Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
283/10.8TBVLN-F.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
PEDIDO
CAUSA DE PEDIR
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: BAIXAR OS AUTOS À RELAÇÃO PARA AMPLIAR A MATÉRIA DE FACTO
Sumário :
I. Para aferir da existência da excepção do caso julgado, importa conhecer os elementos de facto que permitem afirmar que as pretensões deduzidas em duas acções procedem dos “mesmíssimos factos jurídicos”.

II. Para aferir da existência da autoridade do caso julgado, importa conhecer, por outro lado, as fundamentações das decisões proferidas em ambas as acções”.

Decisão Texto Integral: Revista nº 283/10.8TBVLN-F.G1.S1

Acordam na Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:


*


Por apenso à execução comum, para pagamento de quantia certa, que a Caixa Geral de Depósitos S.A., com sede na Av. ..., move contra AA e BB, residentes em Lugar ..., vieram estes, nos termos do art. 792º do CPC, reclamar os créditos que se arrogam deter sobre a sociedade T..., Lda. por incumprimento de contratos promessa e de compra e venda com esta celebrados e que alegam estarem garantidos por direito de retenção sobre o prédio penhorado nos autos principais.

Terminaram pedindo que fosse admitido o aludido requerimento, e que fossem suspensos os termos da graduação de créditos, relativamente ao bem penhorado e que constitui objecto da garantia dos requerentes, até que os reclamantes obtivessem o título executivo; que fosse ordenada a notificação da devedora do crédito exequendo e do crédito dos executados, a sociedade T..., Lda., para que esta, nos termos a que alude o nº 2 do art. 792º do CPC, se pronunciasse sobre a existência do crédito dos reclamantes, seguindo-se os demais termos até final; e que se verificasse, reconhecesse e graduasse a final o crédito dos reclamantes, sobre a sociedade T..., Lda., principal devedora do crédito exequendo, no valor de € 308.456,96, ou de € 208.849,17.

Notificada, a exequente/reclamada veio impugnar a reclamação, dizendo, para além do mais, que os reclamantes são executados nos autos principais e proprietários do bem imóvel aí penhorado, não sendo detentores de qualquer direito de crédito e direito de retenção por via do incumprimento do contrato promessa.

Após recurso das três decisões proferidas nos autos que julgaram improcedente a presente reclamação, na última foi declarada sem qualquer eficácia a decisão recorrida e decidido que os autos prosseguissem a sua normal tramitação ao abrigo do art. 792º do CPC, tendo, então, os autos aguardado que os reclamantes lograssem obter título executivo.

Quando tal ocorreu, foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de ser dispensada a audiência prévia, tendo de seguida, em face do seu silêncio, entendido tal como advertido, como assentimento tácito, sido proferido despacho saneador nos seguintes termos:

“Da adequação processual

Nos termos conjugados dos art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º ex vi do art.º 791.º, n.º 1, todos do CPC, não se vislumbra a necessidade de adoptar uma tramitação processual, especialmente, adequada às especificidades da causa, nem de adaptar o conteúdo e a forma de quaisquer atos processuais.

Da audiência prévia

Atenta a natureza da causa, a posição das partes e o conjunto de factos que ainda se mostram divergentes, entende o Tribunal que os autos não têm complexidade que justifique a convocação de audiência prévia – cfr. art.º 597.º ex vi do art.º 791.º, n.º 1, todos do CPC.

Do saneamento do processo

O Tribunal é o competente.

O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estão nos autos devidamente representadas e, atento o interesse em demandar e em contradizer, são legítimas.

Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias ou incidentais que cumpra oficiosamente conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Do valor da causa

Fixa-se o valor da acção em €185.272,07.

Do objecto do litígio e dos temas da prova

Devendo os autos prosseguir, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 596.º do Código de Processo Civil.

OBJETO DO LITÍGIO

Constitui objeto do litígio saber se os reclamantes, BB e AA, são credores com garantia real sobre o imóvel hipotecado a favor da exequente.

TEMAS DA PROVA

Serão temas da prova no julgamento a realizar:

1. Saber se os reclamantes são titulares de um crédito, no valor de € 185.272,07, em resultado da resolução, por incumprimento, do contrato promessa de compra e venda do imóvel penhorado nos presentes autos;

2. Saber se os reclamantes são detentores de qualquer direito real de garantia sobre o imóvel penhorado, designadamente por direito de retenção.

