Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
4143/20.6T8MAI.P4
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: DÍVIDAS DOS CÔNJUGES
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nº do Documento: RP202403214143/20.6T8MAI.P4
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 1695.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que “1. Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges. (…)”.
II - Por seu turno, o artigo 1697.º, nº 1, do Código Civil prescreve que “Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.”.
III - No caso vertente, o Autor não logrou demonstrar ter pago quaisquer outras quantias referidas na petição inicial, nem, sequer, as circunstâncias em que teriam ocorrido esses alegados pagamentos, não podendo, por isso, concluir-se que é credor da Ré relativamente a metade do seu valor, uma vez que teria que ter demonstrado que foi o exclusivo pagador desses montantes e que o dinheiro provinha de fundos exclusivamente seus.
IV - Por sua vez, o pedido subsidiário baseado no instituto do enriquecimento sem causa formulado pelo Autor/Apelante encontra-se, igualmente, condenado à improcedência, na medida em que não se tendo provado que o Autor suportou com bens exclusivamente seus as quantias em causa, não é possível concluir pelo seu empobrecimento e pelo correspondente enriquecimento da Ré.”
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:4143/20.6T8MAI.P4





Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

AA, divorciado, residente na Rua ..., ..., ... ..., instaurou acção declarativa, sob a forma de processo comum contra BB, residente na Rua ..., ... Maia, onde concluiu pedindo seja condenada a Ré:
- a pagar ao A. a quantia de € 10.211,96, devida a título de metade das despesas suportadas por este último com os bens comuns do casal, acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, ou
- subsidiariamente, a restituir ao A. a quantia de €10.211,96 resultante do enriquecimento sem causa, acrescida dos juros de mora legais, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
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Citada, a Ré contestou, por excepção (de caso julgado e de caducidade) e por impugnação.
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Por despacho saneador sentença, a Sr.ª Juiz a quo, após ter dispensado a realização da audiência prévia, por via da autoridade do caso julgado absolveu a Ré do pedido.
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Não se conformando com a decisão proferida, veio o recorrente AA interpor recurso de apelação.
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Por decisão singular deste Tribunal, decidiu-se anular a decisão que dispensou a realização da audiência prévia e o subsequente despacho saneador-sentença, determinando-se
que seja proferida decisão a convocar as partes para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591º do Código de Processo Civil.
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Por despacho saneador sentença, a Sr.ª Juiz a quo, após ter realizado a audiência prévia, por via da autoridade do caso julgado absolveu a Ré do pedido.
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Por decisão singular deste Tribunal, decidiu-se anular a decisão impugnada, devendo o tribunal recorrido proferir nova decisão suprindo a omissão dos factos com relevo jurídico processual, fundamentando-a de facto e aplicando o direito, após realização das diligências tidas por necessárias.
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Por despacho saneador sentença, a Sr.ª Juiz a quo, após ter realizado a audiência prévia, por via da autoridade do caso julgado absolveu, de novo, a Ré do pedido.
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Não se conformando, de novo, com a decisão proferida, o recorrente AA veio interpor recurso de apelação.
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Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto decidiu-se julgar a apelação procedente e revogar a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
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Procedeu-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença que julgou a acção improcedente, absolvendo a ré do pedido formulado.
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Não se conformando, de novo, com a decisão proferida, o recorrente AA veio interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações conclui da seguinte forma:
I.Vem o presente recurso interposto do teor da Sentença de fls. …, com data de 27.11.2023, que decidiu “julgar a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se a Ré BB do peticionado pelo Autor AA.”

II. E vem interposto uma vez que o Recorrente não pode aquiescer com a emergente decisão sobre a matéria de facto e a consequente aplicação do direito ao caso, tendo esta apreciação dos factos, a partir da prova produzida, reconduzido, com o respeito devido, a um silogismo judiciário equivocado.

III. Primeiramente, a sentença do Tribunal a quo - embora douta, merecedora de reforma - falha ao não reconhecer a força probatória dos depoimentos prestados perante o Tribunal.

IV. Que corroboram com os documentos juntos com a Petição Inicial.

V. Os documentos juntos com a petição inicial demonstram cabalmente a realização de despesas, que foram atestadas pelos respetivos credores, a saber: o escritório de advocacia (quanto aos factos b), c) e d)), o Banco 1... (quanto ao facto e)) e a testemunha CC (quanto ao facto f)).

VI. Com base nos comprovativos de pagamento (juntos com a p.i.), depoimentos supra transcritos e declarações do recorrente, os pontos supra referidos dos factos não provados, deverão ser levados aos factos provados.

VII. A Ré jamais invocou que os pagamentos dos montantes peticionados poderia ter sido feito com recursos comuns do casal, tendo se limitado a alegar que as dívidas não se comunicam, que as dívidas foram objeto de acordo, e que as dívidas teriam prescrito.

