Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3847/21.0T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO RAMOS LOPES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO INDISPONÍVEL DO INSOLVENTE
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RP202403193847/21.0T8VNG.P1
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A alteração do montante do rendimento indisponível do insolvente é possível demonstrada que seja pelo interessado a alteração das suas circunstâncias de vida relativamente ao momento da sua fixação.
II - A inflação não constitui, só por si, facto que fundamente, concludentemente, alteração do montante do rendimento indisponível por alteração das circunstâncias.
III - Não preenche o conceito normativo de alteração das circunstâncias, susceptível de justificar a alteração do valor fixado como rendimento indisponível, a alegação, pela insolvente, da eventual entrada de filha maior no ensino superior, quanto tal evento é apresentado como mera possibilidade, sem qualquer concretização (sem alegação de matéria que permita aferir sequer da probabilidade da verificação de tal evento).
IV - A impugnação das decisões judiciais não se destina a satisfazer meros interesses subjectivos do recorrente (morais ou académicos) em vista de obter um pronunciamento judicial sobre uma questão, antes a satisfazer o direito à obtenção de uma decisão diversa da tomada pelo tribunal recorrido que se tenha repercutido negativamente na sua esfera jurídica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 3847/21.0T8VNG.P1


Relator: João Ramos Lopes
Adjuntos: Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira


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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Apelante: AA (insolvente).

Juízo do comércio de Vila Nova de Gaia (lugar de provimento de Juiz 4) – Tribunal Judicial da Comarca do Porto.


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Declarada a insolvência a que se apresentou a devedora, viria a ser proferido (em 25/10/2022) despacho que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante por ela formulado e, ao abrigo do disposto no art. 239º, nº 2 do CIRE, determinou que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível, bem como quaisquer rendimentos e créditos de que a mesma venha a ser titular ou venha a auferir, por qualquer forma e a qualquer título, até ao montante em dívida e ressalvado o ‘valor correspondente a um salário mínimo nacional vezes 12 meses, necessário ao sustento minimamente digno da insolvente e do seu agregado familiar’, se considera cedido ao fiduciário, tendo essa decisão considerado como relevante:

a) A insolvente vive em casa arrendada, pagando € 240,00 de renda mensal.

b) Vive com o seu companheiro e uma filha.

c) Encontra-se a trabalhar, auferindo mensalmente € 635,00.

d) Não há conhecimento de que o devedor tenha sido condenado pela prática de qualquer dos crimes descritos no art. 238º, nº 1, al. f) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Em 25/10/2023 o administrador da insolvência (nomeado fiduciário) apresentou relatório anual relativo ao estado da cessão (nº 2 do art. 240º do CIRE) no qual, ponderando que o início do período de cessão teve início em 26/10/2022, que o rendimento indisponível excluído da cessão foi fixado em um ‘salário mínimo nacional vezes 12 meses’, que o cálculo de tal rendimento deve ser feito atendendo à média mensal auferida durante o ano em apreço e considerando que a insolvente desempenhava funções como empregada de limpeza, auferindo o salário de 763,80€, concluía que a insolvente tinha de entregar à fidúcia (ponderando os rendimentos do trabalho auferidos no período decorrido entre Outubro de 2022 e Setembro de 2023) o montante 1.082,64€.

Veio então a insolvente, em 2/11/2013, impetrar ‘o aumento do rendimento disponível mensal para um SMN e meio com efeitos retroactivos a 01/01/2023’, alegando[1]:

Conforme Douto Despacho datado de 25/10/2022, onde foi deferido o pedido de exoneração do passivo restante à aqui I., que tem direito à sua subsistência mensal com o valor de um salário mínimo nacional.

Já na aludida decisão, decorrendo da Lei, maxime no art.º 240º, nº 2 do CIRE, haverá que concretizar uma apreciação anual do período de cessão de rendimentos. Decorrendo o valor do art.º 239º do mesmo corpo legal.

Ora,

Decorre da evolução da vida, com alterações de circunstâncias – vd., 437º do Código Civil que foi expressamente previsto para alturas de grande inflação e dificuldades económica/financeiras das pessoas.

Decorre igualmente que o Tribunal poderá ir até 3 SMN por mês, in casu concedeu um SMN.

