Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10870/22.6T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONSUMIDOR
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP2024031910870/22.6T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Alegando o autor, pessoa individual, ter contratado a prestação de serviços de hospedagem de domínios na internet na qualidade de consumidor, cabe à ré, prestadora desses serviços, pretendendo afastar essa qualidade no âmbito da arguição de uma excepção de incompetência internacional, alegar e demonstrar que aquele os destinou a uma actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.
II - Essa conclusão não pode extrair-se simplesmente do nome escolhido para tais domínios, ainda que sugiram uma conexão com uma actividade hoteleira, se nada foi alegado nem se apura da prova oferecida, quanto à efectiva actividade do autor.
III - Pelo facto de uma pessoa individual utilizar um endereço de email com a designação de uma empresa, isso não permite, sem mais, concluir que actuou como representante legal dessa empresa, designadamente quando celebrou um contrato em nome individual.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. Nº 10870/22.6T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto – Juiz 1


REL. N.º 852

Relator: Juiz Desembargador Rui Moreira
1º Adjunto: Juiz Desembargador Alberto Eduardo Monteiro de Paiva Taveira
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Fernando Vilares Ferreira

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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO


1 – RELATÓRIO
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AA, residente na Praça ..., Apartado ..., ..., Porto, intentou acção em processo comum contra A... SARL FRANCE, com o número de identificação de pessoa coletiva (SIREN) ...75, com sede em ..., ...00, ... (França), pedindo:
a) Ser reconhecido judicialmente que o Autor não deve qualquer montante à Ré, nomeadamente quanto ao contrato em referência nos presentes autos (n.º ...72); e
b) Ser a Ré condenada a adotar os atos e comportamentos necessários para garantir que o Autor volte a ter acesso à sua conta de cliente (n.º ...65) e aos serviços associados, no prazo máximo de 10 dias úteis; e
c) Ser a Ré condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no montante diário de 50,00€ (cinquenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento do dever de adotar os atos e comportamentos necessários para que o Autor volte a ter acesso à sua conta de cliente; e
d) Ser a Ré condenada no pagamento, ao Autor, de uma indemnização em montante não inferior a 5.000,00€ (cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais.
Alegou que, no exercício da sua atividade comercial, a Ré outorgou, com o Autor, em 21 de novembro de 2019, o contrato de prestação de serviços n.º ...72, sob o número de cliente ...65, tendo por objeto a atribuição, pela Ré ao Autor, do direito de uso exclusivo e armazenamento de dois domínios da internet: ... e ....eu. Veio a Ré exigir-lhe o pagamento de uma divida inerente à suposta renovação do mencionado contrato, tendo ainda, bloqueado o seu acesso à conta de cliente n.º ...65 e o acesso aos serviços que lhe prestava, com fundamento no não pagamento de tal inexistente divida.
Justificou a sua qualidade de consumidor e a competência do tribunal português.
A ré contestou impugnando, entre o mais, a qualidade de consumidor do autor e alegou que, nos termos do contrato celebrado entre as partes, competente para esta acção será o Tribunal de Comércio de Paris. Deduziu reconvenção, pretendendo haver do autor um valor de uma factura que alega ser devida e não ter sido paga, no valor de 24,60€, a acrescer com juros que, à data do pedido, ascendiam a 2,38€.
Foi proferido despacho saneador, onde o tribunal concluiu pela sua competência internacional para a discussão e decisão da causa.
É desta decisão que vem interposto recurso, pela ré, que o terminou formulando as seguintes conclusões:
A. O art. 59º do código de Processo civil dispõe sobre a competência internacional dos tribunais portugueses, ressalvando o que sobre a matéria se acha estabelecido, entre outros, em regulamentos comunitários.
