Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1615/23.4T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: EXCEÇÃO DO CASO JULGADO
ARRENDAMENTO
ENTREGA DO IMÓVEL
CABEÇA DE CASAL
PODERES DE ADMINISTRAÇÃO
Nº do Documento: RP202403191615/23.4T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não se verifica a excepção de caso julgado numa acção em que o cabeça-de-casal pede a entrega de um imóvel arrendado contra os respectivos arrendatários, alegando os seus poderes de administração sob a herança onde esse prédio se inclui, se em anterior acção os havia demandado num contexto de pura reivindicação da propriedade do imóvel, sem estar acompanhado por outros herdeiros, o que motivou a conclusão pela sua ilegitimidade.
II - Das decisões enunciadas na precedente acção não resulta a autoridade de caso julgado para qualquer das questões da acção subsequente, quando não constituam premissa da decisão destas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 1615/23.4T8VNG.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia - Juiz 3

REL. N.º 847

Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
Maria da Luz Teles Meneses de Seabra

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1. RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., Vila Nova de Gaia, interpôs acção de processo comum declarativo contra BB e CC, residentes na Rua ..., rés-do-chão, em Vila Nova de Gaia, alegando ser cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito de DD, falecida em 03/03/2010, e de EE, falecido em 29/10/2012, para cuja partilha corre um processo de inventário Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia (Juiz 2), (Inventário nº 787/13.0TBVNG), pretendendo que eles lhe entreguem uma casa que à herança pertence e vêm ocupando, apesar de serem terceiros em relação a essa herança.
Concluiu formulando o pedido nos seguintes termos:
“A) Devem os Réus ser condenados a proceder à restituição e entrega ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, da habitação sita no rés-do-chão (susceptível de utilização independente), com entrada pelo nº ...98 (R/c A), do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, inscrito atualmente na matriz predial urbana sob o artigo ...15º, e sendo parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...60.
B) Devem os Réus, na qualidade de possuidores do referido imóvel, ser condenados a proceder pagar ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, uma indemnização destinada à reparação dos prejuízos decorrentes da turbação da posse da herança sobre o referido imóvel, que computa na quantia de € 41.300,00, acrescida de juros de mora, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.”
Os RR. contestaram, alegando que a habitação que ocupam foi deixada em legado a FF, tendo sido este e sua mulher que lha arrendaram. Vêm, por isso, pagando as rendas contratadas a FF e mulher, todos pagando as obrigações fiscais relativas ao prédio e ao contrato de arrendamento.
Com tais fundamentos invocaram a ilegitimidade activa do autor, a sua própria ilegitimidade, bem como a excepção de caso julgado, já que o próprio autor admite já ter intentado outra acção com o mesmo propósito contra os réus, que foi julgada improcedente.
Mais impugnou a pretensão do autor, por razões de facto e de direito, que agora não relevam.
Após contraditório e com dispensa de audiência prévia, foi proferida decisão, em despacho saneador, que concluiu pela absolvição dos RR. da instância, nos seguintes termos:
“Atentos os factos expostos, entendo que o Autor não pode, através da presente ação, submeter à apreciação do tribunal questão já antes submetida e que se encontra já definitivamente resolvida.
Assim sendo, mesmo que se entendesse não se verificar a exceção de caso julgado, sempre se mostraria impedido o prosseguimento da presente ação por força da autoridade de caso julgado projetada pela sentença judicial proferida no processo nº 5674/19.6T8VNG que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Processo: 1615/23.4T8VNG, Vila Nova de Gaia – J3, motivo pelo qual se impõe a absolvição dos réus da instância.”
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O autor recorreu da referida decisão, concluindo nos seguintes termos:
A) O tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao considerar ser aplicável a exceção de caso julgado entre o pedido e a causa de pedir subjacentes à presente ação e o pedido e a causa de pedir subjacentes à sentença e processo que sob o 5674/19.6T8VNG, correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 3.
B) Muito pelo contrário, o pedido e a causa de pedir subjacentes à presente ação tem por fundamento o disposto no artigo 2087.º e 2088.º, do Código Civil.
