Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20946/20.9T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTÓNIO PAULO VASCONCELOS
Descritores: REDUÇÃO DA DOAÇÃO
INOFICIOSIDADE DA DOAÇÃO
QUINHÃO HEREDITÁRIO
Nº do Documento: RP2024032120946/20.9T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Reconhecida a liberalidade como inoficiosa, ela tem de ser reduzida. Essa redução é feita em substância e não em valor, como decorre do disposto no artigo 2174.º do Código Civil
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 20946/20.9T8PRT-A.P1

(Recurso)

Acordam, em audiência de julgamento, na 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

AA, interessado nos autos em epígrafe, não se conformando com o despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Porto -Juízo Local Cível do Porto - Juiz 2, em 30 de Setembro de 2023, que julgou procedente o pedido de redução da doação por inoficiosidade, preenchendo o seu quinhão hereditário com a adjudicação da verba n.º 1, recebendo no caso tornas a diferença do valor, veio interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal e, em sede de alegações, formulou as seguintes conclusões:
I. Nos autos em apreço, procede-se a inventário cumulativo por óbito dos Inventariados BB (1.º Inventariado), falecido em 25-04-2013, e CC (2.º Inventariada), falecida em 14-05-2020.
II. Os Inventariados eram casados sob o regime da comunhão geral de bens.
III. À data do falecimento do 1.º Inventariado, este não deixou qualquer disposição, testamento ou doação, e deixou como seus herdeiros legítimos o cônjuge sobrevivo, a CC e os sete filhos comuns de ambos: a DD, o EE, a FF, a GG, a HH, o II e o AA (aqui Recorrente).
IV. Posteriormente, a 2.ª Inventariada, faleceu no estado de viúva do 1.º Inventariado e deixou como seus herdeiros, os sete filhos que teve em comum com o 1.º Inventariado já mencionados, e, ainda, mais dois filhos nascidos previamente ao casamento com o 1º Inventariado e filhos de pai incógnito: o JJ e a KK.
V. A 2.ª Inventariada, em 16-03-2015, outorgou testamento no qual instituiu herdeiro da sua quota disponível o do seu filho AA, sendo preenchida pelos seguintes imóveis, “…i) prédio urbano, “uma morada de casas coberta de telha” de rés-do-chão com três divisões (…), inscrita na respetiva matriz sob o artigo ...; ii) prédio rústico denominado “...”, (…), inscrito na matriz sob o artigo ...;”
VI. E, em 19-11-2019, 2.ª Inventariada outorga doação notarial, por conta da quota disponível, a favor do seu filho AA de dois prédios urbanos: a) prédio urbano, (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., (…), com o valor patrimonial determinado em 2018 de 10.921,40€ b) prédio urbano composto por edifício de R/C e 1.º andar com logradouro, sito no lugar ..., (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., (…), com o valor patrimonial determinado em 2018 de 36.122,80€
VII. Requerida a avaliação dos bens imóveis apresentados na relação de bens, resultou, resumidamente, do relatório pericial (Ref.ª 14481634) apresentado:
- VERBA N.º 1 (prédio urbano):
Valor de Mercado – 54 100,00 € (cinquenta e quatro mil e cem euros)
- VERBA N.º 2 (prédio urbano):
Valor de Mercado Habitação – 55 300,00 € (cinquenta e cinco mil e trezentos euros)
Valor de Mercado Comércio – 38 220,00 € (trinta e oito mil, duzentos e vinte euros)
- VERBA N.º 3 (prédio urbano):
Valor de Mercado – 43 490,00 € (quarenta e três mil, quatrocentos e noventa euros)
- VERBA N.º 4 (prédio rústico):
Valor de Mercado – 2 950,00 € (dois mil, novecentos e cinquenta euros)
VIII. Assim, a herança dos dois Inventariados, a ser preenchida por quatro verbas, cujo valor foi apurado por perícia, corresponde ao valor total de € 194.060,00.
