Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4357/19.1T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE FORNECIMENTO
RESOLUÇÃO
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PRAZO RAZOÁVEL
INEFICÁCIA
MORA DO DEVEDOR
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CULPA
PRESUNÇÃO LEGAL
PRESTAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS E DE RESULTADO
RECUSA DE CUMPRIMENTO
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Sumário :
I - Tendo a Autora contratado com a Ré o fornecimento de uma linha de produção de tubo corrugado, incluindo a montagem da respetiva maquinaria em Moçambique, a prestação da Ré cumprir-se-ia quando tivesse colocado a linha de produção a produzir tubo corrugado (artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil).

II – Tendo a ré abandonado as instalações da autora, sem que a linha de montagem estivesse apta a produzir o tubo corrugado, verifica-se uma situação de mora da devedora, que, como ilícito obrigacional, se presume culposo, competindo à ré produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.

III –A mora converte-se em incumprimento definitivo quando, durante a mora, o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (interpelação admonitória) e este, mesmo assim, não cumpre (artigo 808.º, n.º 1, 2.ª parte).

IV – O conceito de prazo razoável tem uma natureza indeterminada, que carece de preenchimento valorativo à luz das circunstâncias do caso, sendo razoável o prazo suplementar suficiente para que o devedor possa completar uma prestação já iniciada.

V – Sendo de 12 dias o prazo fixado pela autora na declaração admonitória, enviada e rececionada em 3 de setembro, deve entender-se que não é razoável ou adequado, estando em causa o cumprimento de um contrato nas instalações da autora, em Moçambique, bem como necessidades legais e sanitárias para a viagem dos funcionários da ré e transporte marítimo de materiais.

VI - A regra doutrinal e jurisprudencial segundo a qual a desrazoabilidade do prazo determina a ineficácia da declaração de interpelação do devedor produz consequências injustas, “ao protegerem desproporcionada e excessivamente os interesses do devedor e ao desprotegerem desproporcionada ou excessivamente os interesses do credor” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, ob. cit., p. 818).

VII – Assim, considera-se que a fixação de um prazo suplementar desrazoável não torna ineficaz a interpelação admonitória, fazendo com que comece a correr um novo prazo adequado ou razoável, podendo o credor que fixou um prazo desrazoável exercer o direito subjetivo à indemnização substitutiva da prestação, nos termos do n.º 1 do artigo 801.º do Código Civil, ou o direito potestativo de resolução do contrato, desde que o faça depois de decorrido um prazo razoável.

VIII - A liquidação do contrato como efeito da sua extinção deve ter em conta o princípio da justiça comutativa, no sentido de se manter, relativamente às obrigações de restituição, a mesma correspetividade que as partes procuraram entre as prestações realizadas em execução do negócio inválido ou resolvido.

Decisão Texto Integral: Processo n.º 4357/19.1T8LRA.C1.S2

1.ª Secção

Recorrida (autora): Savannah – Fábrica de Tubos e Acessórios Plásticos, Lda., pessoa coletiva n.º ...14, com sede no Parque Industrial ....

Recorrente (ré): Vasconcept – Engineering Solutions Development, Lda., contribuinte nº. ...25, com sede na Rua ....

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

1. A Autora instaurou ação para obter do tribunal a declaração de incumprimento de um contrato por parte da Ré, que teve como objeto o fornecimento e instalação, em Moçambique, por parte da Ré, de uma linha de extrusão completa para fabrico de tubo corrugado, cujo incumprimento, diz a Autora, lhe causou danos e implicou a resolução do contrato, devendo a Ré, por isso, devolver à Autora a quantia que recebeu a título de preço, no montante de €150.000,00 (ou se assim se não entender, a devolver à Autora €50.000 a título de redução do preço), a que acrescem os juros legais, e pagar-lhe uma indemnização pelos danos sofridos com o incumprimento, no valor de €24.272,0752, correspondente às despesas feitas pela Autora e que a mesma não teria suportado e mais €2.000/dia calculados desde 16-08-2019 até ao trânsito em julgado da sentença, correspondentes aos lucros cessantes, acrescidos dos juros legais.

A Autora diz que, após o período de 15 dias previsto para a montagem da máquina, a Ré abandonou as instalações da Autora sem que a mesma conseguisse colocar o equipamento em funcionamento “por não conseguir acertar com a regulação da máquina” o que sucedia “por falta de resistências adequadas, o que provocava uma errada afinação da temperatura na saída das cabeças da extrusora”,Razão pela qual a matéria-prima introduzida na máquina não era convertida com sucesso em tubo corrugado”. Além disso a Ré “não entregou à Autora todos os componentes do equipamento em causa”.

Alega ainda que, apesar das solicitações da autora, “até ao presente, não forneceu à Autora o material/componentes em falta e/ou concluiu a montagem do equipamento em questão por forma a que o mesmo ficasse a funcionar correcta e plenamente”, circunstancialismo que a levou a declarar à Ré a resolução do contrato. Daí os pedidos formulados.

2. Por sua vez, a Ré contestou, alegando que o preço acordado foi de 200.000,00 €; que “a escolha do tipo/modalidade de transporte da linha de produção em causa, das instalações da ré para as instalações da autora, bem como o respetivo custo, eram da responsabilidade exclusiva da autora”; que a montagem da linha decorreu nas instalações da Autora sem que a mesma tivesse as condições adequadas à sua montagem; que a linha ficou a funcionar carecendo unicamente de afinação e que foram os técnicos da Autora que danificaram uma resistência.

Mais alega que “até à presente data a autora ainda não indicou à ré, qual o transporte e data em que o remanescente do equipamento fornecido será enviado para as respetivas instalações”, a que corresponde “uma renda no valor diário de 50,00 €.”

Deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora a recolher das instalações da ré, os materiais melhor descritos no artigo 182.º desse articulado, sob pena de, não o fazendo, ser condenada a pagar à ré uma renda no valor diário de € 50,00 (cinquenta euros), por cada dia que o referido material ali permaneça, desde a data da notificação à mesma do presente articulado e até integral cumprimento da referida obrigação.

3. A Autora replicou e na parte que foi admitida disse «que incumbe à Ré, e não à Autora, a entrega, nas instalações desta, dos materiais/bens em falta».

4. Seguidamente, o tribunal definiu como temas e prova os seguintes:

«Saber qual o contrato celebrado entre autora e ré.

Saber qual a quantia acordada pela celebração do referido contrato.

Saber se assiste à autora direito à resolução contratual por incumprimento definitivo do referido contrato pela ré.

Apurar os danos causados pela ré à autora por causa do referido incumprimento contratual e apurar se a ré é responsável pelo seu ressarcimento.

Apurar se a autora causou danos à ré pelo não levantamento de parte dos materiais contratados e se a autora deve proceder ao seu levantamento e ao ressarcimento de tais danos.»

5. Realizado o julgamento foi proferida sentença a qual julgou improcedente a ação, bem como a reconvenção.

6. Autora e ré, inconformadas, apelaram para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, após exercer o seu poder de modificação quanto à matéria de facto provada, proferiu acórdão em que decidiu o seguinte:

«1 – Julga-se o recurso da Autora parcialmente procedente, revoga-se a decisão recorrida e, em conformidade, condena-se a Ré a pagar à Autora a quantia de EUR 150.000,00 (cento e cinquenta mil) a título de devolução do preço pago, mais a quantia de EUR 11.053,75 (onze mil e cinquenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos sofridos, nos termos acima indicados, mais juros à taxa comercial sobre ambas as quantias desde a citação até pagamento.

2 – Julga-se o recurso da Ré improcedente e mantém-se nesta parte a decisão recorrida.

3 – Custas do recurso quanto à ação por Autora e Ré na proporção do vencimento e decaimento. Sendo o valor dado à ação de EUR 174.272,08 o vencimento é de 92% (EUR 161.053,75) e o decaimento de 8%.

4 – Custas do recurso quanto à reconvenção pela Ré».

7. Inconformada, a ré interpôs recurso de revista, ao abrigo do n.º 1 do artigo 671.º e do artigo 674.º, n.º 1, al. a), ambos do CPC, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

«A. A ora recorrente não pode conformar-se com o teor da douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por ser sua firme convicção que com base na matéria de facto dada como provada e não provada, ocorreu uma incorreta subsunção da matéria de facto à matéria de direito.

B. Resultando tal incorreto enquadramento legal da matéria de facto dada como assente no erro de interpretação e aplicação da matéria de direito – Artº 31 674º nº1 alínea a) do CPC.

C. Não se encontrando verificados os requisitos do incumprimento contratual definitivo e consequentemente não se encontram verificados os fundamentos para a resolução contratual,

D. Subsistindo uma incorreta aplicação das normas atinentes à celebração e vigência do contrato de empreitada, bem como as normas atinentes ao incumprimento definitivo e a resolução contratual, designadamente no que tange aos Artºs 289.º; 405.º; 432.º; 433.º; 808.º; 1207.º e 1208.º todos do Código Civil.

E. A proposta da Ré, aceite pela autora, cingia-se apenas ao fornecimento e montagem da linha de produção na fábrica desta sita em Moçambique, de uma linha de extrusão completa, para fabrico de tubo corrugado.

F. Sendo que de acordo com a proposta de fornecimento aceite pelas partes o referido transporte teria de ser colocado à disposição da ré por parte da autora, custeando esta em exclusivo aquele.

G. Os técnicos da ré realizaram nas instalações da autora e após a conclusão da montagem da linha de produção, testes de operacionalidade individualizados relativamente a cada um dos elementos que compõem a linha de produção fornecida, não tendo procedido à testagem em simultâneo de todos os componentes da referida linha de produção, atendendo a que a capacidade energética disponível nas instalações da autora não permitia o arranque total da linha de produção fornecida.

H. A ré obrigou-se tão somente a produzir e montar o equipamento com o qual a autora iria realizar a produção de tubo corrugado.

I. A ré não se obrigou a produzir para a autora tubo corrugado.

J. Assim, a ré/recorrente não incumpriu com a obrigação assumida para com a autora relativamente ao fornecimento e à montagem da linha de produção de tubo corrugado.

K. Era à autora a quem competia ter na sua organização um ou mais técnicos que tivessem conhecimentos no que tange à operacionalidade e afinação da linha de produção em causa, com vista à produção de tubo corrugado, com as dimensões e características pretendidas.

L. A autora solicitou à ré, por e-mail datado de 22.07.2019, que informasse quando regressaria a ..., à fábrica da autora.

M. Tendo em resposta a ré informado da sua disponibilidade para se deslocar às instalações da autora, estando a aguardar os vistos que dependiam da “carta de chamada” a emitir pela autora, bem como a aguardar a chegada das resistências para as cabeças da extrusora.

N. Decorridos 8 dias sobre a data de 22.07.2019, ou seja, em 30.07.2019, a autora comunica por carta à ré que “a empresa já não se responsabilizará pelo pagamento das despesas decorrentes do envio desse material”

O. Não criou assim a autora as condições a que contratualmente se havia obrigado, de modo a permitir a deslocação dos técnicos da ré às instalações daquela e de modo a permitir o envio dos bens em falta,

P. Sendo que o envio de tais bens estava dependente do facto de a autora contratualizar, custear e disponibilizar à ré o transporte necessário ao envio de tais bens para as instalações da autora, facto que aquela nunca realizou.

Q. Não pode assim a autora arrogar-se de um incumprimento definitivo por parte da ré, relativamente ao negócio jurídico entre ambas celebrado, quando aquela criou unilateralmente as circunstâncias que tornaram impossível o cumprimento integral do mesmo.

R. Desta forma, não se encontravam preenchidos os pressupostos para que a Autora, ora recorrida, procedesse à resolução do contrato de empreitada, sendo que o resultado a que a ré se obrigou foi cumprido.

S. Não pode o Tribunal Recorrido legitimar o incumprimento da Recorrente com base em serviços acessórios não prestados, porquanto estes sequer foram contratualizados.

T. Dir-se-á que caso se venha a manter a condenação da ré ao reconhecimento do incumprimento definitivo do contrato e da consequente resolução contratual, o que apenas por mera cautela de patrocínio se concebe, dir-se-á que inexistem quaisquer factos dados como provados no que tange a prejuízos sofridos pela autora e nos quais possa assentar a obrigação de indemnizar.

