Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
31/05.4PDLRS-B.L1-3
Relator: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA
Descritores: LEI 38-A/2023 DE 02 DE AGOSTO
ROUBO SIMPLES
APLICAÇÃO DE PERDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: O facto de o legislador excluir expressamente o 210º nº 2 do CP do elenco de crime referidos como perdoáveis na Lei 38.º-A/23, de 02 de Agosto, não pode levar-nos a concluir que excluiu da lei do perdão apenas “os mais graves” e inclui automaticamente o 210º nº 1 no benefício do perdão.
E não se argumente que a Lei da amnistia tem de ser vista à luz do momento histórico que lhe subjaz de harmonia com um pendor mais politico que jurídico porque, a aplicação da Lei é sempre jurídica, ainda que tenha origem política, e tem de ser aplicada ao caso concreto.
Até podemos concordar que o condenado por crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º nº 1 CP não está excluído do perdão previsto na Lei de Clemência elaborada e emitida aquando das jornadas da Juventude.
O que não podemos concordar é que essa lei desproteja outros jovens que são vítimas de actuações violentas por parte de jovens que actuam em grupo e com armas brancas, ainda que com 22 anos apenas, num transporte público e para se apropriarem pela violência dos bens da vítima.
O espírito do legislador há de ir no sentido da justiça do caso concreto e, conjugado com todos os diplomas legais supra referidos, só podemos concluir que não é aplicável ao arguido em causa, no caso concreto sob análise a lei do perdão.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão proferido na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos veio o arguido AA recorrer do despacho que considerou não ser aplicável aos autos os perdões de pena ínsitos da Lei n.º 38.º-A/23, de 02 de agosto
Das conclusões do recurso apresentado nestes termos resulta:
1ª – Face à promoção do MP como resposta à interpelação do TEP, o
Tribunal a quo decidiu excluir o arguido, ora recorrente, da aplicação do regime especial previsto pela Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto, pois que,
2ª Este, havia sido condenado como co-autor dum crime de roubo, previsto e punido pelo
nº 1 do art.º 210º do Código Penal, pela prática de factos no dia .../.../2005, assim, antes das 00H00 do dia .../.../2023, quando tinha 22 anos de idade.
3ª – Condenação essa que foi na pena de prisão de 1 (um) ano e 9 (nove) meses. Com efeito,
4ª – O Tribunal ad quo, por Despacho, proferiu decisão, refª ..., onde comunica a decisão de que “o crime de roubo, previsto e punido pelo nº 1 do art.º 210º do Código Penal não se encontre, expressamente excluído do âmbito de aplicação da mencionada Lei nº 38º-A/2023 (…) ”. Porém, “(…) decorre do disposto no artigo 7º nº 1 alínea g) da citada Lei (…) que não beneficiam do Perdão e da Amnistia (…) os condenados, além do mais, por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do art.º 67º-A do Código de Processo Penal (…).”
5ª – Porém, alcança-se no artigo 7º nº 1 alínea b) e subalínea i) da Lei nº 38-A/2023de ... que o Legislador estatuiu que não beneficiam do perdão e amnistia os condenados «por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º do Código Penal», nada referindo em relação aos condenados por força do disposto no nº 1.
6ª – Só que o Tribunal a quo fundamenta a sua decisão para não aplicar o perdão ao arguido recorrente o disposto na alínea g) do artigo 7º da referida Lei nº 38-A/2023, que impede a aplicação do perdão e amnistia aos «condenados por crimes contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal».
7ª – Assim, a alínea b) do artigo 67º-A do CPP afirma que para ser vítima considerada especialmente vulnerável tem que ser uma pessoa com especial grau de fragilidade.
8ª – Ora, salvo melhor e douto entendimento em contrário, para que a vítima do crime de roubo seja reconhecida como vítima especialmente vulnerável, o tribunal deve aquilatar e considerar verificados, cumulativamente, a previsão das normas das alíneas J e L do art.º 1º e alínea b) do nº 1 do art.º 67º-A todos do CPP.
9ª – Deste modo, jamais se poderá presumir que assim seja.
10ª - Perante a Lei 38-A/2023 de 2/9, alcança-se que, nos termos da alínea b) subalínea - i), o legislador retirou do leque de crimes, que não podem ser alvo de perdão/amnistia, o roubo simples – o nº 1 do art.º 210º do Código Penal – isto é, o legislador revela que os condenados pela prática de um roubo simples podem beneficiar do perdão e amnistia previstos na Lei da amnistia das Jornadas Mundiais da Juventude.
11ª - As regras interpretativas vertidas nos nºs 1 e 3 do art.º 9º do Código Civil estabelecem que o Legislador soube exprimir em termos adequados as suas intenções, pelo que, se presume que o legislador ao distinguir e destacar, como fez no caso concreto dos condenados «por roubo, previsto no n.º 2 do artigo 210.º» do CP, fê-lo conscientemente e com intenção de não incluir os condenados ao abrigo do nº 1 do art.º 210º do CP na exclusão do benefício do perdão e amnistia. 12ª – Tal entendimento tem vindo a ser tomado por esse Tribunal e do mesmo se tem vindo a fazer jurisprudência como é o caso já junto do ....