Do incidente de litigância de má fé

Atenta a natureza dos factos em causa, ficam as partes advertidas para a possibilidade de serem condenadas como litigantes de má fé – cfr. art.º 542.º do CPC.

Dos meios de prova

Prova por documentos/exibição de registos

Ao abrigo da previsão do art.º 423.º, n.º 1 do CPC, atender-se-ão aos documentos juntos com os respectivos articulados.---

Prova pericial

Antes do mais, entendendo-se que a perícia requerida pelos reclamantes não é impertinente nem dilatória, notifique-se a reclamada opoente a fim de se pronunciar sobre o respetivo objeto – cfr. art.º 476.º, n.º 1 do CPC.

Prova testemunhal

Admitem-se os róis de testemunhas apresentados por embargante e embargado – cfr. art.ºs 495.º, n.º 1, 496.º, 498.º, n.º 1, 500.º, 502.º e 511.º, n.ºs 1 a 3 todos do CPC.

* Da audiência final

Oportunamente se diligenciará pela marcação da audiência final.

Notifique, concedendo-se às partes o prazo de 10 [dez] dias para, querendo:---i) apresentarem as suas reclamações e pronunciarem-se nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 591.º CPC;---

ii) alterarem o seu requerimento probatório – cfr. artigo 598.º n.º 1 CPC;---

iii) aditarem ou alterarem o seu rol de testemunhas – cfr. artigo 598.º n.º 1 CPC.”

Deste despacho com o saneamento do processo, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova, veio a exequente Xyq Luxco SARL apresentar a sua reclamação, nos termos do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 591º CPC, com vista a ser eliminado dos temas da prova o ponto número um, bem assim ser designada data para a realização da audiência prévia, com vista ao conhecimento da excepção de caso julgado.

Ouvidos os reclamantes, pugnaram pela improcedência da reclamação, entendendo deverem ser julgadas improcedentes as excepções dilatórias de ilegitimidade e do caso julgado e seguir-se os ulteriores termos até final.

Foi, então, determinada a notificação das partes para se pronunciarem quanto à possibilidade de ser dispensada a audiência prévia com vista ao conhecimento da reclamação e, por consequência das excepções em sujeito, proferindo o Tribunal, por escrito, novo despacho saneador, tendo de seguida, em face do seu silencio, entendido tal como advertido, como assentimento tácito, sido proferido despacho saneador em 22-01-2023, nos seguintes termos:

“Da adequação processual

Nos termos conjugados dos art.ºs 6.º, n.º 1 e 547.º ex vi do art.º 791.º, n.º 1, todos do CPCvil, não se vislumbra a necessidade de adoptar uma tramitação processual, especialmente, adequada às especificidades da causa, nem de adaptar o conteúdo e a forma de quaisquer atos processuais.---

Da audiência prévia

Atenta a natureza da causa, a posição das partes e o conjunto de factos que ainda se mostram divergentes, entende o Tribunal que os autos não têm complexidade que justifique a convocação de audiência prévia – cfr. art.º 597.º ex vi do art.º 791.º, n.º 1, todos do CPC.---

Do saneamento do processo

O Tribunal é o competente.

O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem totalmente.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, estando nos autos devidamente representadas e, atento o interesse em demandar e em contradizer, são legítimas, sendo que a ilegitimidade arguida se consubstancia como uma questão substancial e não processual.---

Da excepções de ilegitimidade (substancial) e de caso julgado

Encontrando-se juntas aos autos as certidões das sentenças que constituem os títulos executivos em que os Reclamantes baseiam a sua pretensão, por força do disposto no artº 595º nº 1 alínea a) do CPC, cumpre conhecer das excepções de ilegitimidade e caso julgado, tempestivamente invocadas pela exequente/Reclamada.

Vejamos.

Argui a Exequente/Reclamada que, desde logo, das sobreditas sentenças resulta inequívoco, desde logo, que as partes são as mesmas em ambos os processos, ou seja, os Autores BB e mulher, AA, são os ora Reclamantes e os ali Réus - T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A., a quem a ora Exequente sucedeu nos créditos - são aqui, respectivamente, Executada e Exequente. Por outro lado, naqueles autos foram formulados os seguintes pedidos: (i) que se reconheça que é imputável à Ré T..., Lda. o incumprimento culposo e definitivo do contrato de compra e venda e da anterior promessa; (ii) que se considerem resolvidos ambos os contratos; e (iii) se condene a Ré T..., Lda. a pagar aos Autores a quantia de € 210.036,06, acrescida de juros de mora, à taxa máxima legal, até efectivo e integral pagamento.