U. Por outro lado, admitindo que se verificou a perda objetiva do interesse contratual por parte da autora por causa imputável, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, operou-se a resolução do contrato de empreitada em causa.

V. A resolução contratual é equiparada, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico e por isso tem efeitos retroactivos.

W. Assim sendo, se o pedido de restituição, por parte da autora, da quantia a título de devolução do preço pago, proceder na íntegra também deverá ser restituído a linha de produção fornecida pela Ré ou o valor correspondente à mesma o qual resulta dos termos do contrato celebrado entre as partes.

X. Deve assim revogar-se o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, considerando-se não verificado o incumprimento contratual imputável à ré e consequentemente considerando-se não verificada a resolução contratual, absolvendo-se a ré da obrigação de pagamento de quaisquer quantias à autora e condenando-se a autora a indemnizar a ré nos termos por esta reconvindos, tudo com o que se fará a COSTUMADA JUSTIÇA, o que se roga a V/ Exªs».

8. Notificada a autora da alegação de recurso da ré, veio apresentar contra-alegações em que pugna para que seja negado provimento ao recurso e mantida a decisão recorrida.

9. A Relatora no Supremo Tribunal de Justiça proferiu despacho para notificação das partes ao abrigo do artigo 655.º, n.º 1, do CPC para que se pronunciassem sobre a questão da admissibilidade do recurso de revista da ré, no segmento respeitante ao pedido reconvencional, vindo a proferir, após ouvir as partes, decisão de não admissibilidade parcial do recurso de revista por falta de conclusões quanto ao pedido reconvencional.

10. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões do recorrente que se delimita o objeto de recurso, as questões a conhecer são:

I - Verificação ou não dos pressupostos do incumprimento definitivo do contrato,

e, em caso de resposta positiva,

II – Consequências indemnizatórias e restitutórias da resolução do contrato.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

São os seguintes os factos dados como provados e não provados pelas instâncias, após o exercício, pelo Tribunal da Relação, dos seus poderes de modificação da matéria de facto:

Matéria de facto – Factos provados

1. A Autora é uma sociedade comercial, constituída e com sede em Moçambique, com o capital social de 21.600.000,00 meticais moçambicanos (em Euros 306.301,24€) e cujo objeto social consiste no fabrico de tubos e acessórios plásticos.

2. Por sua vez, a Ré é uma sociedade comercial por quotas, que se dedica, entre outros, ao fabrico e montagem de máquinas industriais.

3. Após negociação entre as partes, em finais de novembro/2018-inícios de dezembro/2018, foi entre ambas acordado que a Ré forneceria e procederia à montagem, pelo preço global de €200.000, na fábrica da Autora sita em Moçambique, de uma linha de extrusão completa, para fabrico de tubo corrugado com as medidas 75mm, 90mm, 110mm, 125mm, 160mm, 200mm (posição 1) e corrugador e moldes para 20, 25 (posição 2).

4. Entre autora e ré foi acordado que:

- a ré se obrigou a fornecer à autora os seguintes equipamentos (Posição 1):

a) 1 Extrusora Plastic Diâmetro 90 - ano 2006;

b) 1 Extrusora Plastic Diâmetro 60 - ano 2006;

c) 1 Cabeça de união de extrusoras;

d) 1 Corrugador refrigerado a água;

e) Moldes para tubo corrugado de dupla parede nas dimensões;

f) 1 Conjunto Diâmetro 75;

g) 1 Conjunto Diâmetro 90;

h) 1 Conjunto Diâmetro 110;

i) 1 Conjunto Diâmetro 125;

j) 1 Conjunto Diâmetro 160;

k) 1 Conjunto Diâmetro 200;

l) Máquina para transformar o tubo corrugado em corrugado de drenagem;

m) Serra planetária;

n) Enrolador; e ((posição 2) Corrugador

Moldes para corrugador diâmetro

25 Moldes para corrugador diâmetro

Mais acordaram que:

A linha em questão era usada e seria retrofitada nas instalações da ré, com equipamentos tecnologicamente mais avançados tais como variadores de frequência, motores de corrente alterna e equipamentos de controlo.

Os preços não incluem estadia, alimentação e transporte durante o período de montagem em Moçambique.

Os preços mencionados não incluem viagens entre Portugal e Moçambique para três técnicos da Vasconcept.

O prazo de execução dos trabalhos é de cinco meses após adjudicação.

Arranque da linha em Portugal na presença de um técnico de Moçambique.

O transporte e respetivas despesas eram da responsabilidade exclusiva da Autora (Facto aditado pelo Tribunal da Relação)

5. O envio da linha de produção em causa, foi efetuado através de transporte marítimo, fracionado em dois contentores marítimos de “40 pés”, sendo que tal envio ocorreu em dois momentos distintos, a saber: O 1.º contentor foi enviado no dia 22-4-2019 e o 2.º contentor foi enviado em 24-4-2019.

6. A linha de produção em causa, que saiu das instalações da ré, nas datas de 22.04.2019 e 24.04.2019, chegou às instalações da autora cerca de um mês e meio após as referidas datas.

7. A documentação necessária ao embarque dos técnicos da ré, das instalações desta para as instalações da autora, chegou à posse da ré nas seguintes datas:

- a carta de chamada destinada à emissão dos respetivos vistos foi enviada pela autora à ré na data de 10-05-2019, e

- os bilhetes de avião a 03-06-2019, com data de embarque a 16-06-2019 e regresso a 02-07-2019.

8. Os técnicos da ré chegaram às instalações da autora na data de 17-06-2019, sendo que apenas nesta data se iniciou a retirada dos equipamentos dos contentores em que foram expedidos, sendo que tal retirada ficou totalmente concluída no dia 20.06.2019.

9. O equipamento adquirido pela Autora à Ré começou a ser por esta montado nas instalações da Autora, em ...- Moçambique.

10. Sendo que tais equipamentos (linha de produção fornecida) foram colocados nas suas posições finais, cerca de dois dias depois.

11. A linha de produção foi colocada na sua posição definitiva no interior das instalações da autora, e efetuadas as ligações elétricas entre todos os equipamentos da máquina (circuito elétrico interno do equipamento) o mais tardar até ao dia 25.06.2019 (Facto modificado pelo Tribunal da Relação).

12. A potência instalada nas instalações da autora era inferior à potência necessária ao funcionamento da linha de produção fornecida conjuntamente com os equipamentos que já se encontravam colocados nas instalações da autora.

13. O quadro/armário elétrico necessário para o arranque do equipamento existente e do fornecido chegou às instalações da Autora quando os funcionários da Ré já lá estavam. A montagem deste quadro elétrico nas instalações da autora, pressupunha necessariamente a existência de um posto de transformação (Facto modificado pelo Tribunal da Relação).

14. A autora adquiriu um posto de transformação, tendo os funcionários da ré auxiliado na sua colocação, tendo para o efeito que ser efetuado um buraco na parede das instalações da autora, a fim de conseguir criar uma passagem para que o posto de transformação pudesse ser transportado até ao local onde iria ser instalado.

15. Os técnicos da ora ré, durante os dias 29 e 30 de junho de 2019, procederam a testes de operacionalidade procedendo ao teste individualizado de cada um dos elementos que compõem a linha de produção, atendendo a que a energia elétrica ali disponível não permitia o arranque total da linha de produção (Facto modificado pelo Tribunal da Relação).

16. No dia 01-07-2019, os técnicos da Ré aguardaram todo o dia para que fosse religada a eletricidade, o que não sucedeu.

17. No dia 02.07.2019 os técnicos da ré tal como inicialmente programado regressaram a Portugal.

17-A. A Ré não logrou colocar em funcionamento o equipamento descrito no ponto 3. dos factos provados de modo a produzir tubo corrugado sem defeitos (Facto aditado pelo Tribunal da Relação).

17-B. Durante o período temporal em que a Ré procedeu à montagem das máquinas procedeu-se à mudança do quadro elétrico e do transformador e ao corte de corrente elétrica, ocorreu também uma avaria e reparação de uma resistência e não se encontrava presente alguém com experiência no fabrico de tubo corrugado (Facto aditado pelo Tribunal da Relação).

18. Aquando do início dos trabalhos de montagem, já a Autora havia pago, junto da Ré, €150.000 e a Ré esteve cerca de 15 dias nas instalações da Autora a efetuar a montagem do equipamento.

19. A Ré não mais voltou às instalações da Autora.

20. A Ré não entregou à Autora os seguintes componentes do equipamento em causa:

- fieira para 75mm e moldes para corrugador diâmetro 75mm; - moldes para corrugador diâmetro 20mm e 25mm;

- 2 moldes/peças do molde para o corrugador diâmetro 90mm (ao invés das 72 contratadas, apenas foram enviadas 70);

- fieira e resistência para o diâmetro 200mm.

21. Por e-mail remetido pela Autora à Ré a 22 de julho de 2019, aquela solicitou a esta que informasse quando regressaria a ..., à fábrica da Autora, tanto mais que começava «já a ter uma data de encomendas pendentes e sem previsão de fornecimento, uma vez que estamos parados e sem produzir.»

22. Tendo a Ré, no mesmo dia, respondido que se encontrava a aguardar pelos vistos a emitir pelo Consulado, assim como pelas resistências para as cabeças da extrusora.

23. Por e-mail datado de 23/07/2019, a Autora informou ainda a Ré que:

“1. A proposta enviada pela Vasconcept, apresenta uma lista de equipamentos da qual consta uma fieira para 75 e moldes para corrugador diâmetro 75, porém não encontramos nem a fieira, nem os moldes nem o calibrador para diâmetro 75.

2. Ainda da mesma proposta consta que a Vasconcept forneceria moldes para corrugador diâmetro 20 e 25 mas, também, não recebemos tais moldes.

3. Os moldes para corrugador diâmetro 90 estão incompletos. Uma vez que deveriam ser um total de 72 moldes, pois na caixa só tem 70 moldes, faltando, neste caso, um par de moldes, ou seja, 2 moldes.

4. A cabeça para fabricar os diâmetros 160 e 200 (a que está guardada de lado), já vem montada com a resistência e fieira para diâmetro 160 (salvo o erro). Assim sendo, perguntamos se a mesma resistência e fieira servirão para fabricar os tubos com diâmetro 200. Caso não, estará e falta a fieira e a resistência para o diâmetro 200.

Por enquanto é tudo que constatamos uma vez que ainda não foram testados outros equipamentos nomeadamente Máquina de Perfuração de Tubos, Serra Planetária, Enrolador.

Aguardamos seu parecer e resposta o mais breve possível.

NOTA: Para o Sr. AA não ficar muito tempo à espera da resistência, poderia embarcar sem ela, visto que, através do Portador Diário, poderemos recebê-la na mesma. Poderíamos lançar a linha com o diâmetro 110.”

24. A Ré não respondeu a esta missiva, razão pela qual a Autora, por carta registada com A. R., enviada à Ré a 30/07/2019, comunicou-lhe o seguinte:

“Exmos. Senhores, Como é do v/ conhecimento, em finais de Novembro/2018 – inícios de Dezembro/2018, foi acordada com a v/ empresa a aquisição, fornecimento e montagem de uma linha de extrusão completa usada para fabrico de tubo corrugado 75, 90, 110, 125, 160, 200 e corrugador e moldes para 20, 25, pelo preço global de € 150.000,00.

Entre as partes foi acordado que a montagem de tal equipamento seria feito pela v/empresa e no prazo máximo de 5 meses.

A n/ empresa procedeu ao pagamento integral do preço, antes mesmo de o equipamento em causa se encontrar montado.

Sucede que, apenas no dia 17/06/2019, ou seja, já depois de decorridos os 5 meses acordados, o referido equipamento começou a ser montado nas n/ instalações em Moçambique por parte de V. Exas..

Todavia, decorridos 15 dias de montagem, os v/ funcionários BB, CC e DD, que haviam sido enviados pela v/ empresa para efectuar tal montagem, alegando terem de fazer outra obra, abandonaram os trabalhos de montagem, mesmo perante a hipótese de se prolongar o visto desses trabalhadores – o que não foi aceite pela v/ empresa.

Desde então e até ao presente, o equipamento em questão continua inoperacional, não obstante as n/insistências para que V. Exas. prossigam/retomem com o trabalho de montagem.