13ª – Em especial porque o então Procurador, de tribunais de julgamento, recorreu e apresentou as conclusões que neste se acolhem, com a devida vénia, por serem úteis “rematou o seu recurso, por as mesmas conterem de forma resumida, concisa e clara uma boa parte dos argumentos que, juntamente com a análise que ora efetuámos da ratio legis e das condições e percurso em que a ... foi aprovada, levam, forçosamente, à conclusão de que a interpretação efectuadapelo Tribunal a quo, incasu, é perfunctório e não consentâneo com o espírito subjacente ao respetivo diploma legal”,9
14ª – Assim, respeitosamente e com a devida vénia se acolhem as conclusões
apresentadas:
15ª – Que nos Tribunal superiores mereceram parecer de concordância pelos Procuradores-Gerais Adjuntos.
16ª – O que acabou por acontecer, assim se perdoando aos condenados um ano de prisão.
17ª - O que, in casu, se peticiona.
Nestes termos entende-se que, para boa Justiça, dever-se-á dar provimento ao presente recurso e dai proceder-se à revogação da douta decisão por outra que determine a aplicação ao recorrente do perdão de 1 (um) ano de prisão à pena que lhe foi aplicada de 1 (um) ano e 9 (nove) meses, pela aplicação da Lei 38-A/2023 de 2/9, e, porque o recorrente se encontra a cumprir a pena de prisão desde .../.../2023 se ordene a imediata libertação porquanto, em liquidação da pena, o seu fim verificar-se-ia em .../.../2025.
Assim, Venerandos Juízes Desembargadores, farão V. Exas a tão esperada e costumada
JUSTIÇA!
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Pronunciou-se o MP em 1ª Instância pela improcedência do Recurso
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Neste Tribunal pronunciou-se o MP pela procedência e aplicação do Perdão
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Do despacho recorrida resulta:
Da aplicação do perdão de penas previsto na Lei n.º 38-A/2003
A Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se pela não aplicação do perdão de penas relativamente ao arguido AA por estar em causa um crime de roubo (cf. promoção que antecede).
Notificado o arguido para, querendo, se pronunciar sobre a posição assumida nos autos pela Digna Magistrada do Ministério Público, o mesmo remeteu-se ao silêncio.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos, verifica-se que por acórdão nestes proferido e transitado em julgado em .../.../2022, foi o arguido AA condenado pela prática, em .../.../2005, de um crime de roubo, previsto e punido 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão.
Considerando que o arguido nasceu em .../.../1983, o mesmo tinha menos de 30 anos de idade no momento da prática do crime.
Ora, o crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, não se encontra expressamente excluído do âmbito de aplicação da mencionada Lei n.º 38-A/2003. Porém, como bem aduz a Digna Magistrada do Ministério Público, decorre do disposto no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), da citada Lei n.º 38-A/2023, de ..., que não beneficiam do Perdão e da Amnistia previstos no Diploma Legal citado, os condenados, além do mais, por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de ....
Nos termos do disposto no n.º 3 do referido artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, as vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
A definição de vítima de “criminalidade violenta” e de “criminalidade especialmente violenta” encontra-se estabelecida no artigo 1.º, alíneas j e l) do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:
“j) “Criminalidade violenta” as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) “Criminalidade especialmente violenta” as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;”.
Face ao que antecede, tem que se concluir, como o faz a Digna Magistrada do Ministério Público, que o crime de roubo, previsto e punido no artigo 210, n.º 1, do Código Penal, constitui criminalidade praticada contra vítimas especialmente vulneráveis, pelo que se encontra excluído do âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de ..., nos termos estabelecidos no artigo 7.º, n.º 1, alínea g), da referida Lei – cf., no mesmo sentido, Pedro Esteves de Brito, Notas práticas referentes à Lei n.º 38-A/20023, de ..., que estabelece um perdão de penas e uma amnistia de infrações por ocasião da realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude, pág. 31 e 32, Revista Julgar Online, ....
Assim sendo, atenta a natureza do ilícito praticado pelo arguido e o entendimento acima exposto, decidimos não aplicar ao arguido AA o perdão de penas estabelecido na Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.
Notifique e comunique ao TEP.
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Cumpre decidir:
Vem o arguido recorrer do despacho que não aplicou o perdão à pena de 1 ano e 9 meses de prisão que lhe foi fixada por ser autor material de um crime de roubo p.p.p. art.º 210º nº 1 CP.
- Estão abrangidas pela presente lei as sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de ... de ... de 2023, por pessoas que tenham entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto, nos termos definidos nos artigos 3.º e 4.º
(...)
é perdoado 1 ano de prisão a todas as penas de prisão até 8 anos.
1 - Não beneficiam do perdão e da amnistia previstos na presente lei:
(...)
g) Os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de ...;
(...)
