Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1732/22.8T8FNC.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: ANULAÇÃO
NULIDADE
CONTRATO DE SOCIEDADE
ERRO VICIO
REDUÇÃO DO PEDIDO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Não estando o Tribunal sujeito ás alegações da parte no que diz respeito ao direito, no que diz respeito ao pedido, vale o silogismo interpretativo que determina que “quem pode o mais, pode o menos”, ou, no presente caso, quem pede o mais, pede o menos.
II. Constitui princípio geral da lei adjectiva o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais das partes, tal princípio também está presente no que diz respeito aos negócios dada a prevalência da redução, ao invés da nulidade ou anulação total, tal como se encontra previsto no art.º 292º do Código Civil.
III. Formulando o pedido de nulidade ou anulação do contrato de sociedade e concluindo-se que se verifica erro vício ocorrido no processo formativo da vontade de apenas um dos seus sócios, tal permite aplicar o previsto no artigo 45º, n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, concluindo-se que esses vícios na formação ou na transmissão da vontade do sócio apenas conferem a este o direito a de dela se exonerarem.
(Sumário elaborado pela relatora).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
A… intentou a presente acção comum contra K…, JR…, JO…, JM…, M…, R… e “A…, Lda.”, peticionando a anulação, por dolo, do contrato de constituição de sociedade por quotas da “A…, Lda.” e do contrato de aumento de capital e, consequentemente, o retorno ao seu património do prédio misto, composto por terra de cultivo e armazéns de actividade industrial, localizado ao Sítio do …, freguesia do …, município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de …sob o número …, inscrito na matriz, a parte rústica sob os artigos 59 a 61, 71, 74 e 76, todos da secção “ZZ”, e a parte urbana sob o artigo ...
Para tanto, alega que não se apercebeu dos actos que estava a realizar quando assinou os documentos que instruíram os dois actos negociais, tendo sempre pensado que se encontrava a efectuar uma venda pelo valor de €3.375.000,00 e não, como veio posteriormente a constatar, que se havia tornado sócia de uma sociedade por quotas e que o imóvel em causa havia sido transferido para o património da referida sociedade.
Mais sustenta a Autora que não lhe foram devidamente explicados os contornos dos actos que assinou e que, em todo o processo, foi pressionada pelos Réus JO… e por R… (sua filha), para assinar os vários actos negociais, sem que lhe fosse dado tempo para pensar e apreender o seu efectivo conteúdo.
Regularmente citados, os Réus “A…, Lda.”, JR…, K…, JM…, M… e JO… apresentaram contestação, em que se defenderam por excepção, invocando a ilegitimidade da Autora, por violação de litisconsórcio necessário activo, a caducidade do direito da acção e arguiram a nulidade de todo o processado, sustentando existir ineptidão da Petição Inicial.
Mais se defenderam por impugnação motivada, pondo em causa toda a versão trazia aos autos pela Autora, pugnando pela improcedência da acção.
Citada, a Ré R… apresentou contestação em que assume ser, parcialmente, verdadeira a alegação efectuada pela Autora, pugnando pela procedência da presente acção.
Findos os articulados, concedeu-se à Autora a possibilidade de exercer contraditório quanto às excepções invocadas pelos Réus e proferiu-se despacho de aperfeiçoamento da Petição Inicial.
Cumpridas as notificações em causa e apresentadas as respectivas respostas, cumprido que se mostrava o direito ao exercício do contraditório, foi proferido despacho saneador em que se julgou inexistir ineptidão da Petição Inicial, não estar verificada a excepção dilatória de ilegitimidade e em que se relegou para final o conhecimento da excepção peremptória de caducidade da acção.
Foi proferido despacho a fixar o Objecto do Litígio e a elencar os Temas da Prova.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Em face de todo o exposto julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência;
i. Declara-se a existência de erro na celebração do contrato de constituição da sociedade por quotas referido em H. dos factos provados e na celebração do contrato de aumento de capital e alteração parcial de pacto social, referido em M. dos factos provados;
ii. Na sequência do referido em i. e do preceituado pelo artigo 45º, do Código das Sociedades Comerciais, o direito da Autora de declaração de anulabilidade dos actos mencionados em H. e M. fica substituída pelo direito a ver-se exonerada da sociedade identificada em H. e a ser-lhe restituído tudo o que prestou, o que se condena os Réus a reconhecer;
iii. Na sequência do referido em i. e em ii., o prédio identificado em A. deve ser restituído ao seu estado anterior – referido em A. -, condenando-se os Réus a restituí-lo à Autora, na proporção referida L.”
Inconformados vieram os Réus (com excepção de R…) recorrer apresentando as seguintes conclusões:
«1ª.- O presente recurso tem como objecto matéria de facto e de direito.
2ª.- A sentença da qual se recorre é nula por condenar em objecto diferente do pedido.
3ª.- A sentença da qual se recorre é nula por o Tribunal a quo se ter pronunciado acerca de questões que não lhe foram colocadas.
4ª.- A sentença da qual se recorre é nula por ter proferido uma decisão-surpresa, sem que os recorrentes tenham tido oportunidade de se pronunciarem sobre a mesma
5ª.- A sentença é nula por o Tribunal a quo ser tribunal a quo absolutamente incompetente para dirimir o objecto dos presentes autos, pois a competência material cabe aos Tribunais do Comercio:
6ª A sentença é nula pelo Tribunal a quo ter inobservado o dever de gestão processual e por violação do princípio do inquisitório.
7ª.- Os recorrentes entendem que os seguintes pontos da matéria de facto dados como provados, têm que ser dados como não provados, a saber:
“V. A… e JO… não deram conhecimento à Autora de que sociedade se tratava a referida em H. e qual a sua finalidade;
W. JO…, enquanto patrão da filha da autora, a Ré R…, teve a ideia de constituir a sociedade referida em H.;
X. Os actos referidos em H. e M. foram planeados em sequência e por iniciativa da Ré R… e pelo Réu JO…;
Y. A Autora achou que iria fazer a venda do prédio referido em A. por €3.375.000,00;
Z. Os actos referidos em H. e M. não foram explicados à Autora nem com ela foram planeados; A A. Não foi esclarecido à Autora como e quando seriam realizadas as entradas pelos restantes sócios, qual o valor real das mesmas, como seria realizada a gestão do novo empreendimento e a quem seriam atribuídas responsabilidades de maior;
AA. Não foi esclarecido à Autora como e quando seriam realizadas as entradas pelos restantes sócios, qual o valor real das mesmas, como seria realizada a gestão do novo empreendimento e a quem seriam atribuídas responsabilidades de maior;
BB. Não foram definidos, com a Autora, os contornos de qualquer tipo de actividade ou de investimento, não se definiu o tipo de construção, o investimento, sua forma, materiais, serviços, destinatários, mão de obra, administração;
CC. A Autora desconhecia os termos relativos à constituição da sociedade referida em M., as obrigações assumidas com a assinatura do contrato ali referido e a forma de organização e gestão da sociedade;
DD. A Autora não teve qualquer influência no âmbito da avaliação e escolha dos restantes sócios da sociedade, os quais não conhecia; (…)
GG. Em Março de 2022, diversas pessoas disseram à Autora que o Réu JO… iria vender o prédio referido em A.; Réu JO… iria vender o prédio referido em A.;
HH. Em Março de 2022, a Autora muniu-se dos documentos referidos em H. e M. e, com ajuda profissional, apercebeu-se de que fazia parte de uma sociedade, cujo fim desconhece e que havia entregue o prédio referido em A.;
II. Os actos referidos em H. e M. não eram da vontade da Autora;
JJ. Se a Autora tivesse conhecimento de que o negócio com os Réus seria nos termos referidos em H. e M. não teria celebrado os actos ali referidos;
KK. Os Réus aproveitaram-se do gosto da Autora de no prédio referido em A. existir um lar de idosos para a levarem a assinar os actos referidos em H. e M..”.
8ª.- Os recorrentes entendem que os seguintes pontos da matéria de facto dados como não provados, devem ser dados como provados, a saber:
“5. Era vontade da Autora constituir uma sociedade, transmitir para a mesma a propriedade do prédio referido em A. e ali construir, a expensas dos Réus, em nome da sociedade, um Lar para idosos;
6. O projecto encontra-se em desenvolvimento, com conteúdo já apresentado à Câmara Municipal de …, ao Governo Regional, através de reuniões mantidas com os respectivos Presidentes e com as várias Secretarias envolvidas, nomeadamente, a Secretaria Regional da Inclusão Social e Cidadania;
7. O projecto já fez com que fossem solicitadas à Câmara Municipal de … licenças/autorizações para proceder à limpeza do prédio referido em A. e com que os Réus já tivessem retirado o recheio do prédio urbano e limpassem a área circundante a fim de o preparar para a reabilitação;”
9º.- A recorrida age em abuso de direito na modalidade de venire contra factum próprio, abuso de direito do qual os recorrentes se prevalecem para todos os efeitos legais.
10ª.- Em consequência da requerida alteração da prova dada como provada, para não provada (em virtude dos documentos juntos, e da prova testemunhal), bem como da matéria não provada para provada, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os RR. de todos os pedidos contra si efectuados.
Nestes termos, e no mais de direito que V/Exa. doutamente suprirá, devem as invocadas nulidades ser procedentes, por provadas, tudo com as legais consequências
Subsidiariamente, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo revogada, mais devendo aquela ser substituída por outra que absolva os RR. de tudo o que foi peticionado pelo A.».
Não foram apresentadas contra alegações.
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber no caso concreto:
- Se é de alterar os pontos indicados pelos recorrentes dados como provados (em V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, DD, GG, HH, II, JJ e KK) em não provados nos termos constantes do recurso, e ainda a prova dos pontos 5., 6. e 7. dados como não provados, com a subsequente absolvição dos RR. dos pedidos formulados pela Autora;
- Se ocorre a nulidade da sentença: i) por condenar em objecto diferente do pedido; ii) por se ter pronunciado acerca de questões que não lhe foram colocadas; iii) por ter proferido uma decisão-surpresa, sem que os recorrentes tenham tido oportunidade de se pronunciarem sobre a mesma; iv) por ser tribunal a quo absolutamente incompetente para dirimir o objecto dos presentes autos, pois a competência material cabe aos Tribunais do Comercio; v) por ter inobservado o dever de gestão processual e por violação do princípio do inquisitório.