C) Foi única e exclusivamente com fundamento nessas normas legais que na presente ação foi formulado o pedido de entrega ao Autor do imóvel que se mostra identificado nos presentes autos, que considera sujeito à sua administração, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, que também se mostra identificada nos autos;
D) A decisão recorrida pretende, na prática, esvaziar de todo e qualquer sentido, e alcance, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto que foi proferido na referida ação nº 5674/19.6T8VNG, que correu termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia, Juiz 3;
E) Porquanto resulta desse douto acórdão, e de uma forma muito clara e explicita, que o mesmo recusou conhecer o recurso ali apresentado, e por esse motivo manteve inalterada a sentença proferida em primeira instância, com fundamento no facto de nesse recurso ter sido invocado como fundamento a violação, pelo tribunal a quo, do disposto nos artigos 2087.º e 2088.º, do Código Civil;
F) Dizendo-se nesse acórdão, uma vez mais de forma muito clara e explicita, que o fundamento desse recurso APENAS com base nessas normas legais, constituía uma QUESTÃO NOVA, que não tinha sido submetida à apreciação do tribunal de primeira instância;
G) E que, por esse motivo, também não podia ser apreciada em sede de recurso, sob pena de incorrer na prática da nulidade a que alude o artigo 615.º, nº 1, alínea e), do CPCivil;
H) Nessa medida, o propósito da presente ação foi, ab initio, submeter à apreciação dos tribunais os factos descritos nos autos e os pedidos formulados, APENAS em função do disposto nos referidos artigos 2087.º e 2088.º, do Código Civil;
I) Reconhecendo-se por essa via e justeza e o bem fundado do referido acórdão do Tribunal da Relação do Porto;
J) Nessa medida, não estão preenchidos os requisitos da exceção do caso julgado, previstos nos artigos 580.º e 581.º, do CPCivil;
K) Não existe, portanto, identidade entre as duas ações, porquanto as mesmas não procedem, além do mais, do mesmo facto e efeitos jurídicos – cf. artigo 581.º, nº 3 e nº 4, do CPCivil;
L) A decisão recorrida traduz-se, na prática, numa denegação de justiça e numa violação do princípio e direito a uma tutela jurisdicional efetiva;
M) E num verdadeiro esvaziamento do sentido da referida decisão do Tribunal da Relação do Porto, decisão essa que esteve subjacente à motivação para a propositura da presente ação;
N) Normas violadas: as supra referidas.
TERMOS EM QUE, com o douto suprimento omitido, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e por via disso ser revogada a decisão recorrida, para todos os devidos e legais efeitos.”
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Não foi oferecida qualquer resposta ao recurso.
O recurso foi admitido, como de apelação, com subida em nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Foi depois recebido nesta Relação.
Cumpre decidir.


2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 639º e 635º nº 4, do C.P.Civil.
A questão a resolver, extraída de tais conclusões, consiste na identificação de uma excepção de caso julgado ou de uma situação de “autoridade de caso julgado”, determinantes do impedimento de ser discutido e decidido o pedido formulado nestes autos.
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Os pressupostos da decisão recorrida mostram-se expressos nos termos seguintes:
Compulsados os presentes autos e os que correram termos sob o processo nº 5674/19.6T8VNG que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Vila Nova de Gaia – J3, a que ambas as partes aludem, resultam demonstrados os seguintes factos com relevância para apreciação das exceções invocadas:
1. Ambas as ações são propostas pelo Autor, na qualidade de cabeça-de-casal das heranças abertas por óbito de DD e de EE.
2. As partes são as mesmas em ambos os processos, tendo a Ré sido demandada ab initio e requerida a intervenção do Réu.
3. No processo nº 5674/19.6T8VNG o Autor formulou os seguintes pedidos: “
A) Devem a Ré ser condenada a reconhecer que a herança de EE e DD, representada pelo aqui Autor, é a única dona e legítima proprietária e possuidora da Habitação sita no rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua ..., união das freguesias ... e ..., no concelho de Vila Nova de Gaias, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ...15.º (divisão com utilização independente R/C A) e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...60;
B) Deve ser declarado inexistente, ineficaz e/ou nulo qualquer eventual contrato de arrendamento associado ao referido imóvel, por não ter sido celebrado pelo Autor, em representação da referida herança;
C) Consequentemente, deve a Ré ser condenada a restituir o imóvel supra referido ao Autor, livre e devoluto de pessoas e bens e em bom estado de conservação;
D) A título subsidiário, deve ser declarada cessação, por resolução, de qualquer eventual contrato de arrendamento associado ao referido imóvel, com fundamento na falta de pagamento de rendas, com todos os efeitos legais decorrentes; Além disso,
E) Deve a Ré ser condenada no pagamento de indemnização/compensação vencida desde o mês de janeiro de 2013 até à presente data, à razão de € 380,00 por cada mês, computando-se o valor vencido até à presente data no montante de € 29.640,00, acrescido de juros de mora à taxa legal de 4%, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
F) Deve a Ré ser condenada a pagar ao Autor uma indemnização/compensação mensal pela ocupação indevida do referido imóvel no montante de € 380,00, correspondente à contrapartida mensal associada à utilização desse imóvel, vencida desde a citação e até efetiva entrega do imóvel, acrescida de juros de mora computados à taxa legal até efetivo e integral pagamento.”
