Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
533/24.3T8VRL.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR DE ARRESTO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Nos termos do preceituado no art. 391º/1 do CPC, o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor.
II – Constituem requisitos do procedimento cautelar de arresto a probabilidade da existência do crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial.
III – O convite ao suprimento das imprecisões da p.i. é uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever funcional [art. 590º/2, b) do CPC].
IV – O estrito cumprimento desse dever implica que o tribunal não pode deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado que se revele deficiente.
V – A omissão desse acto devido, influindo no exame e decisão da causa, implica a nulidade da decisão nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º do CPC.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 – RELATÓRIO

«EMP01... Unipessoal, Lda» instaurou o presente procedimento cautelar de arresto[1] contra «EMP02... Unipessoal, Lda» e AA.
Para o efeito alegou que é uma empresa que tem por objecto a construção civil e empreitadas de obras públicas, designadamente, construção de edifícios residenciais e não residenciais, de vias de comunicação, de pontes, túneis, viadutos, obras de urbanização e outras infraestruturas, obras hidráulicas, instalações, nomeadamente, eléctricas e mecânicas, construção de redes de transporte de água, de distribuição de energia, redes de telecomunicações; bem como, elaborar projectos e execução de redes de eletricidade, água, saneamento, gás natural e fóssil, energia fotovoltaica e eólica, domótica, sistemas de intrusão e videovigilância, aquecimento ventilação e ar condicionado (AVAC), certificação energética dos edifícios; e, ainda, venda por grosso e a retalho de electrodomésticos, materiais e equipamentos de electricidade, electrónica, telecomunicações, climatização, bricolage e materiais de construção civil; e venda e aluguer de equipamentos de construção civil e veículos automóveis.
A requerida, por sua vez é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica à compra e venda de bens imobiliários.
A requerida solicitou à requerente um orçamento para executar os seus serviços nos edifícios que se encontra a contruir na Travessa ... em ..., que foi elaborado e entregue em 18-02-2022, e aceite por ambas as partes.
No decorrer da obra a requerida solicitou diversa alterações que foram executadas.
Quando os trabalhos da requerente já se encontravam praticamente concluídos, o sócio gerente da requerida cessou verbalmente, em 06-01-2024, o contrato que tinha com a requerente, impedindo os trabalhadores de entrar na obra.
Deste comportamento resulta que a requerida sabendo que a maior parte do trabalho se encontrava efectuado, pretende fugir às responsabilidades assumidas.
Encontra-se em dívida o pagamento de trabalhos que ascendem a € 45.150,00, tendo a requerida sido interpelada para o seu pagamento, o que não fez até ao presente.
Só faltava aos trabalhadores da Requerente colocar os “espelhos” das tomadas e interruptores, colocar lâmpadas e candeeiros e montar o material relativo à climatização (bombas de calor e acumuladores).
A requerente recusou outros trabalhos para levar a cabo os serviços contratados com a requerida tal como encomendou e pagou os equipamentos e materiais a aplicar em obra.
Pelo incumprimento culposo deve a requerida vir a ser condenada no pagamento de € 5.000 pelos prejuízos causados.
Entende que existe grande risco de não vir a receber os montantes em dívida uma vez que a requerida tem um capital social diminuto (€ 1.000,00) e a sua sede é a residência do sócio gerente.
Acresce que os imóveis em construção estão prestes a ser vendidos.
Acredita que, estando os imóveis vendidos, não haverá património para cobrir os valores em divida nem os prejuízos causados. E, segundo se consta, as escrituras já estão agendadas para a Requerida celebrar os últimos ou último contrato de compra e venda do(s) imóvel(eis) que estão aqui em causa por volta de início do mês de Março deste ano.
Tem, assim, justo receio de perder a garantia patrimonial.
Tem ainda conhecimento que o sócio gerente da requerida se encontra na eminência de vender os dois únicos bens imóveis que possui, não sendo assegurado o pagamento da dívida.
Requer que sejam arrestados todos os bens da requerida e do respetivo sócio que cubram o montante que se peticiona.
Uma vez que, desconhecendo-se o real património da requerida e respectivo sócio:
a) Bem imóvel que se encontre registado em nome da Requerida e/ou do sócio, designadamente, prédios urbanos sitos na Travessa ..., em ..., registados com os artigos matriciais ...49 e/ou ...50;
b) Saldos bancários e/ou valores de qualquer conta bancária de depósito, à ordem ou a prazo, poupança, fundos de investimento mobiliário, acções, seguros ou quaisquer outros títulos e valores depositados que a Requerida e sócio possuam em qualquer Instituição Bancária ou Financeira a operar em Portugal;
c) Créditos de natureza fiscal de que a Requerida e sócio sejam titulares.