IX. Como o quinhão hereditário do herdeiro AA, aqui Recorrente, corresponde ao somatório da quota disponível e indisponível, a mesma totaliza o valor de € 59.809,49, e o quinhão dos restantes herdeiros, o montante de € 134.250,51.
X. Conforme Ata de Conferência de Interessados de 12-07-2023 (Ref.ª 450442927), foi requerido pelos restantes herdeiros a redução da doação por inoficiosidade para a quantia supramencionada de € 59.809,49, valor correspondente ao quinhão hereditário do Recorrente, e requerem ainda que o preenchimento desse quinhão hereditário fosse efetuado com a adjudicação da Verba n.º 1, recebendo no caso tornas da diferença do valor ou, em alternativa, com o preenchimento sob a Verba n.º 2, e, neste caso, a efetuar o pagamento de tornas aos restantes herdeiros, seus irmãos.
XI. Atento o facto da Mandatária do Recorrente, não ter comparecido por se encontrar doente, a Mmª Juíza determinou “a notificação do interessado Donatário para, querendo, se pronunciar relativamente à requerida redução da doação por inoficiosidade” e designou para continuação da Conferência de Interessados o dia 2 de outubro de 2023 (Ref.ª 450442927).
XII. Nessa sequência foi a Mandatária do Recorrente notificada com Ata da Conferência de 12-07-2023 em anexo, com o respetivo conteúdo da notificação (Ref.ª 450490405): “Mais fica notificado de que foi designado o dia 02-10-2023 pelas 13:30 horas, para a realização da CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS, destinada a compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados ou, não havendo acordo, à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores para que, no todo ou em parte sejam objeto de sorteio, ou ainda se procure acordo na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.”
XIII. Por nada ter a opor quanto à redução por inoficiosidade, o Recorrente não se pronunciou, e ficou a aguardar a Conferência agendada para dia 02-10-2023, destinada aos fins indicados.
XIV. Acontece que, no mesmo dia, 02-10-2023, dia designado para a continuação da Conferência de Interessados, a Mandatária do Recorrente, é notificado via Citius (Ref.ª 452329680), do Despacho proferido em 30-09-2023 (Ref.ª 452022353), cujo determina que “Nos autos, tendo em conta o alegado pelos restantes herdeiros legitimários e não contestado pelo herdeiro Donatário, ter-se-á de concluir pela procedência do pedido de redução da doação por inoficiosidade, preenchendo-se o quinhão hereditário do herdeiro AA com a adjudicação da verba 1, recebendo no caso tornas a diferença do valor.”
XV. Atendendo à letra da lei, temos que, se se reconhecer que a liberdade é inoficiosa, ela tem de ser reduzida. Essa redução é feita em substância e não em valor, como decorre do disposto no artigo 2174.º do Código Civil.
XVI. O referido artigo rege sobre as consequências da inoficiosidade, as quais diferem em razão da natureza divisível ou indivisível dos bens doados.
XVII. Os artigos 1118.º e 1119.º do CPC, regulam o requerimento de redução de legados ou doações inoficiosas e as consequências da inoficiosidade.
XVIII. Tendo em atenção a lei suprarreferida, reconhecida a inoficiosidade da doação, o Donatário é condenado a repor, em substância, a parte que afetar a legítima, podendo o mesmo escolher, de entre os bens doados, os necessários para preencher o valor que tenha direito a receber (cfr. artigo 1119.º, nº1 CPC).
XIX. Pelo que, tratando-se de bens divisíveis, o Donatário pode escolher entre os bens doados, o bem ou os bens, a repor ao património hereditário.
XX. Tratando-se de bem indivisível, se a redução foi inferior a metade do valor do bem indivisível, assiste ao Donatário a faculdade de repor em dinheiro o excesso a favor do património hereditário (cfr. artigo 1119.º, n.º4 do CPC e artigo 2174.º, n.º 2 do CC).