De modo que, a aqui I., face à galopante subida da inflação (para sua própria sobrevivência) requer que o valor do rendimento disponível seja actualizado para um SMN e meio. O que aufere não tem sido suficiente para uma vida minimamente condigna e considera que o seu direito à sobrevivência e da dignidade humana (previsto no art.º 1º, 2º e 63 da CRP) está afectado e colocado em causa, vd., Ac., do TC n.º 509/2002.

Até porque,

A sua filha, maior de idade deseja prosseguir os Estudos e mesmo que entre numa Universidade ou Instituto Público, surgem sempre mais despesas – especialmente se ficar colocada fora da área metropolitana do Porto.

Como é consabido, os Progenitores são legalmente obrigados a cumprir com esse dever de pagar os Estudos Superiores, até os 25 anos, em sede de pensão de alimentos, especialmente previsto para os estudos superiores. Vd., 1905º n.º2 do CC.

O dever de prestar alimentos aos filhos funda-se na própria Constituição, no n.º 5 do artigo 36.º, segundo o qual “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos”. O artigo 2003.º do Código Civil define como alimentos “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” e reforça que, no caso de um menor, compreendem também “a instrução e educação”. O dever de alimentos e a medida em que são prestados encontram-se regulados nos artigos 1878.º a 1880.º, 1905.º, 2003.º a 2023.º do Código Civil.

Decorrendo de todo em todo de princípios gerais da Sociedade Portuguesa.

10º

Não devendo a Jovem Adulta ficar prejudicada pela insolvência da aqui .

Mas,

11º

A aqui I., não tem capacidade actualmente para pagar o que quer que seja a título de inscrição em algum curso, mesmo meramente profissional ou de curta duração.

Só,

12º

Após o aumento do rendimento disponível mensal é que a I., poderá “prometer” à sua filha que terá rendimento para contribuir com o pagamento de um curso.

13º

Requer a aplicação retroactiva deste pedido a 01/01/2023, porque desde logo a I., (face ao despacho de concessão da Exoneração do Passivo restante) se apercebeu que o rendimento disponível não tem sido suficiente.

Questão de normatividade Constitucional

14º

De modo, claro, distinto e adequado, a I., de modo a criar um dever específico de pronúncia/fundamentação, nos termos do art.º 205º da CRP, requer a ponderação sobre a constitucionalidade das normas ínsitas nos arts.º 239º n.º3 al., b., sub-alínea i) em conjugação com o art.º 240º n.º2, todos do CIRE, quando interpretados de não ser possível actualizar anualmente o rendimento disponível de um Insolvente, em casos de alteração séria de circunstâncias, por violação da direito à sobrevivência e da dignidade humana previsto no art.º 1º, 2º e 63 da CRP.

14º

Requerendo-se decisão expressa sobre esta temática.

Em 3/11/2023 a insolvente veio ainda expor e requerer[2]:

Tendo ficado assente no Despacho de 25/10/2023 que tudo que a I., auferisse de valor Superior ao SMN teria que ceder ao fiduciário.

Ora,

O XXIII Governo através de diversa legislação, com especial pertinência para o Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de Setembro, a Portaria n.º 244-A/2022 de 26 de Setembro, acudiu ao Povo Português por causa do aumento extraordinário da inflação causada por diversos factores.

Com efeito,

No preâmbulo da supra citada legislação podemos ver a seguinte exposição de motivos, respectivamente:

Face ao contexto inflacionário actual afigura-se essencial estabelecer um conjunto de medidas extraordinárias que permitam apoiar directamente o poder de compra das famílias e mitigar os efeitos do aumento dos preços dos bens essenciais;

E; estabeleceu um conjunto de medidas extraordinárias destinadas a apoiar diretamente o poder de compra das famílias e mitigar os efeitos do aumento dos preços dos bens essenciais, face ao contexto inflacionário actual.

Atente-se ao conceito repetido de “extraordinário”.

Visto que esse valor transferido em Outubro de 2022, é extraordinário e para ajudar os cidadãos ao aumento extraordinário de bens de 1ª necessidade, deve a mesma beneficiar do escopo dessa Lei.

O Legislador, cauteloso, na Lei n.º 19/2022, mormente no seu art.º 7º, decidiu o seguinte:

“O apoio extraordinário a titulares de rendimentos e prestações sociais e o complemento excecional a pensionistas, previstos, respetivamente, nos artigos 2.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 57 -C/2022, de 6 de setembro, são impenhoráveis”.