A predita acção teve como causa de pedir os mesmos contratos de promessa de compra e de compra e venda que estão em apreciação nos presentes autos, sendo os títulos executivos de que os Reclamantes se socorrem para apresentarem a sua reclamação de créditos precisamente a certidão judicial das sentenças, juntamente com os Acórdãos da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça que sobre as mesmas recaíram.

Ora, ali veio a ser proferida sentença aos 24/04/2017, que determinou o seguinte: “em face do exposto, julgo a acção proposta por BB e mulher, AA, contra T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A. parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, declaro resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o Autor marido e a Ré T..., Lda. em 21 de Maio de 2003, condenando esta a restituir ao Autor a quantia de € 134.675,43, actualizada pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,20, até à data da citação, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa de 4% ao ano, contados sobre esse capital actualizado, até integral e efectivo pagamento”. Tal decisão, aos 24/11/2017, foi complementada, na sequência do acórdão da Relação de Guimarães (que determinou o prosseguimento dos autos para apreciação do mérito do pedido de resolução do contrato-promessa) e julgou “a acção proposta por BB e mulher, AA, contra T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A. improcedente, por não provada, quanto ao pedido de resolução do contrato-promessa celebrado entre o Autor marido e a Ré T..., Lda. em 26 de Dezembro de 2002 e, consequentemente, absolvo as Rés do pedido contra si deduzido”, sentença que, sublinha-se, foi confirmada pelos Acórdãos da Relação de Guimarães de 21/06/2018 e do Supremo Tribunal de Justiça de 26/02/2019, transitada em julgado em 16/05/2019, após improcedência da reclamação apresentada para a conferência.

Desta feita, em face do teor das referidas decisões, estaremos efectivamente na presença de uma verdadeira excepção de caso julgado, ainda que parcial, quanto à causa de pedir de onde emergem os créditos reclamados, os quais, repita-se, têm por base o incumprimento do contrato (definitivo) de compra e venda, procedendo, nestes exactos termos, a excepção arguida nos autos.

Não existem outras nulidades, excepções ou questões prévias ou incidentais que cumpra oficiosamente conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Do valor da causa

Fixa-se o valor da acção em € 185.272,07.

Do objecto do litígio e dos temas da prova

Devendo os autos prosseguir, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 596.º do Código de Processo Civil.---

OBJETO DO LITÍGIO

Constitui objeto do litígio saber se os reclamantes, BB e AA, são credores com garantia real sobre o imóvel hipotecado a favor da exequente.

TEMAS DA PROVA

Será tema da prova no julgamento a realizar:

1. Saber se os reclamantes são detentores de qualquer direito real de garantia sobre o imóvel penhorado, designadamente por direito de retenção.

Do incidente de litigância de má fé

Atenta a natureza dos factos em causa, ficam as partes advertidas para a possibilidade de serem condenadas como litigantes de má fé – cfr. art.º 542.º do CPC.---

Dos meios de prova

Prova por documentos/exibição de registos

Ao abrigo da previsão do art.º 423.º, n.º 1 do CPC, atender-se-ão aos documentos juntos com os respectivos articulados.

Prova pericial

Entendendo-se que a perícia requerida pelos reclamantes não é (agora) pertinente, designadamente considerando a matéria em discussão, vai indeferida a respectiva realização – cfr. art.º 476.º, n.º 1 do CPC.

Prova testemunhal

Admitem-se os róis de testemunhas apresentados por embargante e embargado – cfr. art.ºs 495.º, n.º 1, 496.º, 498.º, n.º 1, 500.º, 502.º e 511.º, n.ºs 1 a 3 todos do CPC.

Da audiência final

Audiência de julgamento no dia 17.02.2023, pelas 14h00m, neste tribunal. Notifique nos termos previstos pelo art.º 151.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil.

Oportunamente, procedam-se às demais necessárias notificações.

Notifique, concedendo-se às partes o prazo de 10 [dez] dias para, querendo:---i) apresentarem as suas reclamações e pronunciarem-se nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 591.º CPC;---

ii) alterarem o seu requerimento probatório – cfr. artigo 598.º n.º 1 CPC;---

iii) aditarem ou alterarem o seu rol de testemunhas – cfr. artigo 598.º n.º 1 CPC.”

