Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6263/18.8T8PRT.P1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MARIO BELO MORGADO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
CASO JULGADO
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: NÃO ADMITIDA A REVISTA EXECIONAL.
Sumário :

Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), do CPC, há contradição entre acórdãos que – no domínio da mesma legislação e reportando-se a situações de facto que no essencial sejam idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 6263/19.8T8PRT.P1.S1 (revista excecional)


MBM/RP/JG


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. AA, na qualidade de viúva de trabalhador da R., intentou ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra MEO – Serviços de Comunicações e Multimédia, S.A., peticionando:


A) Ser declarado que assiste à A. o direito de receber o complemento de pensão de sobrevivência.


B) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia mensal de € 1.785,23, a título vitalício e de complemento da pensão de sobrevivência, valor este a pagar 14 vezes por ano;


C) Ser a R. condenada a pagar à A. a quantia de € 24.993,25 acrescida de juros no montante de € 360,57, a título de valores de complemento de pensão de sobrevivência já vencidos;


D) Ser a R. condenada a pagar à A. os juros de mora sobre cada uma das retribuições mensais referidas em A) que venham a vencer-se após a data de apresentação da presente ação, calculados à taxa legal supletiva desde a data dos respetivos vencimentos até integral pagamento.


2. A instância foi suspensa, aguardando o desfecho do Processo nº 9109/16.8T8PRT.P2.S1, entretanto decidido por Acórdão do STJ de 19.05.2021, que repristinou a sentença de 1ª instância.


3. Na 1ª Instância, a ação foi julgada parcialmente procedente. Assim: i) declarou-se que a A. tem direito a complemento de pensão de sobrevivência no montante ilíquido de 261,04 € /mês, desde abril de 2017, montante calculado até à data da sentença à razão de 14 vezes por ano (integrando subsídios de férias e de Natal); ii) e a R. foi condenada a pagar à A. o montante total de 18.272.80 €, acrescido de juros de mora vencidos vincendos, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.


4. Interposto recurso de apelação pela R., o Tribunal da Relação do Porto (TRP) confirmou esta decisão, “porque conforme com o decidido” no Processo nº 9109/16 e “atento o carácter vinculante do caso julgado constituído”.


5. A R. veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º, nº 1, c), do CPC1.


6. A A. contra-alegou.


7. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.


Decidindo.


II.


8. Com relevo para a decisão, foram fixados pelas instâncias os seguintes factos:


– A A. é viúva de BB, o qual faleceu no dia 25/março/2017.


– À data da morte do marido da A., entre este e a R. vigorava um contrato de trabalho, o qual foi celebrado - e teve início – em 01/fevereiro/1979 com a Telefones de Lisboa e Porto (TLP), a que sucedeu a Portugal Telecom, S.A. e depois a MEO-Serviços de Comunicação e Multimédia S.A., sendo que o mesmo contrato vigorou até 25/março/2017, data da morte do mesmo.


(…)


– Pelo menos a partir de cerca de 1995, a título de retribuição, o marido da A. auferia uma quantia mensal certa e fixa, que, única e exclusivamente por conveniência e imposição da R., para efeitos de contabilidade da R., nomeadamente recibos de vencimento, surgia decomposta em quatro prestações: “Remuneração-base”, “Isenção de horário de trabalho”, “Diuturnidades Empresa”, “Galp e VV - Desconto” (esta última prestação era inicialmente paga em senhas de gasolina e contra entrega de recibo de portagens) e “Complemento de Responsabilidade”.


– O valor dessas prestações foi aumentando, sendo que, à data da morte do marido da A., o valor global mensal dessas prestações era de € 4.763,09, correspondente ao somatório do seguinte:


a) “Remuneração-base” no valor de € 3.424,57;


b) “Isenção de horário de trabalho” no valor de € 765,80, correspondente a cerca de 21% da “Remuneração-base” e “Diuturnidades”;


c) “Diuturnidades Empresa” no valor de € 202,72;


d) “Galp e VV - Desconto” no valor médio de € 300,00;


e) “Complemento de Responsabilidade” no valor de € 70,00.


