Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1783/19.0T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUÍSA LOUREIRO
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
PESSOA NÃO DEMANDADA NA AÇÃO
Nº do Documento: RP202404041783/19.0T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 04/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGAÇÃO
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não deve ser citado na qualidade de réu quem não foi demandado (nem chamado a intervir nessa qualidade).
II - Quem não foi demandado não pode requerer a revisão da sentença a pretexto de não ter sido citado na qualidade de réu (art. 696.º, al. e), subalínea i), do Cód. Proc. Civil).
III - Aquele que, sendo sujeito passivo da relação material controvertida, tal como ela é alegada pelo autor, não é demandado numa dada ação não se encontra vinculado (juridicamente afetado) pela decisão final nesta proferida.
IV - A herança aceita e não partilhada não pode ser parte na ação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo: 1783/19.0T8OVR-A.P1 – Apelação
Tribunal a quo Juízo Local Cível de Ovar


Recorrente(s) AA
BB
Recorrido(a/s) CC
DD


Sumário
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Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório:

Identificação das partes e indicação do objeto do litígio

CC e DD intentaram o presente recurso de revisão contra BB e AA, pedindo que seja admitido e julgado procedente o recurso, “revogando-se a douta sentença proferida nos autos pela que absolva a ré da instância”.
Para tanto, alegaram que não foram citados para a ação na qual foi proferida a decisão revidenda, que correu termos com o número de processo 1783/19.0T8OVR.

Os recorridos apresentaram contestação, alegando a caducidade do direito de ação, por terem decorrido mais de 60 dias entre o conhecimento da sentença e a interposição do recurso, e impugnando a factualidade alegada na petição inicial.
Na fase intermédia da ação, foi julgada improcedente a exceção de caducidade.

Após realização da audiência final, o tribunal a quo julgou procedente a fase rescindente da revisão, concluindo nos seguintes termos:
(…) julgo procedente o presente recurso e, consequentemente, revogo a decisão final proferida nos autos principais em 05/03/2020 e, declarando a nulidade decorrente da falta de citação de todos os representantes da ré Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de EE, absolvo-a da instância.

Inconformados, os primitivos autores (recorridos no recurso de revisão) apelaram desta decisão, concluindo, no essencial:
5.º – (…) o ponto 8 dos factos provados não podia ser dado como provado, pelo simples razão que o cabeça de casal não foi testemunha no processo (…)
6.º – Não se pode dar como provado uma matéria de facto – ponto 8 – que não teve qualquer suporte documental ou testemunhal, pelo que, no entender dos ora recorrentes sobre tal matéria não servem para fundamentar a mesma depoimentos indiretos (…)
7.º – Tal matéria de facto – ponto 8 dos factos provados – deve ser retirada dos factos dados como provados.
8.º – Deve ser, ainda, retirada dos factos dados como provados o ponto 8, conjugado com o que ficou provado no ponto 6 dos factos provados. Ou seja, o recorrente DD viveu com o cabeça de casal na habitação identificada em 2., pelo menos, até ao ano de 2020 (…).
9.º – Se o recorrente DD viveu, na habitação identificada em 2., com o pai (cabeça de casal) até ao ano de 2020, ou seja, muito depois da propositura da ação principal, o normal é que este tenha avidado aquele da existência do processo.
10.º – Também, por esta razão deve ser eliminado o ponto 8 dos factos provados (…).
11.º – Ao contrário do decidido pelo Tribunal de Ovar, os recorrentes CC e DD não tinham que ser citados para a ação principal, uma vez que, quem representa a herança indivisa é o cabeça de casal, FF, e foi este que foi citado para representar a herança no processo principal – art. 2079 e 2080 n.º 1 alínea a) do Código Civil.
12.º – Pelos motivos supra indicados, no entender dos ora recorrentes a sentença do Tribunal de Ovar, está ferida de nulidade por violar o art. 615 n.º 1 alínea b) e c) do CPC, o que se alega e para os devidos feitos legais.

O apelado CC contra-alegou, pugnando pela manutenção de decisão do tribunal a quo recorrida.


