Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6685/23.2T8SNT.L1-1
Relator: PAULA CARDOSO
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
CREDITOS TRIBUTÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Aprovado pelos credores o plano de recuperação, deve depois o juiz decidir se o deve homologar ou recusar a sua homologação, tal como resulta do n.º 7 do art.º 17.º-F do CIRE.
II- Nesse controle que faz, o juiz está vinculado ao dever de aferir da legalidade do plano aprovado pelos credores, devendo recusar a sua homologação, mesmo oficiosamente, quando ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
III- Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano, encontra-se o art.º 194.º do CIRE, que consagra o princípio da igualdade entre os credores, e que, em caso de violação, tratando-se de norma imperativa, ter-se-á como não negligenciável conducente assim à recusa da homologação do aludido plano.
IV- Aferindo-se a violação desse princípio na ponderação global de cada caso concreto, deve a homologação ser recusada quando existe no plano um tratamento preferencial de um determinado credor, sem que a hipoteca de que é beneficiário justifique, só por si, essa situação de vantagem.
V- Estando previsto no plano o pagamento prestacional dos créditos da AT, em prestações que não asseguram o valor mínimo legal que cada uma deve ter, resultando também do plano o perdão de créditos tributários, o que não acontece com os demais credores reconhecidos, fazendo o plano referência formal à constituição de garantias idóneas, que não concretiza, e prevendo a extinção dos processos executivos e levantamento de penhoras, sem mais, impõe-se concluir por uma modificação restritiva do conteúdo daqueles créditos, o que constitui violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, violadora dos princípios de legalidade tributária e da igualdade  de tratamento entre os credores, suscetíveis de sustentar uma recusa de homologação do plano apresentado pela devedora.
 VI- A existência de um acordo entre a devedora e os AJP nomeados nos autos quanto ao pagamento dos respetivos honorários não é questão que deva/tenha que ser inserida no plano de recuperação da empresa, pois que apenas os créditos a que aludem os arts. 17.º-D n.º 2 e 17.º-F n.º 11 do CIRE dele devem constar, sendo assim inócuo tal acordo para a recusa ou homologação do plano.
VII-  O plano pode prever a conversão de créditos dos credores comuns sem a anuência destes, nos casos especificados no art.º 223.º do CSC.
VIII- Para que se verifique a recusa de homologação prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 216.º do CIRE, o interessado requerente tem que manifestar no processo a sua oposição em momento anterior à homologação do plano, tendo também de demonstrar que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que seria na sua ausência.
IX- Não tendo sido invocado nem pedido nos autos, por qualquer um dos credores, a recusa da homologação do plano por a situação dos credores ao abrigo do plano ser previsivelmente menos favorável do que a existente na ausência deste, tal questão não é de conhecimento oficioso e não integra as questões enumeradas no art.º 215.º do CIRE.
X- No controlo que faz, o juiz deve também, do ponto de vista do mérito, aferir se o plano de recuperação proposto apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma, recusando oficiosamente a sua homologação se assim o não entender, à luz dos arts.º 215.º e 17.º-F n.º 7 al. g)  do CIRE.
XI- Subsume-se nesta previsão o caso da devedora que tem dívidas de mais de dois milhões euros e que após o plano mantém dívidas de mais de um milhão de euros, sem que sejam evidenciadas receitas oriundas da atividade desenvolvida, desconhecendo-se o valor do seu ativo, composto que ficará, após o plano, por dois imóveis cujos valores são desconhecidos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-/ Relatório:
A… imobiliária, S.A. (Requerente), com demais sinais nos autos, intentou, ao abrigo do disposto no art.º 17.º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), processo especial de revitalização (doravante PER).
Foi elaborada e publicada lista provisória de créditos que, após apreciação e decisão das impugnações deduzidas, se converteu em definitiva.
O prazo de dois meses para conclusão das negociações foi prorrogado por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre administrador Judicial provisório nomeado e a devedora — cfr. art.º 17°-D, n.º 7, do CIRE.
Em 13/09/2023 foi proferido despacho de substituição de administrador judicial provisório da devedora.
O plano de recuperação junto pela devedora foi publicado em 17/10/2023, e foi votado favoravelmente pela credora M...., Lda. e desfavoravelmente pelos credores AT e SS. Os demais credores abstiveram-se.
A Autoridade Tributária e Aduaneira, argumentou, em síntese, que o plano prevê a redução de créditos tributários, duas moratórias, extinção de garantias e pagamento em prestações de número superior ao legalmente admissível, com violação dos princípios da indisponibilidade dos créditos tributários e da proibição da moratória, bem como o seu regime de regularização prestacional. Apontou ainda o pagamento a pronto ao credor M...., com violação do princípio da igualdade, e a inclusão de dívidas cujo facto tributário é posterior ao início do PER que, na sua perspetiva, a não serem pagas na data de início de votação, revelam a inviabilidade da devedora e do PER.
A Segurança Social defendeu que a homologação de um plano que inclua o pagamento em prestações de créditos, sem o acordo da segurança social, constitui uma violação não negligenciável das normas legais aplicáveis, nos termos do art.º 215.° do CIRE e, por tal motivo, o mesmo deve ser considerado ineficaz para com a segurança social, sendo-lhe inoponível.
Em 23/11/2023, o Administrador Judicial Provisório apresentou o documento com o resultado da votação, no qual concluiu pela aprovação do plano nos termos dos arts.° 17.°-F, n.º 5 al. b) do CIRE.
De tal documento ficou a constar que a lista definitiva de créditos reconhecidos totaliza a quantia de 2.059,146,80€, dos quais 2.036.260,40€ de capital e 22.885,40€ de juros, titulados por sete credores.
Dentro destes:
- 95.788,75€, a favor da autoridade Tributária, dos quais 2.195,96€ qualificados como garantidos, de IMI e IUC, com referência ao art.º 97.°, n.º 1, al. b), do CIRE;
- 6.561,30€, a favor do Instituto da Segurança Social, dos quais 800,22€ qualificados como privilegiados, com referência ao art.º 97.°, n.º 1, al. a), do CIRE;
- 1.605.214,24€, a favor de M...., Lda., garantidos por hipoteca voluntária sobre a fração autónoma, designada pela letra A, do Prédio urbano sito na freguesia de Cascais/Estoril, descrito na 1ª CRP n.º 3411 e inscrito na matriz predial sob o art.º 14252, até ao montante de € 801.805,60€;
- 345.239,00€, a favor de H…., STC, SA.
Em 28/11/2023, o Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o seu parecer sobre o plano, nos termos previstos no art.º 17.°-F, n.º 6, do CIRE, no sentido da não homologação, concluindo, em síntese, que «a empresa não apresenta, portanto, qualquer demonstração que este Plano evita a sua insolvência, por se desconhecer de que forma irá liquidar as dívidas à AT, Segurança Social, custas judiciais e Administrador Judicial Provisório, como também não demonstra qualquer garantia de viabilidade económica, porque nem sequer apresenta despesas e receitas expectáveis».
H…. STC, S.A., aderindo integralmente aos fundamentos elencados no aludido parecer, requereu a não homologação do plano de recuperação apresentado, requerimento que não foi admitido, por intempestivo.
Em 07/12/2023, a devedora pronunciou-se sobre a parecer do Administrador Judicial Provisório, requerimento que foi admitido.
Por sentença proferida nos autos em 13/12/2023, foi então recusada a homologação do plano de recuperação apresentado pela devedora.
Inconformada, a devedora interpôs recurso, que finalizou com as conclusões que aqui se sintetizam nos seguintes moldes:
«1. O plano especial de revitalização da Recorrente devia ser homologado pois cumpre todos os requisitos enumerados no artigo 17°-F, n.° 7, do CIRE e não comporta qualquer violação não negligenciável da lei aplicável (artigo 215° do CIRE).
Assim:
2. O primeiro requisito enumerado no n.° 7 do artigo 17°-F do CIRE é a aprovação do plano especial de revitalização pelos Credores; ora, é inequívoco que o plano especial de revitalização da Recorrente foi aprovado pelos credores, cumprindo assim o requisito constante da al. a) do n.° 7 do artigo 17°-F do CIRE.
3. O segundo requisito consta da al. b) do n.° 7 do artigo 17° do CIRE, onde se exige que, no caso de classificação dos credores em categorias distintas, os credores inseridos na mesma categoria sejam tratados de forma igual e proporcional aos seus créditos; ora, o plano especial de revitalização da Recorrente não prevê a classificação dos credores em categorias distintas, pelo este requisito de homologação não é aplicável.
4. O terceiro requisito consta da al. c) do n.° 7 do artigo 17° do CIRE, alude novamente à classificação dos credores em categorias distintas, o que não foi previsto no plano, pelo este requisito de homologação não é aplicável.