De modo que,

Não faz sentido para a I., separar entre a penhora em processo executivo e a cessão em processo de Insolvência.

Seria distinguir algo que o Legislador não desejou, devendo por interpretação analógica ou extensiva, aplicar-se o art.º 7º da Lei 19/2022 à cessão de rendimentos prevista no art.º 239º n.º 3 do CIRE.

O que,

A Vª Exa.

Questão de interpretação normativa constitucional

De modo distinto, claro, e adequado, a I., lança mão de uma questão de interpretação normativa constitucional ao Tribunal gerando neste um dever díspar de pronúncia/fundamentação nos termos do art.º 205º da CRP.

A I., imputa como não constitucional a interpretação dos arts.º 2 e 4º do Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de Setembro, no sentido de não afastar a cessão de rendimentos ao Fiduciário nos termos do art.º 239º n.º 3 do CIRE, por referência normativa à impenhorabilidade de prestação social prevista no art.º 7º da lei 7/2022 de 21 de Outubro, por violação do princípio da sobrevivência e Dignidade Humana no art.º 1º, 2º e 63 da CRP, e violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13º n. 1 e 2, da CRP. Por discriminação entre executados e Insolventes.

10º

Requerendo-se decisão expressa sobre esta questão.

Cumprido o contraditório, foi o requerido pela insolvente indeferido por despacho com o seguinte teor:

Refª 37145629 de 2/11/2023: vem a insolvente requerer a actualização do seu rendimento indisponível para um salário mínimo nacional e meio com efeitos retroactivos a 01/01/2023.

Para o efeito, alega que o que aufere não tem sido suficiente para uma vida minimamente condigna e considera que o seu direito à sobrevivência e da dignidade humana está afectado e colocado em causa.

Mais alega que a sua filha maior de idade deseja prosseguir os Estudos e mesmo que entre numa Universidade ou Instituto Público, surgem sempre mais despesas – especialmente se ficar colocada fora da área metropolitana do Porto.

Pede, ainda, ponderação sobre a constitucionalidade das normas ínsitas nos arts.º 239º n.º3 al., b., sub-alínea i) em conjugação com o art.º 240º n.º2, todos do CIRE, quando interpretados de não ser possível actualizar anualmente o rendimento disponível de um Insolvente, em casos de alteração séria de circunstâncias, por violação da direito à sobrevivência e da dignidade humana previsto no art.º 1º, 2º e 63 da CRP.

Pronunciou-se o Ministério Público nos termos que antecedem.

Cumpre apreciar e decidir.

Nos termos do art. 239º, nº 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;

ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional;

iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.

Cremos que não se suscitam dúvidas quanto à possibilidade de atualização do rendimento indisponível de um insolvente, perante a alteração comprovada das suas circunstâncias de vida em comparação com o momento em que foi deferido liminarmente o procedimento de exoneração do passivo restante.

Neste contexto, compete à insolvente alegar os factos que permitam concluir pela necessidade da alteração do seu rendimento indisponível.

Alega a insolvente, como alteração posterior das suas circunstâncias de vida, que a sua filha maior de idade deseja prosseguir os Estudos e mesmo que entre numa Universidade ou Instituto Público, surgem sempre mais despesas – especialmente se ficar colocada fora da área metropolitana do Porto.

Como muito bem se refere na douta promoção que antecede, a insolvente invoca um cenário meramente hipotético, que ainda não ocorreu nem se sabe se ocorrerá.

A insolvente não alega sequer valores concretos de despesas que permitam ao tribunal concluir pela necessidade de alteração do seu rendimento indisponível.

As questões colocadas pelo Ministério Público são deveras pertinentes: “a filha ingressou no ensino superior? em que instituição? quando? quanto paga de propinas? aufere rendimentos? tem bolsa de estudo? quais as despesas que isso gera? quais os rendimentos do agregado?”

Não há resposta para estas perguntas, cremos que nem mesmo a própria insolvente saberá, desde logo porque não o alegou, e também porque, como referimos, a questão é-nos apresentada como um evento futuro e incerto.

Desta forma, não é possível fundamentar a alteração de rendimento requerida, pelo que outra solução não resta senão a de indeferir a pretensão da insolvente.

Termos em que indefiro a requerida alteração do rendimento indisponível da insolvente.