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II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os seguintes Factos:
A. O prédio misto, composto por terra de cultivo e armazéns de actividade industrial, com dois pisos, destinado a aviário e logradouro com 240,18 metros quadrados, localizado ao Sítio do …, freguesia do …, município de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …, inscrito na matriz, a parte rústica sob os artigos 59 a 61, 71, 74 e 76, todos da secção “ZZ”, e a parte urbana sob o artigo …, foi registado, pela Apresentação 571, de 23 de Junho de 2014, por sucessão hereditária e testamentária de E…, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor da Autora, da Ré R… e de L…;
B. Pela Apresentação 2031, de 24 de Maio de 2021, o prédio referido em A. foi registado a favor da Ré “A…, Lda.”, tendo como causa registada entrada de capital e como sujeitos passivos, a Autora e a Ré R…;
C. A 24 de Março de 2021, a aqui Autora, L… e sua mulher, LF… e a Ré R…, celebraram acordo escrito, que denominaram Contrato Promessa de partilha, mediante o qual acordavam que o prédio referido em A. tinha o valor de €3.375.000,00 e que esse valor devia dividir-se em duas partes iguais, sendo uma pertencente à meação da Autora e a outra à herança de E…;
D. Pelo documento referido em C., as partes acordaram na adjudicação do prédio referido em A. à Autora e que esta efectuaria o pagamento de tornas em seis prestações mensais, no valor de €72.500,00 cada, com início em Março de 2022;
E. Pelo documento referido em C. ficou acordado que a escritura definitiva de partilha seria realizada no Cartório Notarial de …, cabendo a sua marcação à Autora;
F. Sob a cláusula quinta do acordo referido em C. ficou estabelecido que L…, LF… e R… concediam poderes à Autora para proceder a diligências de registo do prédio em seu nome e para proceder à doação de quinhão hereditário;
G. A 24 de Março de 2021, L… e LF… e a Ré R… assinaram procuração através da qual conferiram à aqui Autora, para além do mais, os poderes necessários para, em seu nome e com os demais interessados ou co-herdeiros, nomeadamente com a Autora que pode fazer negócio consigo mesma, nos termos e condições que julgar convenientes, proceder a partilhas amigáveis ou judiciais, acordando sobre a composição de quinhões bem como sobre o valor dos bens a partilhar e a sua adjudicação, recebendo os seus quinhões em valor ou substância, dando ou recebendo tornas e delas dando ou recebendo quitação, nos termos, condições e valor que tiver por convenientes, podendo, para o efeito, representá-los em conferências, podendo licitar, apresentar propostas, compor quinhões, no todo u em parte, dar quitação, transigir, fazer acordos, pagar e receber tornas e podendo prometer vender e efectivamente vender, com os demais herdeiros os bens ou parte deles, pelo preço, modo e condições que tiver por conveniente, recebendo o preço e dando quitação, assinando as respectivas escrituras, requerimentos, documentos e eventuais rectificações a estes;
H. A 24 de Março de 2021, a aqui Autora e os Réus J…, JR…, R…, K…, JM…, M… e JO…. celebraram acordo escrito, denominado, Contrato de sociedade por quotas, através do qual constituíram uma sociedade comercial por quotas, denominada “A…, Lda.”, com sede na Rua …, número 21, no …;
I. Sob a Cláusula Quarta do acordo referido em H. ficou consignado que o capital social era de €1.000,00, representado da seguinte forma;
- Quotas de €100,00 pertencentes a JO…JM…. E M…;
- Quotas de €150,00 pertencentes a K… e JR…;
- Quotas de €200,00 pertencentes a aqui Autora, A…, e a R…;
J. Sob a Cláusula Oitava ficou estabelecido que a administração e a representação da sociedade são exercidas por gerentes eleitos em assembleia geral e que a sociedade se obriga com a intervenção conjunta de dois gerentes;
K. Sob a Clausula Décima ficou estabelecida a nomeação como gerentes de JO …, M…. e R…;
L. A 26 de Março de 2021, a aqui Autora, por si e em representação de L… e LF…, outorgou escritura de doação de quinhão hereditário, através da qual L… declarou doar, pelo valor de €116.624,93, à Autora o quinhão hereditário que lhe aveio por morte de seu pai, E...;
M. No dia 30 de Março de 2021, a Autora, R… JR…, K…, JM…, M… e JO… outorgaram, em nome e em representação, qualidade de únicos sócios da “A…, Lda.”, escritura pública de aumento de capital social e alteração parcial de pacto social, mediante a qual efectuaram um aumento do capital social de mil euros para um milhão de euro, sendo o aumento de capital de novecentos e nove e nove mil euros efectuado em espécie e consubstanciado na transferência para a sociedade: ( i) do prédio identificado em A., pelo valor de €399.660,00; (ii) a título de prestação de serviços e de mão-de-obra, o valor da empreitada que será projectada no imóvel, que será da responsabilidade de , JR…, K…, JM… e JO… avaliada em €599.400,00;
N. Na sequência do aumento referido em M. o capital social passou a estar representado da seguinte forma:
i. Quotas de €200.000,00, pertencentes a A… e R…;
ii. Quotas de €150.000,00, pertencentes a JR… e K…;
iii. Quotas de €100,000,00, pertencentes a JM…, M… e JO…;
O. A autora e os filhos R… e L… tinham acordado proceder à venda do prédio identificado em A.;
P. A Ré R… foi contactada por B… (namorado de uma amiga que sabia que se encontrava desempregada) para uma proposta de trabalho;
Q. R… iniciou funções na empresa do Réu JO…;
R. R… apresentou o imóvel referido em A. a JO…, que lhe pediu que lhe entregasse a documentação do imóvel para análise e para visitar;
S. No primeiro trimestre de 2021, R… disse à Autora, sua mãe, que havia uma possibilidade de negociar o prédio referido em A. para um lar de idosos;
T. A Autora e L… não contactaram o Cartório de …, para agendar ou pedir que fossem redigidos os documentos referidos em C., G. e M.;
U. Os contactos relativos ao agendamento dos actos referidos em C., G. e M. foram efectuados por R… e JO…;
V. R… e JO… não deram conhecimento à Autora de que sociedade se tratava a referida em H. e qual a sua finalidade;
W. JO…, enquanto patrão da filha da autora, a Ré R…, teve a ideia de constituir a sociedade referida em H.;
X. Os actos referidos em H. e M. foram planeados em sequência e por iniciativa da Ré R… e pelo Réu JO…;
Y. A Autora achou que iria fazer a venda do prédio referido em A. por €3.375.000,00;
Z. Os actos referidos em H. e M. não foram explicados à Autora nem com ela foram planeados;
AA. Não foi esclarecido à Autora como e quando seriam realizadas as entradas pelos restantes sócios, qual o valor real das mesmas, como seria realizada a gestão do novo empreendimento e a quem seriam atribuídas responsabilidades de maior;
BB. Não foram definidos, com a Autora, os contornos de qualquer tipo de actividade ou de investimento, não se definiu o tipo de construção, o investimento, sua forma, materiais, serviços, destinatários, mão de obra, administração;
CC. A Autora desconhecia os termos relativos à constituição da sociedade referida em M., as obrigações assumidas com a assinatura do contrato ali referido e a forma de organização e gestão da sociedade;
DD. A Autora não teve qualquer influência no âmbito da avaliação e escolha dos restantes sócios da sociedade, os quais não conhecia;
EE. Não foi realizada qualquer compra de materiais, de camas, de equipamentos, ou remodelação do local, compatível com a construção e exploração de um lar de idosos;
FF. A Autora e a Ré R… gostavam de ver o prédio referido em A. transformado em lar de idosos;
GG. Em Março de 2022, diversas pessoas disseram à Autora que o Réu JO iria vender o prédio referido em A.;
HH. Em Março de 2022, a Autora muniu-se dos documentos referidos em H. e M. e, com ajuda profissional, apercebeu-se de que fazia parte de uma sociedade, cujo fim desconhece e que havia entregue o prédio referido em A.;
II. Os actos referidos em H. e M. não eram da vontade da Autora;
JJ. Se a Autora tivesse conhecimento de que o negócio com os Réus seria nos termos referidos em H. e M. não teria celebrado os actos ali referidos;
KK. Os Réus aproveitaram-se do gosto da Autora de no prédio referido em A. existir um lar de idosos para a levarem a assinar os actos referidos em H. e M..
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Foram considerados não provados os seguintes factos:
1. A Autora não pretendia fazer uma partilha entre ela e os dois filhos;
2. A Autora não se apercebeu do alcance e da finalidade do acto referido em G. e não acordou efectuar a cessão de quinhão hereditário mencionada em L.;
3. A Ré R… colocou o prédio referido em A. à venda numa imobiliária pelo valor de €2.500.000,00;
4. Os réus pretendem, à revelia da autora, proceder à venda do prédio referido em A.;
5. Era vontade da Autora constituir uma sociedade, transmitir para a mesma a propriedade do prédio referido em A. e ali construir, a expensas dos Réus, em nome da sociedade, um Lar para idosos;
6. O projecto encontra-se em desenvolvimento, com conteúdo já apresentado à Camara Municipal de …, ao Governo Regional, através de reuniões mantidas com os respectivos Presidentes e com as várias Secretarias envolvidas, nomeadamente, a Secretaria Regional da Inclusão Social e Cidadania;
7. O projecto já fez com que fossem solicitadas à Câmara Municipal de … licenças/autorizações para proceder à limpeza do prédio referido em A. e com que os Réus já tivessem retirado o recheio do prédio urbano e limpassem a área circundante a fim de o preparar para a reabilitação;
8. A Autora não requereu a realização de assembleia geral da sociedade referida em H. para emissão da declaração mencionada no artigo 88º do Código das Sociedades Comerciais nem mencionou esse facto a qualquer sócio;
9. Durante a pandemia, no início de Fevereiro, a família foi contactada pela imobiliária Era no …, a qual havia recebido uma proposta por parte de uns Venezuelanos que pretendiam adquirir o prédio referido em A., para aí construir um lar;
10. O negócio referido em 9. não se realizou porque o prédio requeria obras;
11. L… insistia que o prédio referido em A. deveria ser vendido por €3.000.000,00;
12. Na sequência do referido em 11., a Ré R… tentou, junto de outras imobiliárias, a venda sabendo que seria improvável pelo valor ali referido;
13. O Plano Director Municipal de ...encontrava-se em revisão e tendo-se a Ré R... deslocado à autarquia para se inteirar da proposta para o local, foi aconselhada a não vender por conseguir um valor justo e que seria mais rentável propor a construção de um lar em parceria com uma construtora, cedendo o negócio e a construção existente, cabendo àquela a construção do edifício, partilhando no final o lucro;
14. Na data referida em 13. foi recomendado a R… que propusesse o ali referido à “AFA”;
15. O referido em P. ocorreu a 08 de Março de 2021, antes de a Ré fazer qualquer proposta a qualquer empresa no sentido referido em 13.;
16. O referido em Q. ocorreu no dia 16 de Março de 2021;
17. No momento referido em 16., R… tomou conhecimento de que se tratava de uma empresa de promoção imobiliária, construção e venda de imóveis, denominada “Excell” precisamente o tipo de empresa que lhe aconselharam a contactar para propor o negócio referido em 13.;
18. A Ré R… e a Autora Ré mostraram o edifício a JR…, que se fez acompanhar dos réus, JO… com a namorada e JM…;
19. O Réu JT…, após solicitar a chave, afirmou ter procedido à avaliação do imóvel e que este estaria avaliado em € 2.500.000,00;
20. Após o referido em 18. e 19. realizou-se reunião na casa da Autora, entre esta, a Ré R… e os Réus JR… e os seus dois filhos, JT e JM;
21. Na reunião referida em 26., JR… apresentou proposta para construir o lar de idosos em fases, para ir realizando o lucro até Março de 2022, apresentando estimativa de lucros iniciais e dizendo que só entraria no negócio se fosse para dividir a sociedade em 60% em seu favor, por a construção da sua responsabilidade estar avaliada em valor muito superior ao referido em 25.;
22. A Autora aceitou a proposta referida em 21.;
23. Passados poucos dias, o Réu J… e B…, contactaram a Autora com o negócio delineado, a qual estranhou a rapidez com que os mesmos avançaram;
24. O Réu J... JR… apresentou como justificação para o referido em 23., ter lucros um ano depois, pelo que teriam de iniciar a obra o mais rápido possível;
25. A Autora e a Ré R… aceitaram a proposta sabendo que o herdeiro L…, apenas estava interessado na venda da sua quota-parte;
26. O Réu JR… sugeriu e convenceu a Autora que com os lucros do negócio poderia pagar em dinheiro a quota de L… no ano seguinte;
27. Para não ter que lidar com todos os herdeiros, o RR…, sugeriu que se concentrassem poderes para a prática de actos, num único herdeiro;
28. A Autora apercebeu-se que não conseguiria pagar a quota de L… no espaço de tempo proposto pelo Réu JR…, o que a deixou bastante angustiada;
29. A Autora apercebeu-se que os Réus se revelavam incapazes de concretizar o que se vincularam e que não tinham conhecimento procedimental para uma empreitada daquela natureza.
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Mais se consignou que:
Não se elenca como provada ou não provada qualquer outra alegação efectuada pelas partes, por a mesma consubstanciar mera impugnação, extractação de documentos, explanação de matéria de direito e/ou matéria conclusiva, se referir a conceitos vagos, genéricos e/ou jurídicos e não se debruçar sobre factos essenciais à boa decisão da causa (cfr. artigos 5º, 552º, n.º1, alínea d) e 572º, alínea c), todos do Código de Processo Civil).