5. Como quarto requisito, exige-se na al. d) do n.° 7 do artigo 17°-F do CIRE que "nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.° 3 do artigo 17.°-C receba ou conserve mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos"; ora, uma vez que, como se referiu e é reconhecido na Sentença recorrida, o plano não prevê a classificação dos credores em categorias distintas, este requisito de homologação não é aplicável.
6. Acresce que o credor M...., Lda. não recebe ou conserva mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos. Nem isso, aliás, é sustentado na Sentença recorrida.
7. É, assim, mister concluir que o plano especial de revitalização da Recorrente também não viola a al. d) do n.° 7 do artigo 17°-F do CIRE e, ao decidir diferentemente, e o Tribunal a quo violou duplamente tal norma legal:
-  Por a interpretar e aplicar a um plano especial de revitalização que não previa a criação de categorias distintas. É que a norma em causa só seria aplicável se se previsse a criação de tais categorias;
-  E por a interpretar e aplicar a casos em que um credor seria beneficiado em relação aos demais (no que se não concede, evidentemente). É que tal norma só seria aplicável se uma categoria de credores recebesse ou conservasse mais do que aquilo que lhe era devido, o que nem o Tribunal a quo afirma.
8. O quinto requisito postulado na lei consta da al. e) do n.° 7 do artigo 17°-F do CIRE é o de que a situação dos credores ao abrigo do plano seja mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa, caso existam pedidos de não homologação de credores com tal fundamento, norma que, o Tribunal a quo considerou violada.
9. A Recorrente não concorda por diversos motivos, primeiro porque nenhum credor pediu a não homologação do plano com este fundamento, que assim não podia ser analisado pelo Tribunal a quo; segundo porque competia ao credor que solicitasse a não homologação com este fundamento demonstrar que a liquidação seria mais benéfica para si e tal demonstração não foi feita nos autos; e em terceiro lugar, porque nenhum credor sairá beneficiado em caso de liquidação da Recorrente: a M...., Lda. receberá menos do que o valor do imóvel hipotecado e os credores privilegiados e os credores comuns nada receberão.
10. E não se diga que a Autoridade Tributária receberia mais em caso de liquidação, pois os privilégios creditórios imobiliários especiais por dívidas de IUC e de IMI e as penhoras sobre o imóvel hipotecado de nada lhe serviriam, já que no que respeita às dívidas de IUC as viaturas em causa não pertencem à Recorrente e, mesmo que pertencessem, as dívidas teriam mais de 1 ano e, portanto, os privilégios creditórios em causa extinguir-se-iam aquando da declaração de insolvência; e as dívidas de IMI estão liquidadas e, mesmo que não o estivessem, teriam mais de 1 ano e, portanto, os privilégios creditórios extinguir-se-iam aquando da declaração de insolvência.
11. Ao decidir diferentemente o Tribunal a quo violou o disposto na al. e) do n.° 7 do artigo 17°F do CIRE, bem como os artigos 97°, n.° 1, al. b), e 140°, n.° 3 do mesmo diploma.
12. O sexto requisito de homologação está consagrado na al. f) do n.° 7 do artigo 17°-F do CIRE, e, como se pode ler na Sentença recorrida, no plano não se prevê qualquer financiamento, pelo que este requisito de homologação não é aplicável.
13. O sétimo requisito de homologação encontra-se consagrado na al. g), do n° 7, do artigo 17°F do CIRE, onde se estabelece que "Se o plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou de garantir a viabilidade da mesma".
14. Ora, o plano não tem de evitar, em absoluto, a solvência da empresa ou garantir a sua viabilidade. Isso seria um ónus demasiado pesado para a empresa que recorre a um processo especial de revitalização e para os credores que votam favoravelmente tal plano. O plano especial de revitalização apenas tem de apresentar "perspetivas razoáveis" de permitir à empresa atingir um de tais desideratos.
15. Para se determinar se um plano especial de revitalização apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência de uma empresa deve recorrer-se à definição legal de insolvência constante do artigo 3° do CIRE, e, uma vez homologado o plano de insolvência, é por demais evidente que a Recorrente não estará insolvente, quer de acordo com o critério do balanço, dado que o seu ativo será manifestamente superior ao passivo, quer de acordo com o critério da tesouraria, dado que a Recorrente está a fazer face às suas dívidas à medida que se vencem. Está, inclusivamente, a liquidar já parte das dívidas abrangidas pelo plano, tanto à Autoridade Tributária como à Segurança Social.
16. Uma vez homologado o plano especial de revitalização, não se verifica qualquer dos indícios de insolvência listados no artigo 20.° n.º 1 do CIRE, nas suas alíneas a) a h).
17. Não há suspensão generalizada de pagamento das dívidas vencidas (artigo 20°, n.° 1, al. a), do CIRE). A Requerente não tem dívidas para com os seus advogados, contabilistas, revisores oficiais de contas, telecomunicações, água, luz, gás... e está a pagar pontualmente as dívidas à Autoridade Tributária à medida que se vão vencendo e até esta já a pagar à Autoridade Tributária e à Segurança Social as dívidas abrangidas pelo plano.
 18. Não há falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. As dívidas à M...., Lda. terão sido satisfeitas mediante dação em pagamento e conversão de créditos em capital e a dívida à Hefesto, S.A. também terá sido satisfeita mediante conversão de créditos em capital.
19. Não há fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sua sede ou exerce a sua principal atividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo (artigo 20°, n.° 1, al. c) do CIRE). Muito pelo contrário. O titular da empresa e o seu administrador têm lutado pela recuperação da empresa, deram início a este processo especial de revitalização e estão empenhados da sua homologação e a antecipar o cumprimento do mesmo no que se refere à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
20. Não há dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos (artigo 20°, n.° 1, al. d) do CIRE). Muito pelo contrário. Como se demonstrou no requerimento de 6 de dezembro de 2023, a Caixa Económica Montepio Geral, S.A. autorizou a Recorrente a alienar o imóvel penhorado por menos de € 450.000,00 e a Recorrente vai conseguir realizar mais de € 800.000,00 através do mesmo.
21. Não há insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificado em processo executivo movido contra o devedor (artigo 20°, n.° 1, al. e), do CIRE). Nem isso é alegado seja por quem for.
22. Não há incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou plano de pagamentos (artigo 20°, n.° 1, al. f), do CIRE). A Recorrente nunca passou por um processo de insolvência, nem por um processo especial de revitalização, pelo que é manifesto que não se verifica este indício de insolvência.
23. Não há incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de alguns dos seguintes tipos: i) Tributárias; ii) De contribuições e quotizações para a segurança social; iii) De dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou da cessação deste contrato; iv) De rendas de qualquer tipo de locação, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido por hipoteca relativamente a local onde a empresa realize a sua atividade ou tenha a sua sede (artigo 20°, n.° 1, al. g), do GIRE). Como se demonstrou, a Recorrente está a cumprir tais obrigações e até está a conseguir pagar desde já dívidas que seriam abrangidas pelo plano.
24. Não há manifesta superioridade do passivo sobre o ativo (artigo 20°, n.° 1, al. h), 1a parte, do CIRE). Como já se deixou dito, uma vez homologado o plano especial de revitalização, o ativo da Recorrente aumentará na exata medida dos créditos convertidos em capital (mais de € 1.000.000,00) e o passivo descerá e passará a incluir apenas as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social (cerca de € 100.000,00). É, portanto, absolutamente evidente que este indício de insolvência não se verifica.
25. Não há atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas (artigo 20°, n.° 1, al. h), 2' parte, do CIRE). Como se demonstrou no requerimento de 6 de dezembro de 2023 a Recorrente aprovou e depositou na Conservatória do Registo Comercial as suas contas relativas ao exercício de 2022, pelo que este indício de insolvência também não se verifica.
26. Ao decidir que o plano especial de revitalização da Recorrente não restauraria, previsivelmente, a solvência da Recorrente, o Tribunal a quo violou, pois, o disposto nos artigos 17°-F, n.° 7, al. g), 3°, n.°s 1 e 2 e 24° do CIRE.
27. Por fim, o plano especial de revitalização da Recorrente não contém qualquer ilegalidade e, ainda que assim fosse, tal ilegalidade seria negligenciável (artigo 215° do CIRE).
28. O Tribunal a quo decidiu que o plano especial de revitalização da Recorrente violava a lei por não descrever a atividade que esta iria desenvolver para conseguir liquidar as suas dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
29. A verdade, porém, é que o plano especial de revitalização descreve tal atividade como de consultoria imobiliária e a verdade é que esta está a gerar rendimentos que não só permitem solver os seus compromissos como até antecipar os pagamentos à Autoridade Tributária.
30. Mesmo que não a descrevesse com o grau de pormenorização exigido, seria uma violação negligenciável da lei.
31. O Tribunal a quo entendeu igualmente que o plano violava o artigo 202° do CIRE na medida em que contemplava a conversão de créditos comuns em capital sem o assentimento dos credores comuns.