Notifique.


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Refª 37159900 de 3/11/2023: alega a insolvente que imputa como não constitucional a interpretação dos arts.º 2 e 4º do Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de Setembro, no sentido de não afastar a cessão de rendimentos ao Fiduciário nos termos do art.º 239º n.º 3 do CIRE, por referência normativa à impenhorabilidade de prestação social prevista no art.º 7º da lei 7/2022 de 21 de Outubro, por violação do princípio da sobrevivência e Dignidade Humana no art.º 1º, 2º e 63 da CRP, e violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13º n. 1 e 2, da CRP. Por discriminação entre executados e Insolventes.

Requer decisão expressa sobre esta questão.

Vejamos.

Segundo o relatório apresentado pelo senhor Fiduciário a 25/10/2023 (refª 37066545), a insolvente trabalha por conta de outrem, concretamente, na empresa Porto Limpo – Facility Services, desempenhando a função de trabalhadora de limpeza, auferindo o salário de € 763,80.

Cremos não estar em causa, quanto à insolvente, o recebimento de qualquer prestação social ou complemento excecional a pensionistas.

Aliás, nem sequer esta o alega.

Pelo exposto, concluímos que a norma invocada não se aplica ao caso concreto, pelo que nada há a determinar ou a decidir.

Desta decisão apela a insolvente, pretendendo a sua revogação e substituição por outra que considere como integrando o rendimento indisponível ‘o SMN e meio, com os Subsídios de férias e Natal a corresponderem ao “meio” e que os €125,00 de ajuda extraordinária não têm que ser cedidos ao fiduciário’, terminando as suas alegações pelas seguintes conclusões:

‘1ª- A R., em requerimentos autónomos (de 02 e 03/11/2023) pediu ao Tribunal que o seu rendimento disponível por alteração de circunstancias nos termos do art.º 437º do Código Civil e arts.º 239º n.º3 al., b., sub-alínea i) em conjugação com o art.º 240º n.º2, todos do CIRE.

2ª- Para um SMN e Meio, e face ao facto da I., ganhar o SMN ficar os subsídios de férias e Natal a corresponder a tal meio.

3ª- Bem como, que os publicamente conhecidos €125,00 que o ainda actual Governo por causa das condições inflacionárias transferiu a todos ou quase todos os Portugueses.

4ª- De facto, o valor de um SMN concedido no despacho de início de período de exoneração não tem sido suficiente para uma vida digna e sobreviver considera que o seu direito à sobrevivência e da dignidade humana (previsto no art.º 1º, 2º e 63 da CRP) está afectado e colocado em causa, vd., Ac., do TC n.º 509/2002, somado ao facto da sua jovem filha adulta desejar ingressar no ensino superior. Não pode sequer candidatar-se porque a I., não tem dinheiro e não pode “prometer” que “ajuda” nesses alimentos de ensino Superior.

5ª- O valor médio anual é de €6000,00, mesmo no ensino superior público - mais-barato-179-euros-nos-ultimos-cinco-anos-1773642

Fazer um curso superior ficou mais barato 179 euros

Estudar no ensino superior custa, em média, 6445 euros anuais a cada estudante. Quase três quartos deste valor destinam-se aos custos de vida, como o alojamento, alimentação e transportes, concluiu um estudo realizado por investigadores do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que é apresentado na próxima terça-feira. A despesa anual com um curso superior sofreu uma descida de 2,7% face a 2011, um resultado que pode ser explicado com algumas das consequências da crise financeira que “.

6ª- É uma obrigação Constitucional (art.º 36º n.º5 da CRP) e legal da I., perante a sua jovem filha - Com o é de conhecimento público, os Progenitores são legalmente obrigados a cumprir com esse dever de pagar os Estudos Superiores, até os 25 anos, em sede de pensão de alimentos, especialmente previsto para os estudos superiores. Vd., 1905º n.º2 do CC.

7ª- Na óptica da Recorrente, o dever de prestar alimentos aos filhos sustentado, como vimos, na própria Constituição, no n.º 5 do artigo 36.º, segundo o qual “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” e somado ao artigo 2003.º do Código Civil que define como alimentos “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário” e reforça que, no caso de um menor, compreendem também “a instrução e educação”. O dever de alimentos e a medida em que são prestados encontram-se regulados nos artigos 1878.º a 1880.º, 1905.º, 2003.º a 2023.º do Código Civil.