Acresce que, e conforme já informámos por e-mail de 23/07/2019, verificamos ainda encontrarem-se em falta determinadas peças, componentes do equipamento adquirido a V. Exas., a saber:

- fieira para 75 e moldes para corrugador diâmetro 75; - moldes para corrugador diâmetro 20 e 25;

- 2 moldes/peças do molde para o corrugador diâmetro 90 (ao invés das 72 contratadas, apenas foram enviadas 70);

- fieira e resistência para o diâmetro 200.

A falta das peças acima descritas, bem como o facto de a máquina não estar operacional, causou e causa à n/ empresa graves e enormes prejuízos, porquanto a mesma se encontra impedida de fabricar tubo corrugado, sendo certo que já havia assumido compromissos, designadamente contratação de funcionários com o respectivo pagamento de salário, celebração de contratos de fornecimento do dito tubo junto de terceiros, aluguer de espaço interior e exterior em feira de exposição ... em ... para exposição do produto tubo corrugado, sempre tendo em consideração que, no início do mês Julho/2019, o equipamento adquirido a V. Exas. estaria, com toda a certeza, a funcionar e a produzir tubo corrugado – o que não sucedeu.

Assim, vimos, pelo presente, solicitar a V. Exas. que, no prazo máximo de 15 dias:

- forneçam o material em falta;

- concluam a montagem do equipamento em causa, ficando o mesmo plenamente a funcionar.

Mais informamos que, atento o v/ atraso e incumprimento do contrato, a n/ empresa já não se responsabilizará pelo pagamento das despesas decorrentes do envio desse material, nem do custo das deslocações dos v/ funcionários.

Decorridos 15 dias sem que as questões acima descritas se encontrem definitivamente solucionadas, passaremos a cobrar a V. Exas. uma indemnização pelos prejuízos causados pela v/ supra descrita conduta, no valor de € 2.000/dia e iremos agir judicialmente contra V. Exas.”

25. A Ré rececionou tal missiva a 31/07/2019.

26. Por e-mail enviado à Ré a 03/09/2019, a Autora comunicou a esta o seguinte: “Exmos. Senhores,

Não obstante a n/ carta de 30/07/2019 e por V. Exas. recepcionada a 31/07/2019, certo é que, até ao presente, V. Exas. não se deslocaram à n/ fábrica para concluir a montagem e colocação em funcionamento da linha de extrusão adquirida a V. Exas., nem, tão – pouco, indicaram uma data em que tal sucederá.

Por outro lado, V. Exas. também ainda não nos entregaram as peças do referido equipamento melhor identificadas na nossa missiva de 30/07/2019 e que são:

- fieira para 75 e moldes para corrugador diâmetro 75; - moldes para corrugador diâmetro 20 e 25;

- 2 moldes/peças do molde para o corrugador diâmetro 90 (ao invés das 72 contratadas, apenas foram enviadas 70);

- fieira e resistência para o diâmetro 200.

A situação é insustentável, tanto mais que foi por parte de V. Exas. assegurado que, em finais de Maio, princípios de Agosto de 2019, o equipamento em causa estaria totalmente montado e a funcionar plenamente.

A v/ conduta causou e causa à n/ empresa graves e enormes prejuízos, porquanto nos encontramos impedidos de fabricar tubo corrugado, sendo certo que já assumimos compromissos, designadamente contratação de funcionários com o respectivo pagamento de salário, celebração de contratos de fornecimento do dito tubo junto de terceiros, aluguer de espaço interior e exterior em feira de exposição ... em ... para exposição do produto tubo corrugado, sempre tendo em consideração que, no início do mês Julho/2019, o equipamento adquirido a V. Exas. estaria, com toda a certeza, a funcionar e a produzir tubo corrugado – o que não sucedeu.

Pelo exposto somos a informar V. Exas. que, acaso até ao próximo dia 15 de Setembro de 2019, V. Exas.:

- não concluam a montagem do equipamento em questão por forma a que o mesmo fique a funcionar correcta e plenamente,

- não procedam à entrega do material em falta e acima melhor elencado, deixaremos de ter interesse no negócio celebrado com V. Exas., razão pela qual fica, a partir dessa data, o mesmo resolvido com justa causa, devendo V. Exas. proceder à devolução do preço por nós já integralmente pago (€150.000), a que sempre acrescem €62.000 a título de indemnização pelo atraso na montagem (€ 2.000 x 31 dias).”.

27. Mais uma vez, a Ré rececionou aquele e-mail.

28. A Ré não respondeu por escrito às comunicações desta identificadas nos Pontos 24. e 26. dos Factos Provados, ignorando-se se o fez verbalmente (Facto modificado pelo Tribunal da Relação)

29. A Autora estava dependente da montagem do equipamento identificado em 5º., para iniciar a produção deste tipo de tubo, não dispondo de outro equipamento que lho permita.

30. A Autora:

1) contratou três novos trabalhadores para fazer face ao necessário acréscimo de trabalho decorrente da produção dessa máquina, a saber:

1.1) a 01/03/2019, EE, com a categoria profissional de Auxiliar de Produção, auferindo um salário mensal ilíquido de 6.620 MZN (em Euros 93,8136);

1.2) a 17/06/2019, FF, com a categoria profissional de Técnico de Vendas, auferindo um salário mensal ilíquido de 10.000 MZN (em Euros 141,697);

1.3) A 01/07/2019, GG, com a categoria profissional de Motorista, auferindo um salário mensal ilíquido de 7800,00 MZN (em Euros 110,526); a quem está a pagar os respectivos salários, tendo, até 30/09/2019, despendido em salários e contribuições para a segurança social, 120.397,85 MZN (em Euros 1.706,1003€).

2) adquiriu um veículo automóvel de mercadorias especificamente destinado ao transporte de tubo corrugado, no valor de 550.000,00 (em Euros 7.803,92€);

3) adquiriu, junto da S..., Lda., manguitos de união no montante de € 5.414,40, destinados a unir o tubo corrugado depois de fabricado;

4) celebrou, junto de terceiros (Clientes), contratos de fornecimento de tubo corrugado;

5) arrendou (pagando o respectivo preço) espaço interior e exterior na Feira de Exposição “...” em ..., para exposição do seu produto (tubo corrugado), tendo, em virtude de ter estado presente na dita Feira, suportado despesas no montante de 379.982,04 Meticais (em Euros € 5.422,0949 €), a saber:

- arrendamento de espaço com stand modular, área descoberta/exterior e pagamento de energia eléctrica e água: 139.513,66 MZN

- pagamento L..., Lda.: 48.170,33 MZN

- despesas com refeições no decorrer da Feira: 50.260,00 MZN - compras diversas no Game: 28.647,00 MZN

- aquisição de 8 polos da Savannah: 4.200,00 MZN - aquisição de superwood 2440 x 1830: 1.100 MZN

- aquisição de 4 Bunners e 1 autocolante: 14.400,00 MZN

- aquisição de contraplacado e escova de pintor: 2.830,00 MZN - marquetização: 500 MZN

- aquisição de cadeados, extensão, cordas e outros: 7.056,00 MZN - aquisição de uma geleira Defy dupla: 16.000,00 MZN

- aquisição de diversos produtos alimentares: 8.569,00 MZN - aquisição de extensões de 3 metros: 840,00 MZN

- aquisição de água para consumo no Feira: 558,00 MZN

- aquisição de mesa, cola, tomadas, fichas, luvas, extensões e outros produtos conexos, todos destinados a serem colocados no stand: 25.345,00 MZN

- combustível para deslocações de e para a Feira: 11.063,05 MZN

- impressão de 500 folhetos destinados a serem entregues na Feira: 6500,00 MZN

- hospedagem de site L..., Lda.: 7.000,00 MZN - aquisição de extensões: 1680,00 MZN

- aquisição de serrote: 750,00 MZN

- cartões de visita destinados a serem entregues na feira: 4000,00 MZN - serviços de táxi: 1.000,00 MZN.

31. A Autora participou numa Feira de Exposição, com os inerentes custos, mas não pôde aceitar encomendas de tubo corrugado feitas nessa mesma Feira.

32. A Autora suportou as viagens de avião dos funcionários da ré. O custo de tais viagens ascendeu a € 1.890,00.

33. O tubo corrugado a produzir pelo equipamento melhor identificado em 5.º destinava-se a ser vendido pela Autora aos seus Clientes, a preços de mercado.

34. Se o Contrato de Empreitada celebrado com a Ré não tivesse existido, a Autora:

- não teria despendido €1.890,00 em viagens pagas aos funcionários da Ré, conforme resulta do documento junto como doc. 22

- não teria adquirido os bens/equipamentos constantes do documento 23, no valor de € 2.035,56

35. Eliminado pelo Tribunal da Relação

36. A Autora, em 11 de novembro de 2019, adquiriu, ela própria, pelo preço de € 2.035,00, uma das resistências para uma cabeça e respetivos acessórios (Facto aditado pelo Tribunal da Relação)

2. Matéria de facto – Factos não provados

2.1. Que o preço do contrato referido em 3 fosse de 150.000,00 euros.

2.2. Que a Ré testou o arranque da linha em Portugal na presença de um técnico de Moçambique.

2.3. Que a ré não tenha logrado colocar o equipamento em funcionamento, por não conseguir acertar com a regulação da máquina.

2.4. A falta de resistências adequadas provocava uma errada afinação da temperatura na saída das cabeças da extrusora, razão pela qual a matéria-prima introduzida na máquina não era convertida com sucesso em tubo corrugado.

2.5. Por forma a que a linha de extrusão adquirida pela Autora à Ré passe a funcionar corretamente e, assim, se torne adequada ao fim que se destina (produção de tubo corrugado), aquela será obrigada a:

a) contratar e pagar a técnicos da área, que se desloquem a Moçambique (neste país inexistem técnicos com conhecimentos para tal) e terminem os trabalhos de montagem em falta,

b) pagar as despesas de deslocação, alimentação e alojamento dos técnicos acima referidos, no mínimo, de € 5.000,00

c) adquirir três resistências para as três cabeças da extrusora, não fornecidas pela Ré com um custo de pelo menos, € 6.000,

d) adquirir os componentes em falta e melhor relacionados no artigo 17º, com um custo de aquisição para a Autora não inferior a € 15.000.

2.6. A autora até hoje não fabrica tubo corrugado.

2.7. Os funcionários da Autora identificados em 49º não se encontram a laborar;

- a Autora adquiriu e pagou bens e matéria-prima que ainda não pôde utilizar;

- a Autora não conseguiu cumprir os compromissos de fornecimento de material assumidos junto dos seus clientes;

2.8. Se o Contrato celebrado com a Ré não tivesse existido, a Autora:

- não teria arrendado um stand na Feira e Exposição ... e despendido todas as quantias melhor elencadas em 49º, no montante de € 5.422,0949;

- não teria contratado mais três funcionários e, em consequência pago o respectivos salários e contribuições para a segurança social, que, à data de 30/09/2019, totalizavam 120.397,85 MZN (em Euros 1.706,1003€)

- não teria adquirido um veículo automóvel de mercadorias especificamente destinado ao transporte de tubo corrugado, no valor de 550.000,00 (em Euros 7.803,92€);

- não teria adquirido, junto da S..., Lda., manguitos de união no montante de € 5.414,40, destinados a unir o tubo corrugado depois de fabricado.

2.9. O equipamento em causa, estando operacional, tem capacidade para produzir em contínuo (24 horas por dia /7 dias por semana) e, pelo menos, 10 metros de tubo corrugado por minuto.

Atenta a capacidade de produção de tal máquina, a Autora poderia vender, por dia, 14.400 metros de tubo corrugado.

Tendo em consideração que o preço de custo médio de tubo corrugado será para a Autora 140,475 MZN/metro (= € 2,00/metro), a produção de tubo corrugado nas quantidades referidas equivaleria à comercialização de bens no valor de 3.032.303,38 MZN/dia (em Euros 43.200,00/dia), pois a Autora sempre comercializaria o tubo corrugado a uma média de 210,713 MZN/metro (= € 3,00/metro), uma vez que a margem de lucro da Autora não é inferior a 50%.

2.10. Em meados do mês de abril a ré informa a autora que a linha de produção em causa se encontra concluída e que se encontra em condições de testar a mesma, aguardando a presença de um técnico da autora, tal como se encontrava contratualizado.