Inconformados com essa decisão de 22-01-2023, que julgou procedente a excepção de caso julgado, “parcial, quanto à causa de pedir, de onde emergem os créditos reclamados”, e com ela não se conformando, vieram os reclamantes AA e BB interpor recurso de apelação contra a mesma, pedindo a revogação a decisão recorrida, não se dando como provada a excepção do caso julgado.

Apreciando tal recurso, a Relação julgou a presente apelação improcedente, assim confirmando a decisão recorrida.

Não se conformaram, de novo, os apelantes que interpuseram recurso de revista formulando as seguintes conclusões:

A. A douta sentença proferida em primeira instância, ao julgar procedente a excepção dilatória do caso julgado, não a podia limitar à causa de pedir,

B. certo sendo ainda que não poderia deixar de concluir com a absolvição da instância da recorrida.

C. O douto acórdão recorrido, ao concluir pela verificação da autoridade do caso julgado formado na acção 1684/14.8..., depois de identificar qual das decisões aí tomadas se impunha nos presentes autos, por constituir seu pressuposto essencial, não podia, consequentemente, deixar de proferir decisão de mérito sobre a questão suscitada nos presentes autos, cuja apreciação se mostrava prejudicada por uma das decisões tomadas.

D. A única questão decidida no processo acima referido, que se poderá impor nos presentes autos, como questão resolvida, por constituir pressuposto essencial e imprescindível do que há para decidir na presente reclamação, é a questão relativa à resolução das prestação realizada em cumprimento da promessa, ou seja, a compra e venda,

E. porquanto a resolução do contrato que as partes se obrigaram a concluir na promessa, e que, por tal razão, consubstanciava o seu cumprimento, não pode deixar de trazer consigo o incumprimento da promessa, esteja ela ou não resolvida, pois não há nem pode haver cumprimento contratual, sem prestações contratuais realizadas.”

Pediram, a final, a revogação do acórdão recorrido, e a sua substituição por decisão que revogue o despacho da primeira instância.

Respondeu a recorrida, rematando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

“I. Estamos perante uma “dupla conforme”, o que nos termos do nº 3 do artº 671º do CPC, impede a possibilidade do recurso de revista, motivo pelo qual os ora recorrentes vêm recorrer nos termos do artº 629º nº 2 alínea a) do CPC, por ofensa do caso julgado.

II. O que, diga-se, é surpreendente, sobretudo quando no recurso de apelação os Recorrentes defenderam precisamente o seu oposto, ou seja: que não existe excepção de caso julgado!

III. O douto despacho saneador a quo, que julgou procedente a excepção de caso julgado quanto à causa de pedir de onde emergem os créditos reclamados, não ofende o disposto nos artºs 619º nº 1, 580º e 581º, todos do CPC;

IV. Ao invés, este tribunal não pode ser colocado perante a mesma questão para não incorrer na violação de matéria abrangida pelo caso julgado do Processo 1663/14.5T8VCT, o que abala a “paz jurídica” e viola os mais elementares valores constitucionais da confiança e da segurança jurídica das decisões judiciais

V. Em nenhum momento se afirma a existência da tríade de identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, pelo que nunca poderia estar em causa uma mera absolvição da instância.

VI. O caso julgado pode ser total ou parcial mas visa sempre impedir qualquer novo julgamento sobre a mesma questão (factual e de direito).

VII. A acção 1663/14.5T8VCT foi intentada pelos ora Recorrentes já na pendência dos presentes autos de execução- na qual estes assumem a posição de executados, na qualidade de proprietários do imóvel dado em hipoteca - com o intento de ali obterem título executivo (sentença) que lhes permitisse reclamar créditos nos presentes autos, por imposição do disposto no artº 788º nº 2 do CPC.

VIII. Com base nas sentenças judiciais, transitadas em julgado (títulos executivos por excelência) vieram os ora Recorrentes reclamar um crédito no valor de €185.272,07 – vide certidões judiciais das duas sentenças, juntamente com os Acórdãos da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça que sobre as mesmas recaíram.

IX. Em ambos os processos as partes são as mesmas e a questão do incumprimento do contrato de compra e venda e de promessa de compra e venda foi apreciada no âmbito do Processo 1663/14.5T8VCT, em todos os seus recursos, tendo nesses autos ficado definitivamente decidido que: i) o crédito ora reclamado decorre do incumprimento do contrato de compra e venda; ii) o contrato promessa foi derrogado pelas partes, em virtude da assunção de novas obrigações no âmbito do contrato definitivo.