Igualmente se desarraigaram, na medida do possível, os factos supra elencados como provados e não provados das considerações conclusivas e/ou adjectivas que os acompanhavam na alegação das partes, para que o elencado espelhe apenas factos essenciais concretos relevantes para a decisão da causa.
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Da impugnação da decisão de matéria de facto:
No âmbito da impugnação da matéria de facto estabelece o art.º 640.º do Código de Processo Civil que: «(…), deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. E nos termos do nº 2 no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
Logo, em caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o recorrente deve identificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, não podendo limitar-se a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham para cada um desses pontos de facto fosse julgado provado ou não provado. A apresentação das transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art.º 640.º do C.P.C. ( Cfr. Acs. do S.T.J. de 19.02.2015, Proc. n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes) e Proc. n.º 405/09.1TMCBR.C1.S1 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), in www.dgsi.pt. ).
O ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, consagrado no art.º 640.º do C.P.C., impõe, sob pena de rejeição, a identificação, com precisão, nas conclusões da alegação do recurso, os pontos de facto que são objeto de impugnação. Acresce que o mesmo preceito exige ao recorrente a concretização dos pontos de facto a alterar, assim como dos meios de prova que permite pôr em causa o sentido da decisão da 1ª instância e justificam a alteração da mesma e, ainda, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre os pontos de facto impugnados. Não obstante, este conjunto de exigências reporta-se especificamente à fundamentação do recurso, não se impondo ao recorrente que, nas suas conclusões, reproduza tudo o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C. Versando o recurso sobre a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa que nas conclusões se proceda à indicação dos pontos de facto incorrectamente julgados e que se pretende ver modificados (Cfr. Ac. do STJ de 03.12.2015, , in www.dgsi.pt. ). Por outro lado, há que considerar que nos termos estabelecidos no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 12/2023, de 17/10/2023, publicado no Diário da República n.º 220/2023, Série I de 2023-11-14, no qual se uniformizou a seguinte  jurisprudência: Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa.
Salienta- se assim, que o S.T.J. «tem vindo a sedimentar como predominante o entendimento de que as conclusões não têm que reproduzir (obviamente) todos os elementos do corpo das alegações e, mais concretamente, que a especificação dos meios de prova, a indicação das passagens das gravações e mesmo as respostas pretendidas não têm de constar das conclusões, diversamente do que sucede, por razões de objectividade e de certeza, com os concretos de facto sobre que incide a impugnação.»( Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2018, p. 771; cfr. ainda os Acs. do S.T.J. citados pelos Autores).
Assim, se o recorrente impugna determinados pontos da matéria de facto, mas não impugna outros pontos da mesma matéria, estes não poderão ser alterados, sob pena de a decisão da Relação ficar a padecer de nulidade, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do C.P.C. É, assim, dentro destes limites objectivos que o art.º 662.º do C.P.C. atribui à Relação competências vinculadas de exercício oficioso quanto aos termos em que pode ser feita a alteração da matéria de facto, o mesmo é dizer, quanto ao modus operandi de tal alteração.
Acresce que a impugnação de factos que tenham sido considerados provados ou não provados e que não sejam importantes para a decisão da causa, não deve ser apreciada, na medida em que alteração pretendida não é susceptível de interferir na mesma, atenta a inutilidade de tal acto, sendo certo que de acordo com o princípio da limitação dos actos, previsto no art.º 130.º do Código de Processo Civil não é sequer lícita a prática de actos inúteis no processo ( cf. entre outros Acórdão do STJ de 17/05/2017).
Feito este enquadramento, haverá que aferir quais os pontos concretos que devem ser apreciados por este tribunal.
Insurgem-se os recorrentes com a resposta dita positiva ou constante dos seguintes pontos:
V. R…s e JO… não deram conhecimento à Autora de que sociedade se tratava a referida em H. e qual a sua finalidade;
W. JO…, enquanto patrão da filha da autora, a Ré R…, teve a ideia de constituir a sociedade referida em H.;
X. Os actos referidos em H. e M. foram planeados em sequência e por iniciativa da Ré R… e pelo Réu JO…;
Y. A Autora achou que iria fazer a venda do prédio referido em A. por €3.375.000,00;
Z. Os actos referidos em H. e M. não foram explicados à Autora nem com ela foram planeados;
AA. Não foi esclarecido à Autora como e quando seriam realizadas as entradas pelos restantes sócios, qual o valor real das mesmas, como seria realizada a gestão do novo empreendimento e a quem seriam atribuídas responsabilidades de maior;
BB. Não foram definidos, com a Autora, os contornos de qualquer tipo de actividade ou de investimento, não se definiu o tipo de construção, o investimento, sua forma, materiais, serviços, destinatários, mão de obra, administração;
CC. A Autora desconhecia os termos relativos à constituição da sociedade referida em M., as obrigações assumidas com a assinatura do contrato ali referido e a forma de organização e gestão da sociedade;
DD. A Autora não teve qualquer influência no âmbito da avaliação e escolha dos restantes sócios da sociedade, os quais não conhecia;
EE. Não foi realizada qualquer compra de materiais, de camas, de equipamentos, ou remodelação do local, compatível com a construção e exploração de um lar de idosos;
FF. A Autora e a Ré R… gostavam de ver o prédio referido em A. transformado em lar de idosos;
GG. Em Março de 2022, diversas pessoas disseram à Autora que o Réu JO… iria vender o prédio referido em A.;
HH. Em Março de 2022, a Autora muniu-se dos documentos referidos em H. e M. e, com ajuda profissional, apercebeu-se de que fazia parte de uma sociedade, cujo fim desconhece e que havia entregue o prédio referido em A.;
II. Os actos referidos em H. e M. não eram da vontade da Autora;
JJ. Se a Autora tivesse conhecimento de que o negócio com os Réus seria nos termos referidos em H. e M. não teria celebrado os actos ali referidos;
KK. Os Réus aproveitaram-se do gosto da Autora de no prédio referido em A. existir um lar de idosos para a levarem a assinar os actos referidos em H. e M..
Pretendendo que os factos aí contidos mereçam resposta negativa e ainda que se considerem provados os pontos 5., 6. e 7., a saber:
5. Era vontade da Autora constituir uma sociedade, transmitir para a mesma a propriedade do prédio referido em A. e ali construir, a expensas dos Réus, em nome da sociedade, um Lar para idosos;
6. O projecto encontra-se em desenvolvimento, com conteúdo já apresentado à Câmara Municipal de …, ao Governo Regional, através de reuniões mantidas com os respectivos Presidentes e com as várias Secretarias envolvidas, nomeadamente, a Secretaria Regional da Inclusão Social e Cidadania;
7. O projecto já fez com que fossem solicitadas à Câmara Municipal de ... licenças/autorizações para proceder à limpeza do prédio referido em A. e com que os Réus já tivessem retirado o recheio do prédio urbano e limpassem a área circundante a fim de o preparar para a reabilitação.
No corpo das suas alegações a alteração almejada assenta no teor do contrato promessa de partilha, a procuração, a escritura de Doação de quinhão hereditário, todos actos notariais, pelo que concluem que a recorrida sabia e conhecia estes documentos que assinou nem os põe em causa, pelo que entendem que a mesma sabia igualmente que estava a constituir uma sociedade em conjunto com os recorrentes. Dizendo que era essa a vontade da recorrida, conforme declarou, que assim o queria celebrar, assinou o respectivo documento, sem nenhuma reserva, sem nenhum vicio e na presença da oficial de registos A… e apresentou o seu cartão de cidadão. O mesmo ocorrendo com a escritura de aumento de capital e alteração parcial do pacto social, concluindo dessa forma que “resulta assim claro de todo o exposto supra que a recorrida celebrou todos os negócios sem qualquer vício, segundo a sua convicção, segundo a sua vontade, sem pressões, bem informada, tendo perfeito conhecimento dos negócios que estava a celebrar”, limitando-se a convocar os documentos onde foram exaradas tais declarações de vontade e negócios. Mais afirmaram que “ainda que existisse algum erro, o que não se concede, o certo é que os RR. desconheciam por completo esse erro e como tal não lhes pode ser oponível”. No mais conclui com base nos mesmos documentos que existia um “Projecto este que se encontra em desenvolvimento e cujo conteúdo já foi apresentado à Câmara Municipal de R... ao Governo Regional, através de reuniões mantidas com os respectivos Presidentes e com as várias Secretarias envolvidas, nomeadamente, a Secretaria Regional da Inclusão Social e Cidadania”, e que também resultam os demais factos contidos nos pontos 6. e 7. dos factos não provados, sempre convocando apenas os documentos juntos sob os nºs 2 a 9 da petição inicial. No recurso também aludem que a A. “não pode invocar desconhecimentos, erros, vícios, desconformidades, ou seja o que for, na sua vontade, sob pena de agir em manifesto abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprio, abuso de direito do qual os recorrentes se prevalecem para todos os efeitos legais”, sem contudo concretizarem em que baseia tal alegação, pois ou os vícios de vontade não existem, ou se estes existem não vislumbramos em que consiste o abuso de direito na sua afirmação pela recorrida. Logo, entendem que não pode a recorrida entender que os vícios não ocorrem nos primeiros negócios celebrados, mas tal já ocorre naqueles que são postos em causa nestes autos, dizendo que “estes últimos são decorrência e consequência necessária daqueles primeiros negócios (contrato-promessa de partilha, procuração, doação do quinhão hereditário)”.
Quanto à prova testemunhal invoca o depoimento da notária C…, que apenas afirmou a inexistência de reservas ou de coacção, como aliás seria de esperar, sob pena de a própria incorrer em responsabilidade, dizendo que o teor dos documentos “Passa no ecrã da televisão do plasma que eu tenho na sala de escrituras e se tem dúvidas esclarecem no momento, não sei precisar ao certo se foi o caso. Mas normalmente quando têm dúvidas ou reservas perguntam se não quiserem assinar, não assinam, se eventualmente mostram demasiadas reservas aconselho a virem acompanhados de um advogado ou de procurador habilitado para isso”.
Referem ainda o depoimento da testemunha A…, funcionária da empresa na hora, sendo que esta testemunha se limitou a referir que os documentos foram assinados presencialmente e que os dados foram facultados pelos envolvidos, previamente.
Na motivação de tais pontos, quer os dados como provados, quer os não provados, o Tribunal a quo fundamenta-se no seguinte: ”Atentou, igualmente, o Tribunal, para formar a sua convicção quanto ao ali elencado e quanto ao exarado como provado em U., V., W., X., Y., Z., AA. a DD. (inclusive), FF., HH, II., JJ., KK. e como não provado em 2., 5., 20, 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., na análise cotejada de tais elementos documentais com os depoimentos de A… (amiga do filho da Autora, L…), de L… (filho da Autora) e de B… (amigo da Ré … e colaborador do Réu JR…).
A… foi clara no seu depoimento e na explicação que deu, no sentido de ter sido abordada por L..., a fim de analisar uma documentação que tinha sabido que a sua mãe tinha assinado, tendo falado directamente com a Autora e tendo-se apercebido, pelo estado de angústia e de surpresa que esta evidenciou quando lhe explicou o teor expresso e definitivo da documentação que analisou, que a Autora não tinha tido consciência do que assinara e do que fora por si acordado com os aqui Réus.
Também do depoimento de L... ( filho da Autora), resultou que este não se apercebeu, na sua total extensão e nos seus verdadeiros contornos, do que fora negociado pela Autora e pela sua irmã, sendo que se muniu de documentação e tentou perceber o que fora, afinal negociado, quando foi contactado por um amigo que lhe comunicou que tinha visto que o prédio referido em A. estava à venda.
A testemunha foi clara no seu depoimento, no que respeita ao momento em que a Autora (sua mãe) teve efectivo acesso aos documentos que assinara, referindo que a Ré R... (sua irmã) apenas lhos entregou no início do ano de 2022 (referindo os meses de Fevereiro ou Março). Mais disse que a Autora não ficara ciente de que se tornara sócia de uma sociedade, referindo que esta apenas tivera a noção de que o prédio referido em A., ia ser usado para construir um lar de idosos e que iria ser pagar assim que o referido Lar começasse a dar lucro.