2.11. Entre a data de 16.04.2019 e 20.04.2019, realizou diversos testes nas suas instalações, com a linha de produção em causa, atestando o pleno, completo e perfeito funcionamento de todas as partes componentes da referida linha de produção.

A linha de produção em causa foi testada e foi atestada a sua funcionalidade nas instalações da ré.

2.12. Os moldes para corrugador diâmetro 20 mm e 25 mm, os mesmos não foram enviados nas datas de 22.04.2019 e 24.04.2019, por indicação da autora, não couberam nos contentores despachados nas datas de 22 e 24 de abril de 2019,

Em qualquer um dos referidos contactos a ré sempre manifestou à autora disponibilidade para remeter os equipamentos ainda não despachados, desde que a autora indicasse e custeasse o respetivo transporte, o que esta até à presente data não fez.

B) O Direito

Validade da declaração de resolução do contrato realizada pela Autora e dirigida à Ré

1. Está em causa, no presente processo, um contrato celebrado entre uma sociedade com sede em Portugal (Vasconcept – Engineering Solutions Development, Lda.), na qualidade de ré, e uma sociedade com sede em Moçambique (Savannah – Fábrica de Tubos e Acessórios Plásticos, Lda.), na qualidade de autora.

O contrato foi celebrado em Portugal e o lugar do cumprimento era Moçambique.

Tendo esta relação jurídica contratual conexão com duas ordens jurídicas, portuguesa e moçambicana, importa, em primeiro lugar, determinar qual a lei aplicável. Não tendo as partes designado qual a lei aplicável à substância do negócio e às obrigações dele provenientes, aplica-se o critério supletivo previsto no artigo 42.º, n.º 2, parte final, do Código Civil, e a lei aplicável é a lei do lugar da celebração, o que corresponde à lei portuguesa.

2. Estamos perante um contrato de empreitada, pelo qual a ré se obrigou em relação à autora a realizar certa obra mediante um preço, obrigando-se também a fornecer os equipamentos necessários (artigos 1207.º e 1210.º, n.º 1, do Código Civil).

Em concreto, a ré obrigou-se ao fornecimento e montagem, na fábrica da autora sita em Moçambique, de uma linha de extrusão completa, para fabrico de tubo corrugado com medidas específicas (75mm, 90mm, 110mm, 125mm, 160mm, 200mm) e corrugador e moldes.

Perante estes factos o contrato em causa configura-se como sendo um contrato de empreitada, pois trata-se de «(…) contratar toda uma obra, consistente na instalação de um equipamento em local pré-afectado e na sua entrega pronto a laborar assim desempenhando as funções a que se destinava (…)»

Ao contrato de empreitada aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos artigos 1207.º e segs. do Código Civil, e, também, as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações.

Nos termos do disposto no artigo 1208.º, do CC, “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato".

Em caso de existência de defeitos, o artigo 1221.º, n. 1, do Código Civil prescreve que “se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção.” Já o artigo 1222.º, n.º1, do Código Civil, prescreve que “Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina”.

É entendimento pacífico que, no regime jurídico do cumprimento defeituoso no contrato de empreitada, o legislador facultou ao dono da obra uma série de direitos a exercer sequencialmente. Assim, em primeiro lugar, o dono da obra goza do direito de exigir a eliminação dos defeitos e, caso tal eliminação não seja viável, tem o direito a exigir nova construção, salvo, em ambos os casos, se as despesas com a eliminação dos defeitos ou a nova construção forem desproporcionadas em relação ao proveito. Apenas no caso de não serem eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, tem o dono da obra o direito de exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, mas, neste último caso, somente se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.

3. No caso vertente, está em causa uma interpelação admonitória dirigida pela autora à ré para que esta cumpra num prazo de 12 dias, sob pena de resolução do contrato com justa causa.

Segundo o facto provado n.º 26, a autora emitiu a declaração, que dirigiu à ré por e-mail datado de 03/09/2019, através da qual lhe comunicou o seguinte: “(…) acaso até ao próximo dia 15 de Setembro de 2019, V. Exas.: - não concluam a montagem do equipamento em questão por forma a que o mesmo fique a funcionar correcta e plenamente, - não procedam à entrega do material em falta e acima melhor elencado, deixaremos de ter interesse no negócio celebrado com V. Exas., razão pela qual fica, a partir dessa data, o mesmo resolvido com justa causa, devendo V. Exas. proceder à devolução do preço por nós já integralmente pago (€150.000), a que sempre acrescem €62.000 a título de indemnização pelo atraso na montagem (€ 2.000 x 31 dias).”

Ficou provado que, na sequência desta declaração transcrita no facto 26, rececionada pela ré, esta nunca respondeu por escrito, ignorando-se que o tenha feito verbalmente (factos provados n.º 27 e 28).

Resultou também provado que a ré não concluiu a montagem do equipamento em questão por forma a que o mesmo ficasse a funcionar correta e plenamente (facto provado n.º 17-A) e não procedeu à entrega do material em falta até ao dia 15 de setembro de 2019 (bem como não procedeu a qualquer diligência para o efeito).

4. Os parâmetros em que se analisa a questão do direito relativa à licitude da resolução do contrato constam dos artigos 801.º e seguintes do Código Civil, conjugado com o artigo 762.º do mesmo diploma legal, que salienta no seu n.º 2 que, “No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé”.

Nestes termos, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigo 762º, n.º 1, do Código Civil), de acordo com a boa fé, enquanto regra de conduta, que vigora, não só no momento da celebração do contrato, mas também no da sua execução e até após a sua extinção.

O incumprimento culposo do contrato faculta ao credor, nos contratos bilaterais, o direito à resolução do contrato.

Tal resulta do artigo 801.º do Código Civil que dispõe:

1. Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.

2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.”

Apesar de a lei se referir à impossibilidade culposa do cumprimento, o legislador, no n.º 1 do artigo 801.º do Código Civil, equiparou essa impossibilidade ao mero incumprimento culposo da obrigação, tal como decorre do artigo 798.º do Código Civil (cfr. Brandão Proença, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, anotação ao art. 801.º, Universidade Católica Editora, p. 1117).

Tem-se entendido que o direito à resolução do contrato depende do seu incumprimento definitivo, sendo a mora do devedor insuficiente para tal desiderato. Mantendo-se uma situação de mora, o cumprimento do contrato ainda é possível, podendo o credor exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização pelos danos sofridos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 1997, p. 71).

Como se sintetiza no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-06-2022 (Revista n.º. 831/19.8T8PVZ.P1), “ Há incumprimento definitivo numa de três situações: quando durante a mora o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (interpelação admonitória) e este, mesmo assim, não cumpre (art. 808.º, n.º 1, 2.ª parte); quando durante a mora o credor perde o interesse na prestação (art. 808.º, n.º 1,1.ª parte), o que ocorre quando a mesma deixa objectivamente de ter utilidade para si (art. 808.º, n.º 2), apreciado objectivamente à luz dos princípios da boa fé, segundo critérios de razoabilidade; quando o próprio devedor declara, em termos sérios e definitivos, que não irá cumprir (declaração de não cumprimento) e o credor, em consequência disso, considera a obrigação definitivamente incumprida.”

Nos termos da 2ª parte do n.º 1 do artigo 808.º do Código Civil, perante uma situação de mora, a parte cumpridora pode fixar à outra parte um prazo suplementar razoável, dentro do qual a prestação deve ser cumprida sob pena de resolução automática do contrato. É o que se chama a interpelação admonitória, a qual deverá conter, segundo a jurisprudência (Acórdãos de 02-11-2006, proc. n.º 06B3822, de 17-11-2015, proc. n.º 2545/10.5TVLSB.L1.S1 e de 10-12-2019, proc. n.º 386/13.7T2AND.P2.S1) e a doutrina, os seguintes elementos:

- a intimação para o cumprimento;

- fixação de um termo perentório para o cumprimento;

- a cominação de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro desse prazo.

5. A questão suscitada é a de saber se a resolução contratual operada pela autora é lícita, tendo as instâncias divergido quanto a essa matéria.

5.1. O tribunal de 1.ª instância decidiu pela ilicitude da resolução do contrato, considerando, em síntese, que, atendendo à “distância, necessidades legais e sanitárias para a viagem e a interposição do mês de agosto”, (…) “o prazo fixado pela autora à ré para a reparação não é razoável e não permite, atentas as características do negócio, considerar lícita a resolução, ou considerar a existência de motivo para que a mesma seja declarada.

Por outro lado, quanto à perda de interesse, na fundamentação da decisão de 1.ª instância, pode ler-se que “a perda de interesse, como já vimos, tem que ser objetivamente considerada e não resultar de mero capricho ou estado de humor. Especialmente num contrato que envolve o fornecimento de equipamento complexo a ser montado em circunstâncias objetivamente deficientes e em país estrangeiro a longa distância. A autora não provou qualquer facto que objetivamente conduzisse à conclusão que, de acordo com os princípios da boa fé, já não fosse exigível a continuação da relação contratual. Nem demonstrou qualquer facto “capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação”. O que os factos demonstram é, precisamente o contrário, a autora investiu na produção do tubo corrugado e já o produziu, por ter, resultou da prova testemunhal, adquirido outra linha a outro fornecedor”.

Concluiu, assim, a 1.ª instância que os factos não demonstram o incumprimento definitivo da ré, mas a simples mora, pelo que a resolução do contrato não é lícita, o que conduziu à improcedência dos pedidos formulados pela autora.

5.2. O acórdão recorrido assumiu posição diversa.

Considerou o Tribunal da Relação que resulta da factualidade provada que a Ré esteve em Moçambique a instalar a linha de produção, mas não conseguiu colocar a maquinaria a produzir tubo corrugado e os respetivos funcionários regressaram a Portugal no dia em que tinham designada a viagem de regresso para Portugal, já marcada antecipadamente. Prosseguiu afirmando que “quando os funcionários da Ré regressaram, a prestação da Ré não estava totalmente realizada. Para a prestação ter sido realizada de modo completo era necessário que a linha de produção ficasse montada e a produzir tubo. A prestação não foi completa porque a obrigação assumida pela Ré foi uma obrigação de resultado.”

O Tribunal da Relação concluiu que “muito embora já estivesse prevista para os funcionários da Ré uma data de regresso a Portugal, a boa fé na execução do contrato implicava que caso a Ré não pudesse dilatar a estadia dos seus funcionários em Moçambique, estes voltassem a este país em data a combinar com a Autora. Desde logo porque esse prazo de montagem não era perentório, nem contratualmente, nem factualmente. Cumpre ter em atenção que não estamos face a uma prestação que se pode fracionar e permitir um cumprimento parcial. No caso presente a prestação só seria cumprida depois de montada a máquina e de ser ensaiada mostrando que estava apta para a finalidade a que se destinava e que estava isenta de defeitos (tratava-se de uma máquina já usada). Por isso, não estando finalizada a prestação da Ré, esta só se poderia desobrigar se tivesse fundamento bastante para isso. E não tinha.”

Em consequência, entendeu a Relação que “a partir do envio, em 30 de julho, da carta registada com A. R., dirigida à Ré, na qual a Autora exigia a finalização dos trabalhos no prazo de 15 dias, passados cerca de 30 dias após a sua interrupção, era imperioso para a Autora que a Ré se deslocasse a Moçambique. Ora, a Ré não se deslocou a Moçambique e não respondeu por escrito a esta carta e não se sabe se o fez oralmente. Trata-se de um comportamento contrário ao que é ditado pela mencionada boa fé, que impunha à Ré uma resposta também por escrito ou o comparecimento em Moçambique. Por conseguinte, decorrido um mês, ficou claro para a Autora, ou para outrem colocado na sua posição (objetivamente), que a Ré não estava determinada a cumprir. Ora, quando tal sucede, a lei concede ao credor a possibilidade de intimar o devedor a cumprir, sob pena de se considerar o contrato não cumprido definitivamente.”

Assim, não tendo a Ré respondido durante cerca de 40 dias (contados desde a data da carta de 30 de julho) aos pedidos da Autora, para aquela regressar a Moçambique e finalizar a prestação, concluiu a Relação pela validade da declaração de resolução do contrato com fundamento em incumprimento do contrato (artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil).