4. Nos presentes autos o Autor formula os seguintes pedidos:
“A) Devem os Réus ser condenados a proceder à restituição e entrega ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, da habitação sita no rés-do-chão (suscetível de utilização independente), com entrada pelo nº ...98 (R/c A), do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, inscrito atualmente na matriz predial urbana sob o artigo ...15º, e sendo parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...60.
B) Devem os Réus, na qualidade de possuidores do referido imóvel, ser condenados a proceder pagar ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, uma indemnização destinada à reparação dos prejuízos decorrentes da turbação da posse da herança sobre o referido imóvel, que computa na quantia de € 41.300,00, acrescida de juros de mora, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.”.
5. Corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia (Juiz 2), o Inventário nº 787/13.0TBVNG, para partilha dos bens das heranças abertas por óbito de DD, falecida em 03/03/2010, e de EE, falecido em 29/10/2012. (certidão junta com requerimento de 16.03.2023)
6. O Autor possui a qualidade de cabeça-de-casal nessas heranças e nesse processo de inventário.
7. Em 18/01/2000, DD fez testamento onde, “por conta da quota legitimária dos legatários, seus netos, fez os seguintes legados”: (…) “Ao neto FF o rés do chão do prédio sito na mesma Rua [...], inscrito na matriz no artigo ...96, com a garagem contígua com o número cinco, legando o usufruto ao segundo outorgante, seu marido”. (testamento junto com requerimento de 16.03.2023)
8. EE, marido da testadora, interveio nesse ato, e declarou que “autoriza a primeira, sua mulher, a dispor dos citados bens do património comum do casal.
9. Na mesma data EE fez testamento onde, “por conta da quota legitimária dos legatários, seus netos, faz os seguintes legados”: (…) “ao neto FF o rés do chão do prédio sito na mesma Rua [...], inscrito na matriz no artigo ...96, com a garagem contígua com o número cinco, legando igualmente o usufruto à segunda outorgante, sua mulher”. (testamento junto com requerimento de 16.03.2023).
10. DD, mulher do testador, interveio no ato, e declarou que “dá o seu consentimento à disposição feita por seu marido, de bens certos e determinados do património comum do casal”.
11. Em 20/07/2011, já após o falecimento de DD, EE fez outro testamento onde, entre outras disposições, manteve “os legados feitos no testamento por si outorgado a dezoito de Janeiro de dois mil (…) aos netos, GG, HH e FF, nos termos aí exarados, por conta da quota legitimária destes legatários e aos quais a sua falecida mulher, DD, prestou o necessário consentimento”(testamento junto com requerimento de 16.03.2023).
12. A habitação e imóvel está atualmente inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...15º, o qual teve origem no art. ...53º, que por sua vez teve origem no art. ...96º.
13. Entre FF e mulher, II, na qualidade de supostos senhorios, e os aqui Réus, na qualidade de arrendatários, foi celebrado, com data de 01/04/2013, um contrato de arrendamento para habitação de duração limitada, tendo por objeto o imóvel em causa nos autos, destinado exclusivamente a habitação dos segundos outorgantes, com prazo de duração de dois anos, sendo possível renovação após acordo das partes, com a renda anual de € 4.200,00, a ser paga mensalmente em duodécimos de € 350,00, no primeiro dia do mês anterior a que respeitar. (documento junto com requerimento de 16.03.2023)
14. Entre FF e mulher, II, na qualidade de senhorios, e os aqui Réus na qualidade de arrendatários, foi celebrado, com data de 01/04/2015, um acordo de renovação do contrato de arrendamento referido no ponto anterior, com novo prazo de duração de um ano, renovável por acordo das partes. (documento junto com requerimento de 16.03.2023).
15. Os Réus continuam a ocupar o imóvel, na qualidade de inquilinos e com o seu agregado familiar.
16. Bem como continuam a pagar mensalmente todas as rendas referentes à ocupação desse imóvel desde o mês de abril de 2013 até à presente data, a favor de FF e mulher, II.
17. Por decisão proferida a 08.09.2020 no processo nº5674/19.6T8VNG foi decidido que “litigando o A. desacompanhado dos restantes herdeiros, é parte ilegítima, por preterição de litisconsórcio necessário, o que implica a absolvição da R. da instância” e que tal ilegitimidade também se verificava relativamente ao pedido subsidiário. (cf. certidão junta a 21.11.2023, que se dá por reproduzida)