A testemunha foi ainda peremptória no sentido de que a Autora tivera uma conversa com B… sobre o prédio referido em A. e que dela não resultara que ficaria sócia, acrescentando que por aquele fora posta a hipótese de venda do prédio ou de pagamento através de uma parte dos lucros, mas sem mais esclarecimentos ou explicações.
Tomou, igualmente, o Tribunal em linha de consideração, as declarações da Ré R…, na parte em que, por claras e sustentadas por outros elementos de prova credíveis, nos pareceram verosímeis.
A Ré, que começou por referir que a Autora tudo percebeu e que o negócio ficara – nas suas próprias palavras – clarinho, quando confrontada com questões relacionadas com os termos específicos do que fora acordado com a Autora, sobre o que esta efectivamente se comprometera e do que por esta fora querido e apreendido, dos vários actos por si celebrados, revelou um depoimento vago e pouco consubstanciado, tendo acabado por referir que quem explicara o que iria acontecer à Autora, como é que o negócio e o tipo de negócio ia ser feito fora a testemunha B....
A Ré, admitiu, no entanto, que tinha sido ela quem havia contactado o Cartório Notarial e obtido os documentos, assumindo que os não havia dado à Autora para análise prévia ou explicado o que neles se dizia, acabando por admitir que a Autora a culpa de ter assinado os documentos em causa, por ter confiado nela e na sua actuação.
Destas declarações ficou, igualmente, claro que esta Ré não tinha, ela própria, a noção do que havia assinado, tendo resultado do seu depoimento que não sabia que o prédio referido em A. estava, em momento anterior à assinatura do acto mencionado em M., também em seu nome, nem tendo noção de que fora nomeada gerente da sociedade identificada em H..
Ponderou, igualmente, o Tribunal, o depoimento de B... que, de forma clara e espontânea, assumiu ter levado a Autora ao Cartório Notarial de …, referindo que o fez a pedido da Ré R.... Inquirido sobre se explicara à Autora que actos iam ser praticados e que negócios iam ser celebrados, foi peremptório na sua resposta, esclarecendo que se limitou a levar a Autora, não tendo falado com ela sobre nenhum aspecto do que iria ser feito no Cartório Notarial.
Mais disse, directamente questionado sobre o assunto, que em momento algum explicou à Autora qualquer aspecto dos actos celebrados, referindo que apenas a abordou no sentido de apresentar a ideia de construir um lar de idosos no prédio referido em A., mas sem que tivesse esclarecido os termos e os contornos do contrato. A testemunha disse, até, a determinada altura do seu depoimento, que havia um elemento da família a seguir o negócio e que apenas apresentou o conceito geral do negócio, sendo que os seus termos seriam colocados em papel e explicitados mais tarde, afirmando não ter sido ele quem o fez.
Ouvido em declarações, JR..., quando perguntado sobre se havia explicado à Autora o que iria ser feito, declarou de forma expressa, que pouco havia que explicar, acrescentando que a Autora tinha necessidade de vender a sua propriedade e ele tinha a oportunidade de nele construir um lar, algo que àquela agradava.
O Réu referiu ainda que a Ré R... esteve sempre presente nas reuniões havidas e ao corrente do que se passava, mas nada mais acrescentou quanto a eventuais conversações e explicações havidas com e dadas à Autora.
Não mencionou o Réu a existência da reunião referida em 20., 21. e 22, com os contornos e conteúdos ali mencionados, sendo que nem este Réu, nem a Ré R...  nem a testemunha B... mencionaram a sua existência, com aqueles contornos,
extensão e intenção, sendo que nenhum outro elemento de prova que corroborasse o ali mencionado foi trazido aos autos.
Do cotejo destes elementos resultou claro que o Réu J... não reuniu com a Autora e demais pessoas ali mencionadas, nos termos ali referidos e, muito menos, que a explicação constante de 21., 23 e 24. foi dada à Autora e por esta aceite, juntamente com a proposta ali referida.
Igualmente não mencionaram o referido em 23., 24., 25., 26., 27., sendo que nenhuma das testemunhas inquiridas revelou possuir conhecimento que sustentasse a versão ali mencionada.
Das declarações dos Réus e do depoimento de B... resultou apenas que a Autora não pretendia ter o seu filho envolvido no que quer que fosse decidir sobre o prédio mencionado em A., não se tendo comprovado que a cessão de quinhão hereditário tenha resultado do mencionado em 25., 26. e 27..
Do cotejo de todos estes elementos probatórios resulta claro que à Autora não foi explicado o teor dos negócios referidos em H. e M. ( recorde-se, como supra se deixou já explanado, que a Ré R... disse que quem lhe iria explicar o negócio era B... e este disse, de forma expressa, que nada explicou, apenas tendo apresentado um plano geral e genérico, sendo que outra pessoa lhe apresentaria o plano concreto de actuação).
Também o Réu JR... reconheceu nada ter explicado à Autora, sendo que a Ré R... até esclareceu essa falta de explicação presencial por parte deste Réu pela circunstância de o Réu não falar português e a Autora não falar espanhol.
Analisou, ainda, o Tribunal o depoimento de L…(que efectuou o relatório necessário à realização da entrada em espécie referida no aumento de capital exarado em M.), de que resultou que o referido relatório foi encomendado com nota de urgência, que em momento algum contactou com a Autora ou alguém da sua família ou, sequer, se deslocou ao prédio em causa, tendo tudo sido efectuado em função do que lhe fora entregue e pedido por J..., em reuniões presenciais com ele havidas e, também por pessoa que o acompanhava, de nome B…, a quem enviou o relatório e de quem recebeu alguns telefonemas relacionados com a questão em análise.
Recorde-se que o relatório em causa – apresentado aos autos com a Petição Inicial – foi elaborado a 30 de Março de 2021, ou seja, no próprio dia em que foi celebrado o acto
referido em M., tudo corroborando a ideia de que se tratou de uma sucessão muito rápida de actos.
Cotejados todos estes elementos, entendeu o Tribunal ter-se produzido prova sustentada e credível do mencionado em U., V., W., X.,Y. Z., AA. a DD. (inclusive), FF., HH, II., JJ., KK., contrariando a prova assim produzida o mencionado em 2., 5., 20, 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27., não tendo os Réus carreado aos autos prova credível e bastante que os sustentasse.
Não deixou o Tribunal de ponderar o depoimento de A… (funcionário da Direcção-Regional dos registos, em exercício de funções no serviço de empresa na hora) e de C… (respectivamente Notária e adjunta de Notária no Cartório Notarial de …).
Contudo, a verdade é que A… nada se recordava quanto ao acto mencionado em H., tendo apenas referido que o acto é feito no momento em que as pessoas ali se deslocam, esclarecendo, no entanto, que nada é por si explicado.
Por seu turno, C… de nada se lembrava em específico do acto mencionado em M., tendo apenas referido que efectua as escrituras lendo-as e passando-as no ecrã e que, na eventualidade de alguém levantar questões ou mostrar dúvidas, as não realiza. Sobre o caso em concreto, porém, a testemunha nada soube explicar.
O assim declarado foi corroborado por M… que referiu a leitura e projecção no ecrã, sendo que, de concreto, sobre em acto em si, nada soube esclarecer.
Atentou, ainda, o Tribunal na circunstância de M… ter expressamente referido ter trocado as minutas dos contratos com a Ré R... e que os documentos foram deixados por B... (sendo que apenas com estas duas pessoas contactou) e, bem assim, as declarações de R...  no sentido de que esta testemunha (funcionária do cartório) deu sugestões sobre como formalizar o que era pretendido pelos Réus, resultando, assim, claro que a Autora e o Réu L…não contactaram o Cartório Notarial nem falaram com pessoas com este ligados quanto aos actos ali formalizados.
Do cotejo destes elementos testemunhais e documentais entendeu o Tribunal não resultar prova sustentada e credível capaz de abalar a convicção formada, em conformidade com o que supra se deixou explanado, quanto aos factos elencados em U., V., W., X., Y., Z., AA. a DD. (inclusive), FF., HH, II., JJ., KK..
Recorde-se que toda a negociação foi efectuada em menos de um mês, que a Ré R...  esteve sempre a acompanhar o processo e que esta é filha da Autora (portanto, pessoa próxima e da sua confiança), que por esta Ré (e o Réu JR...) foi assumido ser conhecido que a Autora pretendia vender o prédio referido em A. e que a ideia de ali ver instalado um lar era algo que lhe era particularmente caro e que, do cotejo dos elementos que supra se deixaram analisados, resultou claro que a pessoa que era suposto tudo ter esclarecido à Autora (B...) assumiu, afinal, nada lhe ter explicado e que a pessoa da confiança da Autora (a Ré R...), afinal também não sabia os contornos do que se havia negociado nem os termos do que fora negociado para a poder esclarecer.
Mais se ponderou que a intenção da Autora era vender o prédio referido em A. e que a ideia de ali ser construído um lar lhe agradava. Se a essa circunstância juntarmos a circunstância de a única coisa que lhe foi dito foi que havia a possibilidade de no prédio construir um lar, sem nada mais acrescentar ou esclarecer, mostra-se credível que a Autora tivesse pensado que se encontrava a ceder o prédio, pelo valor que lhe atribuía, tendo compreendido que seria paga – como, ademais, a testemunha L… referiu ter sido dito à Autora por B... – com os lucros que o referido lar viesse a gerar. Nem se diga, como sugerem os Réus, que a Autora era uma mulher de negócios e que percebia de sociedades e de actos societários, na medida em que a única prova que se produziu quanto a esse aspecto - através dos depoimentos dos seus filhos – é que aquela havia herdado o negócio de família e o geria. A Autora revelou ser uma pessoa que, por forças das circunstâncias, se viu à frente de um empresa familiar, sem que se tivesse demonstrado que se mostrava versada ou conhecedora do que eram sociedades comerciais, trâmites da sua constituição e composição ou actos societários (tanto mais que os actos forma marcados por outros, não lhe foram explicados e até a análise avaliativa do prédio referido em A. foi feita à sua revelia, por pessoas para o efeito contratadas pelo Réu JR...).
Não se esquece o Tribunal a natureza de documento autenticado e autêntico, referidos em H. e M.; não pode, porém, deixar de recordar que a força probatória plena de um documento não exclui que as declarações nele contidas estejam inquinadas, por erro ou vício de vontade, cuja demonstração é susceptível de ser feita por prova testemunhal e, bem assim, que o valor probatório pleno abrange os factos que nele se referem como sendo praticados pelo notário, designadamente que foi lido e explicado o documento.
Tudo ponderado – não tendo sido alheia a esta apreciação a circunstância de toda a formalização ter sido efectuada em menos de um mês e sem que houvesse, afinal, quem explicasse à Autora os termos e os contornos dos actos formalizados ou que a consultasse a fim de aferir os seus contornos ou colher a sua opinião sobre eles – concluiu o Tribunal ter a Autora cumprido com aquele que era o seu ónus de prova, tendo carreado aos autos prova sustentada e credível do mencionado em U., V., W., X., Y., Z., AA. a DD. (inclusive), FF., HH, II., JJ., KK., não tendo os Réus trazido aos autos prova credível e sustentada do mencionado em 2., 5., 20, 21., 22., 23., 24., 25., 26., 27..
Ponderou o Tribunal, para formar a sua convicção quanto ao elencado em O., Q., R., S., T., GG., o teor das declarações da Ré R... que as corroborou e, bem assim, o depoimento de M… (consultor imobiliário) e de L....
Do cotejo destes elementos resultou claro que a vontade da Autora era vender o prédio referido em A., tendo sido consultada a testemunha M… nesse sentido.
Mais resulta ter sido esta testemunha quem alertou, em Fevereiro ou Março de 2022, o filho da Autora para a circunstância de o prédio identificado em A. estar a ser anunciado para venda, na sequência do que este se muniu dos documentos e pediu à testemunha A… para os analisar e falar com a Autora, tendo sido nessa altura que ambos souberam do que efectivamente havia sido formalizado.