32. A verdade, porém, é a de que o princípio estabelecido no artigo 202° do CIRE comporta as exceções constantes do artigo seguinte e, no artigo 203° do CIRE, se prevê a possibilidade de a conversão de créditos em capital operar independentemente do consentimento dos créditos e credores abrangidos desde que os estatutos da empresa cumpram determinados requisitos aí elencados.
33. Os novos estatutos da Recorrente, que estão anexos ao plano especial de revitalização, cumprem todos os requisitos constantes do artigo 203° do CIRE, pelo que não era e não é necessário o consentimento dos credores.
34. Ao decidir diferentemente o Tribunal a quo violou os artigos 202° e 203° do GIRE.
35. O Tribunal a quo entendeu ainda também haver ilegalidade do plano especial de revitalização da Recorrente no que tange à remuneração dos senhores administradores judiciais provisórios por não estar junto aos autos o acordo com o Senhor Dr. A…P….
36. Antes de mais, importa ter em conta que a Sentença não indica qual a norma legal de que decorreria essa obrigação e que estaria a ser violada.
37. Mas mesmo que tal norma existisse, o Tribunal a quo reconhece a existência de um acordo entre a Recorrente e o Senhor Dr. J… C…. A ler-se com atenção o documento n.°…  junto aos autos com o requerimento de 6 de dezembro de 2023, verificar-se-á que a Senhora Dra. J…P…., filha e colaboradora do Senhor Dr. A…P…, também confirma a existência desse acordo com seu pai e primeiro administrador judicial provisório.
38. Em qualquer caso, para que dúvidas não subsistam, a Recorrente junta com as suas alegações de recurso declaração a dar o seu assentimento à remuneração constante do plano especial de revitalização.
 39. Ao decidir, pois, que o plano especial de revitalização não podia ser homologado por não estar junto aos autos o acordo com o Senhor Dr. A…P…, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 215° do CIRE.
 Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a Sentença recorrida e substituí-la por outra que homologue o plano de revitalização apresentado nos autos, com todas as consequências legais».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso, por requerimentos de 09/02/2024 e de 12/02/2024, a apelante veio aos autos juntar os dois documentos que protestara juntar em alegações de recurso.
Subiram os autos a este Tribunal da Relação e, remetidos aos vistos, em conferência, cumpre agora decidir.
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II-/ Questões a decidir:
Estando o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, como decorre dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões colocadas à apreciação deste tribunal consistem em aferir:
(i) Da admissibilidade da junção de documentos em fase de recurso (protestados juntar em alegações e juntos em posteriores requerimentos);
(ii) Se estão, ou não, preenchidos os pressupostos e requisitos legais que permitem a homologação do plano de recuperação apresentado nos autos pela devedora/recorrente.
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III/- Fundamentação:
Com interesse para a decisão da causa, encontram-se provados os factos plasmados no relatório que antecede e cujo teor se dá por reproduzido.
Com interesse para a decisão, cumpre ainda registar que:
A/ Do plano apresentado nos autos foi, entre outros, consignado que:
1 - A Requerente é uma sociedade anónima, constituída em 7 de janeiro de 1998 e tem como sócio e administrador único, ....
2 - Tem por objeto social, entre outros, a “promoção imobiliária e turística […] incluindo a compra e venda de imóveis e revenda dos mesmos adquiridos para esse fim”.
3 - No exercício da sua atividade, adquiriu os seguintes imóveis:
a) Prédio 1: fração autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde um escritório designado pelo n.º 1, com 6 estacionamentos designados pelos n.ºs 1, 2, 3, 4, 5 e 6, integrada no prédio urbano em regime de propriedade horizontal denominado “T… ou R…”, situado em Sítio da Tronha, Rua …, n.º …, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Cascais e Estoril, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de Cascais - cfr. certidão permanente com o código de acesso CP-… (“Prédio 1”);
b) Prédio 2: quota de 2/510, em cotitularidade com a sociedade R… – Investimentos e Construção Civil, Lda., da fração autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde uma garagem – estacionamento no piso menos 1, uma divisão, com a área de 4255 m2, artigo …-A – inscrição Ap. 27 de 2006/08/17 – integrada num prédio em propriedade horizontal denominado “Edifício …”, situado na Rua …, Pontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Portimão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob o n.º … da freguesia de Portimão - cfr. certidão permanente com o código de acesso PA-… (“Prédio 2”); e,
c) Prédio 3: fração autónoma designada pela letra “K” do imóvel sito em Outeiro da Vela, Rua …, lote XZ, Cascais, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o n.º … da freguesia de Cascais e inscrito na matriz predial urbana respetiva sob o n.º …, doravante “Imóvel 3” – cfr. certidão permanente com o código de acesso PP-… (“Prédio 3”).
4 - Num cenário de liquidação, é facilmente previsível que os Prédios sejam alienados por montante que apenas permita satisfazer – e tão-só parcialmente – os créditos da M.....
Por três motivos:
(i) Em primeiro lugar, pela circunstância de o valor de venda forçada de um imóvel ser, por regra, cerca de 25% a 30% inferior ao respetivo valor de mercado. Significa isso que a venda forçada dos Prédios fará com que os mesmos não ultrapassem, no melhor cenário insiste-se, os 750.000,00 mil euros.
(ii) Em segundo lugar, pela circunstância de, em caso de liquidação, surgirem novos créditos – como sejam a remuneração do administrador de insolvência e as custas judiciais, entre outros exemplos – que até deverão ser pagos com prioridade sobre o próprio credor hipotecário pelo produto da venda dos Prédios.
(iii) Em terceiro lugar, pela circunstância de o valor do crédito hipotecário da M.... ser de valor superior ao valor dos Prédios e continuar a aumentar pelo vencimento de juros.
Atendendo a que o valor do crédito hipotecário é largamente superior ao valor previsível de venda dos Prédios tal como se encontram, num cenário de liquidação, o credor hipotecário veria o seu crédito parcialmente satisfeito e os demais credores – privilegiados, comuns ou subordinados – nada receberiam.
O presente plano visa, pois, evitar a liquidação e maximizar a recuperação de todos os credores.
5- Medidas de recuperação
As medidas preconizadas no PER e impactos esperados, irão ser apresentadas de uma forma sintética no seguinte quadro, permitirão à Requerente superar o atual contexto, mantendo-se com viabilidade económica e financeira para continuar com a sua atividade e permitirá a todos os credores receber mais do que receberiam caso o plano não fosse aprovado e a Requerente entrasse em insolvência e liquidação.
Não é previsível que a Requerente tenha acesso a crédito enquanto permanecer o litígio que está na base da execução, pelo que não se prevê nenhum investimento.
Recorrem-se a perdões de dívida, a uma dação em pagamento, a uma moratória e a pagamento fracionado e a conversão de créditos em capital.
6 – Medidas a adotar e impactos esperados:
Credor garantido:
M....
Medidas a adotar: Dação em pagamento do Prédio 1, pelo valor máximo garantido pela hipoteca, no prazo de 30 dias depois do trânsito em julgado da sentença homologatória do plano de recuperação.
Impactos esperados: A dação em pagamento do Prédio 1 permitirá satisfazer o crédito hipotecário existente sobre a Requerente até ao montante máximo garantido pela hipoteca.
Transformação da sociedade em sociedade anónima e alteração dos seus estatutos
Medidas a adotar: A transformação da sociedade e a aprovação dos seus novos estatutos serão efeito da sentença homologatória do presente plano de recuperação tal como previsto no artigo 198º do CIRE.
Impactos esperados: A transformação da sociedade em sociedade anónima e a alteração dos seus estatutos é mister para que seja possível a conversão dos créditos comuns em capital.
Os novos estatutos da sociedade encontram-se em anexo (Anexo IV).
Credores privilegiados:
Autoridade Tributária
Medidas a adotar: Pagamento integral em regime prestacional de dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira emergentes de IRS, IMI, IMT, IRC e IVA em 150 prestações mensais e sucessivas, nos termos do artigo 196º do CPPT, designadamente o disposto na parte final do seu n.º 5, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória deste plano de recuperação.
Serão constituídas garantias idóneas – hipoteca voluntária e/ou garantia bancária – suficientes nos termos do disposto no artigo 199º do CPPT, a prestar pela devedora ou por terceiro, junto do órgão de execução fiscal, as quais serão aferidas nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 197º e n.º 9 do artigo 199º do CPPT.
Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE e nos termos da sua parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa com o decurso das negociações ou no prazo previsto na lei para a conclusão das mesmas.
Impactos esperados: Satisfação, a prestações, dos credores privilegiados.
Segurança Social:
Medidas a adotar: Pagamento em 50 prestações mensais e sucessivas nos mesmos termos em que se processa o pagamento à Autoridade Tributária e que aqui se dão por reproduzidos.