18. O Autor não é o único herdeiro das heranças abertas por óbito de DD e de EE.
19. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.02.2021, proferido no mesmo processo, foi confirmada a decisão proferida quanto aos pedidos principais e decidido que “não obstante o contrato de arrendamento não tenha sido celebrado com o Autor na qualidade de cabeça-de-casal, mas por um outro herdeiro, não deixa aquele de ser parte legítima para instaurar a presente acção e formular os referidos pedidos subsidiários, onde avulta a resolução do referido contrato por falta de pagamento de rendas.”(cf. certidão junta a 21.11.2023, que se dá por reproduzida)
20. Por sentença proferida a 22.02.2022 no mesmo processo foi a ação julgada improcedente, tendo sido confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 08.06.2022 (cf. certidão junta a 21.11.2023, que se dá por reproduzida)
21. Nessas decisões foram julgados provados os seguintes factos:
“1) Corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia (Juiz 2), o Inventário nº 787/13.0TBVNG (iniciado no extinto 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia) para partilha dos bens das heranças abertas por óbito de DD, falecida em 03/03/2010, e de EE, falecido em 29/10/2012, no qual o A. exerce as funções de cabeça-de-casal;
2) Da relação de bens (corrigida) apresentada no referido processo de inventário faz parte, entre outros, o seguinte bem imóvel, relacionado pelo cabeça-de-casal como verba nº 29: habitação sita no rés-do-chão (susceptível de utilização independente), com entrada pelo nº ...98 (R/c A), do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...53º, e sendo parte do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...60;
3) Em 18/01/2000, DD fez testamento onde, “por conta da quota legitimária dos legatários, seus netos, faz os seguintes legados”: (…) “Ao neto FF o rés do chão do prédio sito na mesma Rua [...], inscrito na matriz no artigo ...96, com a garagem contígua com o número cinco, legando o usufruto ao segundo outorgante, seu marido”;
4) EE, marido da testadora, interveio no acto, e declarou que “autoriza a primeira, sua mulher, a dispor dos citados bens do património comum do casal”;
5) Na mesma data de 18/01/2000, EE fez testamento onde, “por conta da quota legitimária dos legatários, seus netos, faz os seguintes legados”: (…) “ao neto FF o rés do chão do prédio sito na mesma Rua [...], inscrito na matriz no artigo ...96, com a garagem contígua com o número cinco, legando igualmente o usufruto à segunda outorgante, sua mulher”;
6) DD, mulher do testador, interveio no acto, e declarou que “dá o seu consentimento à disposição feita por seu marido, de bens certos e determinados do património comum do casal”;
7) Em 20/07/2011, já após o falecimento de DD, EE fez outro testamento onde, entre outras disposições, manteve “os legados feitos no testamento por si outorgado a dezoito de Janeiro de dois mil (…) aos netos, GG, HH e FF, nos termos aí exarados, por conta da quota legitimária destes legatários e aos quais a sua falecida mulher, DD, prestou o necessário consentimento”;
8) A habitação referida no ponto 2 está actualmente inscrita na matriz sob o art. ...15º, o qual teve origem no art. ...53º, que por sua vez teve origem no art. ...96º;
9) Na 1ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia o prédio descrito sob o nº ...24 (e anteriormente sob o nº ...73, do Livro ...35), da freguesia ..., tem a sua aquisição registada a favor de EE e DD, pela Ap. ... de 10/08/1972;
10) Quando faleceu, DD deixou como herdeiros o seu cônjuge EE, os filhos AA, ora A., JJ, KK e LL e os netos FF, GG e HH;
11) Quando faleceu, EE deixou como herdeiros o cônjuge, com quem casou, entretanto, em segundas núpcias, MM, os filhos AA, ora A., JJ, KK e LL e os netos FF, GG e HH;
12) Entre FF e mulher, II, na qualidade de senhorios, e a R. e o Interveniente na qualidade de arrendatários foi celebrado, com data de 01/04/2013, o contrato de arrendamento para habitação de duração limitada junto com a contestação, cuja cópia consta de fls. 38 do suporte físico do processo, e cujo teor se dá aqui por reproduzido, tendo por objecto a habitação aludida nos pontos 2 e 8, destinada exclusivamente a habitação dos segundos outorgantes, com prazo de duração de dois anos, sendo possível renovação após acordo das partes, com a renda anual de € 4.200,00, a ser paga mensalmente em duodécimos de € 350,00, no primeiro dia do mês anterior a que respeitar;
13) Entre FF e mulher, II, na qualidade de senhorios, e a R. e o Interveniente na qualidade de arrendatários foi celebrado, com data de 01/04/2015, o acordo de renovação do contrato de arrendamento referido no ponto anterior junto com a contestação, cuja cópia consta de fls. 39 do suporte físico do processo, e cujo teor se dá aqui por reproduzido, com novo prazo de duração de um ano, renovável por acordo das partes;
14) A R. e o Interveniente ocupam, com o seu agregado familiar, a habitação aludida nos pontos 2 e 8;
15) A R. e o Interveniente pagaram mensalmente todas as rendas desde Abril de 2013 até ao presente a FF.”.