VIII. A parte da sentença onde se lê “uma vez mais do teor desses documentos não é possível retirar que o Autor tenha suportado esses valores com fundos exclusivamente seus, desconhecendo a proveniência dos valores que serviram aos respectivos pagamentos, facto não provado pelo Autor” corresponde a uma decisão surpresa, pois não tem paralelo nos meios de defesa invocados pelo réu, não sendo de conhecimento oficioso, e não tendo havido facultado o devido contraditório ao Autor, porquanto deverá ser declarada nula.

IX. As regras da experiência são raciocínios, juízos hipotéticos do conteúdo genérico, assentes na experiência comum, conduzindo à extração de facto desconhecido do facto conhecido, porque conformes à realidade reiterada, de verificação muito frequente e, por isso, verosímil - conforme Acórdão de 06.07.2011 do Supremo Tribunal de Justiça

X. As dívidas em questão foram contraídas em proveito comum do casal.

XI. Razão pela qual deverão ser consideradas as intenções indemnizatórias do Recorrente e ser a Recorrida condenada no pagamento da indemnização peticionada, tudo nos termos e com as legais consequências, uma vez que, salvo o devido respeito por melhor entendimento, o Insigne Tribunal a quo fez uma incorrecta apreciação da prova produzida.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Factos

2.1. Factos Provados
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida, em 15 de Janeiro de 2008 e já transitada em julgado, nos autos de Ação de Divórcio Litigioso que correu termos pela 1ª Secção do 3º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, foi decretado o divórcio entre o A. e a Ré com a consequente dissolução do respectivo casamento.
2. Em consequência daquele divórcio, a Ré requereu o Processo de Inventário para partilha dos bens do casal, o qual correu os seus termos naquele Juízo e Tribunal, como apenso D, tendo nele sido a Ré nomeada Cabeça de Casal em 17 de Março de 2008.
3. O A. intentou contra a Ré, em 26/01/2011, ação especial de prestação de contas, a qual correu os seus termos naquele Juízo e Tribunal, como apenso E, relativo ao período compreendido entre o dia 17/03/2008 e 28/02/2011, tendo o mesmo sido findo por acordo homologado por sentença de 11/07/2012, já transitada em julgado.
4. No que se refere ao período subsequente a 28/02/2011 e até ao dia em que a Ré cessou as suas funções de Cabeça de Casal - 12/05/2014 - correu termos naquele Juízo e Tribunal, como apenso F, nova ação especial de prestação de contas, tendo a mesma já transitado em julgado por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto.
5. No predito Processo de Inventário, foram relacionados, entre outros, o prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., o prédio urbano sito na Rua ..., ... Valongo e o prédio urbano sito na Rua ..., ..., ....
6. No ano de 2001, data em que era ainda casado com a aqui Ré, foi intentada contra o A., por DD e marido EE uma ação relativa ao trato de terreno que confina a norte com o prédio urbano sito na Rua ..., ... Valongo, tendo, portanto, por objeto um bem comum do (à data) casal, (hoje bem próprio da aqui Ré).
7. Tal ação correu termos no Tribunal Judicial de Valongo, 3.º Juízo – Proc. n.º 135/2002, tendo o Autor sido patrocinado pela sociedade “A...”.
8. Nunca a Ré mandatou aquele escritório de advogados, para o que quer que fosse, nem lhe outorgou procuração forense.
9. O A. procedeu ao pagamento do montante de € 183,87 relativo ao fornecimento de eletricidade do primeiro andar frente do prédio sito na Rua ..., ..., ....
10. No início do processo de inventário em 2008, que correu termos no Proc. nº 1575/06.6TMPRT do Tribunal de Família e Menores do Porto à data 3º Juízo 1ª Secção, a Ré assumiu as funções de cabeça de casal.
11. Na relação e bens comuns do casal fixada e definitiva no processo de inventário, o Autor sempre defendeu que o veículo com a matrícula ..-..-PR e mais três veículos não eram do casal, pois naquela data dizia que os tinha vendido e por via disso, não foram relacionados nem partilhados à data, mas ficou decidido na ata de conferencia de interessados que esse assunto seria discutido nos meios comuns.
12. No processo que decorreu no Tribunal de Valongo-Proc. nº 1047/14.5TBVL decidiu-se que o A., tinha procedido à venda fictícia dos veículos e foi desse modo declarada a nulidade das vendas e os veículos foram partilhados/adjudicados em sede de partilha adicional no processo 1575/06.6TMPRD-D, agora no Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 1.
13. Na ata de partilha de bens comuns do extinto casal de 3 de abril de 2014, na cláusula 10) declararam expressamente o aqui Autor e a Ré o seguinte: (…) declaram a cabeça de casal e o interessado AA que, ressalvando o que venha a ser decidido nos apensos de prestação e contas, nada têm a reclamar ou a exigir reciprocamente a propósito das questões discutidas nestes autos (…)”.
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2.3 Factos não provados
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) Até à data referida em 3. a Ré jamais havia prestado contas da administração dos bens que são comuns ao A. e Ré.
b) O A. pagou taxas de justiça devidas no âmbito do processo referido em 7. que ascenderam a € 3.274,66.
c) Tendo ainda por referência a ação predita intentada contra o A., teve este que suportar os honorários devidos como contrapartida pelos serviços jurídicos que teve que contratar para intervir, no montante de € 8.610,00 (oito mil, seiscentos e dez euros).