No que respeita ao elencado em P. ponderou o Tribunal o depoimento de B... e as declarações da Ré R...que corroboraram o ali mencionado. Quanto ao referido em EE., ponderou o Tribunal as declarações dos Réus R... e JR... que, de forma unânime, assumiram a inexistência de qualquer início do projecto de construção e exploração do lar. Relativamente aos factos elencados em 1., 3., 4., 8., 9., 10., 11., 12., 15., 16., 17., 18., 19., 28. e 29., ponderou o Tribunal a total ausência de prova que os sustentasse, na medida em que nenhuma das testemunhas sobre eles se pronunciou ou revelou possuir conhecimento credível e sustentado e nenhum outro elemento de prova, capaz de os comprovar, foi carreado aos autos.
Quanto ao mencionado em 6.,7., 13. e 14. atentou o Tribunal na ausência de prova que o corroborasse, na medida em que as testemunhas inquiridas não revelaram possuir conhecimento sustentado sobre o ali mencionado e nem mesma a Ré R..., ouvida em declarações, relatou os factos ali mencionados, com os contornos e extensão ali exarados.”.
Do cotejo desde logo da prova indicada, mormente a prova testemunhal transcrita no corpo das alegações, resulta desde logo que haverá que confirmar a convicção e motivação do tribunal a quo, não sendo os argumentos agora expendidos pelos recorrentes de molde a alterarem, em sede de Recurso, o que ficou provado na 1ª Instância.
Com efeito, não vislumbramos como se pode pretender que se extrapole que considerando a A. válidos o contrato promessa de partilha, a procuração e a escritura de doação do quinhão, se entenda que todos os demais serão igualmente considerados válidos. Em primeiro lugar, tais actos negociais não envolvem os Réus (salvo a ré, filha da Autora, que confessou os factos em causa nos autos) pelo que se desconhece em que termos foram ou não realizados e se a Autora os considera ou não válidos, outrossim, percorrendo a petição inicial a Autora põe em causa tais instrumentos negociais, ainda que que tal alegação não faça parte do thema decidedum. Em segundo lugar, os mesmos actos não foram realizados em simultâneo e dos mesmos não resulta em concreto que tipo de negócio futuro visavam, pois nada se alude nos instrumentos negociais que alegadamente a Autora admite ter realizado. Aliás, tais actos seriam compatíveis com a eventual venda do imóvel, tal como a Autora alegava e que considerava que iria ser feito. Acresce que nunca tal documentação permitiria a resposta positiva aos pontos 6. e 7., pois a existência ou não de projectos, reuniões, licenças ou a realização pelos RR. de operações de limpeza no terreno não resultam manifestamente de tal documentação, nem os recorrentes invocam qualquer outra que a sustente (ainda que se aprecie infra a questão suscitada quanto ao poder inquisitório do Tribunal). A invocação da documentação junta sob os nºs 2 a 9 da petição inicial para a infirmação de uns factos e a afirmação de outros é claramente insuficiente, inexistindo nesses documentos o que os recorrentes pretendem que se prove com os mesmos. Na verdade o doc. 2 reporta-se à inscrição do imóvel e seus registos, o doc. 3 é o contrato promessa de partilha onde se estabelece a promessa futura da forma de realizar a partilha, o doc. 4 e 5 são as procurações emitidas pelos filhos à Autora tendo em vista a partilha, nada se aludindo aos negócios celebrados posteriormente e ora postos em causa. O doc. 6 é o contrato de constituição da sociedade por quotas, nada se aludindo sobre estes factos, estabelecendo-se a forma de constituição e tudo o que com a mesma se reporta, nomeadamente quer objecto, sede e gerência. O doc. 7 é a doação do quinhão feito pelo filho (que não é parte nesta acção) à ora Autora, sua mãe, nada resultando nos termos pretendidos. Quanto aos doc. 8 e 9, o primeiro é relativo ao aumento de capital e o segundo reportado com este é o relatório do Revisor oficial de contas (ROC).
Quanto à prova testemunhal indicada pelos recorrentes é manifesto que da mesma
não resulta a prova nos termos pretendidos. Por um lado, a notária que presidiu e chancelou os actos conferindo-lhes fé pública, nada sabia em concreto, limitando-se a afirmar o que ocorre normalmente, dizendo que o texto das escrituras celebradas passa no ecrã e que os interessados podem colocar as dúvidas que entenderem, o que resulta evidente, sob pena de praticar actos que violam as regras quer deontológicas, quer legais, com a consequente responsabilidade. É certo que poderíamos considerar que tendo a Autora preparado os documentos ou tendo previamente conhecimento dos mesmos, não seria verosímil a sua afirmação que desconhecia e não pretendia praticar os mesmos da forma como resulta dos actos cujo vício invoca nos autos. Porém, é a própria notária C…. que afinal na troca de e–mails e envio de minutas em momento algum admite que o fez relativamente à Autora. O mesmo ocorre com o depoimento da funcionária do organismo onde se realizaram as escrituras e actos, referindo esta a forma como as coisas decorrem, sem se circunscrever em concreto a este acto, ainda que tivesse dito que tudo correu na normalidade, frise-se, como era expectável que fosse afirmado, mas sem que tal signifique o que quer que seja quanto à vontade e esclarecimento da a. no caso concreto.
De tudo o exposto, improcede a pretendida alteração factual, devendo proceder-se à apreciação das nulidades arguidas e seguidamente aferir da subsunção dos factos ao direito.
*
III. O Direito:
Além da reapreciação da matéria de facto e a inerente pretensão de alteração pretendida em sede de recurso, os recorrentes suscitam nulidades à decisão, que se passam a abordar especificamente.
Os recorrentes assacam à sentença  a nulidade por condenar em objecto diferente do pedido.
Refere que a A. na petição inicial formulou os seguintes pedidos: “a) ser declarado anulado o negócio jurídico relativo à constituição da sociedade por quotas “A…, Lda.”, e consequentemente anulado o negócio do aumento de capital, com as demais consequências legais; b) regressar ao património da autora o prédio identificado no artigo 1º desta p.i., anulando-se o registo a favor da ré sociedade, ordenando-se o registo a favor da autora, na proporção do direito que lhe pertencia.”. Porém, o Tribunal na sentença decidiu: “i. Declara-se a existência de erro na celebração do contrato de constituição da sociedade por quotas referido em H. dos factos provados e na celebração do contrato de aumento de capital e alteração parcial de pacto social, referido em M. dos factos provados; ii. Na sequência do referido em i. e do preceituado pelo artigo 45º, do Código das Sociedades Comerciais, o direito da Autora de declaração de anulabilidade dos actos mencionados em H. e M. fica substituída pelo direito a ver-se exonerada da sociedade identificada em H. e a ser-lhe restituído tudo o que prestou, o que se condena os Réus a reconhecer; iii. Na sequência do referido em i. e em ii., o prédio identificado em A. deve ser restituído ao seu estado anterior – referido em A. -, condenando-se os Réus a restituí-lo à Autora, na proporção referida L..”.
Entendem os recorrentes que o Tribunal a quo decidiu em objecto diferente do pedido, pois o tribunal não anulou o negócio jurídico relativo a constituição da sociedade por quotas, não mandou anular o negócio do aumento de capital e não mandou anular o registo do prédio a favor da Ré “A…, Lda.”. Mais aludiram que o Tribunal a quo decide com base no artigo 45º do Código das Sociedades Comerciais, quando, ao longo das várias peças processuais presentes nos autos, verifica-se que a A. nunca alegou / peticionou / ou sequer levantou a questão da sua própria exoneração da sociedade em virtude do suposto erro seja ele qual for, erro que, em boa verdade, também não peticionou fosse declarado. Convoca o decidido no acórdão do Supremo Tribunal de justiça proferido pela 7ª secção no âmbito dos autos com o nº 2827/14.7T8LSB.L1.S1, no qual se alude o que constitui a nulidade prevista no art.º 615º, nº 1, alínea e), do CPC, e o subsequente desrespeito pelo princípio do nº 1, do art.º 609º, do Código de Processo Civil, aludindo ainda ao Acórdão do Supremo Tribunal de justiça proferido pela 2ª secção no âmbito dos autos com o nº 633/15.0T8VCT.G1.S1, concluindo pela nulidade por ter condenado os RR. em objecto diferente do peticionado.
Resulta do articulado da Autora a enunciação quer factual, mormente art.º 42º a 51º, 54º, 63º e 65º, bem como a enunciação jurídica do erro-vício nos art.ºs 56º e ss. da petição inicial, pelo que não colhe o argumento da ausência de alegação de tais factos.
Quanto ao pedido este constitui o elemento identificador das acções, é este o círculo dentro do qual o tribunal se tem de mover para dar solução ao conflito de interesses que é chamado a decidir. Nas lições de Anselmo de Castro ( in “Direito Processual Civil Declaratário, pág. 2001 e ss.) por pedido, porém, tanto se pode entender as providências concedidas pelo juiz, através das quais é actuada determinada forma de tutela jurídica (condenação, declaração, etc.) ou seja, a providencia que se pretende obter com a acção; como os meios através dos quais se obtém a satisfação do interesse à tutela, ou seja, a consequência jurídica material que se pede ao tribunal para ser reconhecido. O primeiro é o objecto imediato; o segundo é o objecto mediato, sendo que para determinar o petitum concorrem ambos os aspectos.
Com efeito, o pedido está ligado ao princípio do dispositivo, sendo este um dos princípios nucleares do processo civil e significa que as partes dispõem do processo e da relação jurídica nele controvertida. Como bem aludia Manuel de Andrade ( in “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 373 a 374), na visão conservadora e liberal o processo “é uma luta, um duelo entre as partes, que apenas tem de decorrer segundo certas normas”, em que o juiz arbitra a pugna, controlando a observância dessas normas e assinalando e proclamando o resultado –  daí a inércia, inactividade ou passividade do juiz, em contraste com a actividade das partes e, outrossim, que a sentença procure e declare a verdade formal (intra processual) e não a verdade material (extra processual)”.
Actualmente, reforçada pelos princípios que enformam o actual Código de Processo Civil, haverá um equilíbrio entre o princípio do dispositivo com o do inquisitório, mas tendo sempre em vista a justa composição do litígio, mas igualmente a igualdade das partes.
Como bem se refere no Acórdão do STJ de 29/09/2022 (proc. nº 605/17.0T8PVZ.P1.S1) “Com efeito, essa concepção liberal do princípio do dispositivo, dominada pela passividade do juiz, em que às partes é concedido o controlo sobre o processo e sobre os factos relevantes para a resolução do litígio e que minimiza o papel do juiz e dos terceiros para essa resolução, em que a legitimação da decisão está unicamente dependente da observância das regras e dos pressupostos processuais, não tem presente o interesse público que subjaz a todo e qualquer processo, em que a finalidade última é a de dirimir um conflito com vista a alcançar a pacificação social entre os litigantes, em particular, e da sociedade em geral e que essa pacificação só será efectivamente alcançada quando o processo assegure a obtenção da verdade formal, intra processual, mas acautele também a verdade material e a consequente obtenção de decisões materialmente justas.
De resto, essa concepção tradicional e liberal da figura do juiz enquanto “boca da lei” ignora que a actividade deste não é, sequer nunca foi, puramente neutra, uma vez que entre a lei e a respectiva aplicação se interpõe necessariamente uma actividade intermediadora do juiz, que é a actividade interpretativa da lei, a qual nunca é neutra, sequer imune a uma determinada ideologia, resultante da inserção do juiz na concreta comunidade histórica em que se insere.
Deste modo, há muito que se abandonou a concepção liberal de processo, assente exclusivamente no princípio do dispositivo e se tem paulatinamente avançado para um sistema misto, em que aquele princípio tem vindo sistemática e progressivamente a ser mitigado pelo princípio do inquisitório, de que a Lei n.º 41/2013, de 26/06, é exemplo, ao dar passos decisivos no sentido dessa mitigação, ao libertar as partes e o juiz de espartilhos processuais, os quais acabam por promover a prolação de decisões de forma em detrimento das substantivas e reforçando os poderes do juiz.”.