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Não oferece dúvida a caracterização da excepção de caso julgado, baseada no conceito de repetição de uma acção, integrado pela tripla identidade prevista no nº 1 do art. 581º do CPC: sujeitos, pedido e causa de pedir. Os nºs 2 a 4 do mesmo preceito definem o que seja a identidade de cada um desses elementos: há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas; há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico; há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.
Diferente desta figura é a da autoridade de caso julgado, que o tribunal invoca subsidiariamente. Como referiu Miguel Teixeira de Sousa (“O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ 325, p. 49 e ss”): “quando vigora como autoridade de caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspecto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade de caso julgado é o comando de acção, a proibição de omissão respeitante à vinculação subjectiva à repetição do processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão anterior”.
Como escrevemos no Ac. deste TRP de 14/6/2016 (proc. nº 1032/15.0T8PVZ-A.P1) na figura da autoridade de caso julgado, o efeito do caso julgado não se concentra na parte dispositiva da decisão, antes abrange as suas premissas. Correspondendo a decisão judicial a um silogismo jurídico, a figura da autoridade de caso julgado previne que o efeito do caso julgado se reduza à conclusão, i. é, ao segmento dispositivo da decisão, estendendo-o às premissas, na prossecução do mesmo objectivo da excepção dilatória de caso julgado: garantir a certeza e segurança jurídica das decisões, evitando que a mesma matéria discutida entre as mesmas partes possa ser alvo de sucessivas decisões de sentido divergente, num resultado que seria intolerável para a ordem jurídica.
Todavia, a actuação da figura da autoridade de caso julgado deve atentar nas reservas descritas por Lebre de Freitas, no artigo “Um polvo chamado autoridade do caso julgado”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 79, julho/dezembro de 2019, pp. 691/722.
Como referimos no Ac. deste TRP de 12/4/2021(proc. nº 7843/19.0T8VNG-A.P1), este autor salientou o abuso que se vem verificando na convocação desta figura para a resolução de situações jurídicas conexas, em relação às quais se não verificam os pressupostos da excepção de caso julgado, mas em que se condiciona a decisão de uma situação jurídica nova em função de uma solução judicial anterior, a pretexto da realização de interesses de segurança jurídica, de salvaguarda de prestígio e coerência das decisões dos tribunais. Afirmou então que muitas são as situações em que o recurso à figura da autoridade de caso julgado, as mais das vezes para se ultrapassar a ausência da tripla identidade própria da excepção de caso julgado (sujeitos, causa de pedir e pedido) resulta simplesmente no atropelo do próprio instituto do caso julgado ou mesmo do princípio do contraditório.
No caso em apreço, é óbvia a identidade dos sujeitos nesta acção e naquela que correu sob o nº 5674/19.6T8VNG.
Assim, será em função do pedido e da causa de pedir que importa indagar da repetição identificada na decisão recorrida.
Para o efeito, cumpre analisar as especificidades daquela primeira acção, para apurar em que termos se repetem total ou parcialmente no presente litígio.
A) Na acção nº 5674/19, o autor pediu:
- a condenação da R. a reconhecerem que a herança de EE e DD, por si representada é a única dona e legítima proprietária e possuidora da habitação sita no R/C do nº ...98 da Rua ....
- que seja declarado inexistente, ineficaz e/ou nulo qualquer eventual contrato de arrendamento associado a esse imóvel;
- a condenação da R. a restituir-lhe aquele imóvel.
Subsidiariamente, pediu que seja declarada a cessação, por resolução, de qualquer eventual contrato de arrendamento associado ao imóvel, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
Em qualquer caso, pediu a condenação da R. no pagamento de indemnização/compensação, pela utilização do imóvel, desde o mês de Janeiro de 2013 até à efectiva entrega, encontrando-se então vencida a quantia de € 29.640,00.
B) Foi proferido despacho saneador que concluiu pela ilegitimidade activa do Autor e absolveu a Ré da instância quer quanto ao pedido principal quer quanto ao pedido subsidiário, por se ter entendido que haveria litisconsórcio necessário activo, sendo essencial a propositura da acção por todos os herdeiros e não apenas pelo cabeça-de-casal.
C) Interposto recurso dessa decisão, veio a ser proferido Ac. por este TRP, em 8/2/2021, que considerou e decidiu:
- Os pedidos formulados pelo Autor a título principal são os característicos de uma acção de reivindicação (cfr. artigo 1311.º do CCIvil) pois que os mesmos se reconduzem a que a Ré seja condenada a reconhecer que a herança de EE e DD, é a única dona e legítima proprietária e possuidora da habitação em causa; a que seja declarado inexistente, ineficaz e/ou nulo qualquer eventual contrato de arrendamento associado a esse imóvel; e que a Ré seja condenada a restituir aquele imóvel.