Impactos esperados: Satisfação, a prestações, dos credores privilegiados.
Credores Comuns:
Todos, com exceção da M.... (até ao montante do crédito garantido pela hipoteca, a Autoridade Tributária e a Segurança Social)
Medidas a adotar: Conversão dos créditos em capital social da ABINICIO.
Impactos esperados: Satisfação possível dos credores comuns.
Melhoria dos capitais próprios da ABINICIO
Diminuição do esforço da tesouraria da ABINICIO
Extinção dos processos executivos e levantamento das penhoras:
Medidas: Extinção dos processos judiciais e tributários executivos listados nos Anexos 2 e 5 e cancelamento / levantamento dos registos das penhoras sobre cada um dos Prédios listados no Anexo 1.
Impactos: Possibilidade de a Requerente manter a sua atividade sem disrupções causadas pela manutenção dos processos executivos e das penhoras em curso.
7- Plano de reembolso dos créditos no âmbito do PER:
No âmbito do PER, a Requerente acredita que, apesar da pandemia e da crise económico-social generalizada que se adivinha, conseguirá assegurar a satisfação dos seus credores e assegurar a recuperação da própria Empresa desde que sejam definidas, aprovadas e implementadas medidas distintas para cada uma das classes de credores.
Neste sentido, a Requerente propõe o seguinte plano de pagamento à Autoridade Tributária e à Segurança Social:
Assumindo o envolvimento dos Sócios no projeto de revitalização da Empresa, não se previu o reembolso destes.

2023202420252026202720282029203020312032203320342035
500050005000500050005000500050005000500050005000

Estes pagamentos serão realizados com as receitas provenientes de contrato de prestação de serviços de consultoria imobiliária a ser ultimado e, se necessário, mediante a venda ou rendas do arrendamento dos Prédios 2 e 3.
A remuneração do Senhor Administrador de Insolvência será de € 20,000,00 (vinte mil euros) e deverá ser liquidada no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado da sentença de homologação do presente plano de recuperação.
B/ Sendo ainda considerado na decisão recorrida que:
a) Consultadas as certidões do registo predial indicadas pela devedora, constata-se que o imóvel sito em Alvide (Prédio 3) corresponde à fração autónoma designada pela letra K do prédio descrito sob o n.° 653 da freguesia de Cascais, na qual a devedora figurou corno titular de uma quota de 1/14 avos da propriedade, no período de 28/01/2011 a 26/04/2011.
b) Sobre o prédio 1 incide, além da hipoteca referendada, com o montante mínimo assegurado de 891.805,60€, penhoras a favor de Marinas de Barlavento, SA e Autoridade Tributária.
c) Sobre a quota no prédio 2 incide penhora a favor da Autoridade Tributária.
***
IV-/ Do objeto do recurso:
(i) Da admissibilidade da junção de documentos em fase de recurso
Nos termos do disposto no artigo 651.º do CPC, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez, prevê o artigo 425º do mesmo diploma que “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
No Acórdão da Relação de Coimbra de 08/11/2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1), relatado por Teles Pereira, e disponível na dgsi.pt, estão devidamente enumeradas as situações em que poderão ser apresentados documentos em recurso, ali se fazendo referência à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, que pode ser caracterizada como superveniência objetiva (o que historicamente ocorreu depois do momento considerado) ou superveniência subjetiva (só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado), apelando ainda à novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso.
No caso de que aqui cuidamos, em alegações do presente recurso, ainda que sem nada dizer e/ou esclarecer para os pretender juntar apenas nesta fase, limitou-se a recorrente a protestar juntar aos autos dois documentos: um, alega, para comprovar que já liquidou todas as dívidas de IMI, outro para comprovar que o primeiro AJP deu acordo ao pagamento da retribuição nos termos propostos no plano.
Em requerimentos posteriores, de 09/02/2024 e 12/02/2024, juntou então os dois aludidos documentos: o primeiro consubstancia a existência de três pagamentos feitos «online Banking – Pagamentos ao Estado», dos valores de 565,97€ e 601,82€, em 15/11/2023, e 566,05€ em 01/02/2024, realizados em execuções fiscais cujos processos identifica; o segundo consubstancia uma declaração, do primeiro AJP nomeado nos autos, e, entretanto, substituído, emitida em 23/12/2023.
No que concerne ao primeiro documento, verificamos que o mesmo se reporta a três distintos pagamentos, dois anteriores à sentença proferida nos autos, em 13/12/2023, pelo que poderiam ter sido já juntos aos autos, e um terceiro posterior.
A recorrente, como dissemos já, nenhuma justificação apresentou para a junção do documento apenas na fase recursiva, limitando-se a juntar o documento, dizendo que a junção serve para comprovar que “as dívidas de IMI estão liquidadas”.
Sendo o documento apresentado como um todo, e dado que um dos pagamentos efetuados foi posterior à sentença recorrida, assim assumindo parcial superveniência objetiva, admitimos a sua junção aos autos.
Igual raciocino se impõe quanto à declaração emitida pelo AJP em 23/12/2023, cuja junção igualmente se admite.
Vai, pois, admitida a junção aos autos dos documentos apresentados pela recorrente nos requerimentos de 09/02/2024 e de 12/02/2024, cuja relevância probatória adiante se apreciará.
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(ii) Se estão, ou não, preenchidos os pressupostos e requisitos legais que permitem a homologação do plano de recuperação apresentado nos autos pela devedora/recorrente.
O processo especial de revitalização, introduzido no nosso ordenamento jurídico pelo artigo 3.º da Lei 16/2012, de 20/04, tal como resulta do artigo 17.º-A do CIRE, designadamente o seu n.º 1, tem em vista permitir ao devedor - que se encontre numa situação económica difícil, com sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito (definição dada pelo seu artigo 17.º-B) ou em situação de insolvência iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação - estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização.
O processo especial de revitalização, que tem carácter urgente (artigo 17.º A n.º 3 do CIRE), reveste assim uma natureza negocial, sob a direção do administrador judicial provisório, com o objetivo de encontrar um acordo, materializado no plano de recuperação, o qual permita a recuperação da empresa em dificuldades económicas.
Concluídas que sejam as negociações, depositado o plano e publicado no portal Citius o anúncio advertindo da sua junção, o plano é votado, podendo depois vir, ou não, a ser homologado pelo Tribunal.
Com efeito, operada a votação e aprovação do plano de recuperação, por parte dos credores, ao Juiz compete, no prazo de dez dias - artigo 17.º-F, n.º 7 do CIRE - dirimir, homologar ou recusar a sua homologação, vinculando os credores, observando-se, para o efeito, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º.
No caso dos autos, o tribunal recorrido, pese embora tivesse considerado aprovado o plano de recuperação apresentado pela devedora recorrente recusou a sua homologação, sendo desta decisão interposto o presente recurso.
Para o tribunal recorrido, o plano de recuperação suscita questões relativamente ao seu conteúdo, considerando assim que não o devia homologar, por, em suma, do mesmo resultar a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade em termos suficientemente graves para não o permitir, por a situação dos credores ser mais favorável em caso de liquidação da recorrente do que em caso de homologação do plano de recuperação e por o plano não apresentar perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da recorrente, não preenchendo assim, no enquadramento jurídico que faz, o estatuído nos arts.  17.º-F, n.º 1 al. b), e n.º 7, als. e) e g) do CIRE.
Tal recusa, em suma, teve por base o facto de ser considerado pelo tribunal recorrido que o plano especial de recuperação violava o CIRE de forma não negligenciável nos seguintes termos:
(i) ao dar tratamento preferencial à credora M...., sem que a hipoteca de que é beneficiária justifique, só por si, esta situação de vantagem;
(ii) ao prever o pagamento prestacional das dívidas tributárias e à segurança social em prestações sem definição de valores concretos nem das denominadas garantias idóneas a prestar por si ou por terceiro, não contemplando dívidas de IUC reconhecidas no processo e prevendo a extinção das penhoras existentes a favor da AT sem consentimento da mesma;
(iii) ao prever a conversão de créditos dos credores comuns sem a anuência destes, assim violando o art.º 202.°, n.º 2, do CIRE;
(iv) ao não demonstrar a existência de acordo com o primeiro administrador judicial provisório sobre os honorários que lhe seriam devidos em caso de homologação, tornando assim inadmissível e inoponível tal cláusula ao mesmo;
(v) por a situação dos credores ser mais favorável em caso de liquidação da recorrente do que em caso de homologação do plano especial de revitalização;
(vi) por o plano não apresentar perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da recorrente, falhando desde logo na descrição da situação patrimonial da devedora, pois que refere a existência de três imóveis, dos quais apenas indica valor do prédio 1 (a dar em pagamento ao credor com hipoteca sobre o mesmo), não indicando valor ou utilidade económica aos outros dois imóveis, não figurando o prédio 3 no registo predial como pertença da mesma, não informando também com clareza a atividade que vai desenvolver após a aprovação do plano e, por conseguinte, como vai gerar receitas que lhe permitam suportar os custos de atividade e efetuar pagamentos mensais à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
Insurgindo-se contra o assim decidido, e no que concerne ao primeiro fundamento (i) de recusa da homologação do plano (tratamento preferencial à credora M....) argumenta a recorrente que o art.º 17.º-F n.º 7 al. d) do CIRE («que nenhuma categoria de credores, a que alude a alínea d) do n.º 3 do artigo 17.º-C, pode, no âmbito do plano de recuperação, receber nem conservar mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos»), em que se baseia o tribunal a quo para sustentar a recusa da homologação, não tem aqui aplicação, pois que, como de resto se alude na sentença recorrida, o plano não prevê a criação de categorias de credores. Além disso, do plano não resulta que a M.... recebe e conserva mais do que o montante correspondente à totalidade dos seus créditos, não sustentando, aliás, o tribunal recorrido, tal conclusão no que quer que seja (conclusões recursivas 5 a 7).