d) O A. suportou diversas despesas relacionadas com pedidos de informações, certidões e cópias em cumprimento de solicitação da Ré e a ela enviadas, o que tudo ascendeu a €1.021,43.
e) Foi o A. obrigado a adiantar o pagamento ao Banco 1... da prestação vencida em 24/04/2014 (e que a Ré se recusou a fazê-lo), no montante de € 411,27 por força do financiamento adstrito ao Contrato nº ...52.
f) O A. teve que suportar, relativamente ao veículo com a matrícula ..-..-PR, a reparação de uma avaria na caixa de velocidade, com recurso a dinheiro próprio, no total de € 3.000,00.
g) O pagamento referido em 9. e os referidos em c) a f) foram feitos com recurso a bens próprios do Autor.
h) Logo no início do processo de inventário, o A. foi autorizado a levantar a quantia de cerca de vinte e um mil euros depositada à ordem dos autos de inventário na sequência de arrolamento de bens (rendas) para pagamento integral de todas as despesas que o A. tinha realizado até aquela data por conta do património comum.
i) A Ré anualmente apresentou e prestou contas ao A., este é que, sempre recusou receber as cartas com as contas.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso prendem-se com saber:
- Da nulidade da decisão recorrida;
- Da impugnação da matéria de facto;
- Do mérito da decisão.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:

4.1 Da nulidade da decisão recorrida
Arguiu a recorrente a nulidade da decisão recorrida, por o segmento da sentença onde se lê “uma vez mais do teor desses documentos não é possível retirar que o Autor tenha suportado esses valores com fundos exclusivamente seus, desconhecendo a proveniência dos valores que serviram aos respectivos pagamentos, facto não provado pelo Autor” corresponder a uma decisão surpresa, uma vez que não tem paralelo nos meios de defesa invocados pelo réu e não ter sido facultado o exercício do contraditório ao autor, pelo que deverá ser declarada nula.
Vejamos, então, se a decisão sob recurso é nula.
Ora, as causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no artigo 615.º,
n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável a outras decisões, por força do disposto no artigo 613.º, n.º 3, onde se estabelece que é nula a sentença:
- Quando não contenha a assinatura do juiz (al. a)).
- Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b)).
- Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (al. c)).
- Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d)).
- Quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (al. e)).
As causas de nulidade da sentença (ou despacho) estão taxativamente expressas nos artigos 613º, n.º 3 e 615º, n.º 1, designadamente em conjugação com os artigos 666º, n.º 1 e 679º.
Correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade e ou seu sentido decisório, e devem ser arguidas de harmonia com aquele primeiro preceito legal, umas vezes, no próprio tribunal em que a decisão foi proferida, e, outras vezes, em via de recurso, no tribunal ad quem.
Constituem vícios intrínsecos da decisão, que, por serem considerados graves, comprometem a sentença ou o despacho, considerando-os peças imprestáveis, insusceptíveis de cumprirem minimamente o fim a que se destinam.
Cumpre salientar que a existência de eventuais erros de julgamento quanto à matéria de facto ou, ainda, eventuais erros em termos de fundamentação jurídica da decisão nada têm que ver com a nulidade a que alude o artigo 615º, do Código de Processo Civil, antes podendo gerar, cumpridos os ónus de impugnação da decisão de facto previstos no artigo 640º, do Código de Processo Civil, a alteração/modificação da decisão de facto e/ou a alteração da fundamentação jurídica, com a consequente revogação da sentença proferida.
No caso vertente, conforme atrás referimos, afirma o recorrente que a decisão recorrida é nula por o segmento da sentença onde se lê “uma vez mais do teor desses documentos não é possível retirar que o Autor tenha suportado esses valores com fundos exclusivamente seus, desconhecendo a proveniência dos valores que serviram aos respectivos pagamentos, facto não provado pelo Autor” corresponder a uma decisão surpresa, dado não ter sido facultado o devido contraditório ao Autor, pelo que deverá ser declarada nula.
Afigura-se-nos, no entanto, que a referida alegação não configura qualquer nulidade da sentença, sendo, ainda, certo que recai sobre as partes o ónus de analisarem as diversas possibilidades interpretativas, susceptíveis de virem a ser seguidas e utilizadas na decisão, cumprindo-lhes adoptar as necessárias e indispensáveis precauções, em conformidade com um dever de litigância diligente e de prudência técnica.
Não ocorre, assim, este fundamento de nulidade da decisão.
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4.2 Da impugnação da matéria de facto
O apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto, pugnando que a matéria de facto constante das alíneas b), c), d), e) f) e g) dos factos considerados como não provados seja dada como provada.
Consta dos referidos factos não provados que:
“b) A aquisição da fração autónoma a que se alude no facto 2º foi formalizada apenas pela falecida FF, por conveniência desta e do Autor;
c) O Autor desembolsou do seu bolso a quantia de €21.782,50 a título de sinal e princípio de pagamento do preço da fração autónoma a que se alude no facto 2º;
d) O Autor efetuou ainda um reforço de sinal, no montante de €11.312,74 (2.268.000$00), através da entrega do cheque nº ...32, datado de 4.6.1999, sacado sobre a conta nº ...81 do Banco 2..., S.A., cujo titular era o Autor, o qual obteve boa cobrança;
e) Esse reforço de sinal foi condição imposta pela entidade vendedora para o Autor poder tomar posse efetiva da fração autónoma em junho de 1999;
f) Na sequência do bom pagamento do cheque destinado ao reforço de sinal referido, a sociedade vendedora enviou ao Autor o certificado de exploração elétrica para que este pudesse requisitar o respetivo contador de eletricidade;
g) Foi nesta fração autónoma que o Autor, em primeiro lugar instalou a sua casa de morada de família;”.
Vejamos, então.
No caso vertente, mostram-se minimamente cumpridos os requisitos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no artigo 640.º, do Código de Processo Civil, nada obstando a que se conheça da mesma.
Entende-se actualmente, de uma forma que se vinha já generalizando nos tribunais superiores, hoje largamente acolhida no artigo 662.º do Código de Processo Civil, que no seu julgamento, a Relação, enquanto tribunal de instância, usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (artigo 655.º do anterior Código de Processo Civil e artigo 607.º, n.º 5, do actual Código de Processo Civil), em ordem ao controlo efectivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efectiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Como refere A. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 224 e 225, “a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”.
Importa, pois, por regra, reexaminar as provas indicadas pelo recorrente e, se necessário, outras provas, máxime as referenciadas na fundamentação da decisão em matéria de facto e que, deste modo, serviram para formar a convicção do Julgador, em ordem a manter ou a alterar a referida materialidade, exercendo-se um controlo efectivo dessa decisão e evitando, na medida do possível, a anulação do julgamento, antes corrigindo, por substituição, a decisão em matéria de facto.
Reportando-nos ao caso vertente, constata-se que a Senhora Juiz a quo motivou a sua decisão sobre os factos nos seguintes meios de prova:
“Para a formação da sua convicção o Tribunal considerou e ponderou toda a prova produzida no seu conjunto e em confronto.
Desde logo foi considerado o acordo das partes relativamente aos factos provados vertidos nos pontos 1. a 4., sendo que os mesmos também resultam da acta de conferência de divórcio e sentença homologatória de transacção no apenso E da prestação de contas juntas com a petição inicial, assim como do acórdão do Tribunal da Relação do Porto referente ao apenso F, que constituiu igualmente uma acção de prestação de contas e junto com a petição inicial.
A Ré, no seu depoimento de parte, apenas admitiu a matéria do ponto 3.
GG, irmão da Ré, prestou um depoimento vago, não evidenciando ter um conhecimento pormenorizado sobre os factos em discussão nos autos. Esta testemunha apenas referiu que a irmã foi nomeada como cabeça de casal em 2008 e que o Autor terá sido ressarcido de todos os valores que reivindicou em 2010 e 2011 e que ficou estipulado que estaria tudo pago entre ambos.
Do texto da cláusula referida em 13. não pode retirar-se, contudo, que Autor e Ré tenham declarado que não pudessem existir quaisquer outros créditos entre ambos, na medida em que até parte dos valores agora objecto dos presentes autos foram reclamados nos processos de prestação de contas, ressalvados na dita cláusula.
Os comprovativos de pagamento juntos como documento n.º 5 com a petição inicial, não demonstram ser relativos ao processo n.º 135/2002 do Tribunal Judicial de Valongo, 3.º Juízo, nem tão pouco demonstram com recurso a que meios ou fundos foram pagos em termos de se concluir que foram com fundos exclusivos do Autor. Não é possível, face aos documentos juntos pelo Autor para demonstrar o pagamento de valores a título de taxas de justiça, concluir sequer que se reportam ao concreto processo n.º 135/2002.
Para demonstração dos factos vertidos nos pontos 6. e 7. foi valorada a cópia dos articulados juntos pelo Autor com o requerimento de 03-10-2022 referentes ao processo n.º 135/2002 do Tribunal Judicial de Valongo, 3.º Juízo.
No que toca ao ponto 9. dos factos provados, o Tribunal tomou em consideração os documentos/facturas e comprovativos de pagamento/transferência juntos como documento n.º 7 com a petição inicial. Embora estes documentos demonstrem que terá sido o Autor a efectuar os pagamentos, que se reportam ao prédio sito em ..., uma vez mais do teor desses documentos não é possível retirar que o Autor tenha suportado esses valores com fundos exclusivamente seus, desconhecendo a proveniência dos valores que serviram ao respectivos pagamentos, facto não provado pelo Autor.
O depoimento da testemunha CC, incidiu sobre a matéria relativa ao valor alegadamente despendido pelo Autor na reparação do veículo BMW. Esta testemunha referiu ter adquirido ao Autor o veículo ..-..-PR, e mais três veículos, e que o BMW tinha uma avaria que alegadamente lhe teria custado €3.000,00 a repará-la, valor que atestou ter-lhe sido devolvido pelo Autor em duas ou três prestações. Contudo, este depoimento não é suportado por qualquer outro meio de prova, designadamente facturas da reparação, de aquisição de peças ou levantamentos de dinheiro, pelo que não é possível, no nosso entendimento, considerar como provada a factualidade constante da alínea f).
O mesmo pode afirmar-se relativamente à matéria da alínea c).
Sobre a mesma prestaram depoimento as testemunhas HH e a Dr.ª II. A primeira testemunha, que foi empregada de escritório na Sociedade de Advogados A..., referiu que cada cliente tem uma conta corrente com os pagamentos efectuados, que a factura junta aos autos com a petição incial foi enviada ao Autor para pagamento e que a prática do cliente/Autor era pagar.
A Dr.ª II, que foi advogada do Autor em vários processos, incluindo a acção que correu termos no Tribunal de Valongo, referiu que a sociedade de advogados foi entretanto fundida com outra e que o Autor não teria ficado com nada pendente nem com qualquer dívida para com o escritório. No mais, explicou que os clientes têm uma conta corrente para cada processo e que existiram recebimentos por conta do processo de Valongo.
Os dois depoimentos não foram suficientes para se considerar como demonstrada a factualidade vertida na alínea c). Na realidade, o que resultou dos depoimentos em causa foi uma afirmação genérica sobre o facto de o Autor ser cumpridor relativamente à sociedade de advogados em questão, mas nada souberam dizer em concreto sobre os valores pagos a título de honorários quanto a este processo judicial. Por outro lado, não foi junto qualquer documento, designadamente bancário ou um recibo, que permita corroborar o pagamento da factura em questão, o que seria normal face ao montante em causa.
As declarações de parte prestadas pelo Autor também não foram suficientes para sustentar a demonstração dos factos acima referidos. Na realidade, trata-se de uma das partes do processo, com natural interesse no desfecho dos autos, referindo que terá pago “aos poucos” o valor dos honorários e que devolveu ao comprador do BMW o valor de €3.000,00, sem circunstanciar minimamente de que forma fez os pagamentos e em que datas.
Era ao Autor que cabia demonstrar ter incorrido nas despesas que alegou, pelo que sempre teria de concluir-se que na dúvida sobre esta matéria, constitutiva do direito do Autor, tem de resolver-se contra a parte a quem aproveita (artigo 414.º do CPC e artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), ou seja, contra o Autor.
No que respeita à matéria fáctica não provada para além do que ficou supra exposto, importa esclarecer que não foi produzida prova testemunhal ou documental para a considerar como provada, e/ou a mesma resulta infirmada pela prova que resultou positivamente provada e, desse modo, dada como provada.
Sublinhe-se, quanto à matéria referida em h), que não foi produzida prova que permita afirmar ter sido efectuado esse pagamento, sendo manifestamente insuficiente a afirmação feita nesse sentido pela testemunha GG, porque evidenciou um conhecimento genérico sobre os factos em discussão.
Sobre a matéria constante da alínea e), o Autor juntou documentos bancários que nem sequer se reportam a qualquer prestação do ano de 2014, pelo que não existe prova sequer do pagamento dessa concreta prestação nem que tenha sido o Autor exclusivamente a suportá-la.
O mesmo pode afirmar-se quanto à alínea d). Na verdade, os documentos juntos pelo Autor não permitem concluir que tenha sido a Ré a solicitar os documentos/informações que originaram a despesa em causa nem a que concreto fim se destinaram esses elementos para poder concluir que a Ré teria de suportar também o respectivo valor.”.
Tendo presentes estes elementos probatórios e demais motivação, vejamos então se, na parte colocada em crise, a referida análise crítica corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelo apelante.
Insurge-se o Recorrente contra tal decisão por entender que o Tribunal a quo valorou erradamente a prova oferecida nos segmentos fácticos em causa.
Entendemos, todavia, que a convicção expressa pelo tribunal a quo tem razoável suporte naquilo que os elementos dos autos lhe revela.
Isto porque salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
É certo que a livre apreciação da prova, não se confunde, de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios de experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova.
A livre apreciação da prova tem de se traduzir numa valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma real motivação da decisão: com a exigência de objectivação da livre convicção poderia pensar-se nada restar já à liberdade do julgador, mas não é assim: a convicção do julgador há-de ser sempre uma convicção pessoal, mas há-de ser sempre uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros em termos de racionalidade e perceptibilidade.
Com efeito, a actividade dos Juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o Juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos.
Por fim, importa não ignorar que a formação da convicção do juiz não pode resultar de partículas probatórias, mas tem necessariamente de provir da análise global do conjunto de toda a prova produzida.
Ora, analisada a prova, constatamos que o Tribunal a quo, ao contrário do que o Apelante pretende fazer crer, não ignorou a prova produzida, antes operou uma criteriosa apreciação crítica da mesma.
Vejamos, então, ponto por ponto.