- Os pedidos não são subsumíveis a uma acção de petição da herança, como previsto nos arts. 2078º ou 2088º do C. Civil;
- Na acção de reivindicação, os direitos relativos à herança devem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, pelo que o A. é parte ilegítima.
- Quanto aos pedidos subsidiários, o A. é parte legítima pois que tais pedidos – de despejo por falta de pagamento de rendas – constituem actos de administração da herança;
- Prosseguimento da acção para discussão e decisão sobre os pedidos subsidiários, se a isso não obstasse outra causa.
D) Prosseguindo a acção, onde foi feito intervir CC como associado da ré para assegurar a legitimidade passiva na causa, foi proferido saneador sentença, tendo por objecto “averiguar unicamente da existência de falta de pagamento de renda por parte da R. e do Interveniente e do direito do A. a resolver o contrato de arrendamento com base nesse fundamento e a receber compensação pela ocupação do imóvel.”
E) Aí se decidiu pela improcedência dos pedidos, nos seguintes termos: “Aqui chegados, não resta senão concluir que o contrato de arrendamento foi validamente celebrado pelo legatário FF e que a R. e o Interveniente ocupam o imóvel legitimamente, com base no referido contrato de arrendamento, sempre tendo cumprido com a sua obrigação de pagar a renda mensal devida pelo gozo do locado ao respectivo senhorio (cfr. art. 1038º, al. a), do C.C.), o qual tem direito a haver tais rendas para si, por se tratarem de frutos do bem legado.
Assim, não estando demonstrado qualquer incumprimento da parte dos arrendatários, designadamente o decorrente da falta de pagamento das rendas invocado na petição inicial, não estão verificados os fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento, nem, consequentemente, para a atribuição de compensação pela ocupação do imóvel”.
F) Interposto recurso, alegou o ali apelante, entre o mais, que: “No entender do Apelante, o referido imóvel está sujeito à sua administração, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, por força do disposto nos artigos 2087.º e 2088.º, do Código Civil. Tendo, por isso, a faculdade de pedir a respetiva entrega aos aqui Réus, por força do disposto no artigo 2088.º, nº 1, do Código Civil.”
G) Em 8/6/2022, o TRP proferiu decisão onde, referindo-se àquelas conclusões, decidiu:
“Ora, nenhum outro pedido subsidiário se encontra formulado na acção e, concretamente, o agora pretendido pelo recorrente, ou seja, que estando imóvel em causa sujeito à sua administração, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, por força do disposto no artigo 2087.º do CCivil, tem a faculdade de pedir a respetiva entrega aos aqui Réus, atento o disposto no artigo 2088.º, nº 1 do mesmo diploma legal.
O que, em rectas contas, pretende o apelante em via recursiva com a mencionada alegação, é obter o mesmo resultado que não pôde almejar na acção em via principal.
Mas se assim fosse sempre a decisão seria nula nos termos do artigo 615.º, nº 1 al. e) do CPCivil, pois que se estava a condenar em objeto diverso do pedido.
Mas visto agora por outro prisma, sempre ao tribunal ad quem lhe estava vedada a apreciação da questão agora colocada em via recursiva por se tratar de questão nova.
(…) verifica-se que o apelante nunca no processo e, concretamente na petição inicial, aduziu tal questão, sendo que, se trata de questão que, na perspectiva substantiva, apresenta pontos de facto e direito relevantes para a solução do litígio.
Estamos, assim, perante argumentação nova que nunca tinha sido defendida pelo apelante, o que coloca o tribunal ad quem perante um novo julgamento, na medida em que este, na reponderação que iria fazer da decisão proferida, não se encontra em situação idêntica àquela em que se encontrou o juiz da 1.ª instância, sendo certo que se trata de questão que não é de conhecimento oficioso.
Como assim, nunca tal questão, podia ser conhecida por este tribunal de recurso.”
H) Conclui o TRP pela confirmação da decisão recorrida, declarando: “Diante desta factualidade o tribunal recorrido só podia retirar, como retirou, a conclusão de que a Ré e o Interveniente ocupam o imóvel legitimamente, com base no referido contrato de arrendamento, sempre tendo cumprido com a sua obrigação de pagar a renda mensal devida pelo gozo do locado ao respectivo senhorio [cfr. art. 1038.º, al. a), do C.Civil], razão pela qual, não estando demonstrado qualquer incumprimento da parte dos arrendatários, designadamente o decorrente da falta de pagamento das rendas invocado na petição inicial, não estão verificados os fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento, nem, consequentemente, para a atribuição de compensação pela ocupação do imóvel.”