XXI. Volvendo ao caso em análise, verificou-se que, segundo a avaliação efetuada aos imóveis que integram a herança, o Recorrente recebeu em doação € 147.620,00, correspondente à Verba n.º 1 e Verba n.º 2, pelo que, a doação considerou-se inoficiosa.
XXII. Atenta a notificação efetuada a 13-07-2023 (Ref.ª 450490405), sendo designada a continuação da Conferência de Interessados para 02-10-2023, destinada a compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados, e nada tendo nada a opor o Recorrente quanto à inoficiosidade da doação, o mesmo não se pronunciou.
XXIII. Tendo, assim, o Recorrente, até à abertura das licitações, a realizar no dia 02-10-2023, na Conferência de interessados, a oportunidade de se pronunciar e requerer o que tiver por conveniente quanto à composição dos quinhões hereditários, o que pretendia fazer.
XXIV. Contudo, no próprio dia 02-10-2023, foi a Mandatário do Recorrente notificada (Ref.ª 452329680) do Despacho proferido em 30-09-2023 (Ref.ª 452022353), em causa no presente recurso, onde se determina o preenchimento do quinhão hereditário do herdeiro AA com a adjudicação da verba 1, recebendo no caso tornas a diferença do valor.
XXV. Assim, com a proferida decisão, foi malogrado os fins a que se destinou a Conferência de Interessados.
XXVI. Razão pela qual, o Recorrente, na Conferência de Interessados do dia 02-10-2023, se opôs à decisão proferida no Despacho.
XXVII. Não obstante do Recorrente ter sido notificado da Ata da Conferência de Interessados anterior realizada no dia 12-07-2023, deverá atender-se à letra da lei e ao interesse da lei que defende a liberdade de dispor do de cujus e o respeito pelas liberalidades que ele tenha feito.
XXVIII. Tendo sido doados pela 2.ª Inventariada, a Verba n.º 1 e a Verba n.º 2, e face ao exposto no artigo 1119.º do CPC, o Donatário, pode repor, em substância, uma das Verbas, atento as mesmas serem bens imóveis divisíveis e autónomos.
XXIX. Em virtude de o quinhão hereditário do Recorrente ser no valor de € 59.809,49, caso o Donatário escolhesse em repor a Verba n.º 1 (€ 54.100,00), teria o mesmo de receber tornas da diferença; ou, em alternativa, caso optasse pelo preenchimento do quinhão sob a Verba n.º 2 (€ 93.520,00), teria o mesmo de pagar tornas aos restantes irmãos.
XXX. Tal como requerido na Conferência de Interessados do dia 12-07-2023, pelos restantes herdeiros.
XXXI. Ora, repondo a Verba n.º 1 ao património hereditário, optando por ficar com o bem imóvel corresponde à Verba n.º 2, a redução a efetuar seria no valor de € 33.710,51, sendo a redução inferior a metade do valor do bem indivisível, pode o Recorrente/Donatário optar pela reposição em dinheiro desse excesso.
XXXII. Ademais, deve atender-se a que, o interesse que a lei defende é o da liberdade de dispor do de cujus e o respeito pelas liberalidades que ele tenha feito aos seus herdeiros ou a estranhos por conta da quota disponível.
XXXIII. No caso em concreto, apesar dessa liberalidade possa ser reduzida, por inoficiosa, o que se verificou, a vontade da 2.ª Inventariada era de que o seu filho, AA, ficasse com os bens que lhe foram doados, sobretudo, pela que compõe a Verba n.º 2 da perícia, estando o mesmo ciente que estaria obrigado ao pagamento de tornas aos restantes herdeiros, tal como pretendia requerer na Conferência de Interessados designada para o dia 02-10-2023.
XXXIV. Contudo, o despacho proferido em 30-09-2023, veio frustrar esse fim, a vontade da 2.ª Inventariada e a pretensão do Recorrente.