B. Vigoram na ordem jurídica portuguesa normas de fonte interna e normas de fonte supraestatal. Destas destacam-se, como fonte comunitária e com relevo para o caso dos autos, o Regulamento no Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) e o Regulamento (EU) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
C. No Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I) a noção de consumidor é definido como sendo uma pessoa singular que celebra um contrato para uma finalidade que possa considerar-se estranha à sua atividade comercial ou profissional, com outra pessoa que aja no quadro das suas atividades comerciais ou profissionais:
« artigo 6º Contratos celebrados por consumidores
“1. Sem prejuízo do disposto nos artigos 5º e 7º os contratos celebrados por uma pessoa singular, para uma finalidade que possa considerar-se estranha à sua atividade comercial ou profissional («o consumidor»), com outra pessoa que aja no quadro das suas atividades comerciais ou profissionais («o profissional»), são regulados pela lei do país em que o consumidor tem a sua residência habitual desde que o profissional:
a) Exerça as suas atividades comerciais ou profissionais no país em que o consumidor tem a sua residência habitual, ou
b) Por qualquer meio, dirija essas atividades para este ou vários países, incluindo aquele país, e o contrato seja abrangido pelo âmbito dessas atividades.”
D. No Regulamento (EU) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a secção 4 refere-se a Competência em matéria de contratos de consumo, encontrando-se a noção de consumidor referida no artigo 17º
“1. Em matéria de contrato celebrado por uma pessoa, o consumidor, para finalidade que possa ser considerada estranha à sua atividade comercial ou profissional, a competência é determinada pela presente secção ….”
E. Se não existe uma definição de “consumidor” comum, ambos os diplomas remetem à celebração do contrato para uma finalidade estranha à uma atividade comercial ou profissional.
F. Referente a definição de “consumidor” é possível salientar a posição da Comissão Europeia apresentada no documento “ COMUNICAÇÃO DA COMISSÃO - Orientações sobre a interpretação e a aplicação da Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos dos consumidores”, publicado no Jornal Oficial da União Europeia em 29/12/2021 C/525 que reflete a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
G. A Comissão refere :
1. Âmbito de aplicação
1.1. Os conceitos de «profissional» e de «consumidor» Tal como estabelecido no seu artigo 1º, a Diretiva Direitos dos Consumidores aplica-se aos «contratos celebrados entre consumidores e profissionais». Por conseguinte, para que um contrato seja abrangido pela diretiva, é necessário estabelecer que uma das partes no contrato é um profissional, tal como definido no artigo 2.º , ponto 2, e a outra parte um consumidor, tal como definido no artigo 2.o , ponto 1. De acordo com o artigo 2.º , ponto 1, um «consumidor» é qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela diretiva, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. Decorre dessa disposição que devem estar preenchidos dois requisitos cumulativos para que uma pessoa seja abrangida pelo âmbito de aplicação deste conceito, ou seja: i) a pessoa é uma pessoa singular e ii) as pessoas atuam com fins não profissionais”.
H. No despacho saneador posto em crise, o douto Tribunal a quo não se pronunciou sobre a qualidade de consumidor do Autor a luz do art. 6º do Regulamento (CE) nº 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), e do art.17º do Regulamento (EU) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, tendo sido esses os fundamentos invocados pelo Autor para determinar a competência dos Tribunais portugueses.
I. Limitou-se o douto Tribunal a quo a determinar a competência do Tribunal português, com base no disposto no art. 7º nº 1, al. b) do Regulamento (EU) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial: “Assim sendo, estando em causa uma prestação de serviço, poderia o A, nos termos do 7º, nº 1 al. b) do aludido Regulamento, demandar a R. no Estado-membro “onde os serviços foram ou devam ser prestados”, “No caso, tendo o A., fundado no disposto no art.7º, nº 1, al. b) do aludido Regulamento, optado por demandar a R, em Portugal – ou seja, no local da sua (do A) residência -, concluir-se-ia pela competência internacional dos tribunais portugueses para o conhecimento da presente ação”.
J. O douto Tribunal a quo, julgou suficiente o facto da ação ter sido intentada pelo Autor enquanto pessoa singular para considerar que a ação foi intentada por um consumidor: “o A. afirma na petição que o contrato foi por si celebrado (e não pela sociedade referida na contestação)”.