Atento o que acaba de se descrever, torna-se clara a inexistência de caso julgado em relação ao pedido de entrega formulado nestes autos.
Isso resulta do teor do segundo acórdão do TRP naquele processo nº 5674/19, que expressamente afirmou que nem a sentença de 1ª instância, nem o próprio TRP, poderiam conhecer do pedido de entrega da habitação em causa à luz do direito previsto no art. 2088º do C. Civil, porquanto essa não era a causa de pedir invocada pelo autor nesse processo, nem o pedido era o mesmo.
Com efeito, do que se tratava ali era de um pedido de reivindicação, bem como do pedido de pagamento de rendas e de despejo por falta do pagamento devido.
Para o pedido de reivindicação, o tribunal, em decisão confirmada no primeiro acórdão do TRP, concluíra pela ilegitimidade do autor, por desacompanhado dos restantes herdeiros. No entanto, o TRP concluiu pela legitimidade para a demanda dos RR. quanto à resolução do arrendamento e ao pedido de pagamento de rendas alegadamente em dívida.
Já no segundo acórdão, como se referiu, o TRP rejeitou a possibilidade de apreciar o pedido de entrega da habitação arrendada ao abrigo dos poderes de administração da herança, do autor, enquanto cabeça-de-casal, como se verifica do seguinte excerto: “…nenhum outro pedido subsidiário se encontra formulado na acção e, concretamente, o agora pretendido pelo recorrente, ou seja que estando imóvel em causa sujeito à sua administração, na qualidade de cabeça-de-casal da herança, por força do disposto no artigo 2087.º do CCivil, tem a faculdade de pedir a respetiva entrega aos aqui Réus, atento o disposto no artigo 2088.º, nº 1 do mesmo diploma legal.”
Com efeito, o art. 2088º do C.C. tutela diferentemente esse tipo de situação jurídica, em relação a um pedido de reivindicação. Como se descreve no sumário do TRL de 15-09-2022 (proc. nº 1021/19.5T8CSC.L1-8, em dgsi.pt) “O art. 2088º do Código Civil confere ao cabeça de casal, no âmbito dos seus poderes de gestão e de administração, e relativamente a bens que integrem a massa hereditária que lhe cumpra administrar (arts. 2079º e 2087º do Código Civil), o direito de exigir dos herdeiros e de terceiros a entrega material de bens que estejam na sua posse desde que a entrega se revele necessária ao exercício de gestão (…).
Diferentemente, numa acção de reivindicação trata-se de reivindicar a propriedade de um bem, contra o exercício de um poder conflituante por um terceiro sobre o bem reivindicado.
Naquele processo anterior, o TRP declarou estar em presença de uma acção de reivindicação, não tendo sido invocada, nem devendo ser apreciada, a tutela de direitos de administração do cabeça-de-casal sobre um bem integrante de uma massa hereditária.
Assim, perante a diferença de causa de pedir e de pedido, cumpre reconhecer que não se verifica, nesta acção, em relação ao pedido de entrega da habitação ocupada pelos RR., a excepção de caso julgado, pois que aqui se pretende o que ali não fora invocado nem pedido, isto é, essa tutela do direito de administração sobre um bem da herança.
Acresce que, quanto a este actual pedido, também se não projecta nos presentes autos (usando a expressão pertinente da decisão recorrida) qualquer autoridade de caso julgado proveniente da decisão proferida naquele outro processo nº 5674/19.
Com efeito, o que ali se decidiu quanto à ilegitimidade do autor para a dedução da pretensão de reivindicação e à sua legitimidade para, enquanto cabeça-de-casal, poder fazer seguir a acção de despejo com base na falta de pagamento de rendas, de forma alguma impede (bem pelo contrário) o reconhecimento da sua legitimidade para, nesta causa e também como cabeçe-de-casal, pedir a entrega do bem arrendado aos aqui RR, ao abrigo do disposto no art. 2088º do C.Civil.
Com efeito, nenhuma das asserções inseridas no dispositivo das decisões tiradas naqueles autos nº 5674/19 constitui premissa da decisão pretendida neste processo quanto à pretensão do autor, de lhe ser entregue o bem arrendado aos RR.
Note-se, a este propósito, que mesmo a afirmação da sentença recorrida e do segundo acórdão que sobre ela recaiu, quanto à legitimidade do legatário para celebrar um contrato de arrendamento com os RR., relativamente a um bem da herança, porquanto ele lhe foi legado e tem direito a receber os frutos da sua utilização não constitui premissa da decisão pretendida pelo autor, na presente acção. Com efeito, prosseguindo a acção, caberá ao tribunal decidir se se justifica a entrega do prédio ocupado pelos RR. e em que termos essa entrega deve ocorrer, designadamente se isso conflitua ou não com a continuidade do contrato de arrendamento. Tudo isso haverá de ser definido em sede do prosseguimento da acção. Mas não se mostra resolvido pela solução do processo nº 5674/19.