Pois bem. Ainda que de forma pouca explícita, não vemos que o tribunal recorrido sustente a decisão proferida no preceito em causa. Não obstante tratar a questão na apreciação desse item, o que se afirma na sentença recorrida é que é dado um tratamento preferencial à credora M...., pois que a mesma recebe, com a homologação do plano, o imóvel sobre o qual detém hipoteca, pelo valor do montante máximo assegurado (891.805,60€), assim conseguindo o encaixe imediato do valor correspondente à garantia hipotecária sem passar pelo crivo da graduação de créditos e da venda, e com a neutralização do efeito das penhoras fiscais existentes. Mais se diz na sentença recorrida que os créditos de IMI respeitantes ao imóvel prevalecem sobre a hipoteca, hipoteca que não justifica, só por si, esta situação de vantagem, na medida em que, nem foi claramente demonstrado que o valor de venda do imóvel não seja superior ao montante garantido, nem foi acautelada a situação de credores eventualmente prevalecentes, nomeadamente a Autoridade Tributária quanto a dívidas de IMI.
Por isso, à luz dos arts.º 17.°-F, n.° 7 e 215.° do CIRE, que convoca, o tribunal recorrido recusa a homologação do plano.
Ora, decorre do aludido art.º 215.º do CIRE, que «O juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os atos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação».
A lei não define o que são «vícios não negligenciáveis», e tem-se entendido que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza, diversamente se verificando quanto às infrações que afetem, tão só as regras de tutela particular, que podem ser afastadas com o consentimento do protegido.
Segundo Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, Anotado, vol. II, pág.118, «Normas procedimentais são, pois, todas aquelas que regem a atuação a desenvolver no processo, que incluem os passos que nele devem ser dados até que a assembleia de credores decida sobre as propostas que lhes forem presentes – incluindo, por isso, as relativas à sua própria convocatória e funcionamento – e, bem assim, as relativas ao modo como ele deve ser elaborado e apresentado. Normas relativas ao conteúdo serão, por sua vez, todas as respeitantes às partes dispositivas do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar».
Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano e a que o mesmo deve obedecer, encontra-se o art.º 194.º, que, como norma imperativa, consagra o princípio da igualdade de tratamento entre os credores e cuja violação deve, como regra, ter-se como não negligenciável.
Na situação dos autos, está em causa esse princípio da igualdade, que o tribunal recorrido considera ter sido violado, conforme expressamente o refere.
Regula então o art.º 194.º do CIRE que «1- O plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas. 2- O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afetado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável. 3- É nulo qualquer acordo em que o administrador da insolvência, o devedor ou outrem confira vantagens a um credor não incluídas no plano de insolvência em contrapartida de determinado comportamento no âmbito do processo de insolvência, nomeadamente quanto ao exercício do direito de voto.»
Ainda que, como decorre da própria formulação daquele princípio, o mesmo não configure um direito absoluto, podendo, num regime de exceção, e em casos de situações objetivamente justificáveis, permitir tratamentos diferenciáveis entre os credores, certo é que, a sua violação, sem justificação que o permita, traduzirá uma violação grave, que não pode ser negligenciada.
Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda (na ob. cit., pág. 642) dizem que «O princípio da igualdade dos credores “configura-se como uma trave basilar e estruturante na regulação do plano de insolvência. A sua afetação traduz, por isso, seja qual for a perspetiva, uma violação grave - não negligenciável - das regras aplicáveis».
Por ser assim, e revertendo agora ao caso em apreço, fazendo apelo aos citados normativos, acompanhamos a argumentação do tribunal recorrido, não justificando a hipoteca existente o tratamento que o plano dá à credora M...., ignorando a Autoridade Tributária, cujos créditos de IMI respeitantes ao imóvel (como créditos garantidos que são: privilégio imobiliário especial, que se mantem, pois que apenas se extingue com a declaração de insolvência – art.º 97.º n.º 1 al. b) do CIRE) prevalecem sobre a aludida hipoteca, não sendo assim acautelada a situação deste credor prevalecente (arts.º 735.º n.º 3, 744.º n.º 1 do CC e 751.º do CC), logrando a credora hipotecária, por outro lado, o encaixe imediato do valor correspondente à garantia hipotecária (801.805,60€), também em detrimento da credora preferente, cujo pagamento está previsto ser totalmente prestacional.
Alega a recorrente que liquidou já todas as dívidas de IMI, tendo junto um documento, em fase recursiva, para o comprovar.
Acontece, porém, que ainda que admitida a junção de tal documento aos autos, analisado o mesmo, tal leitura não é possível. Com efeito, no mesmo nada é referido quanto a qualquer pagamento de IMI, sendo que os números dos processos ali indicados não conferem com a listagem junta no plano, nem com os valores ali referenciados.
Ora, ainda que do ponto de vista processual, e apenas nesse, se possa ter admitido a junção aos autos do aludido documento, certo é que aquela junção foi feita independentemente da sua relevância probatória, que cumpre agora aferir, sem esquecer que, de acordo com o art.º 341.º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. E, assim sendo, forçoso se impõe concluir que o documento junto, contrariamente ao alegado e pretendido pela recorrente, por si só, não é demonstrativo do efetivo pagamento do IMI nos valores reconhecidos na lista de credores apresentada.
Em conclusão, e com este fundamento, confirma-se a decisão recorrida, que recusou a homologação do plano por entender que do mesmo resulta a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade em termos suficientemente graves para não permitir a sua homologação (que foi a final recusada ao abrigo do art.º 215.º do CIRE). Não obstante se dirá ainda que, mesmo a entender-se que ocorreu o pagamento do IMI conforme alegado, o que afastaria a violação o princípio da igualdade, sempre a homologação do plano seria recusada nos termos que adiante analisaremos.
No que concerne ao segundo fundamento (ii) para recusar a homologação do plano (ao prever o pagamento prestacional das dívidas tributárias e à segurança social sem definição de valores concretos nem das denominadas garantias idóneas a prestar por si ou por terceiro, não contemplando dívidas de IUC reconhecidas no processo e prevendo a extinção das penhoras existentes a favor da AT sem consentimento da mesma) argumenta simplesmente a recorrente que a lei não obriga a indicar o valor de cada prestação, mas apenas o número de prestações, o que o plano faz, inexistindo motivo para não aprovação do mesmo com base em tal argumentação.
Tal argumentação, como ressalta evidente, não coloca em crise o decidido na sentença recorrida.
Com efeito, sustenta a sentença recorrida a violação dos arts.º 30.°, da Lei Geral Tributária (LGT), 196.°, do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), e 190.°, n.° 1, do Código dos Regimes Contributivas do Sistema Previdencial de Segurança Social (CRCSPSS) e 97.º do CIRE.
A recorrente nada diz quanto a este enquadramento nem quanto aos reflexos do mesmo na recusa de homologação do plano.
Vejamos então.
O princípio da legalidade tributária, constitucionalmente consagrado no artigo 103.º, n.º 2, da CRP, está refletido em várias disposições legais, ainda que o CIRE, em matéria de recuperação, seja na aprovação de planos de insolvência, seja nos processos especiais, de revitalização e de acordo de pagamento, não tenha previsto qualquer exclusão ou tratamento diferenciado dos créditos públicos.
Não obstante, e no que respeita aos créditos do Estado, temos que ter em conta o estatuído nos arts. 8.º, 30.º e 36.º da LGT e nos arts. 196.º a 199.º do CPPT, e no que concerne aos créditos da Segurança Social, o estatuído também nos arts. 190.º e 191.º do CRCSPSS, e no art.º 81.º da Regulamentação do CRCSPSS (aprovado pelo Decreto Regulamentar nº 1-A/2011 de 03.01, com as sucessivas alterações).