- Do pagamento das custas judiciais - alínea b) dos factos não provados
Consta da referida alínea que:
“b) A aquisição da fração autónoma a que se alude no facto 2º foi formalizada apenas pela falecida FF, por conveniência desta e do Autor;”.
Defende, todavia, o A./Recorrente que o facto b) dos factos não provados, deveria ter sido dado como provado, por entender que a decisão judicial não se compagina com os meios de defesa alegados na contestação da R./Recorrida, relativamente ao pagamento pelo A./Recorrente de custas judiciais, e por entender que o tribunal, sem fundamento, terá rejeitado a força probatória de um conjunto de facturas juntas (Doc. 5 da PI), e o depoimento da testemunha Dr. II.
Mais, entende o A./Recorrente que, o facto de o tribunal a quo ter entendido que os documentos juntos pelo Autor para demonstrar o pagamento de valores a título de taxas de justiça, não permitem concluir que se reportam ao concreto processo n.º 135/2022, constitui uma nulidade processual, porquanto a R./Recorrida não terá impugnado nos autos que aquela acção judicial correu termos e/ou teve custos associados.
Ou seja, no entendimento do A./Recorrente, não sendo esta “(…) matéria de conhecimento oficioso, nunca poderia a Sra. Juiz dar como não provado o pagamento das (concretas) taxas de justiça ao IGFIJ”.
Ora, sendo certo que a R./Recorrida não impugnou nos autos que aquela acção correu termos, porém, isso não retira ao tribunal a possibilidade de vir decidir, fundamentadamente, e em função do princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 607, n.º 5 do Código de Processo Civil, que os documentos juntos aos autos pelo A./Recorrente não provam ser relativos ao processo n.º 135/2002, nem tão pouco demonstram que essas taxas foram pagas com fundos exclusivos do Autor, uma vez que a referida acção remonta ao ano de 2002 e a partilha do acervo comum, ocorreu em 2014.
De resto, o depoimento da testemunha Dra. II, contrariamente ao que o R./Recorrente pretende fazer crer, também não se mostrou suficiente para demonstrar que o pagamento pelo Autor de €3.274,66, a título de taxas de justiça, se reporta ao concreto processo n.º 135/2002.
Ora, era ao Autor/Apelante que competia demonstrar ter incorrido nas despesas que alegou.
Porém, das declarações prestadas pelo Autor e da prova produzida por aquele, não é possível aferir sequer que este suportou sozinho tais pagamentos e a que processos se reportam.
Convém referir que desde 2006, o A./Recorrente interpôs vários processos judiciais contra a R./Recorrida, sendo que, os valores das taxas de justiça e dos honorários do escritório de advogados que o patrocinava, só a ele dizem respeito.
Por outro lado, do depoimento da testemunha Dra. II, apenas foi possível retirar que o A./Recorrente era bom pagador e, dos documentos juntos, não é possível fazer sequer qualquer ligação com o referido processo judicial.
Afigura-se-nos, assim, que decidiu bem o tribunal pela resposta de facto não provado ao pagamento pelo A./Recorrente de taxas de justiça no valor de € 3.274,66.
Assim sendo, mantém-se a resposta dada à matéria de facto dada como não provada sob a alª b).