Conclui-se, pois, que a presente acção terá de prosseguir para apreciação do pedido deduzido sob a al. a) [“proceder à restituição e entrega ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, da habitação sita no rés-do-chão (susceptível de utilização independente), com entrada pelo nº ...98 (R/c A), do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., Vila Nova de Gaia], se a isso não obstar qualquer outra razão, pois que se não verifica quanto a ele a excepção de caso julgado nem uma situação de autoridade de caso julgado que impeçam a sua apreciação.
Nesta parte procederá, pois, a apelação.
Diferente deve ser, porém, a solução quanto ao pedido formulado na al. b), isto é “Devem os Réus, na qualidade de possuidores do referido imóvel, ser condenados a proceder pagar ao Autor, na qualidade de cabeça-de-casal da referida herança, uma indemnização destinada à reparação dos prejuízos decorrentes da turbação da posse da herança sobre o referido imóvel, que computa na quantia de € 41.300,00, acrescida de juros de mora, computados desde a citação e até efetivo e integral pagamento.”
Com efeito, quanto a este pedido, no referido processo nº 5674/19, o tribunal decidiu, em termos confirmados pelo 2º acórdão referido, que o contrato de arrendamento foi validamente celebrado pelo legatário FF e que a R. e o Interveniente ocupam o imóvel legitimamente, com base no referido contrato de arrendamento, sempre tendo cumprido com a sua obrigação de pagar a renda mensal devida pelo gozo do locado ao respectivo senhorio (cfr. art. 1038º, al. a), do C.C.), o qual tem direito a haver tais rendas para si, por se tratarem de frutos do bem legado.
Assim, não estando demonstrado qualquer incumprimento da parte dos arrendatários, designadamente o decorrente da falta de pagamento das rendas invocado na petição inicial, não estão verificados os fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento, nem, consequentemente, para a atribuição de compensação pela ocupação do imóvel”.
Por sua vez, o TRP afirmou: “Diante desta factualidade o tribunal recorrido só podia retirar, como retirou, a conclusão de que a Ré e o Interveniente ocupam o imóvel legitimamente, com base no referido contrato de arrendamento, sempre tendo cumprido com a sua obrigação de pagar a renda mensal devida pelo gozo do locado ao respectivo senhorio [cfr. art. 1038.º, al. a), do C.Civil], razão pela qual, não estando demonstrado qualquer incumprimento da parte dos arrendatários, designadamente o decorrente da falta de pagamento das rendas invocado na petição inicial, não estão verificados os fundamentos para a resolução do contrato de arrendamento, nem, consequentemente, para a atribuição de compensação pela ocupação do imóvel.”
Verifica-se, pois, que no processo nº 5674/19 já foi decidido não ter havido qualquer turbação da posse da herança sobre o referido imóvel, nem estarem os RR. a determinar qualquer prejuízo em razão da ocupação que desenvolvem sobre a habitação em causa. Assim, em relação ao pedido descrito na al. B), ocorre a referida tripla identidade de elementos que conduzem à verificação da excepção de caso julgado: identidade das partes, da causa de pedir e do pedido.
Nesta medida, quanto a tal pedido, por verificação da excepção de caso julgado, não pode prosseguir a acção, nem ser proferida nova decisão, sendo insusceptível de crítica a decisão recorrida na parte em que, quanto a tal pedido, absolveu os RR. da instância.
Pelo exposto, conceder-se-á parcial provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão de absolvição dos RR. da instância em relação ao pedido deduzido sob a al. a). Quanto a tal pedido, deverá o tribunal providenciar pelo prosseguimento da acção, se outro motivo não houver que o impeça.
Quanto à decisão de absolvição da instância dos RR., em relação ao pedido deduzido sob a al. b) da p.i., cumpre negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
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Sumariando, nos termos do art. 663º, nº7 do Código do Processo Civil
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3 – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em conceder parcial provimento à presente apelação, em razão do que a revogam na parte em que absolveu os RR. da instância quanto ao pedido formulado sob a al. a), devendo o tribunal providenciar pelo prosseguimento da acção para a respectiva apreciação, se outro motivo não houver que o impeça.

Quanto à decisão de absolvição da instância dos RR. em relação ao pedido deduzido sob a al. b) da p.i., acordam negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo apelante e apelados, na proporção de metade.




Porto, 19 de Março de 2024
Rui Moreira
Alberto Taveira
Maria da Luz Seabra