X. Motivo pelo qual não pode ser levado aos temas de prova o alegado incumprimento do contrato-promessa, por muito que os Recorrentes o queiram, porque está abrangido pelo efeito de caso julgado do processo 1663/14.5T8VCT.

XI. Naquele processo - repisa-se - foi apreciada e definitivamente julgada, por decisões transitadas em julgado, que não houve incumprimento definitivo do contrato promessa! Tal é manifestamente claro pela análise dos Acórdãos que servem de título executivo à reclamação de créditos, supra citados.

XII. Sucede que, quer pela via do caso julgado, quer por força da autoridade de caso julgado, têm, o tribunal e as partes, que acatar o que ali ficou (definitivamente) decidido sobre essa matéria – cfr. artºs 619º nº 1 e 581º, ambos do CPC.

XIII. Nas sobreditas sentenças resulta inequívoco: i) a identidade de partes em ambos os processos: os autores BB e mulher, AA, são os ora Reclamantes e os ali Réus - T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A., a quem a ora Exequente sucedeu nos créditos - são aqui, respectivamente, Executada e Exequente; ii) identidade de causas de pedir: no processo nº 1663/14.5T8VCT foi peticionado que se reconheça que é imputável à Ré T..., Lda. o incumprimento culposo e definitivo do contrato de compra e venda e da promessa que lhe antecedeu e, em consequência, que se considerassem resolvidos ambos os contratos (promessa e definitivo); os mesmos contratos (promessa e definitivo) em causa nos presentes autos.

XIV. A causa de pedir em ambos os processos - entenda-se, o facto jurídico de onde emerge o direito dos autores - é, por isso, idêntica, nomeadamente na parte em que é peticionado que seja apreciada a questão do incumprimento definitivo do contrato-promessa

XV. Contrariamente ao defendido pelos Recorrentes, o caso julgado não se limita à parte decisória, pois toda a decisão é uma conclusão do “silogismo judiciário”, pelo que este abrange necessariamente os respectivos fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.

XVI. É assim incontornável a identidade (parcial) de causa de pedir nos dois processos, em virtude da pretensão deduzida nas duas acções proceder dos mesmíssimos factos jurídicos.

XVII. Determinado por doutas decisões, transitadas em julgado, que o crédito dos ora Recorrentes apenas emerge da resolução do contrato de compra e venda definitivo, ao douto tribunal a quo está, pois, vedada a possibilidade de reapreciar e decidir novamente tal matéria, sob pena de ofensa do caso julgado formado no Processo nº 1663/14.5T8VCT.

XVIII. Nenhum reparo ou censura merecem, quer a douta decisão recorrida quer o douto Acórdão recorrido, ao concluir que : “aos ora Recorrentes não pode pois ser reconhecido que o seu crédito emerge do alegado incumprimento do contrato promessa, pois que este resulta unicamente do contrato definitivo de compra e venda”.

Pediu a improcedência do recurso.

Cumpre decidir.

Relativamente aos factos, a Relação deixou consignado que “os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede”.

O Direito.

Arguiu a exequente/reclamada, nos presentes autos de reclamação de créditos, a excepção do caso julgado decorrente de a acção que os executados intentaram com vista a obter título executivo ter sido julgada improcedente.