- Do pagamento dos honorários - alínea c) dos factos não provados
Consta da alínea c) dos factos não provados que:
“c) O Autor desembolsou do seu bolso a quantia de € 21.782,50 a título de sinal e princípio de pagamento do preço da fração autónoma a que se alude no facto 2º;”
No tocante ao facto c) dos factos não provados, vem alegar o A./Recorrente que “não poderia ter deixado de ser dado como provado, tendo em consideração toda a prova produzida em Tribunal”.
Entende o A./Recorrente que a R./Recorrida faltou à verdade na audiência de julgamento quando alegou desconhecer a dívida de honorários e a acção judicial a que a mesma diz respeito. Para tal, o A./Recorrente confronta o depoimento da Ré prestado em tribunal na audiência de julgamento realizada a 14.09.2023, com o requerimento ditado para a acta pelo mandatário da R./Recorrida, na audiência de 24.10.2023, por considerar que estão em contradição.
Afigura-se-nos, no entanto, que o mandatário da R./Recorrida não afirmou que esta tinha conhecimento da acção intentada pela Sra. DD contra o A./Recorrente.
Com efeito, o Ilustre mandatário tão só referiu que a Ré terá sido confrontada pela vizinha, a Sra. DD sobre o terreno.
Assim, é parece-nos ser de concluir que a R./Recorrida não terá faltado à verdade perante o Tribunal.
Afigura-se-nos, sim, que a Ré nunca terá tido conhecimento do referido processo e que a divida de honorários configura uma despesa própria do A./Recorrente, no âmbito da prestação de serviços jurídicos de mandatários, aos quais a R./Recorrida não mandatou, nem outorgou procuração, inclusive para aquele referido processo judicial n.º 135/2000.
Aliás, os mandatários em questão, litigaram contra a R./Recorrida em vários processos judiciais, sempre em representação do A./Recorrente e nunca em representação da R./Recorrida.
Acresce que, o depoimento das testemunhas HH e Dra. II, contrariamente ao que o R./Recorrente pretende fazer crer, não foram desconsiderados pelos tribunal “a quo”.
Como refere fundamentadamente a sentença e bem, os depoimentos das referidas testemunhas não foram suficientes para se considerar como demonstrada a factualidade vertida na alínea c), pois nada souberam dizer em concreto sobre os valores pagos a titulo de honorários quanto ao processo n.º 135/2002.
Aliás, todas as testemunhas arroladas pelo A./Recorrente pouco ou nada ajudaram a esclarecer o tribunal, nesse sentido.
Além disso, a estes depoimentos desprovidos de significativo conteúdo, acrescem as declarações prestadas pelo A./Recorrente que se demonstraram insuficientes para sustentar a demonstração do facto vertido em c).
Na realidade, o A./Recorrente, com natural interesse directo no desfecho dos autos, não logrou explicar em que circunstâncias e de que forma procedeu ao pagamento dos honorários e em que data(s).
Além disso, segundo as regras da lógica e da experiência comum, não é normal que num processo de 2002 cujo términus ocorreu pouco tempo depois, os mandatários constituídos apenas venham a receber os seus honorários em 2010 ou 2014.
Ademais, o A./Recorrente não logrou sequer juntar qualquer documento (designadamente bancário ou um recibo) que permitisse corroborar o pagamento da factura de honorários em questão.
Nesse sentido, como refere e bem o tribunal “a quo”, “era ao Autor que cabia demonstrar ter incorrido nas despesas que alegou, pelo que sempre teria de concluir-se que na dúvida sobre esta matéria, constitutiva do direito do Autor, tem de resolver-se contra a parte a quem aproveita (art.º 414, do CPC e art.º 342, n.º 1 do Código Civil), ou seja, contra o Autor”.
Assim, afigura-se não haver fundamento para alterar a referida resposta à matéria de facto dada como não provada, mantendo-se o facto c) como não provado.