8ª- A jovem adulta está prejudicada, e 2/3 anos na sua vida é muito tempo e pode perder o comboio do ensino superior para sempre, e face à jurisprudência do Tribunal de Comércio – do seu juiz mais decano – j3 – que quando os I., têm filhos o Tribunal concede um SMN e meio, vd., doc., n.º1 em anexo, mormente no fim da página 7.

9ª- A., I., tem direito a uma jurisprudência uniforme e não ser prejudicada, nas mesma circunstâncias e factos, por o processo ter sido distribuído àquele juízo ou a este juízo.

10ª- Em Questão de normatividade Constitucional

De modo, claro, distinto e adequado, a I., de modo a criar um dever específico de pronúncia/fundamentação, nos termos do art.º 205º da CRP, requer a ponderação sobre a constitucionalidade das normas ínsitas nos arts.º 239º n.º3 al., b., sub-alínea i) em conjugação com

o art.º 240º n.º 2, todos do CIRE, quando interpretados de não ser possível actualizar anualmente o rendimento disponível de um Insolvente, em casos de alteração séria de circunstâncias, por violação da direito à sobrevivência e da dignidade humana previsto no art.º 1º, 2º e 63 da CRP.

Requerendo-se decisão expressa sobre esta temática.

11ª- Quanto aos €125,00, o próprio art.º 7º da Lei n.º 19/2022 refere que: “O apoio extraordinário a titulares de rendimentos e prestações sociais e o complemento excepcional a pensionistas, previstos, respetivamente, nos artigos 2.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 57 -C/2022, de 6

de setembro, são impenhoráveis”.

12ª- A I., interpreta tal norma, por ser de carácter excepcional, de ajuda do Estado a quem tem mais dificuldades económicas, no sentido de estender também aos processos de insolvência e não só aos processos executivos, pois violaria o princípio da igualdade, e de a dignidade humana.

13ª – Questão de interpretação normativa constitucional.

De modo distinto, claro, e adequado, a I., lança mão de uma questão de interpretação normativa constitucional ao Tribunal gerando neste um dever díspar de pronúncia/fundamentação nos termos do art.º 205º da CRP.

A I., imputa como não constitucional a interpretação dos arts.º 2 e 4º do Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de Setembro, no sentido de não afastar a cessão de rendimentos ao Fiduciário nos termos do art.º 239º n.º 3 do CIRE, por referência normativa à impenhorabilidade de prestação social prevista no art.º 7º da lei 7/2022 de 21 de Outubro, por violação do princípio da sobrevivência e Dignidade Humana no art.º 1º, 2º e 63 da CRP, e violação do princípio da igualdade previsto no art.º 13º n. 1 e 2, da CRP. Por discriminação entre executados e Insolventes.

Requerendo-se Acórdão que verse expressis verbis sobre esta questão.

14ª- Assim, o Tribunal nos termos do art.º 639º n.º 2 als., a) e b) do CPC, violou os nos arts.º 239º n.º3 al., b., sub-alínea i) em conjugação com o art.º 240º n.º2, todos do CIRE.

Deveria ter concluído por facto público e notório que o SMN concedido à I., não chegava para a I., sobreviver e face à inflação – outro facto público e notório – ter acedido nesse pedido e concedido um SMN e meio com o meio ser os subsídios de férias e Natal.

15ª- Violou também o art.º 7º da Lei n.º 19/2022, quando não concedeu que o mesmo não deve ser cedido ao fiduciário, e deveria ter concluído, como desejo do legislador, que o mesmo está excluído da cessão.

Contra-alegou o M. P. pela manutenção da decisão apelada e improcedência da apelação.


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Colhidos os vistos, cumpre decidir.

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Da delimitação do objecto do recurso.
Considerando, conjugadamente, a decisão recorrida e as conclusões das alegações (por estas se delimita o objecto dos recursos, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso - artigos 608º, nº 2, 5º, nº 3, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), identificam-se como questões a decidir:
- a pretensão de alteração, em razão da alteração das circunstâncias, do montante fixado como rendimento indisponível – e da inconstitucionalidade do art. 239º, nº 3, b), sub-alínea i), em conjugação com o nº 2 do artº 240º, ambos do CIRE, quando interpretados no sentido de não ser possível actualizar anualmente o rendimento disponível do insolvente,

- a exclusão do valor de 125,00€ (arts. 2º e 4º do Decreto -Lei nº 57 -C/2022, de 6/09) do âmbito do rendimento disponível – e da inconstitucionalidade das referidas normas quando, conjugadas com o art. 7º da Lei 7/2022, de 21/10, são interpretadas no sentido de não afastar tal prestação da cessão à fidúcia.