Também Teixeira de Sousa ( in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 59) alude que que no sistema actual “as partes repartem com o tribunal o domínio sobre o processo e elas próprias são consideradas uma fonte de informações relevantes para a decisão da causa; - as partes e terceiros estão obrigados a um dever de cooperação com o tribunal; - a legitimação da decisão depende da sua adequação substancial e não apenas da sua correcção formal; - as regras processuais podem ser afastadas quando não se mostrem idóneas para a justa composição do litígio”.
No entanto, sempre estará subjacente no âmbito processual e como decorrência do princípio do dispositivo o princípio do pedido, de acordo com o qual o tribunal não pode resolver qualquer conflito de interesses que a acção pressupõe sem que essa resolução lhe seja pedida (art.º 3º, n.º 1 do CPC), o que quer dizer que o processo só se inicia sob o impulso das partes, mediante o respectivo pedido, e não sob o impulso processual do próprio juiz.
Logo, haverá que considerar em tal binómio quer “o conflito de interesses”, bem como a delimitação da relação jurídica controvertida, na qual se inclui quer o alegado pela parte activa do processo, quer ainda o alegado na defesa que venha a ser apresentada pelo Réu, consubstanciando-se o pedido com base em tais premissas.
A actuação permitida ao juiz neste âmbito sai reforçada desde o Assento n.º 4/95, do STJ. de 28/03/1995, Publicado no DR, I-A série de 17/05/1995 (actualmente, com valor de acórdão uniformizador de jurisprudência), onde se decidiu que “quando o tribunal conhecer oficiosamente da nulidade do negócio jurídico invocado no pressuposto da sua validade, e se na ação tiverem sido fixados os factos materiais, deve a parte ser condenada na restituição do recebido, com fundamento no n.º 1 do art.º 289º do CC”, e bem assim no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/2001, de 23/01/2001, este publicado no DR I-A, de 09/02/2001, ali se decidindo que “tendo o Autor, em ação de impugnação pauliana, pedido a declaração de nulidade ou anulação do ato jurídico impugnado, tratando-se de erro na qualificação jurídica do efeito pretendido, que é a ineficácia do ato em relação ao autor (n.º 1 do art.º 616º do CC), o juiz deve corrigir oficiosamente tal erro e declarar tal ineficácia, como permitido pelo art.º 664º do CPC”.
Haverá ainda que considerar os casos de admissibilidade de pedidos implícitos que se afigurem como pressupostos dos pedidos expressamente formulados ou se retirem, por dedução ou interpretação, da alegação formulada pela parte, neste caso o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26-01-2012 (Processo n.º 1790/2002.L1.S1, não publicado na “dgsi”), com a seguinte conclusão:“(...) VI - Ainda que a Autora, na petição inicial, não tenha expressamente formulado um pedido de condenação dos Réus a verem decidida a nulidade dos contratos, o certo é que o pedido de condenação solidária dos Réus na restituição das quantias entregues a título de preço e despesas feitas com a celebração do negócio, implica – para a sua procedência – que o tribunal conheça e declara os negócios celebrados como nulos. VII - Trata-se de um pedido implícito, circunstancial, não autónomo, entendido como pressuposto do pedido expressamente formulado, cujo conhecimento se impõe como via de acesso ao conhecimento deste.”
Logo, haverá que lançar mão das regras de interpretação também no que concerne à petição inicial, dado constituir a mesma um acto jurídico, logo em conformidade com as regras hermenêuticas previstas nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil (por remissão operada pelo artigo 295.º do mesmo Código). Note-se que a referência ao artigo 236.º do CC interessa neste contexto (o da interpretação de acto processual correspondente a um articulado) como via para afirmar a relevância de um sentido normal da declaração na compreensão do efectivo sentido desse acto em algum dos seus elementos e até, por referência ao n.º 2 do mesmo artigo 236.º, para conferir valor interpretativo ao conhecimento pelos destinatários desse acto processual – destinatários que aqui funcionariam como declaratários – da vontade real do declarante.”.
Tal como defende Paula Costa e Silva (in “Acto e Processo - O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Ato Postulativo, Coimbra, 2003, págs. 210 e ss.) “tomando como ponto de partida a afirmação de não ter o legislador do Código de Processo Civil construído um sistema de interpretação dos actos de processo nos termos em que isso sucede relativamente à lei, nos artigos 9.º e seguintes do CC e à declaração negocial nos artigos 236.º e seguintes do CC:“(…) Se é verdade que o Código de Processo Civil não contém um regime geral de interpretação dos actos das partes, é também verdade que ele inclui uma disposição fundamental em matéria de interpretação, a maioria das vezes não qualificada como tal. Referimo-nos ao artigo 193.º, n.º 3 (…) Existe um paralelismo evidente entre o disposto no artigo 236.º, n.º 2 do CC e no artigo 193.º, n.º 3 do CPC (actualmente o art.º 186º nº 3 do actual C.P.C). (…)
Pelo que, em caso de entendimento comum do acto postulativo, o sentido que a este é fixado coincide com o sentido genericamente considerado relevante quando se procede à fixação do sentido de uma declaração negocial. Nestes casos, exprimindo o acto de forma adequada a intenção do seu autor e sendo essa intenção apreendida, tanto pelo tribunal, como pela parte contrária, poderá concluir-se que o acto terá o sentido correspondente à intenção do seu autor.”.
Na verdade, a mesma autora e obra citada ao aludir ao acto postulativo como pretensão da parte refere igualmente que “se fizermos uma ponte para a teoria geral do negócio jurídico, diremos que, no acto postulativo, a parte começa por expor os motivos, que são a fundamentação, para deles extrair um efeito, que é o pedido. A diferença estrutural que o acto postulativo apresenta relativamente ao negócio é que, naquele, os motivos devem ser explicitados no próprio acto. Exactamente porque a possibilidade de produção do efeito desejado depende do juízo feito por terceiros (o julgador) sobre a pertinência dos motivos ou fundamentos invocados.” (in ob. Cit. Pág. 214 e 215).
Ora, não estando o Tribunal sujeito à às alegações da parte no que diz respeito ao direito – cf. art.º 5º nº 3 do Código de Processo Civil, também no que diz respeito ao pedido vale o silogismo interpretativo que determina que “quem pode o mais, pode o menos”, ou, no presente caso, quem pede o mais, pede o menos.
Com efeito, a função constitucional dos Juízes administrar a Justiça em nome do Povo (n.º 1 do art.º 202º da Constituição da República Portuguesa), têm os mesmos que, dentro dos limites da Lei e obedecer às regras previstas nos três números do art.º 9º do Código Civil – mas dando particular ênfase ao n.º 3 que faz apelo às “soluções mais acertadas” -, tudo fazer para dirimir/eliminar os conflitos que são submetidos ao seu julgamento, nomeadamente interpretando os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus actos sempre no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição.
Acresce que constitui princípio geral da lei adjectiva o princípio do máximo aproveitamento dos actos processuais das partes, princípio também presente no que diz respeito aos negócios no âmbito da prevalência da redução, ao invés da nulidade ou anulação total tal como se encontra previsto no art.º 292º do Código Civil.
Aqui chegado é manifesto que não ocorre a nulidade apontada à decisão que interpretando o pedido, expôs a seguinte fundamentação: ”Os factos provados nos autos comprovam a existência de todos os requisitos referidos, donde se conclui que os actos jurídicos referidos em H. e M. se mostram feridos de erro que, pelas suas dimensões, determina a sua anulabilidade (cfr. artigo 289º, do Código Civil).
O negócio anulável, segundo a doutrina dominante, produz, a título provisório, os seus efeitos e é tratado como válido enquanto não for julgada procedente uma acção de anulação.
Não se deve, contudo, dizer que o negócio anulável é um acto válido, pois a produção precária de efeitos não implica validade, sendo antes a consequência de uma irregularidade ou vício genético do negócio.
Intentada a acção de anulação, no caso de esta ser procedente, os efeitos do negócio são retroactivamente destruídos. – Maria Clara Sottomayor, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 712.
Em face do que se deixa exposto cumpre, em primeiro lugar, aferir se o erro que se comprovou permite à Autora, sem mais, que se declare a anulabilidade do contrato de constituição de sociedade referido em H. e do aumento de capital referido em M. ou se, em face da circunstância de nos encontramos perante actos praticados na constituição e no seio de uma sociedade comercial, se aplicam regras específicas que delimitam as consequências jurídicas cíveis advindas do reconhecimento da existência de erro na celebração dos referidos actos.
Cumpre, aqui chegados, ponderar o que expressamente resulta do previsto pelos artigos 240º, n.º 1 e 45º, ambos do Código das Sociedades Comerciais, de onde se extrairá que o pedido da Autora, no que respeita ao acto referido em H. apenas parcialmente poderá ser atendido.
Isto porque o artigo 45º, do Código das Sociedades Comerciais, no seu n.º 1, ainda que atribua relevância aos vícios da vontade – como peticionado pela Autora, apenas prevê o direito à exoneração do sócio relativamente à Sociedade.
Na verdade, nas sociedades de capitais (sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por acções), cujo contrato de sociedade se encontre definitivamente registado, com excepção do vício da incapacidade, encontra-se vedado aos sócios, cuja vontade em
celebrar o contrato de sociedade esteja inquinada por erro que viciou o processo formativo da sua vontade interna ou a transmissão/exteriorização dessa vontade interna, obter a invalidação do contrato de sociedade com esse fundamento.
Confere-se-lhe, em vez disso, o direito de se exonerar da sociedade, apartando-se desta, mediante o recebimento do valor da sua participação social, tendo em conta o estado da sociedade à data da exoneração, contanto que se encontrem preenchidos os requisitos gerais fixados na lei civil que lhe conferem o direito a invalidar o contrato de sociedade com fundamento no concreto vício em que se mostra incurso.
Estabelece o referido preceito uma causa legal de exoneração relacionada com vícios de vontade ocorridos no ingresso do sócio ou sócios na sociedade e que, por isso, afectam a declaração negocial destes. Consubstancia um preceito inovador, com uma solução sem paralelo nas ordens jurídicas e cuja única justificação apresentada nos trabalhos preparatórios publicados foi o excessivo rigor da posição tomada em sede de relevância dos vícios da vontade e a existência de exoneração por justa causa. - Ferrer Correia e outros, Anteprojecto da Lei das Sociedades Comerciais, BMJ, 185º, pág., 164.
Enquanto os vícios de vontade, de acordo com o esquema geral da lei civil, determinam a anulabilidade da declaração negocial, entendeu-se que nas sociedades comerciais, cujo contrato de sociedade já se encontre definitivamente registado e que, por isso, têm plena existência na ordem jurídica, permitir-se que os sócios possam anular (total ou parcialmente) o contrato de sociedade com base em vícios de vontade que afectem as suas declarações negociais explanadas no contrato de sociedade, seria excessivo.
Por outro lado, conclui-se que privar o sócio de uma saída da sociedade que derivaria dos princípios gerais de direito – em que os vícios de vontade, são causa de anulabilidade da declaração negocial e, por isso, determinariam a anulabilidade da declaração negocial do sócio cuja vontade estava inquinada em entrar para a sociedade, com a consequente anulabilidade total ou parcial do contrato de sociedade -, também atentaria gravemente contra os interesses desse sócio ou sócios cuja vontade estivesse inquinada, ao desconsiderar-se que a vontade deste em participar na sociedade, por via dos vícios de vontade que afectam essa sua vontade, não se formou de maneira esclarecida, sequer assenta em bases correctas, livres e sem deformações.
Ponderando todos os interesses em jogo e dando preponderância nas sociedades de capitais ao princípio do favor societatis, o legislador optou no sentido que os vícios de vontade que possam afectar a declarações negociais do sócio ou sócios expressas no contrato de sociedade, quando esse contrato constitutivo da sociedade já se encontre definitivamente registado e respeite a sociedades de capitais, isto é, sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por acções, nunca conferem ao sócio o direito de invalidar (total ou parcialmente) o contrato de sociedade, com fundamento em erro na formação da vontade interna daquele ou vício ocorrido na transmissão da vontade. -Neste sentido, Abílio Neto, “Notas Práticas ao Código das Sociedades Comerciais”, 1989, Petrony, pág. 119-121.