Lidos então os acima citados preceitos legais, verificamos que os mesmos revestem, na sua generalidade (com exceção das normas procedimentais que não são regras relativas ao cerne e conteúdo da relação tributária, como o art.º 197.º do CPPT, no que concerne à autorização para pagamento prestacional), clara e inequivocamente, carácter público e imperativo, não podendo ser afastados pela vontade das partes.
Tendo isso em atenção, cumpre então apreciar se os termos previstos para efeitos de pagamento dos créditos da Autoridade Tributária e da Segurança Social no plano apresentado nos autos viola o estabelecido nestes normativos.
Do mesmo resulta então, para a AT, «Medidas a adotar: Pagamento integral em regime prestacional de dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira emergentes de IRS, IMI, IMT, IRC e IVA em 150 prestações mensais e sucessivas, nos termos do artigo 196º do CPPT, designadamente o disposto na parte final do seu n.º 5, vencendo-se a primeira prestação no mês seguinte ao trânsito em julgado da sentença homologatória deste plano de recuperação.
Serão constituídas garantias idóneas – hipoteca voluntária e/ou garantia bancária – suficientes nos termos do disposto no artigo 199º do CPPT, a prestar pela devedora ou por terceiro, junto do órgão de execução fiscal, as quais serão aferidas nos termos do n.º 1 e 2 do artigo 197º e n.º 9 do artigo 199º do CPPT. A suspensão prevista naquele normativo cessa com o decurso das negociações ou no prazo previsto na lei para a conclusão das mesmas.
Para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 17º-E do CIRE e nos termos da sua parte final, a extinção dos processos fiscais só se dará nos termos do CPPT.
Impactos esperados: Satisfação, a prestações, dos credores privilegiados.».
Para a Segurança Social «Medidas a adotar: Pagamento em 50 prestações mensais e sucessivas nos mesmos termos em que se processa o pagamento à Autoridade Tributária e que aqui se dão por reproduzidos.
Impactos esperados: Satisfação, a prestações, dos credores privilegiados».
Da leitura do plano assim delineado verifica-se que o mesmo não cumpre minimamente o estabelecido nos normativos legais aplicáveis.
Não cumpre, desde logo, no que se refere ao pagamento prestacional imposto por lei relativamente aos créditos da AT, que, diga-se, votou desfavoravelmente o plano apresentado. Com efeito, ainda que a lei admita a possibilidade de pagamento em prestações, em caso da imprescindibilidade da medida (art.º 196.º, n.º 3, al. a) do CPPT), decorre também da lei que, para efeitos de plano, do qual a administração tributária seja parte, esta pode estabelecer que o regime prestacional seja alargado até ao limite máximo de 150 prestações, não podendo nenhuma delas ser inferior a 10 unidades da conta (art.º 196.º, n.ºs 5 e 6 do CPPT), daqui se retirando que, no caso da AT, o legislador estabeleceu não só um número máximo de prestações mensais, como também um valor mínimo para cada prestação mensal (limitação que, diga-se, não foi estabelecida no caso da Segurança Social).
No caso aqui em análise, porém, o pagamento da dívida da AT (no valor global de 95.788,75€), estabelecido em 150 prestações mensais e sucessivas, não assegura que o valor mínimo de cada uma das prestações não seja inferior a 10 unidades de conta (1020,00€). Por outro lado, não se compreende, no plano é referido, por um lado, um pagamento de 5000,00€/ano (o que nos dá um valor mensal de 416,66€), entre os anos de 2024 a 2035 (ou seja, 12 anos, o que importa em 144 prestações) e, por outro lado, 150 prestações mensais e sucessivas (o que importaria então - ainda que, de facto, ali não se diga que as prestações serão iguais todos os meses - em prestações mensais iguais e sucessivas de 638,59€), o que não se conjuga, nem é percetível do plano, que é assim confuso a este nível, não dando garantias ao credor dos valores que efetivamente irá receber, e em que prazo e moldes.
Por outro lado, do plano resulta também a redução, e mesmo o perdão, de créditos tributários, pois que faz referência expressa ao pagamento de algumas dívidas, ignorando outras igualmente reconhecidas nos autos (IUC, coimas, custas – valores que constam da lista definitiva de créditos que não foi impugnada, não existindo assim qualquer fundamento para a devedora não as considerar), faz referência formal a constituição de garantias idóneas, que não concretiza, e prevê a extinção dos processos executivos e levantamento das penhoras, quando, decorre do art.º 199.º n.ºs 13 e 14 do CPPT, que as garantias existentes não serão extintas nem as penhoras canceladas.
Como vemos, o plano prestacional apresentado não se contém dentro dos estritos limites previstos na própria lei tributária como admissíveis, pelo que não podemos deixar de considerar que, no caso concreto dos autos, ocorre uma violação não negligenciável de regras imperativas.
Com efeito, sendo inegável para nós que as regras que regulam as derrogações ao princípio da indisponibilidade e da intangibilidade dos créditos tributários são de interesse público, dadas as finalidades da cobrança desses créditos, forçoso se impõe concluir que as medidas inseridas no plano aprovado no âmbito deste PER importam numa violação não negligenciável de normas imperativas aplicáveis ao seu conteúdo (normas que prevalecem sobre qualquer legislação especial, mormente as previstas no CIRE – art.º 30.º n.º 3 da LGT).
No que concerne aos créditos da SS, por sua vez, e como vemos, foi inserido no plano o seu pagamento em prestações (50), que se verifica assim dentro dos limites estabelecidos por lei, sem, todavia, aquela ter dado o seu acordo ao plano, pois que igualmente votou desfavoravelmente contra o mesmo.
Neste caso, porém, tratando-se de um plano prestacional contido dentro dos estritos limites previstos na própria lei tributária como admissíveis, não pode deixar de ser tida como uma violação negligenciável a violação de uma norma puramente procedimental, que consiste na falta de autorização deste credor público que votou contra a pagamento prestacional apresentado.
Cumpre então aferir se a violação dos preceitos mencionados pode conduzir à recusa da homologação do plano, ou seja, se os vícios apontados determinam a não homologação oficiosa do plano aprovado, ou a sua homologação com consequente ineficácia relativamente a estes dois credores.
Quando está em causa a simples falta de autorização do credor público, a tese claramente maioritária na jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente, do Supremo Tribunal de Justiça, é a da homologação do plano de recuperação, com ressalva da sua ineficácia relativamente aos créditos tributários cujos titulares não tenham autorizado a sua afetação pelo plano aprovado (ver acórdão do STJ de 10/05/2018, relatado por Fonseca Ramos e disponível na dgsi, bem elucidativo sobre esta temática).
Vem sendo igualmente esse o entendimento desta Secção de Comércio do TRL, no sentido de que, tratando-se de um plano prestacional contido dentro dos limites previstos na própria lei, a mera falta de autorização não pode deixar de ser tida como uma violação negligenciável (ver, nesse sentido, acórdão desta secção de 20/02/2024, relatado por Fátima Reis Silva, disponível na dgsi, onde se consignou: «Aliás, feito o historial da evolução legislativa nesta matéria é bastante claro que o pretendido pelo legislador, em função da especial natureza dos créditos tributários não é salvaguardar normas procedimentais, mas sim salvaguardar os próprios créditos tributários e a sua indisponibilidade. A não previsão legal de direito de veto e da necessidade de autorização prévia à aprovação do plano por parte dos credores públicos de devedores em processo de revitalização ou plano de insolvência que previssem planos prestacionais, é elucidativa. Outro entendimento seria retirar aos tribunais – órgãos de soberania independentes constitucionalmente salvaguardados - o poder de decisão em relação a questões procedimentais, apenas em função da origem dos créditos.
Neste exato sentido se vem pronunciando uniformemente esta 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, como resulta dos Acórdãos de 22/09/2020 (Amélia Sofia Rebelo - 2542/19)[13], de 27/10/2020 (Manuela Espadaneira Lopes - 27086/19)[14], de 02/10/2023 (Manuela Espadaneira Lopes – 16113/20), de 04/07/2023 (Isabel Fonseca – 5715/22), de 04/07/2023 (Manuela Espadaneira Lopes – 11886/22) e de 22/02/2022 (Renata Linhares de Castro - 10646/21)[15] em linha jurisprudencial seguida entre outros, pelos Acs. TRC de 01/10/2013 (Barateiro Martins – 1786/12), TRG de 11/07/2013 (António Sobrinho – 1411/12) e de 15/10/2015 (Eva Almeida – 1651/14), TRP de 22/03/2021 (Fernanda Almeida – 1559/20), TRC de 26/04/2022 (Maria João Areias – 840/21) e TRE de 29/09/2022 (Tomé de Carvalho – 49/22).
Concordamos com a linha jurisprudencial seguida pelos nossos Tribunais da Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça que considera a ineficácia, quanto aos credores públicos, de planos que contenham violações não negligenciáveis do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários – permitindo-se, assim, que sejam homologados planos que de outra forma, apesar de aprovados, não o seriam apenas por este motivo».