- Do pagamento das despesas constantes das alíneas d) e) e g) dos factos não provados.
Consta das referidas alíneas que:
“d) O Autor efetuou ainda um reforço de sinal, no montante de €11.312,74 (2.268.000$00), através da entrega do cheque nº ...32, datado de 4.6.1999, sacado sobre a conta nº ...81 do Banco 2..., S.A., cujo titular era o Autor, o qual obteve boa cobrança;
e) Esse reforço de sinal foi condição imposta pela entidade vendedora para o Autor poder tomar posse efetiva da fração autónoma em junho de 1999;
g) Foi nesta fração autónoma que o Autor, em primeiro lugar instalou a sua casa de morada de família;”.
Entende, ainda, o A./Recorrente, adiantamos, desde já, sem razão, que deverão dar-se como provados os factos d), e) e g) dos factos não provados.
Com efeito, relativamente ao facto d) - “despesas com pedidos de informações, certidões e cópias”, o A./Recorrente não logrou provar que tais documentos foram solicitados pela R./Recorrida, nem a que concretos fins se destinaram, prova que seria necessária para que o tribunal “a quo” pudesse concluir que a R./Recorrida teria de suportar esse valor.
Por seu turno, relativamente à alínea e) - “pagamento ao Banco 1... da prestação vencida de 24/04/2014”, como referiu e bem o tribunal “a quo”, o A./Recorrente juntou documentos bancários que nem sequer se reportam à prestação de 24/04/2014 que o A./Recorrente alega ter pago, pelo que, não existe prova do pagamento dessa concreta prestação, nem que tenha sido o Autor exclusivamente a suportá-la.
De resto, não constituía obrigação do A./Recorrente pagar aquela prestação, pois, à data, não era cabeça-de-casal e a R./Recorrente sempre pagou as prestações a tempo e a horas.
Por último, relativamente à alínea g) – “pagamento do montante de 183,87€ relativo ao fornecimento de eletricidade com recurso a bens próprios do autor”, o A./Recorrente não logrou, igualmente, provar, com os documentos juntos aos autos, que suportou esse valor com fundos exclusivamente seus.
Assim, uma vez que o A./Recorrente não conseguiu provar ter incorrido nas despesas que alegou, não há fundamento para alterar a matéria de facto dada como não provada, devendo os factos d), e) e g) permanecer como não provados.