XXXV. Posto isto, Cabendo ao Recorrente/Donatário escolher, entre os bens doados, aqueles a repor, em substância, para o património hereditário, nos termos do artigo 2174º do CC e artigo 1119.º do CPC, e atento ao facto de que a Conferência de Interessados de 02-10-2023, se destinada a compor o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados,
Vem o Recorrente, muito respeitosamente, salvo melhor opinião, junto de V. Exas., recorrer do Despacho proferido em 30-09-2023 (Ref.ª 452022353) pela Mmª Juíza, que determinou que o preenchimento do quinhão hereditário do herdeiro AA com a adjudicação da verba 1, recebendo no caso tornas a diferença do valor, requerendo a revogação do mesmo por violação das normas legais supramencionadas, assim como, sejam também revogadas as licitações efetuadas na Conferência de Interessados de 02-10- 2023 (Ref.ª 452329810).”
*
DD, cabeça de casal e os outros interessados, igualmente herdeiros legitimários, contra-alegaram pugnando pela manutenção do decidido.
*
Colhidos os vistos legais vem o processo submetido à audiência de julgamento.
*
II - DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com relevo para a decisão são de considerar assentes os seguintes factos que se passam a transcrever:
1. Nos autos em epígrafe, procedeu-se a inventário cumulativo por óbito dos Inventariados BB e CC, admitido por Despacho (Ref.ª 421112997) de 21-01-2021.
2. Os Inventariados foram casados sob o regime da comunhão geral de bens, tendo o Inventariado, BB, falecido 25-04-2013, e a Inventariada, CC, falecido em 14-05-2020.
3. À data do falecimento do Inventariado BB deixou como seus herdeiros legítimos o cônjuge sobrevivo, a CC e os sete filhos comuns de ambos: a DD, o EE, a FF, a GG, a HH, o II e o AA (aqui Apelante).
4. O BB (adiante 1.º Inventariado) não deixou testamento, doação ou qualquer outra disposição de bens.
5. Posteriormente, a Inventariada CC (adiante 2.ª Inventariada) faleceu no estado de viúva do 1.º Inventariado e deixou como seus herdeiros, os sete filhos que teve em comum com o Inventariado BB: a DD, o EE, a FF, a GG, a HH, o II e o AA, e, ainda, mais dois filhos nascidos previamente ao casamento com o 1º Inventariado e filhos de pai incógnito: JJ e KK.
6. A 2.ª Inventariada, em 16-03-2015, outorgou testamento no qual instituiu herdeiro da sua quota disponível o do seu filho AA (ora Apelante), sendo preenchida pelos seguintes imóveis, “…i) prédio urbano, “uma morada de casas coberta de telha” de rés-do-chão com três divisões destinadas a habitação a cortes de gado e arrumos e primeiro andar com cinco divisões destinadas a habilitação, quintal e anexo, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Cabeceiras de Basto, inscrita na respectiva matriz sob o artigo ...; ii) prédio rústico denominado “...”, cultura arvense de Sequeiro e videiras embardo, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Cabeceiras de Basto, inscrito na matriz sob o artigo ...;”.
7. Em 19-11-2019, 2.ª Inventariada outorgou doação notarial, por conta da quota disponível, a favor do seu filho AA (aqui apelante) de dois prédios urbanos:
a) prédio urbano, composto por edifício, sito no Lugar ..., da freguesia ..., concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., onde se encontra registado a seu favor pela Ap. ... de 2019/11/21, inscrito na matriz predial urbana em data anterior a 7/08/1951, com o artigo ... da respectiva freguesia, com o valor patrimonial determinado em 2018 de 10.921,40€
b) prédio urbano composto por edifício de R/C e 1.º andar com logradouro, sito no lugar ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., onde encontra registado a seu favor pela Ap. ... de 2019/11/21, inscrito na matriz predial urbana com o artigo ... da respectiva união de freguesias, com o valor patrimonial determinado em 2018 de 36.122,80€
8. Por requerimento (Ref.ª 34454745) de 17-01-2023, foi requerida a avaliação dos bens imóveis apresentados na relação de bens, o que foi deferido por despacho proferido em 19-01-2023.