K. Ora conforme esclarecido pela Comissão Europeia, decorre da definição de “consumidor” qualquer pessoa singular que atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional. Devendo estar preenchidos dois requisitos cumulativos para que uma pessoa seja abrangida pelo âmbito de aplicação deste conceito, ou seja: i) a pessoa é uma pessoa singular e ii) as pessoas atuam com fins não profissionais”.
L. Relativamente ao segundo requisito “ii) as pessoas atuam com fins não profissionais” limitou-se o douto Tribunal a quo a considerar “no caso em apreço, aquela simples menções aos nomes do domínio escolhidos pelo A, (....eu e ...) não é suficiente para concluir que o contrato foi celebrado para o exercício das suas funções profissionais.
M. Ora, uma apreciação atenta dos documentos juntos pelo o Autor e pela Ré permite demonstrar que o Autor agiu como profissional.
N. O Autor solicitou a Ré o registo de três nomes de domínio: ....eu; ... (conforme documentos nº 1 e nº 2 juntos com a petição inicial), e ... (conforme documento nº 1 e nº 2 da contestação),
O. A denominação dos três nomes de domínio fazem referência a uma atividade comercial no sector do turismo.
P. O Autor ao fornecer os seus dados para a celebração do contrato com a Ré preencheu no campo entreprise (empresa) B..., Ltd, dando, assim, a entender a Ré que a mesma estava a contratar com um profissional (vide doc nº 2 e nº 3 da contestação).
Q. Da certidão da Companies House referente a sociedade B... Ltd, é possível verificar que o Autor é o diretor da empresa (vide documento nº 4 da contestação - folhas 2, 3, 12, 13)
R. O próprio endereço email do Autor “B..........@.....” remete para a denominação social da B... Ltd.
S. No documento nº 1 (folhas 1, 3, 5, 7) da petição inicial, referente a confirmação da encomenda do registo do nome de domínio ....eu, consta no canto superior direito a menção “B... domains-B... <B..........@.....>.
T. No documento nº 2 (folhas 1, 2, 4, 6) da petição inicial, referente a confirmação de encomenda do nome de domínio ..., consta no canto superior direito a menção B... domains-B... <B..........@.....>.
U. O mesmo sucedendo nos documentos nº 4 (aviso de não pagamento folhas 1 e 5) , nº 5 (folhas 1 e 2), nº 6 (folhas 1, 5) , nº 7 (folhas 1, 3,), nº 8 (folhas 1, 3), nº 9 (folhas 1, 5, ), nº 10 (Email da infoscore France folhas 1, 3), nº 11(Email da infoscore France folhas 1, 3), nº 12 (folhas 1, 3) e 13 (folhas 1, 3), todos da petição inicial.
V. Aquando a transferência dos nomes de domínio ....eu e ... para a C..., o Autor tão-pouco atuou como consumidor, tendo indicado relativamente aos “dados de registo do titular dos nomes de domínio” a sociedade D... Ltd., (conforme é possível verificar pela leitura do documento nº 3 junto com a petição inicial às folhas 1, 2, 4,5, 7, 8 10, 11).
W. Da leitura do documento nº 4 junto pela Ré com a contestação, referente a sociedade B... Ltd, é possível constatar que a sociedade D... LTD detém a totalidade das ações (2000) da sociedade B... Ltd, (documento nº 4, folhas 4, 5, 14, 15).
X. Com base nos documentos supra referidos de ambas as partes, verifica-se que o Autor sempre atuou como profissional e não como consumidor, tanto no seu relacionamento com a Ré como posteriormente perante a C....
Y. Decorre da cláusula 14.1 das condições gerais de vendas da Ré que a lei aplicável ao contrato entre profissionais é a lei francesa, bem como foi atribuída competência exclusiva ao Tribunal de Comercio de Paris para dirimir os litígios entre as partes (documento nº 5 da contestação).