6. A recorrente (ré) entende que não estão verificados os requisitos do incumprimento contratual definitivo e consequentemente não se encontram verificados os fundamentos para a resolução contratual, por entender, em síntese, que:

1) se obrigou apenas ao fornecimento e montagem da linha de produção, na fábrica da ré sita em Moçambique, para fabrico de tubo corrugado, o que fez, mas não se obrigou a produzir para a autora tubo corrugado;

2) a não produção do tubo corrugado ficou a dever-se a circunstâncias unilateralmente criadas pela autora, já que a capacidade energética disponível nas instalações desta não permitia o arranque total da linha de produção fornecida;

3) a ré, em resposta, ao e-mail datado de 22.07.2019, informou a autora da sua disponibilidade para se deslocar às suas instalações, estando a aguardar os vistos que dependiam da “carta de chamada” a emitir pela autora, bem como a aguardar a chegada das resistências para as cabeças da extrusora. Mas decorridos 8 dias sobre a data de 22.07.2019, ou seja, em 30.07.2019, a autora comunica por carta à ré que “a empresa já não se responsabilizará pelo pagamento das despesas decorrentes do envio desse material”. Pelo que, na perspetiva da recorrente, foi a autora que tornou impossível o cumprimento integral do contrato, não criando as condições para permitir a deslocação dos técnicos da ré às suas instalações e o envio dos bens em falta, sendo que o envio de tais bens estava dependente do facto de a autora contratualizar, custear e disponibilizar à ré o transporte necessário ao envio de tais bens para as instalações da autora, facto que aquela nunca realizou.

7. O tribunal recorrido analisou a questão de direito dos autos à luz do regime da interpelação admonitória, considerando o prazo nela fixado razoável face às circunstâncias do caso.

Uma interpelação admonitória, dirigida pela autora à ré, que não respondeu a disponibilizar-se para chegar a um acordo e cumprir o contrato, em princípio, será suficiente para que opere a resolução do contrato com justa causa.

Todavia, importa analisar se esta interpelação reúne os requisitos legais e se, atendendo ao contexto factual do caso, é lícita ou não.

8. As instâncias procederam a uma avaliação da conduta das partes e dos termos da interpelação admonitória, tendo chegado a resultados distintos.

A questão não é estritamente técnico-jurídica ou formal, já que, inevitavelmente, inclui uma avaliação ética do comportamento da autora e da ré à luz, não apenas da lei estrita, mas também da boa fé e dos valores da ordem jurídica global.

Quid Iuris?

9. A obrigação contratual em disputa, e que estava a cargo da ré – uma empresa portuguesa, a Vasconcept – dirigia-se à construção de uma linha de montagem para a produção de tubo corrugado.

Entendemos, como o acórdão recorrido, que esta obrigação assume a natureza de obrigação de resultado, dado que a construção desta linha de produção só é útil à autora – uma empresa sita em Moçambique, a Savanah – se for apta a produzir tubo corrugado para a autora poder satisfazer as encomendas dos seus clientes.

Assim, na data em que os funcionários da ré regressaram a Portugal, esta linha de montagem não ficou a funcionar, o que tem de ser lido como cumprimento defeituoso do contrato.

Não procede, pois, o argumento da ré, segundo o qual, apenas se teria obrigado a produzir e montar o equipamento com o qual a autora iria realizar a produção de tubo corrugado, mas não a produzir para a autora tubo corrugado, pelo que não teria incumprido a obrigação assumida para com a autora.

O objeto do contrato celebrado entre as partes consistia no fornecimento e montagem pela ré, na fábrica da Autora sita em Moçambique, de uma linha de extrusão completa, para fabrico de tubo corrugado com as medidas 75mm, 90mm, 110mm, 125mm, 160mm, 200mm (posição 1) e corrugador e moldes para 20, 25, (posição 2), obrigando-se a ré a fornecer os equipamentos necessários descritos no ponto 3 dos factos provados.

Interpretando estas declarações negociais de acordo com as regras previstas nos artigos 236.º e ss. do Código Civil, chegamos à conclusão que a prestação a cargo da ré consubstanciou uma obrigação de resultado, ou seja, para a prestação ter sido realizada de modo completo era necessário que a linha de produção ficasse montada e a produzir tubo, devendo as obrigações contratuais ser cumpridas pelos contraentes de acordo com a boa-fé (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil). Como bem se afirma no acórdão recorrido, “por «montagem da linha» tem de se entender, na ausência de estipulação em contrário, e segundo a boa fé, que se trata de uma «montagem» que fica apta a produzir, mas para se saber se está apta a produzir tem de ser experimentada, tem de produzir. E isto nunca foi feito pela Ré. Como já se referiu acima (na impugnação da matéria de facto) só depois de ensaiar a linha de produção é que se poderia saber se a maquinaria, que já não era nova, estava apta ou não estava apta a produzir o tudo, se ostentava ou não algum defeito, se o mesmo era corrigível ou não era, etc.”

Assim, quando os funcionários da Ré regressaram a Portugal, no dia 02-07-2019, a prestação da Ré não estava totalmente realizada pois ficou provado que a Ré não logrou colocar em funcionamento o equipamento descrito no ponto 3. dos factos provados de modo a produzir tubo corrugado sem defeitos (facto provado n.º 17-A, aditado pelo Tribunal da Relação) e que a Autora estava dependente da montagem do equipamento, para iniciar a produção deste tipo de tubo, não dispondo de outro equipamento que lho permitisse (facto provado n.º 29).

10. Decorre, todavia, dos factos provados, que a falta de montagem do equipamento para iniciar a produção do tubo pretendido, até à data do regresso dos funcionários da ré a Portugal em 02-07-2019, não é imputável à ré, tendo antes resultado de constrangimentos ocorridos nas instalações da autora que apenas a esta são imputáveis.

Em primeiro lugar, não se provou que o atraso no início da montagem do equipamento seja imputável à ré.

Apesar de as partes terem previsto um prazo de cinco meses para a conclusão da obra por parte da ré, resultava do contrato que o transporte e respetivas despesas eram da responsabilidade exclusiva da Autora, resultando provado que a documentação necessária ao embarque dos técnicos da ré chegou à posse desta apenas nas seguintes datas: a carta de chamada destinada à emissão dos respetivos vistos foi enviada pela autora à ré na data de 10-05-2019, e os bilhetes de avião em 03-06-2019, com data de embarque a 16-06-2019 e regresso a 02-07-2019.

Em segundo lugar, no período em que os técnicos da ré permaneceram nas instalações da autora, provou-se que:

A potência instalada nas instalações da autora era inferior à potência necessária ao funcionamento da linha de produção fornecida conjuntamente com os equipamentos que já se encontravam colocados nas instalações da autora (facto provado n.º 12);

O quadro/armário elétrico necessário para o arranque do equipamento existente e do fornecido chegou às instalações da Autora quando os funcionários da Ré já lá estavam. A montagem deste quadro elétrico nas instalações da autora, pressuponha necessariamente a existência de um posto de transformação (facto provado n.º 13);

A autora adquiriu um posto de transformação, tendo os funcionários da ré auxiliado na sua colocação, tendo para o efeito que ser efetuado um buraco na parede das instalações da autora, a fim de conseguir criar uma passagem para que o posto de transformação pudesse ser transportado até ao local onde iria ser instalado (factos provado n.º 14);

Os técnicos da ora ré, durante os dias 29 e 30 de junho de 2019, procederam a testes de operacionalidade procedendo ao teste individualizado de cada um dos elementos que compõem a linha de produção, atendendo a que a energia elétrica ali disponível não permitia o arranque total da linha de produção (facto provado n.º 15);

v) No dia 01-07-2019, os técnicos da Ré aguardaram todo o dia para que fosse religada a eletricidade, o que não sucedeu (facto provado n.º 16).

vi) Durante o período temporal em que a Ré procedeu à montagem das máquinas procedeu-se à mudança do quadro elétrico e do transformador e ao corte de corrente elétrica; ocorreu também uma avaria e reparação de uma resistência e não se encontrava presente alguém com experiência no fabrico de tubo corrugado (facto provado n.º 17-B).

Mas se é verdade que esta indisponibilidade de meios é imputável à autora, pois era a esta que incumbia assegurá-los, no que respeita à impossibilidade de a Ré poder trabalhar plenamente quando chegou a Moçambique, durante o tempo previsto (de 17 de junho a 2 de julho), essa indisponibilidade era temporária, constituindo obrigação da ré manter os seus funcionários em Moçambique até completar a execução da obra a que se obrigou nos termos acima expostos ou, caso não fosse possível manter aqueles funcionários, tinha a mesma o dever de voltar a Moçambique mais tarde de modo a completar a obra.

Com efeito, como ensinam Maria da Graça Trigo e Mariana Nunes Martins, “A mora do devedor dogmaticamente concebe-se, portanto, como um ilícito obrigacional que, nos termos gerais, se presume culposo, logo, atribuível ao devedor, competindo a este último produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua” (in Comentário ao Código Civil, Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2021, p. 1125).

Conforme se afirma no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-04-2007 (Revista n.º 1070/07), a ilisão dessa presunção de culpa pressupõe a alegação e prova por parte do devedor de “factos reveladores de que fora diligente, que se esforçou por cumprir, que usou da adequada cautela e zelo que, em face das circunstâncias do caso, um devedor diligente empregaria”.

11. Assim, não estando a obrigação da ré cumprida em 02-07-2019, ainda que por factos que não lhe são imputáveis, a retirada dos seus funcionários de Moçambique nessa data impossibilitava necessariamente o cumprimento da sua obrigação, cabendo à ré alegar e provar factos que demonstrassem que essa falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua, ou seja, no caso concreto dos autos, devia alegar e provar que a retirada dos seus funcionários em 02-07-2019 não lhe era imputável (nomeadamente por decorrer de motivos legais relacionados com a impossibilidade de prolongar o prazo de vigência dos vistos de permanência naquele país) e que também não lhe era imputável o atraso no regresso dos seus técnicos às instalações da autora.

Por outro lado, verificou-se igualmente um atraso no cumprimento pela ré do envio para as instalações da autora da totalidade dos equipamentos previstos no contrato, pois, resultou provado que a ré não entregou à autora os seguintes componentes do equipamento em causa:

a. fieira para 75mm e moldes para corrugador diâmetro 75mm;

b. moldes para corrugador diâmetro 20mm e 25mm;

c. 2 moldes/peças do molde para o corrugador diâmetro 90mm (ao invés das 72 contratadas, apenas foram enviadas 70);

d. fieira e resistência para o diâmetro 200mm (ponto 20 dos factos provados).

Apesar do transporte e respetivas despesas serem da responsabilidade exclusiva da autora, nos termos constantes do contrato celebrado entre as partes, sendo obrigação da ré fornecer o material que seria objeto de transporte marítimo em contentores, seria responsabilidade da ré a introdução do equipamento em causa no interior de cada contentor, não tendo a ré alegado factos que afastem a sua presunção de culpa na não entrega desse material.

12. Verificando-se uma situação de mora da ré com o regresso dos seus funcionários a Portugal e com a falta de entrega dos equipamentos acima descritos, tal não valida, necessariamente, a declaração de resolução emitida pela autora. Como acima já foi referido, o direito à resolução do contrato depende do seu incumprimento definitivo, sendo a mora do devedor insuficiente para tal desiderato.

De acordo com o disposto no artigo 808.º, n.º 1, do Código Civil , “se o credor, em consequência da mora, perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor, considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação.”

Segundo este preceito, um dos meios para que se verifique a conversão da mora em incumprimento definitivo, passa pela interpelação do devedor pelo credor para cumprir a prestação, fixando um prazo razoável, com a advertência clara de que a falta da prestação o fará incorrer em incumprimento definitivo. Nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-03-2023 (Revista n.º 211/21.5T8GMR.G1.S1): “o conteúdo da declaração intimativa do credor deve conter os seguintes elementos: 1) A intimação para o cumprimento; 2) A fixação de um termo perentório para o cumprimento; 3) A admonição ou cominação de que a obrigação se terá por definitivamente incumprida, se não se verificar o cumprimento dentro do prazo fixado.”