Convém não nos esquecermos de definir de imediato o que se entende por criminalidade violenta - artigo 1º, alíneas j e l) do CPP dizem-nos que se considera
“j) “Criminalidade violenta” as condutas que dolosamente se dirigirem contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública e forem puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos;
l) “Criminalidade especialmente violenta” as condutas previstas na alínea anterior puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a 8 anos;”
O crime de roubo do nº 1 do art.º 210º é punido com pena de é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
E de seguida o que se entende por vítima especialmente vulnerável:
De acordo com o disposto no artigo 67.º-A do Código de Processo Penal, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 78/87, de ... considera-se vítima especialmente vulnerável', a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;
O crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210º, nº 1, CP, não se encontra expressamente excluído do âmbito de aplicação do diploma legal em questão, nem forçosamente incluído. Tenhamos em conta a pena que lhe e aplicável - é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
Veja-se que o seu art.º 7º, n.º 1, al. b), i), apenas exclui, expressamente de perdão, os condenados pelo crime de roubo, previsto no n° 2 do art.º 210º, do Código Penal.
Não podemos contudo esquecer o disposto na al. g), do nº 1, do art.º 7º da Lei nº 38º-A/2023, de 02/08, que nos diz que não podem beneficiar do perdão os condenados por crimes praticados contra vítimas especialmente vulneráveis, nos termos do artigo 67º-A, do Código de Processo Penal.
E diz-nos ainda o Legislador que não gozam de perdão os condenados por crimes praticados contra crianças, jovens e vítimas especialmente vulneráveis e ainda que as vítimas de
1. criminalidade violenta, de
2- criminalidade especialmente violenta e de
2. terrorismo
são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.
Vejamos agora onde colocar o roubo previsto e punido pelo art.º 210º nº 1 CP já que sempre se entendeu estarmos perante criminalidade violenta quando estamos perante crime de roubo que envolve desde logo, pela sua natureza, violência, física ou psicológica, uma vez que, como sabemos, a subtração de objetos sem violência cai no furto que pode ser até qualificado.
Sendo o roubo um crime de natureza violenta e atendendo ao facto concreto, para além da descrição da forma como actuou o recorrente, em grupo e com utilização de uma faca que encostou à garganta da vítima, vítima que nasceu em ... Março de 1986, e tinha pois, à data dos factos 19 anos, quid juris?
Ou seja, no caso concreto, temos um jovem de 19 anos que é a vitima e temos um crime de roubo considerado pela jurisprudência criminalidade violenta, pelo que a nossa vítima da atuação dada como provada, é considerada especialmente vulnerável se entendermos, como temos vindo sempre a entender que o crime do art.º 210º faz, todo ele parte da criminalidade violenta ainda para mais se praticado em grupo e com utilização de arma.
Tenhamos em conta o caso concreto em que um jovem de 19 anos, viu perante outro que à data tinha 22 anos, acompanhado de um grupo e munido de uma faca que lhe foi encostada á garganta, em transporte público, não tendo ninguém reagido à actuação em questão, e se viu obrigado a entregar os bens de sua propriedade que consigo transportava, o que demonstra bem a violência da actuação.
E demonstra além disso a inclusão do caso concreto em todas as normas supra citadas e conjugadas.
Assim, sendo o crime de roubo, previsto e punido no artigo 210, n.º 1, CP um crime que se insere no tipo de criminalidade violenta e, sendo a vitima um jovem, nas circunstâncias provadas, dois factores se conjugam para termos um crime praticado contra vítima especialmente vulnerável, pelo que se encontra excluído do âmbito de aplicação da Lei n.º 38-A/2023, de ..., nos termos estabelecidos no artigo 7.º, n.º 1, alínea g) da referida lei exatamente como decidiu o Tribunal a quo.
Termos em que se entende que a não aplicação de perdão às penas relativas ao crime de roubo praticado pelo recorrente, não merece qualquer reparo.
Sumariando
O facto de o legislador excluir expressamente o 210º nº2 do CP não pode levar-nos a concluir que excluiu da lei do perdão apenas “os mais graves” e inclui automaticamente o 210º nº 1 no benefício do perdão.
E não se argumente que a Lei da amnistia tem de ser vista à luz do momento histórico que lhe subjaz de harmonia com um pendor mais politico que jurídico porque, a aplicação da Lei é sempre jurídica, ainda que tenha origem política, e tem de ser aplicada ao caso concreto.
Até podemos concordar que o condenado por crime de roubo previsto e punido pelo art.º 210º nº 1 CP não está excluído do perdão previsto na Lei de Clemência elaborada e emitida aquando das jornadas da Juventude.
O que não podemos concordar é que essa lei desproteja outros jovens que são vítimas de actuações violentas por parte de jovens que actuam em grupo e com armas brancas, ainda que com 22 anos apenas, num transporte público e para se apropriarem pela violência dos bens da vítima.
O espírito do legislador há de ir no sentido da justiça do caso concreto e, conjugado com todos os diploma legais supra referidos, só podemos concluir que não é aplicável ao arguido em causa, no caso concreto sob análise a lei do perdão.
Assim sendo:
Nega-se provimento ao recurso interposto sem mais.
Custas pelo recorrente fixando a taxa de justiça em 4 Ucs. DN
Ac. elaborado e revisto.

Lisboa, 08/05/2024
Adelina Barradas de Oliveira
Alfredo Costa
M. Elisa Marques