Z. A cláusula atributiva de jurisdição que atribui competência expressa e exclusiva ao Tribunal de Comércio de Paris não viola as disposições dos regulamentos comunitários supra referidos cfr. os arts.º 3º nº 1 e 4º nº 1º al. b) do Regulamento (CE) nº593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de junho de 2008 sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I), e art.º 25 do Regulamento (UE) nº 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2012 relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
AA. Pelos motivos expostos é o Tribunal de Comércio de Paris o tribunal competente para apreciar o litígio, devendo em consequência concluir-se pela incompetência Absoluta do Tribunal Português.
Termos em que deve o despacho saneador recorrido, ser revogado devendo ser julgada procedente a invocada incompetência absoluta do tribunal português e em consequência a Ré absolvida da instância e assim se fazendo a merecida Justiça.
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Não foi oferecida resposta ao recurso.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida em separado e efeito devolutivo, como devido.
Cumpre apreciá-lo.
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2 - FUNDAMENTAÇÃO

Não podendo este Tribunal conhecer de matérias não incluídas nas conclusões, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3 do CPC - é nelas que deve identificar-se o objecto do recurso.
No caso, cumpre decidir da competência internacional do tribunal recorrido, para a presente acção, o que implica determinar a qualidade do autor enquanto cliente da ré, isto é, se é um consumidor ou um cliente profissional.
A decisão recorrida – que se refere a um litígio que tem por causa o não pagamento de um valor de apenas 24,60€ - assentou nos seguintes pressupostos:
- Está em causa um contrato de prestação de serviços (atribuição, pela R. ao A., do direito de uso exclusivo e armazenamento de dois domínios de “internet”).
- Segundo o art. 7º, nº 1, al. b), do Regulamento (UE) nº 1215/2012, demandar a R. no Estado-membro “onde os serviços foram ou devam ser prestados”.
- Atenta a natureza dos serviços, estes devem ter-se por prestados no domicílio do autor.
- O processo, v.g. a contestação, apenas referiu, quanto à qualidade do autor, não ser ele um consumidor, mas sim um profissional, em razão dos nomes de domínio escolhidos pelo A. – “...” e ...” -, que remetem para uma actividade comercial no sector do turismo.
- Em função disso, não se pode vir a concluir que o autor é um profissional, e só isso conduziria à aplicação do convencionado entre as partes, no contrato, sobre a competência do Tribunal de Comércio de Paris para apreciação da presente situação, segundo o permitido pelo art. 25º do referido Regulamento.
Com tais premissas, concluiu o tribunal: “… o A. afirma na petição que o contrato foi por si celebrado (e não pela sociedade referida na contestação).
Assim, actuando o A. como consumidor, não poderia, no contrato, ser estabelecida a competência do Tribunal de Comércio de Paris para apreciação da presente acção, pois a situação em análise não se subsume no disposto no art. 19º do Regulamento.
Aliás, o A., sendo consumidor, podia instaurar a acção no tribunal do lugar do seu domicílio, nos termos do art. 18º, nº 1,
Assim, conclui-se que o tribunal internacionalmente competente será o do domicílio do autor, ou seja, o Tribunal Português.”
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A tal conclusão, opõe agora a ré, nas suas conclusões X e Y, que “X - Com base nos documentos supra referidos de ambas as partes, verifica-se que o Autor sempre atuou como profissional e não como consumidor, tanto no seu relacionamento com a Ré como posteriormente perante a C.... Y. Decorre da cláusula 14.1 das condições gerais de vendas da Ré que a lei aplicável ao contrato entre profissionais é a lei francesa, bem como foi atribuída competência exclusiva ao Tribunal de Comercio de Paris para dirimir os litígios entre as partes (documento nº 5 da contestação).”
Na petição, e sem que a ré o conteste, o contrato que integra a causa de pedir foi celebrado pelo autor AA. Também ali o autor afirma a sua qualidade de consumidor.