9. Em conformidade, foi apresentado o relatório pericial do perito, LL (Ref.ª 14481634), que teve por objecto a perícia dos 4 bens imóveis, que atribuiu a seguinte designação:
- VERBA N.º 1: Prédio urbano, composto por edifício, sito no Lugar ..., da freguesia ..., concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana em data anterior a 1951, com o artigo ... da respectiva freguesia, com o valor patrimonial, determinado em 2018, de 10 921,40 €;
- VERBA N.º 2: Prédio urbano composto por R/C e 1.º andar com logradouro, sito no lugar ..., da União de Freguesias ..., ... e ..., concelho de Cabeceiras de Basto, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., inscrito na matriz predial urbana com o artigo ... da respetiva união de freguesias, com o valor patrimonial, determinado no ano de 2018, de 36 122,80 €;
- VERBA N.º 3: Prédio urbano composto por uma “moradia de coberta de telha” de rés-do-chão com três divisões destinadas a corte de gado e arrumos e primeiro andar com cinco divisões destinadas a habitação, quintal e anexo, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Cabeceiras de Basto, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ... da indicada freguesia, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., com o valor patrimonial, determinado no ano de 2012, de 18 229,40 €;
- VERBA N.º 4: Prédio rústico denominado “...”, destinado a cultura arvense de sequeiro e videiras em bardo, sito no lugar ..., freguesia ..., concelho de Cabeceiras de Basto, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... da mesma freguesia e concelho, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cabeceiras de Basto sob o n.º ..., com o valor patrimonial, determinado no ano de 1996, de 41,90 €.
10. O perito apresentou, respectivamente, os seguintes valores de mercado livres de quaisquer ónus:
- VERBA N.º 1:
Valor de Mercado – 54 100,00 € (cinquenta e quatro mil e cem euros)
- VERBA N.º 2:
Valor de Mercado Habitação – 55 300,00 € (cinquenta e cinco mil e trezentos euros)
Valor de Mercado Comércio – 38 220,00 € (trinta e oito mil, duzentos e vinte euros)
- VERBA N.º 3:
Valor de Mercado – 43 490,00 € (quarenta e três mil, quatrocentos e noventa euros)
- VERBA N.º 4:
Valor de Mercado – 2 950,00 € (dois mil, novecentos e cinquenta euros),
totalizando o valor de 194 060,00 €
11. O quinhão hereditário do herdeiro e ora Apelante corresponde ao somatório da quota disponível e indisponível, que totaliza o valor de € 59.809,49.
12. Por sua vez, o quinhão hereditário dos herdeiros (DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ e KK), correspondente € 134 250,51.
13. Conforme Acta de Conferência de Interessados de 12-07-2023 (Ref.ª 450442927), atento a circunstância da doação efectuada pela Inventariada CC, ao herdeiro AA, sido circunscrita aos dois prédios elencados na perícia sob a Verba n.º 1, com o valor de € 54.100,00 e a Verba n.º 2, com o valor de € 93.520,00, os restantes herdeiros requereram a redução da doação por inoficiosidade para a quantia supra mencionada de € 59.809,49, correspondente ao quinhão hereditário de AA.
14. Mais requereram, que o preenchimento do quinhão hereditário do herdeiro AA fosse efectuado com a adjudicação da Verba n.º 1, recebendo no caso tornas da diferença do valor ou, em alternativa, com o preenchimento sob a Verba n.º 2, e, neste caso, a efectuar o pagamento de tornas aos restantes herdeiros, seus irmãos.