Quanto a essas sociedades, quando o contrato de sociedade se encontre definitivamente registado mas se encontre viciado em consequência de erro vício ocorrido no processo formativo da vontade dos seus sócios ou na transmissão dessa vontade em constituírem a sociedade, estabelece o artigo 45º, n.º2, do Código das Sociedades Comerciais, que esses vícios na formação ou na transmissão da vontade do sócio ou sócios apenas conferem aos últimos o direito a de dela se exonerarem, desde que se verifiquem as circunstâncias, incluindo de tempo, de que, segundo a lei civil, resultaria a sua relevância para efeitos de anulação do negócio jurídico. A finalidade do artigo 45º, do Código das Sociedades Comerciais é assim a de conceder ao sócio, a quem se retira o direito a requerer a anulabilidade do contrato social, a faculdade de se afastar, recebendo o valor da sua participação, não ficando preso a uma sociedade em que não queira realmente participar. – Abílio Neto, “Notas Práticas ao Código das Sociedades Comerciais”, 1989, Petrony, pág. 126.
Pretende, assim, o artigo 45º, do Código das Sociedades Comerciais, regular as patologias que atinjam as singulares declarações de vontade integrantes do contrato fundador de uma sociedade de capitais (isto é, de uma sociedade por quotas, anónimas ou em comandita por acções) que já haja sido registado, num claro desvio à disciplina geral do negócio jurídico. Estas patologias valem como justa causa de exoneração do sócio por elas afectadas, depois de filtradas pelo crivo da relevância e da tempestividade fixado pela lei civil. Ultrapassadas essas dificuldades e concluindo-se pela relevância do vício, intercede a especialidade da lei societária, substituindo a anulação pelo direito de exoneração. Verificados os requisitos de relevância da lei civil, o artigo 45º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais determina que na esfera jurídica do sócio emitente da declaração afectada nasça um direito à exoneração por justa causa em substituição do comum direito de invalidação. – Neste sentido, Alexandre Mota Pinto e outros, in “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 649 a 653.
O sócio terá, assim, direito a apartar-se da sociedade e a reaver aquilo que prestou. Tendo em mente o que se deixa exposto, conclui-se, por um lado, que à Autora assiste, no que respeita ao acto mencionado em H. o direito a ver declarado a sua anulabilidade, mas apenas em termos relativos, em face do disposto pelo artigo 45º, do Código das Sociedades Comerciais.”.
Deste modo, foi com base nos princípios da interpretação do pedido, aproveitamento dos actos e em suma, de administração da justiça, que o Tribunal decidiu, aplicando o direito ao caso, sem que para tal esteja limitado a alegação das partes, pelo que improcede tal nulidade.
Os recorrentes autonomizaram ainda a nulidade por alegado excesso de pronúncia, com base nos argumentos já aludidos, ou seja, dizendo que a recorrida em algum momento levantou a questão da sua exoneração da sociedade, concluindo que o Tribunal a quo estava impedido de a conhecer nos termos dos artigos 615.º alínea d) e nº 2 do 608.º, do Código de Processo Civil.
Face à alegação da reclamante está em causa a falta de conhecimento de uma questão suscitada, ou seja, reconduzível à “omissão de pronúncia” da alínea d) do mesmo preceito.
As questões a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
A nulidade, quer por omissão, quer por excesso de pronúncia, prevista na segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC está directamente relacionada com o comando fixado na segunda parte do n.º 2 do artigo 608º do mesmo diploma legal, nos termos do qual “O juiz deve resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”
Terão, por conseguinte, de ser apreciadas todas as pretensões processuais das partes - pedidos, excepções, etc. - e todos os factos em que assentam, bem como todos os pressupostos processuais desse conhecimento, sejam eles os gerais, sejam os específicos de qualquer acto processual, quando objecto de controvérsia, exceptuadas aquela cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Todavia, as questões a resolver para os efeitos do n.º 2 do artigo 608º e da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º, ambos do CPC, são apenas as que contendem directamente com a substanciação da causa de pedir ou do pedido, não se confundindo quer com a questão jurídica quer com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor aos quais o tribunal não tem de dar resposta especificada.
Por outro lado, importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
Ora, não estando o Tribunal sujeito à questão jurídica concreta e tendo este conhecido do vício da vontade nos termos sobreditos inexiste excesso de pronúncia, aliás, o conhecimento feito pelo tribunal determina apenas a procedência parcial, determinando unicamente a invalide circunscrita à Autora e não a todo o negócio.
Como bem se aludiu na parte final da decisão sob recurso “Uma última palavra, ainda que meramente en passant, para deixar claro que o que agora se decide se atém ao que se mostra peticionado pela Autora e se encontra em consonância com a causa de pedir por si apresentada aos autos.
Na verdade, peticiona a Autora que se reconheça a existência de erro e se declarem as consequências jurídicas que, em termos lógicos, desse erro, tido por relevante, resultariam.
Ocorre, porém, que em face da natureza de um dos actos cujo erro se apreciou (e concluiu existir, com relevância legal), a própria lei (in casu, o Código das Sociedades Comerciais que, como lei especial se sobrepõe à lei geral, ou seja, ao Código Civil) determina uma limitação às consequências provenientes da situação de erro civilmente relevante, estabelecendo que o direito de anulação se tem por substituído pelo direito à exoneração e a reaver o que por si havia sido prestado.
Mostra-se, assim, que a decisão proferida se mantém no âmbito de actuação pretendida pela Autora, revelando-se, a final, que se decide menos do que o peticionado.
O limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
O agora decidido mantém-se, assim, no do âmbito de conhecimento das questões carreadas aos autos pelas partes e entre elas discutidas, não ultrapassando, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites do pedido.
Apenas pode equacionar-se existir uma condenação em objecto diverso do peticionado, caso se altere a qualificação jurídica, de uma tal forma ampla que se conduza a um modo de tutela de conteúdo essencialmente diferente do pretendido.
Não é esse o caso, na medida em que a decisão se atém à apreciação do erro invocado e à determinação das consequências próprias da conclusão da existência de um erro vício civilmente relevante, adaptando as consequências jurídicas dessa situação às concretas circunstâncias do acto – definido e entendido pelas partes, como acto societário – em função daqueles que são os limites que a própria lei para o efeito estabelece.”
Improcede, assim, igualmente a nulidade apontada.
Argúem ainda os recorrentes a nulidade tendo por base a alegação que foi proferida uma decisão-surpresa, sem que os recorrentes tenham tido oportunidade de se pronunciarem sobre a mesma.
Em abono da verificação desta invalidade apenas indicam o que se entende genericamente pelo princípio do contraditório aliado ao conceito de decisão – surpresa, por referência ao disposto no nº 3, do art.º 3º, do CPC. Ora, mais uma vez convocam a mesma questão já abordada, ou seja, a invalidade circunscrito à exoneração da Autora e não a anulação do contrato de constituição da sociedade e de aumento de capital da mesma. Logo, mais uma vez não colhem os argumentos indicados, pois sempre o pedido da Autora se reportaria à invalidade de tal negócio, sendo que por aplicação do direito, esta seria apenas relativamente à mesma, pelo que sem necessidade de maior análise também se julga improcedente tal nulidade.
Sustentam ainda os recorrentes que face à decisão entendem que o tribunal a quo absolutamente incompetente para dirimir o objecto dos presentes autos, pois a competência material cabe aos Tribunais do Comercio.
Invocam que tal incompetência material do Tribunal a quo advém do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 128º da Lei n.º 62/2013 (LOSJ), na qual se prevê que compete aos juízos de comércio preparar e julgar as ações de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade.
É manifesta a contradição que incorrem os recorrentes relativamente a tal questão, pois o Tribunal não decidiu pela invalidade do contrato de sociedade, mas sim pela exoneração da Autora com base num vício da vontade da mesma. Era aquele efectivamente o pedido da Autora, porém, não obstante tal pedido, em momento algum os réus invocaram a incompetência que ora pretendem que se declare. Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas.
É certo que podemos objectar que tal matéria seria de conhecimento oficioso, porém, estando em causa a competência em razão da matéria que respeitaria a tribunais judiciais, tal arguição ou conhecimento oficioso só poderia ter ocorrido até ser proferido despacho saneador, ou, em última instância caso não tivesse tido lugar a este, até ao início da audiência final, por força do disposto no art.º 97º nº 2 do Código de Processo Civil. Pelo que nunca seria de apreciar tal questão em sede de recurso, improcede, deste modo, igualmente nesta parte a apelação.
Resta, por fim, aferir se foi inobservado o dever de gestão processual e violação do princípio do inquisitório.
Os apelantes invocam a violação do princípio inserto no art.º 6º do Código de Processo Civil, bem como o disposto no art.º 411º do mesmo diploma, afirmando que tendo por base a matéria considerada não provada, no essencial nos pontos 6. e 7., o Tribunal deveria ter providenciado pela junção de documentos comprovativos de que os recorrentes tinham dado inicio aos procedimentos para limpeza dos terrenos, nomeadamente, solicitando licenças à Câmara Municipal de Santa, nomeadamente convidando as partes a juntar tais documentos ou em alternativa a notificar a Câmara Municipal de ...para proceder à sua junção, dizendo que “como foi requerido em sede de contestação”.
Importa ter presente que no âmbito do despacho relativo à prova e de marcação de julgamento, relativamente ao pedido dos Réus inserto na contestação decidiu o Tribunal a quo o seguinte: “Solicitam os Réus que se oficie à Camara Municipal de ...requerendo a remessa de todos os pedidos de licenciamento/autorização que ali deram entrada relacionados com o prédio em discussão nos autos.
Estabelece o artigo 436º, do Código de Processo Civil a possibilidade de o Tribunal, a pedido das partes, solicitar a organismos oficiais, a junção de documentos necessários ao esclarecimento da verdade.
Analisado o requerimento apresentado, constata-se que os Réus não esclarecem quais os factos que pretendem comprovar com a junção do referido documento, da mesma forma que não alegam se tentaram, por si, obtê-los e tal lhe foi negado.
À parte requerente incumbia que identificasse os factos que com os elementos solicitados pretendia comprovar, face ao preceituado pelo artigo 423º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e, bem assim, que não conseguiu por si mesma obtê-los.
Nada se mostrando alegado nesse sentido, indefere-se o requerido por, do alegado, se não vislumbrar que tais elementos se revelem de interesse para a boa decisão da causa.”
Tal decisão transitou em julgado, dado que a mesma seria passível de recurso autónomo nos termos do art.º 644º nº 2 alínea d) do Código de Processo Civil. Tal bastaria para não ser considerado o alegado pelos apelantes.
Acresce que ainda que se conceda que o juiz está sujeito ao princípio do inquisitório, este deve ser interpretado como um poder-dever limitado, restringindo-se, em matéria probatória, na busca pelas provas dentro dos factos alegados pelas partes (factos essenciais), com vista à justa composição do litígio e ao apuramento da verdade.
Ora, como é sabido, de acordo com o art.º 2º, nº 2, do Código de Processo Civil a todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo. Tal reconhecimento pressupõe a demonstração, pelo respectivo titular, dos respectivos pressupostos de facto. Assenta em tal princípio o estabelecimento de regras do ónus da prova, através das quais o sistema repartiu, entre os vários intervenientes no conflito, o risco da não demonstração daqueles ou dos integrantes de excepções oponíveis (art.ºs 342º, e sgs, do Código Civil). Neles se compreende também o chamado ónus da contraprova (art.º 346º, CC), emanação do princípio do contraditório, consagrado no art.º 415º, CPC. Desses ónus resulta, sobretudo em relação à parte onerada com o dever de provar os factos, mas também quanto à que tem a possibilidade de os contraprovar e de, na produção dos respectivos meios exercer cabalmente o direito ao contraditório, que as limitações em tal domínio devem restringir-se ao mínimo fundamentalmente admissível e alicerçar-se em fortes e precisas razões materiais justificadas em vista do objectivo de realização da justiça mediante processo equitativo.