II – Questões a decidir:

Face às conclusões das alegações de recurso da apelante (que – exceto quanto a questões de conhecimento oficioso – delimitam o objeto e âmbito do recurso, nos termos do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil), são as seguintes as questões suscitadas no recurso interposto:
Nulidade da sentença apelada.
Impugnação da decisão de facto: prova do facto enunciado no ponto 8 da fundamentação da sentença
As questões de direito a tratar respeitam ao fundamento específico do pedido de revisão, à falta de personalidade judiciária da herança indivisa e à ineficácia da sentença revidenda.
Acresce ainda a responsabilidade pelas custas.
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III – Fundamentação:

Factos provados

1 – Nos autos principais, intentados em 30/10/2019, foi proferida sentença em 05/03/2020, já transitada em julgado, com o seguinte dispositivo: «Pelos fundamentos de facto e de direito acima expostos, julgo procedente a ação, condenando a ré herança ilíquida e indivisa aberta por morte de GG a pagar aos autores BB e AA a quantia de € 15.200,00 (…) e a quantia de € 200,00 (…) por cada mês decorrido desde 12.10.2019 e a decorrer até a ré desocupar as frações identificadas no facto provado n.º 1.»;
2 – Tal decisão foi proferida com base nos seguintes factos:
a) Estão inscritas na matriz predial urbana sob o artigo ...31 e descritas na Conservatória do Registo Predial de Ovar sob o n.º ...27 a fração autónoma ... destinada a habitação (T2 correspondente ao 1.º andar direito), com 110 m2, e a fração autónoma ... destinada a parqueamento, com 11 m2, integrantes do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ..., em ...;
b) FF casou com GG, em 23.09.1995;
c) GG faleceu em ../../2005, no estado de casada com FF. Pela apresentação n.º ..., de 15.06.2007, foi inscrita no registo predial a aquisição (por compra) das frações referidas em 1. [a.] por FF, solteiro, e GG, solteira;
d) Em 13.06.2013, os autores adquiriram a ½ das frações referidas em 1. [a.] pertencente a FF, no processo de execução fiscal n.º ...76;
e) Pela apresentação n.º ...07, de 17.06.2013, foi inscrita no registo predial a aquisição referida em 5 [d.];
f) O cabeça de casal da ré, FF, vem ocupando e utilizando desde a data referida em 5, a totalidade das frações referidas em 1, de forma exclusiva, contra a vontade dos autores e sem nada pagar a estes;
g) No mercado de arrendamento, as frações referidas em 1. têm um valor não inferior a €400,00 por mês.
3 – A ação principal foi proposta contra a “Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de EE, representada pelo cabeça de casal, FF”, nada tendo sido alegado na petição inicial a respeito da sua jacência ou aceitação;
4 – Os ora recorrentes são filhos da autora da herança e do respetivo cabeça de casal e nasceram, respetivamente, 1996 e 2000;
5 – Os ora recorrentes não foram citados na ação principal e nunca intervieram na mesma;
6 – Em 2016, o recorrente CC e, posteriormente, em 2020, o recorrente DD, passaram a habitar autonomamente a sua atual habitação, sita na Rua ...., no Porto, a qual integra a Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de EE;
7 – O cabeça de casal reside na habitação identificada no ponto 2, dos factos provados, desde antes da morte de GG, ocorrida em 29/08/2005, mantendo-se a residir na mesma após tal morte;
8 – O cabeça de casal nunca deu conhecimento aos recorrentes da pendência da ação principal.

Arguição de nulidades (vícios processuais)

Na conclusão da sua alegação, sustentam os apelantes:
12.º – Pelos motivos supra indicados, no entender dos ora recorrentes a sentença do Tribunal de Ovar, está ferida de nulidade por violar o art. 615 n.º 1 alínea b) e c) do CPC, o que se alega e para os devidos feitos legais.
Os “motivos supra indicados” são a impugnação da decisão sobre o ponto 8 – factos provados – e a manifestação do entendimento jurídico de acordo com o qual os recorrentes “não tinham que ser citados para a ação principal”. A arguição de nulidade da sentença é, pois, manifestamente improcedente – para além de praticamente ininteligível.
A sentença apelada não é nula.

Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Pretendem os apelantes que seja dada por não provada a matéria constante do ponto 8 da fundamentação de facto da sentença apelada. Dedicam a esta questão as conclusões 5.ª a 10.ª.
O facto em questão é o seguinte:
8 – O cabeça de casal nunca deu conhecimento aos recorrentes da pendência da ação principal.

Este facto nada tem a ver com o fundamento específico do pedido de revisão (art. 696.º, al. e), subalínea i), do Cód. Proc. Civil). Tem, sim, a ver com a eventual caducidade do direito exercido pelos recorrentes da revisão, ora apelados (art. 697.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil).
A questão da caducidade do direito dos ora apelados foi suscitada na resposta dos ora apelantes, tendo sido julgada (improcedente) na fase intermédia da ação. Esta decisão não foi objeto de apelação autónoma, como imposto pelo disposto na al. b) do n.º 1 do art. 644.º do Cód. Proc. Civil, tendo transitado em julgado, pelo que não pode ser agora revisitada pelo tribunal de recurso.
Ora, como é jurisprudência pacífica das Relações, “não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º, todos do Cód. Proc. Civil)” – assim, entre muitos outros, cfr. os Acs. do TRC de 24-04-2012 (219/10.6T2VGS.C1), de 14-01-2014 (6628/10.3TBLRA.C1) e de 15-09-2015 (6871/14.6T8CBR.C1), do TRG de 15-12-2016 (86/14.0T8AMR.G1) e de 22-10-2020 (5397/18.3T8BRG.G1), e do TRL de 26-09-2019 (144/15.4T8MTJ.L1-2) e de 27-10-2022 (7241/18.2T8LRS-A.L1-2).
Em face do exposto, rejeita-se o recurso, quanto à impugnação da decisão respeitante à matéria de facto.

Análise dos factos e aplicação da lei

São as seguintes as questões de direito parcelares a abordar:

I – Relatório:

II – Questões a decidir:

III – Fundamentação:
1. Fundamento específico do pedido de revisão
2. Da falta de personalidade judiciária da herança indivisa
3. Da ineficácia da sentença revidenda
4. Responsabilidade pelas custas

1. Fundamento específico do pedido de revisão

Fundaram os recorrentes no recurso de revisão, ora apelados, a sua pretensão no disposto na subalínea i) da al. e) do art. 696.º do Cód. Proc. Civil (Fundamentos do recurso): “A decisão transitada em julgado (…) pode ser objeto de revisão quando (…) [t]endo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que (…) [f]altou a citação ou que é nula a citação feita”. Recorde-se que, no que para o caso releva, “a citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender” (art. 219.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil).

BB e AA intentaram ação declarativa com processo comum contra “herança ilíquida e indivisa por morte de GG, representada pelo cabeça de casal, FF”, a qual correu termos como processo n.º 1783/19.0T8OVR. A final, por sentença transitada em julgado, o tribunal decidiu:
Pelos fundamentos de facto e de direito acima expostos, julgo procedente a ação, condenando a ré herança ilíquida e indivisa aberta por morte de GG a pagar aos autores BB e AA a quantia de €15.200,00 (…) e a quantia de €200,00 (…) por cada mês decorrido desde 12.10.2019 e a decorrer até a ré desocupar as frações identificadas no facto provado n.º 1.

É, pois, evidente que os recorrentes no recurso de revisão não foram réus na ação na qual foi proferida a sentença revidenda, pelo que não tinham de ser citados para a mesma. O recurso de revisão é, como tal, manifestamente improcedente. Deve, pois, a presente apelação ser julgada procedente.
Por aqui nos poderíamos ater, mas o total esclarecimento do litígio impõe mais algumas considerações.