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FUNDAMENTAÇÃO

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Fundamentação de facto

A matéria a considerar é que se expôs no precedente relatório.


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Fundamentação de direito

Não questiona a decisão apelada que circunstâncias supervenientes às que presidiram à fixação do montante necessário ao sustento minimamente digno do insolvente e respectivo agregado familiar possam ser aduzidas subsequentemente em juízo, mediante requerimento do interessado, em molde a permitir a sua apreciação pelo tribunal em vista à alteração daquela decisão – a decisão expressamente refere ser possível a actualização do rendimento indisponível fixado, demonstrada que seja a alteração das circunstâncias de vida do insolvente relativamente ao momento da sua fixação.

Alteração do montante do rendimento indisponível que não é impedida pela regra do esgotamento do poder jurisdicional nem significa qualquer violação do caso julgado[3] – o CIRE (não descurando terem inteira aplicação no âmbito do processo de insolvência as regras e princípios processuais comuns[4]) não é alheio a esta possibilidade de ulterior modificação da decisão a propósito do rendimento disponível do devedor, pois prevê expressamente a possibilidade de tal acontecer em momento posterior à decisão a proferir nos termos do art. 239º, nº 3: veja-se a subalínea iii) da alínea b) do nº 3 do preceito, ao prescrever que a requerimento do devedor, e em momento posterior, pode o juiz excluir do rendimento disponível o que for razoavelmente necessário para outras despesas.

Nenhuma inconstitucionalidade (seja por violação dos artigos 1º, 2º e 63º da CRP, que protegem o direito à sobrevivência a dignidade humana, seja por violação de qualquer outros princípios ou direitos constitucionalmente protegidos) pode, pois, ser imputada, à interpretação feita pela decisão apelada ao art. 239º, nº 3, b), sub-alínea i), em conjugação com o nº 2 do artº 240º, ambos do CIRE, uma vez que o indeferimento da pretensão da apelante em ver actualizado o montante fixado como rendimento indisponível assentou, apenas, na ponderação de que o alegado pela insolvente não traduz qualquer alteração das suas circunstâncias de vida.

Entendimento que não merece qualquer censura – a apelante invocou tão só que o valor fixado, face à galopante subida da inflação, é insuficiente ‘para uma vida minimamente condigna’ e que a sua filha, maior de idade, deseja prosseguir a formação académica em universidade ou instituto público, com o que surgirão mais despesas, ‘especialmente se ficar colocada fora da área metropolitana do Porto’.

A inflação não constitui alteração das circunstâncias que não estivesse coberta já na decisão que fixou o montante do rendimento indisponível (e assim, não constitui, só por si, facto que fundamente, concludentemente, alteração do montante do rendimento indisponível por alteração das circunstâncias) – tal valor foi fixado por referência ao valor do salário mínimo nacional (retribuição mínima mensal garantida, de acordo com a actual designação legal que a estabelece), valor anualmente actualizado e que por isso tem ínsita a ponderação do factor da inflação; porque a actualização da remuneração mínima mensal garantida visa atenuar as ‘desigualdades salariais, conferindo uma maior justiça e equidade na distribuição dos rendimentos, contribuindo também para a redução da pobreza e diminuição do risco de exclusão e respondendo à exigência social, económica e política de assegurar a melhoria das condições de vida dos trabalhadores de mais baixos salários, reforçando-se, assim, a coesão social e económica[5], a inflação, factor primordial da erosão dos rendimentos, é tida em consideração e é acautelada e precavida em tal actualização anual.

Também não preenche o conceito normativo de alteração das circunstâncias, susceptível de justificar a alteração do valor fixado como rendimento indisponível, a eventual entrada da filha maior da insolvente no ensino superior – tal evento é por ela apresentado como uma mera possibilidade, sem qualquer mínima concretização, não ultrapassando o grau da mera conjectura: alega tal entrada da sua filha no ensino superior sem que alegue qualquer matéria que permita aferir sequer da probabilidade da verificação de um tal evento, e por isso mais que, ao invés de se apresentar um acontecimento provável, apresenta-se tão só uma hipótese que não pode considerar-se prevalecer sobre outras.