Importa referir que o critério de decisão sobre a indicação e produção de meios de prova é essencialmente o da própria parte, só podendo cercear-se a sua iniciativa em casos absolutamente limitados, designadamente os fundados na impertinência, desnecessidade ou irrelevância do meio de prova oferecido ou requerido (por si mesmo ou pela matéria de facto que com ele se visa demonstrar) ou na sua natureza meramente dilatória.
Face ao despacho proferido relativamente a tal questão competia à parte onerada com tal prova providenciar pela sua junção, contrapondo-se ao princípio convocado em sede de recurso o da auto-responsabilização das partes. Deste modo, improcede também nesta parte o recurso.  
Aqui chegados, no mais, somos em corroborar a bem fundamentada sentença quando fundamenta a decisão, além do mais, no seguinte: ”Pretende a Autora que se declare a anulabilidade dos contratos mencionados em H. e M., sustentando que a sua declaração negocial se encontra afectada de erro, defendendo que celebrou tais actos sem que se mostrasse suficientemente esclarecida sobre o seu teor e sem que lhe tivesse sido explicado o conteúdo dos actos que ia assinar, não tendo sido sua intenção fazer parte de uma sociedade e aumentar o seu capital através da entrega do prédio referido em A.. Fundamenta, destarte, a Autora a presente acção na existência de um vício da vontade, gerador de anulabilidade, fundado numa actuação de carácter doloso por parte dos Réus, nos termos definidos pelos artigos 253º e 254º, do Código Civil, que surtiria eficácia "ex tunc", devendo ser restituído tudo o que houvesse sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (cfr. artigo 289º, nº 1, do Código Civil). Quando falamos de vício de vontade debruçamo-nos sobre perturbações do processo formativo da vontade, operando de tal modo que esta, embora concorde com a declaração, é determinada por motivos anómalos e valorados, pelo direito, como ilegítimos. A vontade não se formou de um modo julgado normal e são. - Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, Coimbra Editora, pág. 500-501.
Sustenta a Autora que não teve consciência do expresso teor dos actos por si celebrados, não lhe tendo os mesmos sido explicados em momento anterior à sua assinatura e, bem assim, que assinou os contratos por força da circunstância de estar apoiada pela sua filha que havia acompanhado as minutas e os passos desenvolvidos e que sabia que a sua vontade era vender o prédio referido em A..
Ora, um dos deveres contratuais, concretizador do princípio da boa-fé na formação dos contratos, é o dever de informação, por força do qual estão as partes vinculadas a fornecer à parte com quem negoceiam as informações necessárias ao conhecimento das circunstâncias que possam ser relevantes para a formação do acordo contratual, o que implica o dever de informar a contraparte sobre todas as circunstâncias relevantes relativas ao concreto negócio em causa e que esta desconheça.
A função essencial dos deveres de informação é a de criar as condições necessárias para a liberdade de decisão, devendo o indivíduo ser colocado numa posição que lhe permita exercer a sua autonomia privada em conformidade com os seus próprios interesses, de forma racional e reflectida, quer na conclusão do contrato, quer na modelação do seu conteúdo, função que é também a do regime dos vícios da vontade, em particular, do erro e do dolo.
O erro-vício, ou erro-motivo, que pode ser total ou parcial, consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu.
No quadro dos desvalores de um negócio jurídico, o erro equivale à ignorância de algo e implica, em geral, uma avaliação falsa da realidade: seja por carência de elementos, seja por má apreciação destes. - António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, pág. 807.
A este respeito, fala-se no desconhecimento ou na falsa representação da realidade que determinou ou podia ter determinado a celebração do negócio. - Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed., Lisboa, 2007, pág. 199.
Temos, assim, que o erro se situa, na formação do negócio jurídico, em momento logicamente anterior a este, sendo que apenas existe erro quando falta um elemento ou a representação mental está em desacordo com um elemento da realidade existente no momento da formação do negócio jurídico.
Tendo em mente o que vem de dizer-se, cumpre, igualmente, referir que nem todo o erro é tido por juridicamente relevante e origina a anulação do negócio celebrado.
Na verdade, necessidades de segurança e estabilidade do tráfico jurídico determinam que a relevância do erro, enquanto fundamento da anulação do negócio, dependa de determinados pressupostos, ficando a ordem jurídica perante o seguinte dilema: se não atende ao erro, vale um resultado que o errante não quis, ficando assim violado o seu direito à autodeterminação a realizar por meio do negócio jurídico; se atende ao erro, fica desiludida a expectativa da outra parte que confiou naquilo que entendeu e é perturbada a segurança do comércio jurídico. - Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 6ª reimpressão, Almedina, pág. 568/569.
A nossa ordem jurídica optou, para a solução deste dilema, pelas regras ínsitas nos artigos 247º a 252º, do Código Civil.
Não obstante o que se deixa exposto, a verdade é que, no comparativo entre o regime do erro qualificado - ou seja, entre o regime do dolo (conforme o estabelecido pelos artigos 253º e 254º, do Código Civil) - e o regime do erro (conforme o definido pelos artigos 247º a 252º, do Código Civil), sobressaem diferenças assinaláveis, para lá das semelhanças.
De facto, se ambas as figuras podem ser qualificadas como um vício da vontade, se ambas denotam uma perturbação no processo formativo da vontade, a verdade é que, havendo dolo, o negócio é anulável sem exigência de outros requisitos adicionais. É que, pela própria natureza das coisas, o declaratário que fez incorrer intencionalmente o declarante em erro ou que, conhecendo o erro do declarante, o dissimulou, não cumprindo um dever de esclarecimento, não pode invocar quaisquer expectativas que fundem uma confiança merecedora da tutela. De uma forma simplista, podemos afirmar que o legislador facilita a desvinculação negocial porque, na ponderação que há-de ser levada a cabo ao nível dos vícios da vontade, o que ganha peso determinante é a vontade perturbada pelo comportamento do declaratário. – Mafalda Miranda Barbosa, Falta e Vícios da Vontade: uma viagem pela jurisprudência.”, in RJLB, Ano 4 (2018), nº 6, pág. 2438.
Ponderados os supra referidos preceitos legais e subsumindo o caso concreto aos princípios, temos que, in casu, os factos provados demonstram estarmos perante uma situação de erro na formação da vontade da Autora também chamado, por vezes, erro-vício, ou erro-motivo, para o distinguir do erro na declaração (figura de divergência entre a vontade real e a vontade declarada, prevista no artigo 247º, do Código Civil e a que se chama correspondentemente erro obstativo ou erro-obstáculo).
Na verdade, a factualidade supra elencada como provada e não provada demonstra, sem sombra de dúvida, que a formação de vontade da Autora, ao celebrar o contrato referido em H. e M. se mostra enfermada de vício, na medida em que esta não fora devidamente esclarecida sobre o teor dos actos que estava a celebrar.
Encontramo-nos perante um vício de vontade quando o processo de formação da vontade negocial sofreu qualquer desvio em confronto com o modo julgado normal e são. A ordem jurídica exige que a vontade se haja formado de um modo julgado normal e são, ou seja, livre, esclarecida e ponderadamente. À liberdade de formação da vontade opõe-se o medo, provocado pela coacção moral; ao esclarecimento opõe-se o erro; à ponderação, a incapacidade acidental. Erro, medo e incapacidade acidental são os principais tipos de vícios na formação da vontade. – Castro Mendes, in Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, pág. 157.
O erro-vício consiste na ignorância (falta de representação exacta) ou numa falsa ideia (representação inexacta), por parte do declarante, acerca de qualquer circunstância de facto ou de direito que foi decisiva na formação da sua vontade, por tal maneira que se ele conhecesse o verdadeiro estado das coisas não teria querido o negócio, ou pelo menos não o teria querido nos precisos termos em que o concluiu. – Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, 7ª Reimpressão, Coimbra, Almedina, p. 233.
A vontade negocial, quando exista, pode, assim, estar viciada na sua formação, no processo de volição e de decisão, por deficiência de esclarecimento ou de liberdade. Assim sucede quando o esclarecimento ou a liberdade do seu autor tenham sido perturbados de tal modo que os negócios jurídicos assim celebrados fiquem enfraquecidos ou fragilizados.
Não esclareceram os Réus à Autora os contornos exactos e concretos dos actos negociais que esta assinou, não lhe tendo sido dito do que efectivamente se tratava, apenas lhe tendo sido dado a entender que, pela sua assinatura, conseguiria o que pretendia (vender o prédio mencionado em A., vendo-o a ser utilizado para um projecto que lhe era caro: a realização de um lar de idosos).
Actuou, portanto, a Autora em erro sobre o objecto do negócio, o que os Réus conheciam, não ignorando que essencial para a Autora era a venda do prédio referido em A. e a sua utilização para um projecto tão importante como um lar de idosos.
Concluímos, portanto, ter a Autora logrado provar ter celebrado os actos referidos em H. e M., em situação de erro sobre o objecto do negócio e, bem assim que este foi dolosamente criado pela actuação conjunta dos Réus.
Na verdade, se tivermos em consideração que um dos primeiros elementos do conceito de dolo, como vício da vontade (referido no artigo 253º, do Código Civil) consiste na noção de erro, em qualquer das suas modalidades - , isto é, quer se refira à pessoa do declaratário, ao objecto do negócio (artigo 251º) ou aos motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (252º), - desde que provocado, e que se traduz sempre numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio, em termos tais que, se o declarante tivesse sido esclarecido ou o tivesse conhecido, não teria realizado o negócio ou não o teria realizado nos mesmos termos - Mota Pinto, in "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª edição. Páginas 505 e 506 – forçoso se torna concluir ser essa a situação dos autos.
Ora, a parte cuja vontade negocial tenha sido perturbada no seu discernimento e liberdade pode, se assim o desejar, libertar-se do negócio viciado, procedendo à sua anulação.
Significa o que vem de dizer-se que, em face do erro que assim se comprova, a constituição da sociedade e o aumento de capital referidos em H. e M. se encontram feridos de erro e, como tal, se mostram abrangidos pelas regras estabelecidas são pelos artigos 253º e 254º, ambos do Código Civil.
Na verdade, dispõe o artigo 254º, do Código Civil, que o declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração. O declarante pode anular o negócio desde que demonstre que o dolo foi a causa do erro e que o negócio só foi celebrado pelo facto de ter sido enganado ou, pelo menos, que só foi celebrado naqueles termos em razão do erro em que foi induzido ou que foi dissimulado pelo declaratário.
O requisito de relevância do dolo do declaratário é a dupla causalidade: o declarante tem, assim, de fazer prova de dois factos, a saber: em primeiro lugar, que o dolo do declaratário o induziu em erro ou dissimulou o erro em que incorreu espontaneamente; em segundo lugar, que o erro foi determinante para a celebração do negócio (essencialidade absoluta) ou, pelo menos, foi determinante para a celebração naqueles termos (essencialidade relativa. Recorde-se que, na eventualidade de se não lograr provar a dupla causalidade, sempre o negócio pode ser atacado com base em erro simples ou espontâneo. O declarante pode arguir a existência de erro, reconduzindo-o a uma das quatro categorias previstas nos artigos 251º a 252º, do Código Civil. - Ana Filipa Morais Antunes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, pág. 610.
Os factos provados nos autos comprovam a existência de todos os requisitos referidos, donde se conclui que os actos jurídicos referidos em H. e M. se mostram feridos de erro que, pelas suas dimensões, determina a sua anulabilidade (cfr. artigo 289º, do Código Civil).”.
Face a tal apreciação e por aplicação do referido quanto ao disposto no art.º 45º do Código das Sociedades Comerciais, confirma-se na íntegra a decisão recorrida improcedendo, assim, a apelação.
*
IV. Decisão:
Por todo o exposto, Acorda-se em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos Réus e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.

Lisboa, 9 de Maio de 2024
Gabriela de Fátima Marques
Teresa Pardal
Octávia Viegas