2. Da falta de personalidade judiciária da herança indivisa

Nos termos da lei, “[q]uem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária” − cfr. o art. 11.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil. O que equivale a dizer que, por regra, quem não tem personalidade jurídica não tem personalidade judiciária.
Excecionalmente, porém – conforme se desenvolve no recente Ac. do TRL de 05-03-2024 (4405/21.5T8ALM-A.L1-7), que seguimos de perto –, a lei admite extensões à suscetibilidade de uma entidade não personificada civilmente ser parte. Entre os casos assim expressamente previstos, encontra-se o da herança jacente (herança aberta mas não aceita), mas já não o da herança indivisa (herança aceita mas não partilhada) − cfr. a al. a) do art. 12.º do mesmo código. Assim, visto que a herança indivisa, como mero património (autónomo) que é − como que adiante se verá −, não goza de personalidade jurídica, também não goza de personalidade judiciária, pelo que não pode ser parte.
E nem se diga que este património autónomo deve considerar-se abrangido pela referida norma legal, por aplicação analógica. É que não só esta norma é claramente excecional − cfr. o art. 11.º do Cód. Civil −, como a necessária analogia não existe: a herança indivisa, ao contrário da herança jacente, é um património com um ou mais titulares, pelo que as relações jurídicas que integram o mesmo podem e devem ser discutidas em litígio por esses titulares – como, de resto, acontece com qualquer outro património geral ou autónomo com titular definido.
É certo que, por vezes, o enunciado legal pode induzir em erro, embora os conceitos utilizados sejam corretos, ao referir, em relação à herança indivisa, que “[a] herança responde (...) pelo pagamento das dívidas do falecido” (art. 2068.º do Cód. Civil), ou que “[o]s bens da herança respondem coletivamente pela satisfação dos respetivos encargos” (art. 2097.º do Cód. Civil), ou, ainda, que os credores são-no “da herança” (art. 2070.º, n.º 1, do Cód. Civil) − naturalmente sem sublinhado no texto legal. Porém, a utilização destas expressões tem a ver com a natureza de património autónomo e (normalmente) coletivo da herança indivisa.
Por uma dívida responde uma pessoa – em princípio, o seu titular passivo: o devedor. No entanto, por esta dívida também responde o património (geral e pessoal) da mesma (art. 601.º do Cód. Civil). Naturalmente, não estamos perante duas entidades responsáveis. Estamos, sim, perante um sujeito de direitos e obrigações − um centro de imputação de relações jurídicas − que é subjetivamente responsável pela dívida; e perante um acervo patrimonial que é objetivamente responsável (hoc sensu) pela mesma, isto é, cujos bens integrantes estão afetos ao seu pagamento (os termos subjetivo e objetivo são aqui usados em atenção às “entidades” − pessoas ou coisas − a que se imputa a responsabilidade, bem como à natureza dessa imputação, e não por referência ao pressuposto da culpa).
Se, por qualquer razão, a dívida em questão for inerente a um “património separado” da titularidade do devedor, ou seja, se o seu património geral não responder pela mesma, a lei tem de esclarecer, dada a natureza excecional da situação, quais são os bens ou qual é o património objetivamente responsável pelo pagamento da dívida (art. 601.º Cód. Civil). Todavia, com isto não quer a lei significar que o património passa a figurar como sujeito da obrigação, isto é, que passa figurar como subjetivamente responsável e, consequentemente, como o titular da relação material controvertida com legitimidade para litigar. A lei quer, sim, referir que, dos patrimónios do titular da obrigação − um ou mais autónomos e o geral −, somente um, o acervo hereditário, no caso, verá os bens que o integram afetos ao cumprimento da obrigação.
Os titulares da herança indivisa − os herdeiros que aceitaram a herança (art. 2050.º, n.º 1, do Cód. Civil) − são os titulares passivos da relação jurídica complexa, sendo subjetivamente responsáveis pela dívida que era do de cujus – pelo se compreende que, por regra, todos eles devam ser chamados a discutir essa posição (art. 2091.º, n.º 1, última hipótese, do Cód. Civil).