Na contestação, a ré, após discorrer sobre o tema, afirmara já que consumidor é a pessoa singular que actua com fins não profissionais, mas que esse não é o caso do autor.
Sustentando a sua afirmação, alegou que a simples leitura dos nomes dos nomes de domínio ....eu e ... remete para uma atividade comercial no setor do turismo nomeadamente para a procura de hostel e hotel, bem como que o autor actuou em representação da sociedade B..., quando subscreveu o contrato ...72 (pack domaine) em 20 de novembro de 2019, de que juntou como prova uma impressão de um email (doc. 1 junto com a contestação). Alegou que os próprios documentos juntos com a p.i. revelam a actuação do autor em representação de uma tal empresa B..., ou seja, enquanto profissional e não como um consumidor, no sentido acima assinalado a esta expressão.
Atento o disposto no art. 98º do CPC, o despacho saneador é o momento próprio para decidir da excepção de incompetência internacional em causa, sendo que, face à alegação das partes e aos documentos invocados por cada uma delas, nenhuma actividade instrutória complementar se tem por pertinente, nada justificando o deferimento da correspondente decisão para o momento da sentença, como se admite em face do disposto no nº 4 do art. 595º do CPC.
Cumpre decidir.
É incontroverso o conceito de consumidor que deve operar na situação dos autos, acolhendo-se aqui a síntese constante do art. 10º da contestação, nos seus precisos termos: “ No ordenamento interno português o Decreto Lei nº 84/2021, de 18 de outubro que regula os direitos do consumidor na compra e venda de bens, conteúdos e serviços digitais, que transpõe a Diretiva UE 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2019 relativa a certos aspetos dos contratos de compra e venda de bens que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE e a Diretiva UE 2019/770 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de maio de 2019 sobre certos aspetos relativos aos contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais, define no seu artigo 2, alínea g) a noção de consumidor: “«Consumidor», uma pessoa singular que, no que respeita aos contratos abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”.
Complementarmente, também é incontroversa entre as partes a premissa estabelecida pelo tribunal recorrido, nos termos da qual, de acordo com o artigo 18.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012, o consumidor pode intentar a ação contra a outra parte no contrato, quer nos tribunais do Estado-Membro onde estiver domiciliada essa parte, quer no tribunal do lugar onde o consumidor tiver domicílio, independentemente do domicílio da outra parte.
A questão haverá de decidir-se, portanto, apenas em função da resposta que se deva dar à questão constituída pela qualidade em que o autor contratou com a ré.
Alega a ré que o autor actuou em representação de uma empresa designada por B... e que isso é evidenciado pelos documentos juntos com a p.i. e com a contestação, maxime os que constituem correspondência electrónica entre as partes. Aliás, essa firma é a usada como endereço de email do autor.
Porém, o que se verifica é que o contrato se mostra estabelecido entre o autor, enquanto pessoa singular, actuando sob o nome de AA, e a ré, que interveio incontestadamente no exercício da sua actividade económica.
Mesmo nos emails remetidos para o endereço B..., a ré aparece a interpelar individualmente AA, e não qualquer representante da referida empresa.
Jamais, em tais documentos, surge referido que o contrato que é causa de pedir tenha sido estabelecido com a referida empresa e não com AA, que é, afinal, quem aparece na acção, individualmente, a demandar a ré, sem que a ré tenha arguido a sua ilegitimidade.
Ora, do simples uso de um endereço de email não se pode presumir que o réu está a representar uma empresa enunciada nesse endereço, se a própria ré, ao dirigir-se-lhe, jamais se dirige a tal empresa, mas à concreta pessoa do autor.
Mas a ré alega outra coisa: que os nomes dos domínios a serem hospedados pela ré, designadamente ....eu e ... têm subjacente o desenvolvimento de uma actividade comercial do autor, no setor do turismo, destinando-se a facultar a procura de um hostel ou de um hotel.
