revista excecional.

l. A Formação admitiu a revista excecional, para apreciação das questões identificadas no acórdão proferido pela Formação.

m. Em 28.11.2023 o Supremo Tribunal de Justiça deu provimento à revista e, consequentemente, revogou o acórdão recorrido, julgando a oposição à execução procedente e, por conseguinte, julgou extinta a execução.

n. Nem na Relação nem neste Supremo Tribunal de Justiça foi proferida decisão acerca da questão do valor dos recursos.

2.2. O Direito

A regra geral, contida no art.º 11.º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), é a de que a base tributável para efeitos da taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela I, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respetivo.

Especificamente para os recursos, estipula-se no n.º 2 do art.º 12.º do RCP que “…o valor é o da sucumbência quando esta for determinável, devendo o recorrente indicar o respetivo valor no requerimento de interposição do recurso; nos restantes casos, prevalece o valor da ação.”

O presente litígio insere-se no âmbito de uma ação executiva.

O valor do processo executivo é aferido nos termos gerais (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, volume II, AAFDL, 2022, p. 420).

O valor da causa representa a utilidade económica imediata do pedido (art.º 296.º n.º 1 do CPC).

A regra geral é a de que se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro, é esse o valor da causa (n.º 1 do art.º 297.º do CPC).

Estes critérios impõem-se ao juiz, a quem compete fixar o valor da causa (art.º 306.º).

Visando os embargos de executado extinguir uma execução que tem por objeto o pagamento da quantia de € 6 350 000,00, nada há a apontar ao valor que, na 1.ª instância, foi fixado aos embargos (€ 6 350 000,00).

E, tendo a apelação e a revista por fim a revogação do despacho saneador que julgara improcedentes algumas das exceções alegadas pelas executadas para que se pusesse fim à execução, determinando (o despacho recorrido) a prossecução da tramitação dos embargos, isto é, visando os recursos (visto que a apelação improcedeu na totalidade) a extinção da execução, evidente se afigura que o valor, tanto da apelação como da revista, equivale ao valor da causa em que se inserem (os embargos de executado), isto é, o seu valor é de € 6 350 000,00.

Respondendo, pois, à primeira questão posta pelas recorridas, ora requerentes, o valor da apelação e da revista interpostas nestes autos, respetivamente, do saneador proferido em 16.02.2022 e do acórdão da Relação proferido em 08.11.2022, é de € 6 350 000,00.

3. Segunda questão (dispensa da taxa de justiça remanescente referente à apelação e à revista)

3.1. O factualismo a levar em consideração, além do supra constante em 2.1., é o seguinte:

a. A apelação interposta nos autos tem 39 páginas, contendo 145 artigos e 24 conclusões. Nela as recorrentes reiteraram as razões que haviam exposto, na 1.ª instância, para sustentarem a inexigibilidade da quantia dada à execução, manifestando as razões da sua discordância com o despacho recorrido, com recurso à citação de jurisprudência e de doutrina, nesta se incluindo dois pareceres de ilustres jurisconsultos, juntos aos autos.

b. A contra-alegação da apelação contem-se em 30 páginas, incluindo 48 conclusões.

c. O acórdão da Relação, que julgou a apelação, ocupa 44 páginas, das quais as primeiras trinta são preenchidas pelo relatório.

d. A revista tem 72 páginas, contendo 309 artigos e 25 conclusões. Nela as recorrentes discorrem, longamente, no sentido da demonstração de que não havia, entre as decisões das instâncias, dupla conforme, sustentam que haveria, ainda assim, fundamento para revista por violação das regras de competência absoluta e, subsidiariamente, deduzem revista excecional.

e. A contra-alegação da revista contem-se em 68 páginas, abrangendo 357 parágrafos e incluindo 39 conclusões.

f. O despacho do relator neste STJ, de rejeição da revista ordinária e apresentação dos autos à Formação prevista no art.º 672.º n.º 3 do CPC, demandou 15 páginas.

g. O acórdão deste STJ, proferido em conferência, que confirmou o aludido despacho, na sequência de reclamação das recorrentes, tem 18 páginas.

h. O acórdão da Formação tem 16 páginas.

i. O acórdão deste STJ, que em 28.11.2023 julgou a revista excecional, tem 40 páginas e, quanto a custas, tem o seguinte dispositivo:

As custas, nas instâncias e na revista, são a cargo dos embargados/exequentes/recorridos (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).”

3.2. O Direito

Segundo o art.º 1.º n.º 1 do RCP, “todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.”

Sendo certo que, para efeitos do Regulamento, “considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria” (n.º 2 do art.º 1.º).

As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (n.º 1 do art.º 2.º do RCP).

A taxa de justiça “corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento…” (n.º 1 do art.º 6.º do RCP).

Também no CPC se define que “a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais” (n.º 2 do art.º 529.º do CPC).

Mais estipulando o legislador que “a taxa de justiça é paga apenas pela parte que demande na qualidade de autor ou réu, exequente ou executado, requerente ou requerido, recorrente e recorrido, nos termos do disposto no Regulamento das Custas Processuais” (n.º 1 do art.º 530.º do CPC).

Por sua vez as custas de parte incluem a despesa que a parte suportou no processo com taxas de justiça (art.º 533.º n.º 2 al. a) do CPC).

Cabendo à parte vencida pagar à parte vencedora as respetivas custas de parte, nelas se incluindo as taxas de justiça pagas (art.º 533.º n.º 1 do CPC).