Por regra, sendo todos os herdeiros titulares da herança objetivamente devedora, todos têm de intervir processualmente nas questões relativas a esta, sob pena de preterição de litisconsórcio necessário − cfr. as regras paralelas presentes nos arts. 30.º, n.º 3, 2.ª parte, e 33.º, n.º 1, ambos do Cód. Proc. Civil e no art. 2091.º, n.º 1, 2.ª parte, do Cód. Civil; bem como as exceções, igualmente paralelas, vertidas nos arts. 30.º, n.º 3, 1ª parte, do Cód. Proc. Civil, e 2091.º, n.º 1, , 1.ª parte, do Cód. Civil.
No entanto, resulta da lei que a legitimidade para demandar pode caber ao cabeça-de-casal, agindo sozinho − e não, necessariamente, a todos os herdeiros, em conjunto. Com efeito, embora a herança indivisa nunca possa ser parte na ação, podê-lo-á ser, caso a lei assim o determina, o cabeça-de-casal − agindo nessa qualidade. Ou seja, podemos estar perante uma daquelas situações em que um sujeito de direito capaz − o cabeça-de-casal −, gozando, portanto, de personalidade e capacidade judiciárias, se apresenta como, por exemplo, autor único (processualmente) legítimo numa ação sem ser o titular ativo único da relação material controvertida (arts. 2078.º, n.º 2, 2088.º, 2089.º do Cód. Civil). São casos em que o cabeça-de-casal pode litigar desacompanhado dos restantes herdeiros – podendo ser o caso, por exemplo, da ação de despejo –, preenchendo-se a hipótese legal da exceção contida na referida 1.ª parte do n.º 3 do art. 30.º do Cód. Proc. Civil, por ser o administrador da herança − não o representante: a herança indivisa carece de um administrador (não de um representante) porque constitui um património coletivo, não cindível, e autónomo, pelo que não se compadece de permanentes divergências no destino (necessariamente unitário) que lhe deve ser dado.

3. Da ineficácia da sentença revidenda

Do raciocínio expendido resulta que a ação interposta pelos ora apelantes AA e BB deveria ter sido instaurada contra todos os herdeiros, se, no entender dos então autores, a relação material controvertida dizia (objetivamente) respeito ao património autónomo constituído pela “herança ilíquida e indivisa” aberta por óbito de GG. Não o poderia ter sido contra o cabeça-de-casal e nunca o poderia ter sido, como foi, contra o próprio património autónomo.
Este tipo de anomalias tende a ser ultrapassado na fase inicial da ação, com o convite à sua sanação dirigido aos autores. No caso, não o foi, tendo tribunal, enredando-se no equívoco, acabado por condenar (subjetivamente) uma entidade carecida de personalidade jurídica e judiciária.
Aqui chegados, o que têm os aqui apelados – CC e DD – de fazer para não verem os seus direitos afetados por uma sentença proferida num processo no qual não intervieram? Nada. O caso julgado da sentença não os afeta, não afetando, consequentemente, os seus patrimónios geral e autónomo (herança). O mesmo é dizer que os aqui apelantes AA e BB não têm título para os demandar numa ação executiva. Os apelantes apenas têm título contra uma entidade sem personalidade judiciária – pelo que esta também não pode ser demandada numa ação executiva. Suportam estes, assim, o preço dos seus erros na instauração da ação na qual foi proferida a sentença revidenda.

4. Responsabilidade pelas custas

A decisão sobre custas da apelação, quando se mostrem previamente liquidadas as taxas de justiça que sejam devidas, tende a repercutir-se apenas na reclamação de custas de parte (art. 25.º do Reg. Cus. Proc.).
A responsabilidade pelas custas (da causa e da apelação) cabe aos apelados, por terem ficado vencidos (art. 527.º do Cód. Proc. Civil).


IV. Dispositivo

Pelo exposto, na procedência da apelação, acorda-se em revogar a decisão recorrida, julgando-se improcedente o recurso de revisão.

Custas a cargo dos apelados.
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Notifique.





Porto, 4 de abril de 2024.
Ana Luísa Loureiro
Francisca Mota Vieira
João Venade