E o tribunal de 1ª instância julgou em tal sentido, considerando: que as partes eram as mesmas em ambos os processos (acção e reclamação de créditos) ou seja, os autores BB e mulher, AA, eram reclamantes e os réus - Sociedade T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A., a quem a exequente sucedeu nos créditos – eram, respectivamente, executada e exequente; que na acção tinham sido formulados os seguintes pedidos: (i) que se reconhecesse que era imputável à ré T..., Lda. o incumprimento culposo e definitivo do contrato de compra e venda e da anterior promessa; (ii) que se considerassem resolvidos ambos os contratos; e (iii) se condenasse a ré T..., Lda. a pagar aos autores a quantia de € 210.036,06, acrescida de juros de mora, à taxa máxima legal, até efectivo e integral pagamento; que a acção tinha tido, pois, como causa de pedir os mesmos contratos de promessa de compra e de compra e venda que estavam em apreciação nos autos de reclamação sendo os títulos executivos de que os reclamantes se socorreram para apresentarem a sua reclamação de créditos precisamente a certidão judicial das sentenças juntamente com os acórdãos da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça que sobre as mesmas recaíram; que na acção ali veio a ser proferida sentença, que determinou o seguinte: “em face do exposto, julgo a acção proposta por BB e mulher, AA, contra T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A. parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, declaro resolvido o contrato de compra e venda celebrado entre o Autor marido e a Ré T..., Lda., condenando esta a restituir ao Autor a quantia de € 134.675,43, actualizada pela aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda de 1,20, até à data da citação, acrescida de juros de mora a contar da citação, à taxa de 4% ao ano, contados sobre esse capital actualizado, até integral e efectivo pagamento”; que tal decisão foi depois complementada, na sequência do acórdão da Relação de Guimarães que determinou o prosseguimento dos autos para apreciação do mérito do pedido de resolução do contrato-promessa e julgou a acção proposta por BB e mulher, AA, contra T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A., improcedente, por não provada, quanto ao pedido de resolução do contrato-promessa celebrado entre o autor marido e a ré T..., Lda. e, consequentemente, absolveu as rés do pedido, sentença que foi, de seguida, confirmada pelos acórdãos da Relação de Guimarães e do Supremo Tribunal de Justiça.

Concluiu a sentença que, em face do teor das referidas decisões, se estava efectivamente na presença de uma verdadeira excepção de caso julgado, ainda que parcial, quanto à causa de pedir de onde emergem os créditos reclamados, os quais, tinham por base o incumprimento do contrato (definitivo) de compra e venda, daí procedendo a excepção arguida nos autos.

Recorreram os apelantes com o fundamento de que a extinção definitiva, por cumprimento, do contrato promessa, que integrou a fundamentação da sentença que absolveu as rés do pedido de resolução do contrato-promessa, por incumprimento, não poderia produzir o efeito de questão julgada, obstando à apreciação do pedido e causa de pedir invocados nos presentes autos, porquanto nas decisões transitadas apenas se tinha decidido absolver as rés do pedido de resolução do contrato promessa, e condená-las na resolução do contrato prometido.

Porém, a Relação considerou que a argumentação dos apelantes não colhia uma vez que o crédito reclamado emergia ”segundo o determinado naqueles títulos executivos, da resolução do contrato de compra e venda definitivo e não, como os Recorrentes pretendem fazer crer, do incumprimento da promessa de compra e venda que lhe antecedeu, com vista a beneficiarem da garantia de direito de retenção, nos termos do disposto no art. 755º/1, f) do CC”, sendo que a fundamentação da decisão de que os recorrentes se socorreram – Ac. da RG de 21-04-2017 – não é a que serviu de fundamentação aos títulos executivos que sustentam a reclamação de créditos apresentada, nem da mesma resultou o incumprimento da promessa de compra e venda.

Assim, concluiu que, resultando das sobreditas sentenças a identidade de partes em ambos os processos (os autores BB e mulher, AA, são os ora reclamantes e os ali réus - Sociedade T..., Lda. e Caixa Geral de Depósitos, S.A., a quem a ora exequente sucedeu nos créditos - são aqui, respectivamente, executada e exequente) e a identidade de causas de pedir (no proc. nº 1663/14.5T8VCT foi peticionado que se reconheça que é imputável à ré T..., Lda. o incumprimento culposo e definitivo do contrato de compra e venda e da promessa que lhe antecedeu e, em consequência, que se considerassem resolvidos ambos os contratos - promessa e definitivo -, os mesmos contratos promessa e definitivo - em causa nos presentes autos), emergindo o crédito dos ora recorrentes apenas da resolução do contrato de compra e venda definitivo, ao tribunal a quo estava, assim, vedada a possibilidade de reapreciar e decidir novamente tal matéria, sob pena de ofensa do caso julgado formado no processo nº 1663/14.5T8VCT. pelo que aos ora recorrentes não podia ser reconhecido que o seu crédito emergia do alegado incumprimento do contrato- promessa, pois que este resultava unicamente do contrato definitivo de compra e venda.

Insurgem-se, de novo, os recorrentes, partindo do pressuposto de que o acórdão recorrido se serviu da autoridade do caso julgado e não da excepção do caso julgado.

Argumentam que, tendo sido decretada a resolução do contrato de compra e venda, não se pode dizer que o contrato-promessa foi cumprido, sendo que a causa de pedir da reclamação de créditos tem como seu pressuposto não a resolução do contrato-promessa mas apenas o seu incumprimento.