O valor da taxa de justiça, expresso com recurso à unidade de conta processual (UC, a qual se fixa à data do início do processo, na aceção referida no n.º 2 do art.º 1.º do RCP – n.º 3 do art.º 5.º do RCP), determina-se de acordo com as tabelas anexas no RCP. Na falta de estipulação em contrário, aplica-se a tabela I-A (n.º 1 do art.º 6.º do RCP). Nos procedimentos cautelares e incidentes aplica-se a tabela II (n.º 4 do art.º 7.º do RCP). Nos recursos, aplica-se a tabela I-B (n.º 2 do art.º 6.º do RCP). Às ações e recursos que assumam especial complexidade aplicar-se-á a tabela I-C, mediante decisão do juiz (“o juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela I-C…” – n.º 5 do art.º 6.º do RCP).

As referidas tabelas I-A, I-B e I-C preveem vários escalões de valor das ações, por ordem crescente, a que corresponde, a cada escalão, a título de taxa de justiça, um determinado número de UC, também por ordem crescente.

As tabelas I-A, I-B e I-C não preveem um montante máximo da taxa de justiça. A tabela I-A, por exemplo, tem, como escalão mais elevado expressamente previsto, o correspondente aos processos com valor de € 250 000,01 a € 275 000,00, a que caberá a taxa de justiça equivalente a 16 UC e, para além daquele valor de € 275 000,00, ao valor da taxa de justiça acrescerá, “a final”, 3 UC por cada € 25 000,00 ou fração. Ou seja, por exemplo, aquando da propositura da ação o autor, numa ação com valor superior a € 275 000,00, auto liquidará taxa de justiça correspondente a 16 UC, e a final pagará o correspondente ao remanescente.

Contudo, há que atentar no n.º 7 do art.º 6.º do RCP, aditado a este diploma pela Lei n.º 7/2012, de 13.02:

Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”

Visa-se, com este preceito, adequar o sistema retributivo da atividade jurisdicional estadual aos princípios de adequação e proporcionalidade, evitando que a aplicação cega da regra da conexão entre o valor da taxa de justiça e o valor tributário do processo conduza a resultados patentemente desajustados, por os valores cobrados excederem o que poderá e deverá, em termos de razoabilidade, ser aceitável face ao serviço prestado pelo sistema jurisdicional estadual, atendendo, designadamente, à utilidade ou valor económico dos interesses envolvidos, à complexidade da causa (manifestada tanto na perspetiva formal do número e extensão dos atos processuais praticados quanto na dificuldade substantiva das questões que o tribunal foi chamado a apreciar) e ao comportamento processual das partes (à luz do princípio da cooperação – art.º 7.º do CPC e do dever da boa-fé processual – art.º 8.º do CPC).

No caso dos dois recursos ora em análise, o valor de taxa de justiça correspondente ao valor tributário remanescente de € 6 350 000,00 - € 275 000,00, isto é, a € 6 075 000,00, é de, por cada recurso, € 37 179,00.

O valor da taxa de justiça correspondente ao montante de € 275 000,00 é de, por cada recurso, € 805,00.

É patente a desproporção dos valores em presença.

Na apelação não esteve em causa impugnação da decisão de facto, cingindo-se a intervenção da Relação à apreciação de questões de direito adjetivo e substantivo de alguma dificuldade, demandando inclusivamente a consulta de reputadíssimos jurisconsultos, mas que estão muitíssimo longe de justificar o pagamento ao Estado da quantia de € 37 179,00.

Na revista, as tarefas do STJ concretizaram-se na definição, algo trabalhosa, daquilo que veio a ser objeto de julgamento pelo tribunal, no seio da revista excecional, julgamento esse que, pese embora a relevância do tema – determinação do termo inicial de sanção pecuniária compulsória judicial – foi de alguma forma facilitado pela existência de trabalhos doutrinários e jurisprudenciais sobre a matéria, sem discrepâncias muito significativas.

Assim, também no que concerne à revista se considera ser manifestamente excessivo o valor tributário que resulta da consideração, sem restrições, do valor do recurso.

Note-se que, tendo o acórdão deste STJ revogado as decisões recorridas (o saneador proferido em 16.02.2022 e o acórdão da Relação do Porto proferido em 08.11.2022), nada obsta a que este STJ se pronuncie acerca da tributação correspondente a essas decisões, o que pode ocorrer, tanto logo no julgamento da revista, como na sequência de requerimento que, tempestivamente deduzido nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 616.º n.º 1, 666.º n.º 1 e 685.º do CPC - como é o caso do requerimento agora em análise - suscite a pronúncia do tribunal quanto a eventual dispensa ou redução da taxa de justiça remanescente em ambas as instâncias. Isto é, casos como o destes autos ficam à margem da controvérsia que se tem suscitado quanto à competência do STJ para dispensar a taxa de justiça remanescente quanto à tramitação na 1.ª e 2.ª instâncias (sobre essa controvérsia, mencionada no douto Parecer do Ministério Público, cfr, v.g., acórdão do STJ de 31.01.2023, processo n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1).

Isto exposto, afigura-se-nos que, se o elevado valor dos interesses em causa e a, ainda assim, relevante complexidade das questões suscitadas, obstam a uma total isenção da taxa de justiça remanescente, justifica-se, pelas razões já acima explicitadas, a que se adiciona a lisura do comportamento processual das partes, uma acentuada redução da referida taxa, que se fixa em 90%.

III. DECISÃO

Pelo exposto:

1.º Declara-se que o valor tributário da apelação e da revista objeto destes autos (apelação interposta do despacho saneador proferido em 16.02.2022 e revista interposta do acórdão da Relação do Porto proferido em 08.11.2022) é de € 6 350 000,00 (seis milhões trezentos e cinquenta mil euros);

2.º Dispensa-se a taxa de justiça remanescente correspondente a cada um desses recursos na proporção de 90%, sendo, pois, apenas devida a taxa de justiça remanescente respeitante a 10%.

Não são devidas custas, quanto a este incidente.

Lx, 23.4.2024


Jorge Leal (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

Manuel Aguiar Pereira