De corroborar, pois, a conclusão de que a insolvente apelante não alegou factualidade que permita concluir pela necessidade de alteração do valor anteriormente fixado como rendimento indisponível.

A questão da exclusão do valor do apoio de 125,00€, concedido a coberto do Decreto-Lei nº 57 -C/2022, de 6/09, do âmbito do rendimento disponível (e associada questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa das normas que o estabelecem e das que lhe conferem protecção, prescrevendo a sua impenhorabilidade – art. 7º da Lei 19/2022, de 21/10) apresenta-se como questão meramente académica – e a impugnação das decisões judiciais não se destina a satisfazer meros interesses subjectivos do recorrente (morais ou académicos) em vista de obter um pronunciamento judicial sobre a questão, antes a satisfazer o direito à obtenção de uma decisão diversa da tomada pelo tribunal recorrido que se tenha repercutido negativamente na sua esfera jurídica.

Na verdade, não resulta dos elementos que se colhem da análise dos autos (mormente do relatório anual apresentado pelo fiduciário) que o apoio extraordinário concedido pelo Decreto-Lei nº 57 -C/2022, de 6/09, haja sido contabilizado no apuramento do rendimento disponível a ceder à fidúcia, no período que decorreu entre Outubro de 2022 e Setembro de 2023 – o relatório reporta-se tão só, exclusivamente, à actividade profissional desenvolvida pela apelante e salário auferido, sendo omisso quanto àquele apoio extraordinário, nada permitindo concluir que o mesmo tenha sido contabilizado como rendimento recebido pela insolvente e considerado para efeitos de apuramento do valor do rendimento disponível.

Por isso se conclui que a questão suscitada pela apelante se apresenta como meramente académica, sem ligação a qualquer tomada de decisão em seu desfavor relativamente ao recebimento daquele apoio (note-se que a apelante não se insurgiu ou questionou o montante encontrado pelo fiduciário como correspondendo ao rendimento disponível a ceder e entregar à fidúcia, relativamente ao primeiro ano de cessão) - admitindo que a decisão apelada não se pronunciou sobre a questão de tal apoio extraordinário poder ou não ser contabilizado no apuramento do rendimento disponível (como fora suscitado pela apelante no seu requerimento de 3/11/2023), certo é que do relatório anual apresentado pelo fiduciário se não pode concluir que tal apoio tenha sido ponderado para tal efeito (e assim que esteja em causa qualquer interpretação inconstitucional dos artigos 2º e 4º do Decreto-Lei nº 57 -C/2022, de 6/09 e art. 7º da Lei 19/2022, de 21/10 por violação do princípio da igualdade ao discriminar entre executados e insolventes).

Do exposto resulta a improcedência da apelação, podendo sintetizar-se a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC) nas seguintes proposições:

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DECISÃO

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Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível, em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão apelada.

Custas pela massa insolvente.


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Porto, 19/03/2024


(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)

João Ramos Lopes
Rui Moreira
Fernando Vilares Ferreira
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[1] A transcrição é fiel, salvo quanto à utilização do negrito (uso que aqui se não repete).
[2] Vale, por inteiro, o que se refere na anterior nota.
[3] Para lá de decisão sumária (inédita) proferida pelo aqui relator em 11/10/2011 no T. R. Porto (apelação nº 1404/10.6TJPRT-C.P1 em processo do 1º Juízo Cível do Porto, 1ª secção), os acórdãos da Relação do Porto de 2/06/2011 (Teles de Menezes) e de 18/12/2018 (Aristides Rodrigues de Almeida), no sítio wwwdgsi.pt.
[4] Assim: a submissão do caso julgado ao princípio rebus sic santibus, deixando de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão foi proferida, ocorrendo em tais situações a caducidade do caso julgado; a especificidade do direito tutelado que, sujeita a variação temporal dos factos relevantes, faz prevalecer os valores da justiça e da equidade sobre os objectivos da segurança e da certeza jurídica.
[5] Preâmbulo do DL n.º 107/2023, de 17/11, que fixou para o corrente ano de 2024 o montante da remuneração mínima mensal garantida em 820,00€.