15. Como se alcança da Acta de Conferência de Interessados de 12-07-2023, foi ordenada “a notificação do interessado Donatário para, querendo, se pronunciar relativamente à requerida redução da doação por inoficiosidade.” (Ref.ª 450442927), alem de ter sido designado para. continuação da Conferência de Interessados o dia 2 de outubro de 2023 (Ref.ª 450442927).
16. Com a Ata da Conferência de 12-07-2023 em anexo, a mandatária do Apelante, foi notificada (Ref.ª 450490405) do despacho com o seguinte teor:
Mais fica notificado de que foi designado o dia 02-10-2023 pelas 13:30 horas, para a realização da CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS, destinada a compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados ou, não havendo acordo, à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores para que, no todo ou em parte sejam objeto de sorteio, ou ainda se procure acordo na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.”
17. O ora Apelante não se pronunciou quanto à redução por inoficiosidade.
18. Em 30-09-2023 foi proferido o despacho em crise que se passa a transcrever:
“Nos presentes autos de inventário vieram os Requerentes e Cabeça de Casal requerer a redução da doação por inoficiosidade.
Alegam, em síntese, que em face da presente herança dos dois inventariados quanto ao ativo ser preenchida por quatro verbas, cujo valor apurado por perícia corresponde ao valor total: € 194.060,00 (cento e noventa e quatro mil e sessenta euros) e, atendendo a que o quinhão hereditário do herdeiro AA no somatório correspondente à quota disponível e indisponível totaliza o valor de € 59.809,49 (cinquenta e nove mil oitocentos e nove euros e quarenta e nove cêntimos), tendo a doação efetuada pela inventariada CC sido circunscrita aos dois prédios elencados na perícia sob a verba 1, com o valor de € 54.100,00 (cinquenta e quatro mil e cem euros) e a verba 2, com o valor de € 93.520,00 (noventa e três mil quinhentos e vinte euros).
Requerem a redução da doação para a quantia supra mencionada de € 59.809,49 (cinquenta e nove mil oitocentos e nove euros e quarenta e nove cêntimos), correspondente à quota disponível e legitima. Requerem que o preenchimento do quinhão hereditário do herdeiro AA seja efetuado com a adjudicação da verba 1, recebendo no caso tornas da diferença do valor ou, em alternativa, com o preenchimento sob a verba 2, neste caso com o pagamento de tornas, o que se requer.
Foi determinada a notificação do interessado donatário para, querendo, se pronunciar relativamente à requerida redução da doação por inoficiosidade.
Notificado, o interessado nada veio dizer nos autos.
Estabelece o artigo 1118.º do CPC – sob a epigrafe - Requerimento de redução de legados ou doações inoficiosas – que - Qualquer herdeiro legitimário pode requerer, no confronto do donatário ou legatário visado, até à abertura das licitações, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade. No requerimento apresentado, o interessado fundamenta a sua pretensão e especifica os valores, quer dos bens da herança, quer dos doados ou legados, que justificam a redução pretendida e, de seguida, são ouvidos, quer os restantes herdeiros legitimários, quer o donatário ou legatário requerido. Para apreciação do incidente, pode proceder-se, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, à avaliação dos bens da herança e dos bens doados ou legados, se a mesma já não tiver sido realizada no processo. A decisão incide sobre a existência ou inexistência de inoficiosidade e sobre a restituição dos bens, no todo ou em parte, ao património hereditário.
Por seu turno, nos termos do artigo 1119.º do CPC - Consequências da inoficiosidade - Quando se reconheça que a doação ou o legado são inoficiosos, o requerido é condenado a repor, em substância, a parte que afetar a legítima, embora possa escolher, de entre os bens doados ou legados, os necessários para preencher o valor que tenha direito a receber. Sobre os bens restituídos à herança pode haver licitação, a que não é admitido o donatário ou legatário requerido.