Importa, assim, aferir se, no caso concreto dos autos, estão reunidos todos os requisitos necessários para que a interpelação admonitória dirigida pela autora à ré, em 03/09/2019 tenha convertido a situação de mora em incumprimento definitivo.

13. Antes de mais, vejamos o que resultou provado nos autos.

Provou-se que, após o regresso dos funcionários da ré a Portugal, por e-mail remetido pela Autora à Ré, em 22 de julho de 2019, aquela solicitou a esta que informasse quando regressaria a ..., à fábrica da Autora, tanto mais que começava “já a ter uma data de encomendas pendentes e sem previsão de fornecimento, uma vez que estamos parados e sem produzir”. A Ré respondeu no mesmo dia, “(…) que se encontrava a aguardar pelos vistos a emitir pelo Consulado, assim como pelas resistências para as cabeças da extrusora.”

No dia seguinte, em 23-07-2019, por e-mail enviado nesse dia, a Autora informou ainda a Ré que:

“1. A proposta enviada pela Vasconcept, apresenta uma lista de equipamentos da qual consta uma fieira para 75 e moldes para corrugador diâmetro 75, porém não encontramos nem a fieira, nem os moldes nem o calibrador para diâmetro 75.

2. Ainda da mesma proposta consta que a Vasconcept forneceria moldes para corrugador diâmetro 20 e 25 mas, também, não recebemos tais moldes.

3. Os moldes para corrugador diâmetro 90 estão incompletos. Uma vez que deveriam ser um total de 72 moldes, pois na caixa só tem 70 moldes, faltando, neste caso, um par de moldes, ou seja, 2 moldes.

4. A cabeça para fabricar os diâmetros 160 e 200 (a que está guardada de lado), já vem montada com a resistência e fieira para diâmetro 160 (salvo o erro). Assim sendo, perguntamos se a mesma resistência e fieira servirão para fabricar os tubos com diâmetro 200. Caso não, estará e falta a fieira e a resistência para o diâmetro 200.

Por enquanto é tudo que constatamos uma vez que ainda não foram testados outros equipamentos nomeadamente Máquina de Perfuração de Tubos, Serra Planetária, Enrolador.

Aguardamos seu parecer e resposta o mais breve possível.

NOTA: Para o Sr. AA não ficar muito tempo à espera da resistência, poderia embarcar sem ela, visto que, através do Portador Diário, poderemos recebe-la na mesma, Poderíamos lançar a linha com o diâmetro 110.”

Provou-se que a Ré não respondeu a esta missiva, razão pela qual a Autora, por carta registada com A. R., enviada à Ré a 30/07/2019, e recebida por esta no dia seguinte, comunicou-lhe o seguinte:

“Exmos. Senhores, Como é do v/ conhecimento, em finais de Novembro/2018 – inícios de Dezembro/2018, foi acordada com a v/ empresa a aquisição, fornecimento e montagem de uma linha de extrusão completa usada para fabrico de tubo corrugado 75, 90, 110, 125, 160, 200 e corrugador e moldes para 20, 25, pelo preço global de € 150.000,00.

Entre as partes foi acordado que a montagem de tal equipamento seria feito pela v/empresa e no prazo máximo de 5 meses.

A n/ empresa procedeu ao pagamento integral do preço, antes mesmo de o equipamento em causa se encontrar montado.

Sucede que, apenas no dia 17/06/2019, ou seja, já depois de decorridos os 5 meses acordados, o referido equipamento começou a ser montado nas n/ instalações em Moçambique por parte de V. Exas..

Todavia, decorridos 15 dias de montagem, os v/ funcionários BB, CC e DD, que haviam sido enviados pela v/ empresa para efectuar tal montagem, alegando terem de fazer outra obra, abandonaram os trabalhos de montagem, mesmo perante a hipótese de se prolongar o visto desses trabalhadores – o que não foi aceite pela v/ empresa.

Desde então e até ao presente, o equipamento em questão continua inoperacional, não obstante as n/insistências para que V. Exas. prossigam/retomem com o trabalho de montagem.

Acresce que, e conforme já informámos por e-mail de 23/07/2019, verificamos ainda encontrarem-se em falta determinadas peças, componentes do equipamento adquirido a V. Exas., a saber:

- fieira para 75 e moldes para corrugador diâmetro 75;

- moldes para corrugador diâmetro 20 e 25;

- 2 moldes/peças do molde para o corrugador diâmetro 90 (ao invés das 72 contratadas, apenas foram enviadas 70);

- fieira e resistência para o diâmetro 200.

A falta das peças acima descritas, bem como o facto de a máquina não estar operacional, causou e causa à n/ empresa graves e enormes prejuízos, porquanto a mesma se encontra impedida de fabricar tubo corrugado, sendo certo que já havia assumido compromissos, designadamente contratação de funcionários com o respectivo pagamento de salário, celebração de contratos de fornecimento do dito tubo junto de terceiros, aluguer de espaço interior e exterior em feira de exposição ... em ... para exposição do produto tubo corrugado, sempre tendo em consideração que, no início do mês Julho/2019, o equipamento adquirido a V. Exas. estaria, com toda a certeza, a funcionar e a produzir tubo corrugado – o que não sucedeu.

Assim, vimos, pelo presente, solicitar a V. Exas. que, no prazo máximo de 15 dias:

- forneçam o material em falta;

- concluam a montagem do equipamento em causa, ficando o mesmo plenamente a funcionar.

Mais informamos que, atento o v/ atraso e incumprimento do contrato, a n/ empresa já não se responsabilizará pelo pagamento das despesas decorrentes do envio desse material, nem do custo das deslocações dos v/ funcionários.

Decorridos 15 dias sem que as questões acima descritas se encontrem definitivamente solucionadas, passaremos a cobrar a V. Exas. uma indemnização pelos prejuízos causados pela v/ supra descrita conduta, no valor de € 2.000/dia e iremos agir judicialmente contra V. Exas..”

Não tendo a Ré respondido por escrito à missiva anterior, não se provando que o tenha feito verbalmente (facto provado n.º 28), a Autora, por e-mail enviado à Ré, em 03/09/2019, e que esta recebeu, comunicou à Ré o seguinte:

“Exmos. Senhores,

Não obstante a n/ carta de 30/07/2019 e por V. Exas. recepcionada a 31/07/2019, certo é que, até ao presente, V. Exas. não se deslocaram à n/ fábrica para concluir a montagem e colocação em funcionamento da linha de extrusão adquirida a V. Exas.,

nem, tão – pouco, indicaram uma data em que tal sucederá.

Por outro lado, V. Exas. também ainda não nos entregaram as peças do referido equipamento melhor identificadas na nossa missiva de 30/07/2019 e que são:

- fieira para 75 e moldes para corrugador diâmetro 75;

- moldes para corrugador diâmetro 20 e 25;

- 2 moldes/peças do molde para o corrugador diâmetro 90 (ao invés das 72 contratadas, apenas foram enviadas 70);

- fieira e resistência para o diâmetro 200.

A situação é insustentável, tanto mais que foi por parte de V. Exas. assegurado que, em finais de Maio, princípios de Agosto de 2019, o equipamento em causa estaria totalmente montado e a funcionar plenamente.

A v/ conduta causou e causa à n/ empresa graves e enormes prejuízos, porquanto nos encontramos impedidos de fabricar tubo corrugado, sendo certo que já assumimos compromissos, designadamente contratação de funcionários com o respectivo pagamento de salário, celebração de contratos de fornecimento do dito tubo junto de terceiros, aluguer de espaço interior e exterior em feira de exposição ... em ... para exposição do produto tubo corrugado, sempre tendo em consideração que, no início do mês Julho/2019, o Processo: 4357/19.1T8LRA equipamento adquirido a V. Exas. estaria, com toda a certeza, a funcionar e a produzir tubo corrugado – o que não sucedeu.

Pelo exposto somos a informar V. Exas. que, acaso até ao próximo dia 15 de Setembro de 2019, V. Exas.:

- não concluam a montagem do equipamento em questão por forma a que o mesmo fique a funcionar correcta e plenamente,

- não procedam à entrega do material em falta e acima melhor elencado, deixaremos de ter interesse no negócio celebrado com V. Exas., razão pela qual fica, a partir dessa data, o mesmo resolvido com justa causa, devendo V. Exas. proceder à devolução do preço por nós já integralmente pago (€150.000), a que sempre acrescem €62.000 a título de indemnização pelo atraso na montagem (€ 2.000 x 31 dias).”.

14. Em primeiro lugar, a intimação para o cumprimento e a fixação de um prazo perentório, suplementar, razoável e exato para cumprir, pressupõe que o credor pratique os atos necessários ao cumprimento da obrigação, ou seja, que disponibilize ao devedor todas as condições materiais necessárias para que este possa cumprir a sua prestação no prazo fixado, de acordo com as regras das boa-fé no cumprimento dos contratos. Em suma, a interpelação admonitória pressupõe que continue a existir, após essa interpelação, uma situação de mora no cumprimento imputável ao devedor.

A este propósito, a ré/recorrente, em resposta ao e-mail datado de 22.07.2019, informou a autora da sua disponibilidade para se deslocar às instalações da autora, estando a aguardar os vistos que dependiam da “carta de chamada” a emitir pela autora, bem como a aguardar a chegada das resistências para as cabeças da extrusora. Ou seja, neste momento, revelou disponibilidade para cumprir o contrato. Mas decorridos 8 dias sobre a data de 22.07.2019, ou seja, em 30.07.2019, a autora comunica por carta à ré que “a empresa já não se responsabilizará pelo pagamento das despesas decorrentes do envio desse material”. Pelo que, segundo a recorrente, a autora não criou “as condições a que contratualmente se havia obrigado, de modo a permitir a deslocação dos técnicos da ré às instalações daquela e de modo a permitir o envio dos bens em falta, sendo que o envio de tais bens estava dependente do facto de a autora contratualizar, custear e disponibilizar à ré o transporte necessário ao envio de tais bens para as instalações da autora, facto que aquela nunca realizou.”

Assim sendo, a recorrente conclui que não pode a autora arrogar-se de um incumprimento definitivo por parte da ré, relativamente ao negócio jurídico entre ambas celebrado, quando foi a autora que criou unilateralmente as circunstâncias que tornaram impossível o cumprimento integral do mesmo.

Nesta perspetiva, a da recorrente, estaríamos perante uma situação de mora do credor, prevendo o artigo 813.º do Código Civil que “o credor incorre em mora quando, sem motivo justificado, não aceita a prestação que lhe é oferecida nos termos legais ou não pratica os actos necessários ao cumprimento da obrigação”.

Constituirá mora da autora a declaração expressa de recusa do pagamento das despesas de transporte dos equipamentos em falta e das despesas de deslocação dos técnicos da ré desde Portugal até Moçambique?

15. Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 04-07-2019 (Revista n.º 20324/16.4T8PRT-A.P2.S1), “a mora creditoris supõe uma omissão injustificada (culposa ou não) pelo credor da sua cooperação necessária para o cumprimento, donde, para a verificação da mora do credor, não é bastante que este se recuse a colaborar com o devedor no respectivo cumprimento, sendo indispensável que a omissão do credor seja determinante para o cumprimento, de tal sorte que sem ela o devedor não possa validamente prestar.” No mesmo sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-09-2019 (Revista n.º 712/17.0T8SNT.L1.S1), em que se afirma que “são pressupostos da mora do credor a recusa deste ou não realização pelo mesmo da colaboração necessária para o cumprimento da prestação e a ausência de motivo justificado para essa recusa ou omissão”, sendo que recai sobre os devedores “o ónus de provar que diligenciaram pela realização das prestações a que estavam obrigados e que o seu cumprimento só não foi possível por omissão de cooperação por parte dos autores” (credores).

No caso dos autos, julgamos que a recusa de pagamento das referidas despesas por parte da autora foi justificada, não procedendo a argumentação da recorrente, pois tal recusa assentou na mora da ré no cumprimento das suas obrigações contratuais.

Desde logo, não resulta da factualidade provada que não fosse possível prolongar a duração dos vistos para além do dia 2 de julho, enquanto durasse a prestação de trabalho em Moçambique por parte dos técnicos da ré, sem que fosse necessário o regresso a Portugal. O ónus de alegação e prova de que não era possível o prolongamento dos vistos factos cabe à Ré sobre a qual impende a presunção de culpa no atraso de cumprimento da sua obrigação contratual de completar a obra a que se havia comprometido perante a autora. Nada tendo sido provado a esse respeito, concluímos que a presunção de culpa não foi afastada.