Assim, concluem que só a resolução do contrato de compra e venda poderá constituir relativamente à reclamação de créditos pressuposto do que há para decidir, porquanto o reconhecimento dos créditos não está dependente da resolução da promessa de compra e venda.

Porém, depois de enunciar como questão, a decidir, a verificação ou não da excepção do caso julgado e de discorrer sobre a diferença entre a excepção do caso julgado e a autoridade do caso julgado, o acórdão recorrido considerou que “não assistia razão aos recorrentes, tendo, pois andado bem o tribunal a quo”. Mais adiante, considerou que existia identidade das partes e identidades de causas de pedir em ambos os processos ( reclamação e acção), extraindo, ainda, no sumário a conclusão de que “quando o objecto da segunda acção é idêntico e coincide com o objecto da decisão proferida na primeira acção, o caso julgado opera por via de excepção (a excepção de caso julgado), impedindo o Tribunal de proferir nova decisão sobre a matéria (nesse caso, o Tribunal limitar-se-á a julgar procedente a excepção, abstendo-se de apreciar o mérito da causa que já foi definido por anterior decisão).”

Não obstante, e citando a apelada, rematou no sentido de que o crédito dos recorrentes apenas emerge da “resolução do contrato de compra e venda definitivo”, estando ao tribunal “vedada a possibilidade de reapreciar e decidir novamente tal matéria, sob pena da ofensa do caso julgado formado no processo nº 1663/14.5T8VCT”; e que, “consequentemente, aos ora recorrentes não pode ser reconhecido que o seu crédito emerge do alegado incumprimento do contrato promessa, pois que este resulta unicamente do contrato definitivo de compra e venda.”

Assim, se, por um lado - e embora não se tenha pronunciado explicitamente sobre a identidade de pedidos, exigida pelo art. 581º do CPC - o acórdão parece ter entendido que se verifica a excepção do caso julgado, por outro, parece socorrer-se da autoridade do caso julgado, quando, com apelo ao processo nº 1663/14.5T8VCT, afirma que o crédito dos recorrentes apenas emerge da resolução do contrato de compra e venda definitivo.

Todavia, parece evidente que faltam elementos a este Supremo para decidir, tanto na perspectiva de excepção de caso julgado como na de autoridade de caso julgado.

Em primeiro lugar, desconhecem-se os concretos termos do pedido feito no proc. nº 1663/14.5T8VCT, só aflorados na fundamentação de direito.

De todo o modo, mesmo admitindo como facto a afirmação, em sede de fundamentação de direito, de que nesse processo foi “ peticionado que se reconheça que é imputável à R. T..., Lda. o incumprimento culposo e definitivo do contrato de compra e venda e da promessa que lhe antecedeu e, em consequência, que se considerassem resolvidos ambos os contratos - promessa e definitivo - os mesmos contratos -promessa e definitivo - em causa nos presentes autos“, a verdade é que tal facto não permite inferir em que é que se consubstancia o alegado incumprimento culposo do contrato-promessa e do contrato definitivo e aferir, consequentemente, se existe ou não identidade de causas de pedir, isto é, se as pretensões deduzidas na reclamação e acção procedem do mesmo facto jurídico (cfr. art. 581º, nº 4 do CPC). Não existem, pois, elementos de facto que permitam afirmar, como faz o acórdão, que as pretensões deduzidas em ambas as acções procede dos “ mesmíssimos factos jurídicos”.

Por outro lado, e considerando a perspectiva de autoridade do caso julgado, verifica-se que da matéria de facto que resulta do relatório também não consta, devidamente retratada, a fundamentação das decisões proferidas no âmbito do processo nº 1663/14.5T8VCT, de forma a apurar se foi ou não decidido que o crédito dos recorrentes apenas emerge do contrato de compra e venda definitivo, não podendo ser aqui (na reclamação) reconhecido que o seu crédito emerge do incumprimento do contrato-promessa.

Como assim, a decisão de facto deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, não sendo por possível, por ora, fixar o regime jurídico a aplicar, por falta de elementos de facto (arts. 682º, nº 3 e 683º, nº 2 do CPC).

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em determinar a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto, nos sobreditos termos.

Custas pela parte vencida a final.


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Lisboa, 23 de Abril de 2024

António Magalhães (Relator)

Pedro de Lima Gonçalves

Nelson Borges Carneiro