Apesar de assim o não qualificar, pretende a ré que se dê por provado, por presunção judicial, nos termos dos arts. 349º e 351º do Código Civil, que o autor se dedica à indústria da hotelaria ou a uma actividade conexa com esta, tendo sido por isso que contratou a disponibilidade daqueles domínios na internet. Com efeito, do facto conhecido – os nomes dos domínios contratados, que efectivamente apontam para a procura de hostel ou hostel – pretende a ré que se dê extraia a conclusão do facto desconhecido, isto é, que o autor se dedica profissionalmente á hotelaria ou a uma actividade conexa.
Porém, como bem entendeu o tribunal recorrido, dos nomes dos domínios e sem mais é impossível concluir qual a actividade do autor. Ele poderia, simplesmente, nem ter desenvolvido qualquer actividade e ter-se dedicado simplesmente a preparar qualquer projecto, sem que tal correspondesse a uma sua actividade económica ou profissional.
Por fim, alega a ré outra circunstância alheia ao seu próprio contrato e ao que antes alegara: que ao pretender transferências dos nomes de domínio para uma nova entidade a substituir-se-lhe na prestação de serviços ao autor - a C... – o mesmo agiu como legal representante da sociedade D... Lda.
Além da irrelevância deste facto, por ser ulterior e alheio ao relacionamento contratual com a ré, também se verifica ser ele absolutamente inapto para caracterizar a qualidade em que o autor interveio no contrato que é causa de pedir. Com efeito, mesmo que tenha já sido noutra qualidade que o autor contratou com a C... – o que nem se pode dar por adquirido – isso não esclarece a natureza da actividade anteriormente desenvolvida pelo autor, aquando do contrato com a ré, para que se conclua que já então actuava profissionalmente e havia contratado no âmbito dessa mesma actividade profissional.
A ré arguiu a excepção de incompetência internacional. Como vimos, para sustentar a sua tese, afastando o regime que permite ao autor, que se apresentou como consumidor, intentar a acção por referência ao seu próprio domicílio, carecia a ré de demonstrar os factos de que decorreria a verificação daquela excepção. No caso, carecia de alegar e demonstrar que o autor, apesar de ser uma pessoa singular, celebrou o contrato em questão para aproveitar os serviços que dele eram objecto no âmbito de uma sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.
Bastaria, então, à ré alegar a actividade desenvolvida pelo réu, na qual tenha aplicado os serviços em causa, demonstrando-o sucessivamente.
Porém, no caso em apreço, a ré não concluiu tal alegação, limitando-se a especular que, atendendo à composição dos nomes dos domínios, o réu certamente se dedicaria a uma actividade hoteleira, bem como que interveio em representação de uma sociedade, apesar de ela própria admitir que o contrato foi feito com AA e não com qualquer empresa que este representasse.
Note-se, a este propósito, que a alegação factual constante das conclusões P, Q e W nem sequer foi expressa na contestação, surgindo agora como factualidade nova, que não pode ser considerada, pois que o não foi na decisão recorrida, que nesta sede de recurso cumpre sindicar.
Nestas condições, só pode concordar-se com o tribunal recorrido, concluindo inexistir fundamento para considerar preenchidos os pressupostos de que dependia a verificação da execepção da incompetência internacional do tribunal, os quais, repete-se, passariam pelo afastamento da aplicação da regra do art. 18º nº 1, do Regulamento (UE) n.º 1215/2012.
E isso desde logo porquanto, não podendo ter-se o autor como profissional, não está sujeito à convenção sobre a competência do Tribunal de Comércio de Paris, constante das Condições Gerais de Contratação dos Serviços da Ré.
Tudo, em conclusão, como considerado na decisão recorrida que, pelo exposto, cabe confirmar.
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Sumário:
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3 - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento à apelação sob apreciação, na confirmação integral da sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Registe e notifique.
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Porto, 19 de Março de 2024
Rui Moreira
Alberto Taveira
Fernando Vilares Ferreira