Quando se tratar de bem indivisível, o beneficiário da doação ou legado inoficioso deve restituir a totalidade do bem, quando a redução exceder metade do seu valor, abrindo-se licitação sobre ele entre os herdeiros legitimários e atribuindo-se ao requerido o valor pecuniário que tenha o direito de receber. Se, porém, a redução for inferior a metade do valor do bem, o legatário ou donatário requerido pode optar pela reposição em dinheiro do excesso.
Nos autos, tendo em conta o alegado pelos restantes herdeiros legitimários e não contestado pelo herdeiro donatário, ter-se-á de concluir pela procedência do pedido de redução da doação por inoficiosidade, preenchendo-se o quinhão hereditário do herdeiro AA com a adjudicação da verba 1, recebendo no caso tornas a diferença do valor.
Notifique.”
*
III - DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Reconhecida a liberalidade como inoficiosa, ela tem de ser reduzida. Essa redução é feita em substância e não em valor, como decorre do disposto no artigo 2174.º do Código Civil (adiante CC):
“1 - Quando os bens legados ou doados são divisíveis, a redução faz-se separando deles a parte necessária para preencher a legítima.
2 - Sendo os bens indivisíveis, se a importância da redução exceder metade do valor dos bens, estes pertencem integralmente ao herdeiro legitimário, e o legatário ou Donatário haverá o resto em dinheiro; no caso contrário, os bens pertencem integralmente ao legatário ou Donatário, tendo este de pagar em dinheiro ao herdeiro legitimário a importância da redução.
3 – A reposição de aquilo que se despendeu gratuitamente a favor dos herdeiros legitimários, em consequência da redução, é feita igualmente em dinheiro.”.
Por sua vez, o artigo 1118.º do CPC, sob a epigrafe, Requerimento de redução de legados ou doações inoficiosas, dispõe que:
“1 - Qualquer herdeiro legitimário pode requerer, no confronto do Donatário ou legatário visado, até à abertura das licitações, a redução das doações ou legados que considere viciadas por inoficiosidade.
2 – No requerimento apresentado, o interessado fundamenta a sua pretensão e especifica os valores, quer dos bens da herança, quer dos doados ou legados, que justificam a redução pretendida e, de seguida, são ouvidos, quer os restantes herdeiros legitimários, quer o Donatário ou legatário requerido.
3 - Para apreciação do incidente, pode proceder-se, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, à avaliação dos bens da herança e dos bens doados ou legados, se a mesma já não tiver sido realizada no processo. 4 - A decisão incide sobre a existência ou inexistência de inoficiosidade e sobre a restituição dos bens, no todo ou em parte, ao património hereditário.”
De igual modo, resulta do artigo 1119.º do CPC, sob a epigrafe Consequências da inoficiosidade, que:
“1 - Quando se reconheça que a doação ou o legado são inoficiosos, o requerido é condenado a repor, em substância, a parte que afetar a legítima, embora possa escolher, de entre os bens doados ou legados, os necessários para preencher o valor que tenha direito a receber.
2 - Sobre os bens restituídos à herança pode haver licitação, a que não é admitido o Donatário ou legatário requerido.
3 - Quando se tratar de bem indivisível, o beneficiário da doação ou legado inoficioso deve restituir a totalidade do bem, quando a redução exceder metade do seu valor, abrindo-se licitação sobre ele entre os herdeiros legitimários e atribuindo-se ao requerido o valor pecuniário que tenha o direito de receber. 4 - Se, porém, a redução for inferior a metade do valor do bem, o legatário ou Donatário requerido pode optar pela reposição em dinheiro do excesso.”
. Volvendo ao caso em análise, verificou-se que, segundo a avaliação efectuada aos imóveis que integram a herança, o Apelante recebeu por doação € 147.620,00, correspondente à Verba n.º 1 (€ 54.100,00) e Verba n.º 2 (€ 93.520,00), pelo que, sendo o seu quinhão hereditário de € 59.809,49, a doação considerou-se inoficiosa.
O Apelante não se pronunciou nem se opôs quanto à inoficiosidade da doação.