Aqui chegados podemos concluir que, no caso dos autos, ainda que se pudesse assim entender no que concerne à Segurança Social, já assim não será no que concerne aos créditos da AT, pois que o plano apresentado não respeita os requisitos e limites da extinção ou redução das dívidas fiscais ou contributivas nos termos em que são legalmente autorizadas, assim acarretando a produção de um resultado que a lei não autoriza e interferindo com a justa salvaguarda dos interesses e posição da AT.
A violação que o conteúdo do plano encerra de normas de carácter imperativo, impõem, quanto a nós, a recusa de homologação do plano apresentado, pois que, no caso concreto de que aqui cuidamos, desrespeita o princípio da legalidade e da igualdade tributárias, reduzindo os créditos do Estado com desigualdade entre os credores da devedora, que não vêm reduzidos os seus créditos por aquele mesmo plano, o que, por ser assim, igualmente não é admissível pelo CIRE, pois que também aqui é violado, sem justificação, o princípio da igualdade estabelecido no já citado art.º 194.º do CIRE, o que, por ser assim, justifica a recusa do plano e não a sua mera ineficácia relativamente a estes dois credores tributários.
Em conclusão, e com este fundamento, confirma-se igualmente a decisão recorrida, que, também com este fundamento, recusou a homologação do plano, nos termos do art.º 215.° do CIRE.
No que concerne ao terceiro fundamento (iii) invocado para a recusa (prever a conversão de créditos dos credores comuns sem a anuência destes, assim violando o art.º 202.°, n.º 2, do CIRE) argumenta a recorrente que o Tribunal a quo ignorou que o princípio estabelecido no art.º 202.° do CIRE comporta as exceções constantes do art.º 203° do CIRE, onde se prevê a possibilidade de a conversão de créditos em capital operar independentemente do consentimento dos créditos e credores abrangidos, desde que os estatutos da empresa cumpram determinados requisitos aí elencados. Ora, alega, os novos estatutos da recorrente, que estão anexos ao plano especial de revitalização, cumprem todos os requisitos constantes do art.º 203.° do CIRE, pelo que não era e não é necessário o consentimento dos credores (conclusões recursivas 31 a 34).
Vejamos pois.
O plano prevê a conversão dos créditos dos credores comuns em capital social da devedora, sem qualquer anuência escrita por parte destes, contrariamente ao exigido pelo art.º 202.° n.º 2, do CIRE, com exceção da credora M.... que, para além da conversão, na parte em que o crédito é comum, prevê a dação em pagamento na parte em que está garantido, pois que aquela credora votou favoravelmente o dito plano.
Tal anuência, contudo, não é necessária se, em consequência do plano, e tal como decorre do n.º 1 do art.º 203.º, «a) A sociedade emitente revista a forma de sociedade anónima; b) Dos respetivos estatutos não constem quaisquer restrições à transmissibilidade das ações; c) Dos respetivos estatutos conste a obrigatoriedade de ser requerida a admissão imediata das ações à cotação a mercado regulamentado, ou logo que verificados os requisitos exigidos; d) Dos respetivos estatutos conste a insusceptibilidade de uma alteração que contrarie o disposto nas alíneas b) e c), exceto por unanimidade, enquanto a sociedade mantiver ações admitidas à negociação em mercado regulamentado. 2 - O preço de exercício das opções de compra referidas no número anterior é igual ao valor nominal dos créditos empregues na liberação das ações a adquirir; o exercício das opções por parte dos titulares de créditos de certo grau faz caducar, na proporção que couber, as opções atribuídas aos titulares de créditos de grau hierarquicamente superior, pressupondo o pagamento a estes últimos do valor nominal dos créditos extintos por contrapartida da atribuição das opções caducadas. 3 - A sociedade emitente das ações objeto das opções de compra emite, no prazo de 10 dias, títulos representativos dessas opções a pedido dos respetivos titulares, formulado após a homologação do plano de insolvência».
Ora, nos autos, de facto, analisados que foram os estatutos juntos, como anexo do plano de revitalização apresentado, tal anuência não era assim necessária, pelo que, com este fundamento, não poderia ter sido recusada a homologação daquele plano, procedendo assim, nesta parte, a argumentação da apelante.
No que concerne ao quarto fundamento (iv) invocado (não demonstrar a existência de acordo com o primeiro administrador judicial provisório sobre os honorários que lhe seriam devidos em caso de homologação, tornando assim inadmissível e inoponível tal cláusula ao mesmo) argumenta a recorrente que a sentença não indica qual a norma legal de que decorreria essa obrigação, norma que, na verdade, alega, não existe. Mas, mesmo que existisse, certo é que o Tribunal a quo reconhece a existência de um acordo entre a recorrente e o Sr. Dr. J… C…, acordo que, a ler-se com atenção o documento junto aos autos com o requerimento de 6 de dezembro de 2023, verificar-se-á que a Senhora Dra. J…P…, filha e colaboradora do Senhor Dr. A…P…, também confirma a existência desse acordo com seu pai e primeiro administrador judicial provisório.
Em qualquer caso, para que dúvidas não subsistam, juntou a recorrente o acordo do AJP em falta (conclusões recursivas 35 a 39).
Não vemos qualquer sentido na questão aqui suscitada, que, diga-se, é completamente lateral ao objeto dos autos. Com efeito, o art.º 17.º-D n.º 2 do CIRE diz-nos quais são os créditos que devem constar do PER e o art.º 17.º-F n.º 11 do CIRE quais os créditos abrangidos pela eficácia da decisão de homologação, e os honorários a pagar ao AJP não são, de todo, qualquer um deles.
Serão atendidos os créditos que, em princípio, estão constituídos até ao início do plano, ou, mais precisamente, até à prolação do despacho de nomeação do administrador judicial provisório, e só estes créditos serão, em princípio, afetados pelo plano de recuperação.
Já os honorários do AJP deverem ser determinados pela fórmula de cálculo prevista no art.º 23.º da Lei 22/2013 de 26 de fevereiro (alterada pela Lei 17/2017, de 6 de maio, DL 52/2019, de 17 de abril, Lei 79/2021, de 24 de novembro e com a ultima alteração por força da Lei 9/2022, de 11 de janeiro), e, ainda que nada impeça o alegado acordo, certo é que o mesmo nada tem que ver com o plano nem nele tem que ter consignação.
Por isso, e sem mais, sempre procederia, em parte, a argumentação da apelante, sendo inócuo tal acordo para a recusa ou homologação do plano de recuperação.
No que concerne ao quinto fundamento (v) em que se sustenta o tribunal a quo (por a situação dos credores ser mais favorável em caso de liquidação da recorrente do que em caso de homologação do plano especial de revitalização – art.º 17.º-F n.º 7 al. e)) argumenta a recorrente que o mesmo não deveria ter sido usado pelo tribunal, pois que apenas pode e deve comparar-se a situação dos credores em caso de liquidação com a situação dos credores em caso de homologação do plano especial de revitalização se existirem "pedidos de não homologação de credores com este fundamento" (artigo 17°.F, n.° 7, al. e), parte final), o que não aconteceu nos autos, sem esquecer que, de acordo com as regras gerais de repartição do ónus da alegação e do ónus da prova e ao abrigo da regra especial constante do artigo 216°, n.º 1, al. a), do CIRE, tais ónus recaem sobre os credores, a quem que caberia alegar e demonstrar que receberiam mais em caso de liquidação do que em caso de homologação do plano especial de revitalização.
Não existindo tal alegação e muito menos tal prova, o Tribunal a quo não dispõe de factos, nem de provas que lhe permitam concluir pela falta de verificação deste requisito e, na sua ausência, sempre teria de partir do princípio de que os mesmos não existem, e concluir que este requisito de homologação está preenchido e, consequentemente, homologar o plano especial de revitalização da Recorrente.
Ao decidir e aplicar diferentemente a lei, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 17°-F, n.º 7, al. e) e 216°, n.º 1, al. a) do CIRE, bem como o estatuído no artigo 342° do CC (conclusões recursivas 8 a 11).
Vejamos então.
Não temos dúvidas que a recusa de homologação do plano, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, pressupõe uma oposição, competindo a quem se opõe o ónus de demonstração dos factos indispensáveis à formulação do juízo de que a sua situação ao abrigo do plano é menos favorável do que a que teria na ausência dele.
A razão de ser da norma é assim a de garantir que aquilo que cada credor recebe, segundo o plano, não é inferior ao que receberia se os bens do devedor fossem liquidados, o que deve ser aferido em função dos factos que são alegados pelos interessados, donde resulta que a aplicação do disposto no artigo 216.º do CIRE depende de um requerimento do interessado, não sendo de aplicação oficiosa.