Assim, ainda que nos termos do contrato celebrado entre as partes, as despesas de transporte dos equipamentos e de deslocação dos funcionários tivessem de ser suportadas pela autora, no caso específico aqui em apreciação, as despesas resultantes do transporte dos equipamentos em falta e de deslocação dos funcionários da ré a Moçambique resultavam diretamente da situação de mora da ré, pelo que, nos termos legais, competia-lhe suportar tais custos.

Não existindo qualquer mora do credor, é válida a intimação para o cumprimento efetuada pela autora.

16. Porém, importa apurar da razoabilidade dos prazos concedidos pela autora à ré para completar a sua prestação contratual.

Esse prazo suplementar, dentro do qual o devedor poderá ainda cumprir, deve ser razoável, isto é, estabelecido em coerência com os princípios da boa fé, da cooperação dos contraentes e do não exercício abusivo do direito (cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-06-2022, já acima citado, proferido no processo n.º 831/19.8T8PVZ.P1.S1).

Sobre a razoabilidade do prazo suplementar fixado para o devedor cumprir a sua obrigação, afirma-se, também, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-02-2021 (Revista n.º 854/18.4T8FNC.L1.S1), citando Nuno Pinto Oliveira (Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 816-817) o seguinte: «O aplicador do direito deverá apreciar a adequação ou razoabilidade do prazo atendendo às circunstâncias do caso concreto – designadamente: 1.º ao conteúdo da relação contratual; 2.º à dificuldade da prestação; 3.º aos interesses do credor e do devedor; 4.º à causa do não cumprimento; 5.º à gravidade do não cumprimento; 6.º na hipótese de o devedor não ter realizado prestação nenhuma, à gravidade do atraso; 7.º na hipótese de o devedor ter realizado uma prestação defeituosa, imperfeita ou inexacta, à gravidade do defeito; 8.º à frequência com que o devedor foi interpelado; 9.º à intensidade com que o devedor foi interpelado; 10.º aos prejuízos que o atraso causa ao credor; e (sobretudo) – 11.º ao risco de que a prestação se torne inútil para o credor».

O conceito de prazo razoável ou adequado tem uma natureza indeterminada e carece de preenchimento valorativo. Há necessariamente uma dimensão casuística na apreciação da razoabilidade dos prazos fixados pela autora, devendo atender-se às circunstâncias do caso concreto e à boa fé.

A doutrina entende que “prazo razoável será aquele que o for para o aprestamento da prestação” (cfr. Baptista Machado, “Pressupostos da resolução por incumprimento”, p. 166), ou, completando este critério, o prazo suplementar será adequado “(…) sempre que seja suficiente para que o devedor possa completar uma prestação (já) iniciada” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 1.ª edição, Coimbra Editora, 1.ª edição, 2011, p. 816).

Atendendo à factualidade provada, verificamos que, posteriormente ao regresso dos funcionários da ré a Portugal, a Autora fez chegar à Ré diversas reclamações, sendo a primeira em 22-07-2019, na qual, a autora solicitou à ré que informasse quando regressaria a ..., à fábrica da Autora, tendo a ré respondido, no mesmo dia, que se encontrava a aguardar pelos vistos a emitir pelo Consulado, assim como pelas resistências para as cabeças da extrusora. Ao que a autora respondeu que poderia embarcar sem a resistência. Ou seja, haveria apenas que aguardar pelos vistos.

Nada mais constando da factualidade provada que tenha ocorrido depois dessa resposta da ré em 22-07-2019, a autora em 30-7-2019, ou seja, apenas 8 dias depois (num prazo manifestamente insuficiente para que fossem obtidos os vistos e os bilhetes de avião, bem como o embalamento dos materiais em falta) concedeu à ré um prazo máximo de 15 dias para que os seus funcionários se deslocassem às suas instalações em Moçambique e para que providenciassem igualmente pela entrega nesse prazo dos equipamentos em falta, sob pena de um pedido de indemnização de 20000 euros por dia.

Por último, a autora termina a interpelar a ré e a fixar-lhe, em 03-09-2019, um novo prazo até 15-09-2019, para cumprir as prestações em falta, declarando que considerava resolvido o contrato, no final desse prazo, por ter deixado de “ter interesse no negócio”. Ora, não podemos deixar de reconhecer que o prazo razoável, 12 dias, é demasiado exíguo.

Ora, nenhum destes prazos, nem o constante na primeira intimação (30 de julho) para cumprir, de 15 dias, nem o da interpelação admonitória (3 de setembro), de 12 dias, reúne os requisitos para ser considerado razoável. Mesmo que começássemos a contar o prazo desde a mensagem de 30 de julho, que deu ao devedor uma primeira oportunidade para cumprir, sob pena do pagamento de indemnizações, não seria possível à ré responder às exigências da autora, por impedimentos legais, em cerca de 40 dias, dado o tempo necessário para a obtenção de vistos, a que acrescia a preparação da viagem e aquisição das passagens aéreas. É do conhecimento geral que uma viagem a Moçambique tem, necessariamente, de ser precedida de cuidados de saúde específicos, designadamente a vacinação, além de que os factos decorreram no mês de agosto, mês em que, pelo menos em Portugal, as dificuldades de pessoal e de viagem são acrescidas. Da mesma forma, o referido prazo é também demasiado exíguo para que a ré pudesse entregar os equipamentos em falta nas instalações da autora, atendendo à grande distância entre Portugal e Moçambique e ao tempo necessário para que pudesse providenciar pelo transporte marítimo de tais materiais.

17. A desrazoabilidade do prazo, em princípio, determina a ineficácia da declaração de interpelação do devedor e, consequentemente, a ineficácia da declaração de resolução do contrato bilateral sinalagmático.

Todavia, a doutrina tem salientado que esta regra doutrinal e jurisprudencial produz consequências injustas, ao protegerem desproporcionada e excessivamente os interesses do devedor e ao desprotegerem desproporcionada ou excessivamente os interesses do credor” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, ob. cit., p. 818). O credor estaria perante uma situação de injustificada incerteza ou insegurança, enquanto o devedor ficaria numa situação de injustificada certeza (ibidem, p. 818). Para fazer face a estes resultados injustos, propõe o Autor que a fixação de um prazo adicional ou suplementar desadequado não seja eficaz nem determine a ineficácia da declaração admonitória, permitindo ainda ao devedor manifestar vontade de cumprir desde que o fizesse num prazo razoável (ibidem, p. 819). Tal significa que se considere que a fixação de um prazo suplementar desrazoável é eficaz, fazendo com que comece a correr um novo prazo adequado ou razoável (ibidem, p. 819).

Assim, nestas condições, conclui Nuno Pinto de Oliveira (Ibidem, p. 819), que o credor que fixou um prazo desrazoável pode exercer o direito subjetivo à indemnização substitutiva da prestação, nos termos do n.º 1 do artigo 801.º do Código Civil, ou o direito potestativo de resolução do contrato, desde que o faça depois de decorrido um prazo razoável. Por outro lado, se o devedor oferece ao credor uma prestação conforme ao contrato, depois do prazo inadequado previsto na interpelação, mas antes de o prazo razoável terminar, o credor terá o ónus de a aceitar, para se subtrair ao regime dos artigos 813.º e 816.º do Código Civil.

18. A circunstância de a declaração admonitória com prazo desrazoável ser eficaz, dentro de um prazo adequado às circunstâncias, que se considera ser, no caso de um contrato à distância, de, pelo menos, dois meses (60 dias), permite uma re-análise do caso.

Assim, consideramos a declaração admonitória de 3 de setembro eficaz, como se tivesse fixado um prazo razoável de 2 meses para o cumprimento, que terminaria a 3 de novembro.

Nos termos do facto n.º 27 a mensagem de 03 de setembro foi rececionada pela ré.

Segundo o facto provado n.º 28, após a receção da mensagem de 3 de setembro, não houve qualquer resposta escrita da ré a oferecer-se para cumprir o contrato ou a propor uma solução para a mora em que se encontrava, como tinha dever de fazer, nos termos do princípio da boa fé na execução dos contratos (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil), nem se provou que tivesse havido qualquer resposta verbal, por telefone, sendo que o ónus da prova cabia à ré.

A boa fé deve ser entendida no contexto de cada comunidade jurídica culturalmente situada, como o vetor que determina um «…comportamento honesto, correcto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros» - Coutinho de Abreu, Do Abuso de Direito, Coimbra, Almedina, 1983, p. 55.

Agir com boa fé significa, pois, agir de uma forma tal que os interesses contratuais do próprio agente e os interesses contratuais da contraparte, são tutelados pelo agente, no seu agir, como tendo a mesma importância. As sociedades democráticas e a comunidade jurídica já se demarcaram do pensamento liberal do século XIX, em que era aceite que as partes negociassem os contratos de forma egoística e tentando atropelar os interesses da outra parte para obterem o máximo de vantagens, o que efetivamente sucedia (e continua a suceder) quando havia relações desiguais de poder. A igualdade contratual, a colaboração e a solidariedade entre as partes de um contrato tornaram-se valores jurídicos relevantíssimos no novo direito europeu dos contratos, que servem de critério jurisprudencial para apreciação dos factos de cada caso e decisão dos litígios judiciais (cfr. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo. A proteção dos terceiros adquirentes de boa fé. Almedina, Coimbra, 2020, pp. 117-118).

A ausência de resposta da ré, que tem de entender-se como prolongada até à data da interposição da ação, 18-12-2019, consiste, em si mesmo, na violação de um dever de colaboração, que a ré tinha de observar mesmo que tivesse uma perspetiva distinta da autora relativamente ao cumprimento do contrato e ao pagamento dos transportes. Não responder é sempre, em qualquer relação – também nas relações contratuais – um desrespeito pelo outro.

A circunstância de o prazo estipulado na mensagem ser demasiado curto para permitir o cumprimento de um contrato à distância não isenta a ré do dever de dar uma resposta por escrito à autora. A não ser assim, ficaria injustamente privilegiada a parte que, perante um conflito na execução do contrato, deixa de colaborar e de responder, com a agravante de, no caso vertente, essa parte ser a que entrou em mora, abandonando o local da empreitada com a prestação incompleta.

Revendo o comportamento contratual global das partes, temos que a autora pagou, mesmo antes de feita a obra, quase a totalidade do preço convencionado – 150.000,00 euros (facto provado n.º 18). A ré, perante problemas na execução do contrato, por falta de condições das instalações da autora, não esperou pela resolução dos problemas e abandonou a obra, na data marcada para o regresso a Portugal (facto provado n.º 19), sem que as linhas de montagem tivessem capacidade de produzir o tubo corrugado (facto provado 17-A), resultado a que se vincularam contratualmente. Registe-se também que, nos termos do facto provado n.º 20, a ré não mais entregou à autora equipamentos em falta.

Sabe-se que a obrigação de custear os transportes dos bens em falta e dos funcionários da ré para terminar a obra, competia, nos termos do contrato, exclusivamente à autora (facto provado n.º 4). Todavia, após o abandono da obra, sem que as linhas de produção estivessem a funcionar, a autora e a ré desentenderam-se sobre a qual delas competia pagar os transportes. Ora, neste conspecto, conforme acima afirmado, entendemos que essa obrigação passou a ser da ré, por se encontrar em mora em relação ao cumprimento de uma obrigação de resultado.

Estando a devedora em mora em relação à obrigação principal e à obrigação acessória de pagamento do transporte dos seus funcionários para as instalações da autora, revelou, através do silêncio em relação às mensagens da autora com intimação para cumprir sob pena de pagamento de indemnização (mensagem de 30 de julho) ou de resolução do contrato (mensagem de 3 de setembro), um comportamento contratual de falta de cooperação. Ainda que o prazo estipulado na declaração admonitória fosse demasiado curto para o cumprimento, não era demasiado curto para que houvesse uma resposta da ré. Nada justifica que a ré não respondesse, por escrito, a estas mensagens, propondo uma solução para a resolução do impasse, pedindo um prazo de cumprimento mais longo ou oferecendo-se para terminar a obra, indicando em que condições o faria, para poder renegociar com a autora o pagamento dos transportes de pessoas e do material em falta. Também não se provou, como vimos, segundo o facto n.º 28, que o tivesse feito verbalmente por telefone.