– Quanto à prestação designada por “isenção de horário de trabalho”, que foi paga pelo menos desde novembro/1994 até fevereiro/2016, mensalmente, 12 vezes por ano, não decorria de nenhum regime de tempo ou horário de trabalho específicos, sendo que tanto antes do marido da A. passar a auferir esta quantia como depois de tal quantia lhe ter deixado de ser paga, o tempo e horário de trabalho do marido da A. não sofreram alterações nem corresponderam a nenhuma alteração de funções, mas, sim, conforme foi transmitido pela R. ao marido da A., quando tal quantia lhe passou a ser paga, a atribuição dessa quantia consistiu num aumento salarial, há mais de 20 anos, mas que por conveniência da R. teve esse tratamento.


(…)


– O marido da A. intentou uma ação judicial contra a R. que correu os seus termos sob o nº 9109/16.8..., no J. deste Juízo de Trabalho, cuja decisão final proferida pelo STJ corresponde ao teor do documento junto aos autos (…).


– A pensão de sobrevivência fixada pela Segurança Social à A. tem o valor ilíquido de € 2.025,24.


– Tal complemento de pensão de sobrevivência não foi pago até ao momento pela R. à A.


III.


9. Essencialmente, sustenta a recorrente, que o Acórdão do S.T.J. de 12.10.2022, Proc. nº 4067/17.4T8VNG.P2-A.S1, desta Secção Social, indicado como acórdão-fundamento, decidiu “haver que atender ao montante da última retribuição auferida pelo trabalhador para que se proceda ao cálculo do complemento de reforma”, enquanto no acórdão recorrido, contraditoriamente, “para o cômputo do valor do complemento de reforma, atendeu-se ao valor global da remuneração do trabalhador, que além da remuneração base e diuturnidades, incluiu a isenção de horário de trabalho e o complemento de responsabilidade”.


Manifestamente sem razão, uma vez que o acórdão recorrido não chegou a abordar a vertente substancial/material da questão suscitada.


Com efeito, quanto à questão de saber o que deve entender-se por “último vencimento ilíquido do trabalhador” para efeitos de cálculo do complemento de pensão de sobrevivência, este aresto considerou que «a Ré nunca, antes, colocou, na presente ação, à apreciação do Tribunal, a questão da interpretação da expressão “ultimo vencimento ilíquido do trabalhador” para efeitos de cálculo do complemento de pensão de sobrevivência, conjugado com o teor no nº2 da clª58ª do AE», tendo, consequentemente, decidido: «[N]ão tendo o Tribunal “a quo” sido confrontado com a questão, estamos perante uma questão nova e, por essa razão, não pode este Tribunal de recurso dela conhecer, (…) [r]azão pela qual se nega a apreciação da [mesma]» .


Adicionalmente, prevenindo a hipótese de “assim não se entender”, mais decidiu o TRP, agora no plano do instituto do caso julgado: “[o] Acórdão do STJ, proferido no processo nº9109/16 (e que mereceu acolhimento na presente ação) decidiu definitivamente o sentido e alcance da questão de se saber qual era o vencimento ilíquido do marido da Autora, fundamento do pedido de pagamento do complemento de pensão de sobrevivência na presente ação, a significar que nesta parte o referido acórdão tem autoridade de caso julgado - cfr. art. 621º do CPC”.


Em suma:


Para efeitos do disposto no art. 672º, nº 1, c), há contradição entre acórdãos que – no domínio da mesma legislação e reportando-se a situações de facto que no essencial sejam idênticas – dão respostas diametralmente opostas quanto à mesma questão fundamental de direito.


O acórdão recorrido decidiu, determinantemente, como consta do respetivo dispositivo, com base no “carácter vinculante do caso julgado constituído no Processo nº 9109/16”, ou seja, alicerçado em fundamentos situados em plano totalmente distintos dos considerados no acórdão-fundamento.


Na ausência de qualquer contradição, improcede, pois, o peticionado.


III.


10. Nestes termos, acorda-se em não admitir o recurso de revista excecional em apreço.


Custas pela recorrente.


Lisboa, 24 de abril de 2024


Mário Belo Morgado (Relator)


Ramalho Pinto


Júlio Manuel Vieira Gomes





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1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