Nos autos, o tribunal a quo não fez apelo a esse normativo para sustentar a sua decisão; no entanto, neste item, à luz do art.º 17.º-F n.º 7 al. e) do CIRE, apreciou a questão sem que a mesma tivesse sido efetivamente suscitada por qualquer credor, o que, a ser assim, estava impedido de fazer, resultando mesmo da parte final do preceito invocado que tal só lhe será legítimo conhecer se existirem "pedidos de não homologação de credores com este fundamento”.
Não sendo as situações previstas no art.º 216.º do CIRE de conhecimento oficioso, não tendo o art.º 215.º do mesmo código, por sua vez, como pressuposto, a alegação das circunstâncias elencadas naquele art.º 216.º, e não existindo nos autos um pedido de não homologação do plano concretamente com este fundamento, o tribunal a quo sobre o mesmo não se deveria ter pronunciado. Veja-se, nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 25/10/2018, relatado por Maria dos Anjos Melo Nogueira, no processo n° 1820/17.2TBCHV.G1 e disponível em www dgsi.pt, assim sumariado «O juiz recusa a homologação se tal lhe for solicitado por algum credor do devedor cuja oposição haja sido comunicada anteriormente à aprovação do plano de insolvência, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano».
Donde, e sem mais, procede nesta parte a argumentação da apelante, não podendo o tribunal a quo, com este fundamento, de que estava impedido de conhecer, recusar a dita homologação.
No que concerne ao último fundamento (vi) invocado (por o plano não apresentar perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da recorrente, falhando desde logo na descrição da situação patrimonial da devedora, pois que refere a existência de três imóveis, dos quais apenas indica valor do prédio 1 (a dar em pagamento ao credor com hipoteca sobre o mesmo), não indicando valor ou utilidade económica aos outros dois imóveis, não figurando o prédio 3 no registo predial como pertença da mesma, não informando também com clareza a atividade que vai desenvolver após a aprovação do plano e, por conseguinte, como vai gerar receitas que lhe permitam suportar os custos de atividade e efetuar pagamentos mensais à Autoridade Tributária e à Segurança Social- art.º 17.º-F n.º 7 al. g) argumenta a recorrente que, ao contrário do que o Tribunal a quo afirma, o plano de recuperação não tem de evitar, em absoluto, a solvência da empresa ou garantir a sua viabilidade. Isso seria um ónus demasiado pesado para a empresa que recorre a um processo especial de revitalização e para os credores que votam favoravelmente tal plano. O plano de recuperação apresentado em processo especial de revitalização apenas tem de apresentar "perspetivas razoáveis" de permitir à empresa atingir um de tais desideratos.
Por outro lado, alega, para se determinar se um plano de recuperação apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência de uma empresa deve recorrer-se à definição legal de insolvência constante do artigo 3.° do CIRE, e, uma vez homologado o plano, é por demais evidente que a recorrente não estará insolvente de acordo com o critério da tesouraria, previsto no n.º 1 do aludido preceito, dado que a recorrente está a fazer face às suas dívidas à medida que se vencem, estando, inclusivamente, a liquidar já parte das dívidas abrangidas pelo plano, tanto à Autoridade Tributária como à Segurança Social; e não o estará também de acordo com o critério do balanço do n.º 2 do aludido art.º 3.º, dado que o seu ativo será manifestamente superior ao passivo.
Para além disso, uma vez homologado o plano, não se verifica qualquer dos indícios de insolvência listados no artigo 20. ° do CIRE, que elenca e aprecia.
Diz-se na sentença recorrida que «Do plano apresentado consta a previsão de pagamento de 5.000,00€ por ano à Autoridade Tributária e à Segurança Social.
Para sustentar tal previsão refere-se que 'Estes pagamentos serão realizados com as receitas provenientes de contrato de prestação de serviços de consultoria imobiliária a ser ultimado e, se necessário, mediante a venda ou rendas do arrendamento dos Prédios 2 e3.
Da referida afirmação não retira este tribunal elementos de facto que demonstrem perspetivas razoável de evitar a insolvência ou garantir a viabilidade da devedora.
Os prédios 2 e 3 correspondem, o primeiro a quota da propriedade de um imóvel. O segundo a fração autónoma que não está registada em nome da Devedora.
Nomeadamente não se percebe de que forma a denominada prestação de serviços de consultoria imobiliária, ou o arrendamento ou venda daqueles bens poderá determinar a geração das receitas necessárias ao relançamento da atividade da empresa, que se presume será o objetivo do PER, em termos que permitam suportar os respetivos custos, efetuar o pagamento das referidas prestações e ainda permitir aos credores que foram forçados à entrada no capital social, via ser ressarcidos dessa situação.
Concluindo assim este tribunal que, com efeito, o plano apresentado não apresenta perspetivas razoáveis de evitar a insolvência da empresa ou garantir a viabilidade da mesma».
No parecer junto aos autos, à luz do n.º 6, do art.º 17.º-F, do CIRE, o AJP diz-nos, e suma, que a implementação do plano não garante aos credores que a empresa possa liquidar os créditos que não são transformados em capital, concretamente créditos da AT e Segurança Social, não sendo possível, com os elementos à disposição do AJP, garantir que, se atingidos os objetivos a que se propõe, irá evitar de facto a insolvência ou garantir a viabilidade económica e financeira da empresa.
Concordamos, em absoluto, com o teor do parecer apresentado e com a análise feita na sentença recorrida e a argumentação da recorrente em alegações, e mesmo na resposta que deu ao parecer do administrador (e que foi admitida pelo tribunal a quo) não nos fazem alterar a análise feita.
O montante global, da dívida - 2.059.146,80€ - é devido maioritariamente à credora M...., Lda., detentora de um crédito garantido de 1.605.214,24€, que representa valor superior a 75% dos créditos reclamados e reconhecidos, o que fez, naturalmente, com o seu voto, aprovar o plano apresentado. Ainda assim, o pagamento que o plano permite fazer-se à mesma, não é suficiente para compreender como vai a empresa pagar as dívidas que tem - que só à AT e Segurança Social, ascendem a cerca de 100.000€, acrescida de juros - e os custos da sua atividade.
Não foi feito nenhum estudo de viabilidade económica da empresa e o ativo da mesma, que se resume, segundo a própria devedora, aos imóveis descritos, não foram objeto de avaliação (a avaliação da Caixa Económica Montepio Geral, S.A., em menos de € 450.000 e do avaliador certificado pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, em valor inferior a € 600.000,00, que invoca, não afasta sequer a constatação evidenciada, pois que o único imóvel avaliado serve apenas para pagar parte do crédito da aludida credora).
A ser assim, não vemos, nem tal resulta do plano, de que forma a empresa irá liquidar as suas dívidas (veja-se que, ante plano, as mesmas atingem o valor de 2.059.146,80€ e após plano, com a dação em pagamento proposta, se mantêm em 1.257.341,20€), e suportar os custos inerentes ao funcionamento da empresa (como sejam trabalhadores ao serviço, escritório, Contabilista Certificado, Revisor Oficial de Contas, obrigatório por se converter numa sociedade anónima), não apresentando a mesma quaisquer receitas expectáveis que nos permitam concluir pela sustentabilidade dos pagamentos devidos (desconhecendo, em face da não avaliação feita, o valor dos dois imóveis sobrantes, que, segundo a própria devedora, constituem o seu único ativo), inexistindo assim qualquer fundamento rigoroso que permita concluir por uma efetiva revitalização da empresa.
Estamos perante um quadro factual que define um passivo inicial de mais de dois milhões de euros, contraposto por um ativo constituído por três imóveis, cujo valor desconhecemos (sendo que um deles servirá apenas para pagar uma parte da dívida de um dos credores, e os outros dois resumem-se a um lugar de garagem, em compropriedade com outro titular, e a uma fração que não está sequer registada em nome da devedora) não se vislumbrando como conseguirá pagar depois os créditos da AT e da SS e remunerar os créditos comuns, novos detentores do capital social da empresa, pagamento que, no limite, e como assume a devedora, passarão pela exploração ou venda dos dois imóveis sobrantes.
Donde, e sem mais, se confirma igualmente a decisão recorrida, na parte em que recusa a homologação do plano com esta argumentação, sendo que os fundamentos invocados pela recorrente em análise ao artigo 20.º do CIRE (pontos 13 a 26 das suas conclusões recursivas) não fazem aqui qualquer sentido, pois que a recusa de homologação do plano não foi por se entender que a mesma está já insolvente, mas sim que do plano que apresentou nos autos não resulta a sua viabilidade.
Em conclusão, terá a apelação que improceder, e, ainda que não com total coincidência na fundamentação jurídica feita, confirma-se a sentença recorrida.
*
V-/ Decisão:
Perante o exposto, acordam os Juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a presente apelação, mantendo consequentemente a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.

Lisboa, 07/05/2024
Paula Cardoso
Fátima Reis Silva
Manuel Marques