d- Do custo de reparação do veículo BMW – alínea f) dos factos não provados
Consta da referida alínea que:
“Na sequência do bom pagamento do cheque destinado ao reforço de sinal referido, a sociedade vendedora enviou ao Autor o certificado de exploração elétrica para que este pudesse requisitar o respetivo contador de eletricidade;”
Entende o A./Recorrente que o referido facto deverá dar-se como provado.
Entende o A/recorrente que a “fatura” não poderá ser considerada o único meio de prova de um pagamento ou da prestação de um serviço.
Porém, cumpre, desde já, salientar, que o A/recorrente não juntou qualquer documento nem sequer uma factura da reparação e pagamento.
Assim, não pode o A./Recorrente crer que o Tribunal considere provado que pagou € 3.000,00 à testemunha CC, devido ao arranjo da caixa de velocidades do veículo BMW, apenas com o depoimento daquela testemunha – que se veio a revelar insuficiente - e sem apresentar qualquer outro meio de prova como facturas de reparação e de aquisição de peças ou levantamentos de dinheiro.
De resto, contrariamente ao que o A./Recorrente pretende fazer crer, em causa não está o reconhecimento ou não do veículo BMW como bem comum, mas a insuficiência de prova para que se possa concluir que o A./Recorrente efectivamente terá pago € 3.000,00.
Por seu turno, cumpre, ainda, salientar que as declarações de parte prestadas pelo A./Recorrente, também não foram suficientes para sustentar este facto, pois, como refere o tribunal, o A./Recorrente não foi sequer capaz de circunstanciar minimamente de que forma fez o pagamento e em que datas.
Além disso, o próprio depoimento da testemunha CC, é incoerente, pois não soube dizer ao tribunal que valor despendeu efectivamente no arranjo, nem foi capaz de precisar de que forma e em que data recebeu aquele montante do A./Recorrente.
Ora, competia ao Autor/Apelante demonstrar ter incorrido nas despesas que alegou na petição inicial, pelo que, na dúvida e sem prova alguma, agiu o tribunal bem em decidir como decidiu (artigo 414º do Código de Processo Civil e artigo 342º, n.º 1 do Código Civil).
Assim sendo, deverá também o facto f) manter-se como não provado.
Afigura-se-nos que esta é a análise correcta e consentânea com as regras da experiência.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto.
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim fixada em 1ª instância.
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4.3 Do mérito da decisão
O apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.
Mantendo-se, todavia, inalterada a decisão relativa à matéria de facto, em consequência da improcedência do recurso impugnativo da mesma, afigura-se-nos que, à luz da mesma, se deve manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo.
Na realidade, o Tribunal a quo fez correcta interpretação e aplicação do direito, porquanto não há fundamento para concluir de forma diversa daqueloutra sentenciada.
Efectivamente, provou-se que a Autora e Réu foram casados, casamento que veio a ser dissolvido por sentença proferida, em 15 de Janeiro de 2008.
Também se provou que correram termos entre Autor e Ré pelo menos dois processos de prestação de contas por apenso ao processo de inventário.
É certo que o Autor assevera ser credor da Ré relativamente a montantes que alega ter pago exclusivamente e que defende que deveriam ter sido suportados pela Ré na qualidade de Cabeça de Casal.
O artigo 1695.º, n.º 1, do Código Civil estabelece que “1. Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos cônjuges. (…)”.
Por seu turno, o artigo 1697.º, nº 1, do mesmo diploma prescreve que “Quando por dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges tenham respondido bens de um só deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe competia satisfazer; mas este crédito só é exigível no momento da partilha dos bens do casal, a não ser que vigore o regime da separação.”.
Ora, das despesas e pagamentos que o Autor/Apelante alegou ter suportado, apenas provou ter procedido ao pagamento do montante de € 183,87 relativo ao fornecimento de eletricidade do primeiro andar frente do prédio sito na Rua ..., ..., ....
Todavia, o Autor não logrou demonstrar ter pago quaisquer outras quantias referidas na petição inicial, nem, sequer, as circunstâncias em que teriam ocorrido esses alegados pagamentos, não podendo, por isso, concluir-se que é credor da Ré relativamente a metade do seu valor, uma vez que teria que ter demonstrado que foi o exclusivo pagador desses montantes e que o dinheiro provinha de fundos exclusivamente seus.
Por sua vez, dispõe o n.º 1 do artigo 473.º do Código Civil que: “Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
São, assim, requisitos deste instituto:
- O enriquecimento, consistente na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista;
- O empobrecimento, traduzido no inerente sacrifício económico correspondente à vantagem patrimonial alcançada, ou seja, o valor que ingressa no património de um é o mesmo que saí do património do outro;
- O nexo causal entre um e outro;
- A falta de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, ou porque nunca a tenha tido ou porque tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido (cfr. neste sentido e entre outros, A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 467 e Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 381 e ss).
Ora, o pedido subsidiário formulado pelo Autor/Apelante encontra-se, igualmente, condenado à improcedência, na medida em que não se tendo provado que o Autor suportou com bens exclusivamente seus as quantias em causa, não é possível concluir pelo seu empobrecimento e pelo correspondente enriquecimento da Ré.
Estamos, aliás, na presença de pagamentos efectuados na pendência do inventário, antes da partilha, quando ambos os ex-cônjuges beneficiaram de rendas de bens comuns, o que reforça a falta de prova de que o Autor suportou despesas com fundos apenas seus.
Impõe-se, assim, o não provimento do recurso de apelação interposto pelo autor.
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Sumariando, em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar não provido o recurso de apelação interposto pelo autor, confirmando a decisão recorrida.
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Custas da apelação a cargo do apelante.
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Notifique.





Porto, 21 de Março de 2024
Relator: Paulo Dias da Silva
1.º Adjunto: Isabel Silva
2.º Adjunto: João Venade


(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)