Insurge-se contra o decidido o aqui Apelante/Donatário ao alegar que lhe cabia escolher, entre os bens doados, aqueles a repor, em substância, para o património hereditário, nos termos do artigo 2174.º do CC e artigo 1119.º do CPC, face à circunstância de a Conferência de Interessados de 02- 10-2023 se destinar a compor o quinhão de cada um dos interessados e o valor por que devem os bens ser adjudicados.
Conclui, pelo exposto, pedindo a revogação do despacho recorrido que determinou o preenchimento do seu quinhão hereditário com a adjudicação da verba 1, recebendo no caso tornas a diferença do valor.

Vejamos o que se nos oferece dizer.
Como se alcança da conferência preparatória, datada de 12 de Julho de 2023, todos os co-herdeiros, excepto o Apelante, requereram a redução das liberalidades por inoficiosidade feitas pela inventariada sua mãe ao seu irmão, o ora Apelante AA e, como proposta para o preenchimento do quinhão hereditário deste sugeriram duas formas para esse preenchimento:
1ª- A adjudicação da verba nº 1, recebendo as tornas que lhe cabiam da diferença do valor entre a verba nº 1 e o seu quinhão hereditário;
Em alternativa,
2ª – Preenchimento do quinhão hereditário com a verba nº 2 e o pagamento de tornas, porque o valor da verba nº 2 excedia o valor do quinhão hereditário.
Apesar de estar presente na conferência preparatória, o herdeiro AA, instado, presencialmente, pelo Tribunal a quo para se pronunciar sobre a proposta de preenchimento do seu quinhão hereditário apresentada, não tomou qualquer decisão ou manifestou qualquer interesse em apresentar outra proposta ou deduzir oposição àquela proposta de todos os outros interessados herdeiros legitimários.
Em face disso, e por não se encontrar presente a mandatária do Apelante, o Tribunal a quo notificou aquela para, querendo, em 10 dias se pronunciar relativamente à requerida redução da doação por inoficiosidade.
Ora, o interessado, por si, ou através da sua mandatária, no prazo que lhe foi concedido para o efeito, não se pronunciou, não deduziu qualquer oposição, nem tão pouco apresentou qualquer justificação para não ter exercido este seu direito.
Por conseguinte, o herdeiro donatário que dispôs de duas oportunidades processuais para contestar a proposta, quer dos outros herdeiros legitimários, quer do próprio Tribunal a quo e nunca manifestou a sua vontade, não pode pôr em crise a decisão do Tribunal a quo que decidiu, em 30/09/2023, pelo preenchimento do quinhão hereditário do herdeiro donatário/legatário com a adjudicação da verba nº 1, tanto mais que não ficou desapossado de um dos bens legados e ainda recebeu tornas.
Por outras palavras, não tendo o herdeiro/legatário, por si ou através da sua mandatária escolhido qual dos bens legados que deveria preencher o seu quinhão hereditário, decidiu o Tribunal a quo, dentro dos preceitos legais para o efeito, qual dos imóveis legados deveria preencher o quinhão hereditário do herdeiro legatário.
Concluímos de todo o exposto, que andou bem o Tribunal a quo ao decretar a inoficiosidade das liberalidades beneficiárias do herdeiro Apelante e ao determinar o preenchimento o seu quinhão hereditário com um dos bens legados repondo o outro à herança, para possibilitar o preenchimento das legitimas dos outros herdeiros legitimários, estas atacadas pela doação em causa nos autos.
Termos em que improcedem na íntegra as conclusões da alegação do Apelante, sendo de negar provimento ao recurso e confirmar o despacho recorrido.
*
IV – DECISÃO
Acordam, pois, os juízes que compõem a 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto, em negar provimento ao recurso e confirmar na íntegra o despacho recorrido.

Custas pelo Apelante.

Porto, 21 de Março de 2024
António Paulo Vasconcelos
Paulo Duarte Teixeira
António Carneiro da Silva