Tendo em conta a indiferença da ré pelos interesses da autora, revelada no silêncio após as mensagens desta, silêncio que temos de considerar prolongado até à data da interposição da ação, ultrapassando vastamente o que seria um prazo razoável de cumprimento, decidimos que o direito de resolução da autora considera-se exercido licitamente na data da interposição da ação.

18. Sendo a resolução válida, a autora tem, assim, direito a uma indemnização pelo incumprimento definitivo do contrato, que o acórdão recorrido entendeu abranger o interesse contratual negativo (danos que o contraente não teria tido, caso não tivesse celebrado o contrato) e o interesse contratual positivo (os valores que o credor teria conseguido se o contrato fosse válido e fosse cumprido), com exceção, nesta hipótese, dos pedidos que sejam incompatíveis com os pedidos formulados no âmbito do interesse contratual negativo para evitar o enriquecimento da autora.

O Tribunal da Relação decidiu que a ré teria de restituir o preço recebido pela realização da obra, 150.000,00 euros e condenou a ré a indemnizar a autora pelas despesas feitas com a celebração do contrato e na suposição que a linha de montagem estaria apta à produção, num valor de 11, 053, 75 euros. Tudo no montante de 161.053,75 euros, acrescidos de juros de mora comerciais desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Invoca a recorrente, por um lado, que não se provaram danos resultantes do alegado incumprimento definitivo, e, por outro, sustenta que, a entender-se que a resolução do contrato é válida, deve ser abatida à devolução do preço pago o valor da linha de produção fornecida pela ré como decorre dos termos do contrato celebrado entre as partes.

19. Nesta sede, coloca-se a questão doutrinária de saber se é indemnizável o interesse contratual positivo, ou seja, saber se o lesado deve ser colocado na posição em que estaria se o contrato resolvido tivesse sido pontualmente cumprido (artigo 562.º do Código Civil) ou se a indemnização deve ser limitada ao interesse contratual negativo, ou seja, ao valor correspondente às despesas suportadas por via das negociações, ao tempo perdido e, eventualmente, aos negócios que ficaram por celebrar.

Esta dicotomia, como esclarece Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, vol. IX, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2014, p. 155), nasceu no contexto da responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) e visou limitar as indemnizações por incumprimento ao denominado interesse negativo, reduzindo substancialmente o seu montante, constituindo a solução preferível, em termos práticos, uma posição matizada em que fica atenuada a contraposição entre o interesse negativo e o interesse positivo (Menezes Cordeiro, ob. cit., pp. 160-161).

20. A resolução do contrato tem por consequência a ineficácia do contrato e a extinção das obrigações que o contrato haja criado, com efeitos retroativos, que determinam o surgimento de obrigações de restituição destinadas a colocar as partes na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato.

A lei equipara a resolução, quanto aos seus efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433.º do Código Civil), que se carateriza pela retroatividade dos efeitos extintivos e obrigações recíprocas de restituição, nos termos do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil. Deve, pois, ser restituído tudo o que for prestado, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, salvo se a retroatividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (artigo 434.º, n.º 1, do Código Civil), prevendo a lei um regime especial nos contratos de execução duradoura, segundo o qual, nestes casos, a resolução não abrange as prestações já efetuadas, exceto se entre estas e a causa de resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas. Trata-se na expressão do Acórdão do Supremo tribunal de justiça, de 12-02-2009 (proc. n.º 08B4052), de um sistema de «destruição contratual mitigada».

A jurisprudência tem aderido a uma conceção que admite, como efeito da resolução contratual, a indemnização pelo interesse contratual positivo. É o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-10-2021 (proc. n.º 1778/15.2T8CSC.L1.S1) e do Acórdão de 10-12-2020 (proc. n.º 15940/16.7T8LSB.L1.S1).

Todavia, permanece no Supremo uma tese que considera a indemnização pelo interesse contratual positivo, uma solução excecional, por força do princípio do equilíbrio das prestações e da boa fé. Como se afirma no citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-02-2009, esta questão prende-se com a conceptualização da figura da resolução contratual, assumindo a reparação pelo interesse positivo uma natureza excecional sempre balizada pelos princípios do equilíbrio das prestações e da boa fé: «(…) Mas, não podemos perder de vista que estes são casos de excepção, sob pena de vir a perder relevância uma figura como a resolução que a lei tem como proeminente em toda a relação contratual. Se se considerasse que o que resolve o contrato tem sempre direito a indemnização correspondente ao interesse que tinha com o cumprimento deste, estaríamos a, em termos práticos, ignorar tal figura no que a uma das partes respeita, gerando um desequilíbrio entre as partes inadmissível, ou usando a expressão de Menezes Leitão (ob. e loc. citados) transformando “o contrato de sinalagmático em unilateral, uma vez que determinaria uma sua liquidação num só sentido.” Há, pois, que ponderar os interesses em jogo no caso concreto e, perante eles, conceder ou denegar o caminho, particularmente estreito, da indemnização pelo interesse contratual positivo. Nesta ponderação, tem, a nosso ver, uma palavra a dizer o princípio de boa fé. Deve ele ser tido em conta na liquidação do negócio jurídico em caso de nulidade ou anulabilidade (…)».

Aderindo a esta linha doutrinária, o acórdão recorrido, considerando incompatível o pedido da autora de indemnização pelos danos negativos com o pedido de indemnização pelos danos positivos, não arbitrou qualquer indemnização pelo interesse contratual positivo, o que não foi questionado pela autora, que apenas apresentou contra-alegações, pedindo a confirmação do acórdão recorrido.

21. No caso de resolução do contrato por incumprimento definitivo, aplica-se o n.º 2 do artigo 801.º do Código Civil, norma, nos termos da qual, «Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro».

Em face do disposto na norma acabada de citar, a Relação decidiu que a Autora tem direito a exigir a restituição da prestação que realizou, no caso, a reaver os 150 mil euros que entregou à Ré.

Todavia, a indemnização assim determinada não pode provocar um desequilíbrio grave na relação de liquidação, devendo respeitar o princípio da boa fé, não sendo equitativo que traga um benefício injustificado para o credor. Neste sentido, no Acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 30-05-2023 (proc. n.º 135/21.6T8LRA.C1.S1) estabeleceu-se o princípio, segundo o qual «A liquidação do contrato como efeito da sua extinção deve ter em conta o princípio da justiça comutativa, no sentido de se manter, relativamente às obrigações de restituição, a mesma correspetividade que as partes procuraram entre as prestações realizadas em execução do negócio inválido ou resolvido».

22. Regressando ao caso concreto, verificamos que a restituição da integralidade do preço pago a cargo da ré gera o desequilíbrio de a autora manter na sua esfera jurídica, sem qualquer custo, a linha de montagem feita pela ré.

Aplica-se, pois, apesar de o contrato dos autos ser de execução duradoura, o princípio da retroatividade na destruição dos efeitos do contrato, devendo cada uma das partes restituir o que recebeu, dada a conexão causal entre as prestações, a qual não desaparece por força da extinção do contrato.

Assim, a obrigação de restituição deve ser recíproca, pelo que, por razões de equilíbrio pós-contratual, a autora deve restituir à ré os bens que compõem esta linha de produção ou, no caso de tal não ser possível, o valor económico da linha de produção montada pela ré nas suas instalações. Remete-se o cálculo desse valor, que será abatido ao preço a restituir pela ré, para incidente de liquidação, nos termos do artigo 609.º, n.º 2, do CPC.

23. Quanto aos restantes danos indemnizáveis na decisão do acórdão recorrido (contratação de três trabalhadores, aquisição de um veículo, aquisição de uma resistência, despesas com a deslocação a uma feira para apresentação do tubo corrugado que não chegou a ser produzido e bilhetes de avião dos funcionários da ré) não tem razão a recorrente quanto alega que não se provaram prejuízos.

Estes prejuízos estão descritos no facto 30, 32 e 36 e constituem despesas que resultam da confiança depositada pela autora no cumprimento do contrato, expetativa que se veio a frustrar. Trata-se de danos incluídos no designado interesse contratual negativo, isto é, são despesas que a Autora fez por causa do contrato e que não teria feito se não tivesse celebrado o contrato.

O Tribunal da Relação reconheceu estes danos com a limitação, decorrente do princípio do enriquecimento sem causa, que resulta de “(…) certas despesas terem sido efetuadas para adquirir bens que a Autora conserva, isto é, fez a despesa, mas mantém o bem e o bem em princípio contém em si o valor despendido”, como o caso da aquisição do automóvel e da resistência.

Nada temos a censurar a este método de cálculo, que não foi impugnado pela autora em sede de uma possível ampliação do objeto de recurso.

Pelo que se mantém a condenação do acórdão recorrido num valor de 11.053,75 euros (onze mil e cinquenta e três euros e setenta e cinco cêntimos), a título de danos sofridos, a que acrescem juros de mora à taxa comercial desde a citação até efetivo e integral pagamento.

22. Anexa-se sumário, elaborado de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - Tendo a Autora contratado com a Ré o fornecimento de uma linha de produção de tubo corrugado, incluindo a montagem da respetiva maquinaria em Moçambique, a prestação da Ré cumprir-se-ia quando tivesse colocado a linha de produção a produzir tubo corrugado (artigo 762.º, n.º 1, do Código Civil).

II – Tendo a ré abandonado as instalações da autora, sem que a linha de montagem estivesse apta a produzir o tubo corrugado, verifica-se uma situação de mora da devedora, que, como ilícito obrigacional, se presume culposo, competindo à ré produzir prova com vista a demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua.

III –A mora converte-se em incumprimento definitivo quando, durante a mora, o credor concede ao devedor um prazo suplementar final razoável para cumprir (interpelação admonitória) e este, mesmo assim, não cumpre (artigo 808.º, n.º 1, 2.ª parte).

IV – O conceito de prazo razoável tem uma natureza indeterminada, que carece de preenchimento valorativo à luz das circunstâncias do caso, sendo razoável o prazo suplementar suficiente para que o devedor possa completar uma prestação já iniciada.

V – Sendo de 12 dias o prazo fixado pela autora na declaração admonitória, enviada e rececionada em 3 de setembro, deve entender-se que não é razoável ou adequado, estando em causa o cumprimento de um contrato nas instalações da autora, em Moçambique, bem como necessidades legais e sanitárias para a viagem dos funcionários da ré e transporte marítimo de materiais.

VI - A regra doutrinal e jurisprudencial segundo a qual a desrazoabilidade do prazo determina a ineficácia da declaração de interpelação do devedor produz consequências injustas, “ao protegerem desproporcionada e excessivamente os interesses do devedor e ao desprotegerem desproporcionada ou excessivamente os interesses do credor” (cfr. Nuno Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, ob. cit., p. 818).

VII – Assim, considera-se que a fixação de um prazo suplementar desrazoável não torna ineficaz a interpelação admonitória, fazendo com que comece a correr um novo prazo adequado ou razoável, podendo o credor que fixou um prazo desrazoável exercer o direito subjetivo à indemnização substitutiva da prestação, nos termos do n.º 1 do artigo 801.º do Código Civil, ou o direito potestativo de resolução do contrato, desde que o faça depois de decorrido um prazo razoável.

VIII - A liquidação do contrato como efeito da sua extinção deve ter em conta o princípio da justiça comutativa, no sentido de se manter, relativamente às obrigações de restituição, a mesma correspetividade que as partes procuraram entre as prestações realizadas em execução do negócio inválido ou resolvido.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se, na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, conceder parcialmente a revista e condenar:

a ré a restituir à autora o preço recebido, no valor de 150.000,00 euros;

a autora a restituir à ré os bens que integram a linha de produção montada nas suas instalações ou, se tal não for possível, o valor económico dessa linha de produção, a calcular em incidente de liquidação.

No mais mantém-se o acórdão recorrido.

Custas da revista pela recorrente e pela recorrida, a calcular a final, na proporção do respetivo decaimento.

Lisboa, 23 de abril de 2024

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Manuel Aguiar Pereira (1.º Adjunto)

Jorge Leal (2.º Adjunto)