Por despacho liminar de 4-03-2024, nos termos do art. 590º/1 do CPC, foi indeferido o procedimento cautelar, por não se encontrarem preenchidos os requisitos para o seu decretamento, tendo-se entendido que a probabilidade da existência do crédito tal como o configura a requerente não se apresenta como viável e que os factos alegados pela requerente não consubstanciam o “justo receio” de perda da garantia patrimonial, consubstanciada no património do devedor, enquanto garantia geral das obrigações.
*

Inconformada com essa decisão, veio a requerente interpor recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. O presente recurso visa impugnar a sentença recorrida que veio determinar o indeferimento liminar da providência cautelar de arresto apresentada pelo aqui Recorrente, com fundamento de não se encontrarem preenchidos os requisitos para o seu decretamento, requerendo-se a reapreciação da decisão pela Veneranda Relação, quanto aos factos alegados pelo Recorrente e, principalmente, quanto à solução de direito que recaiu sobre a mesma.
Vejamos,
II. Não podemos concordar com a Douta Sentença recorrida quando esta considera que não se encontram preenchidos os requisitos exigidos por lei para o decretamento da providência cautelar de arresto.
III. Desde logo, nos termos do disposto no art.º 391.º do CPC, para que seja decretado o arresto é necessário: a) a existência de um direito de crédito; e b) o justo receio de perda da garantia patrimonial desse direito de crédito.
IV. Assim, no que toca ao primeiro (al. a)), exige-se tão somente a probabilidade ou a aparência desse direito, não se exigindo prova da sua efetiva verificação – vide Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 23.01.2020, melhor indicado supra.
V. De todo o modo, o Recorrente fez a devida prova, juntando ao requerimento inicial, faturas, orçamento, fotografias e interpelação da Recorrida, demonstrando inequivocamente a existência de um crédito sobre a Recorrida e que deve ser salvaguardado.
VI. O crédito mencionado, no valor de 45.150,00€ (quarenta e cinco mil, cento e cinquenta euros) que se encontra vencido, respetivamente, em dezembro de 2023 e janeiro de 2024.
VII. Ora, dada a rutura definitiva da relação contratual e do modo como foi cessado e incumprido o contrato firmado pelas partes e que melhor se descreve supra, bem como, o lapso de tempo entre a interpelação e a presente data, demonstram sem margem para dúvidas que a Recorrida não irá voluntariamente liquidar a divida aqui em discussão.
VIII. O comportamento da Recorrida demonstra má-fé e claramente o intuito de escapar ao cumprimento da obrigação de pagamento do trabalho executado e respetivo material, causando ao Recorrente um enorme prejuízo patrimonial.
IX. Tais factos e a prova junta aos autos, no nosso humilde entendimento, são bastantes para demonstrar a probabilidade da existência de um direito de crédito.
X. Em relação ao valor de 5.000,00€ (cinco mil euros) que se invoca a titulo de indemnização pelo prejuízo patrimonial causado à Recorrente pelo incumprimento culposo do contrato pela Recorrida, por mais que venha sucintamente alegado no requerimento inicial, a verdade é que, todo o contexto expresso antes retrata fielmente um incumprimento contratual que merece a tutela jurídica e, por conseguinte, o pagamento de uma indemnização pela Recorrida ao Recorrente, nos termos do disposto nos arts. 483.º, 562.º e ss., 798.º e 799.º, todos do CC.
XI. Ambas as situações, o crédito em divida e o que se peticiona a titulo de indemnização, vêm devidamente discriminadas e provadas, pelo que, facilmente de constata um direito de crédito da Recorrente sobre a Recorrida.
XII. Quanto ao segundo requisito (al. b), a Recorrente demonstrou de forma clara e inequívoca o justo receio de perda da garantia, invocando o seguinte:
a. as obras encontram-se praticamente concluídas e, portanto, os imóveis prontos a serem vendidos;
b. a Recorrida é uma empresa com o capital social diminuto de 1.000,00€ (mil euros);
c. a sede da Recorrida é a residência do sócio gerente; ou seja, não tem uma sede propriamente dita onde possa ter bens penhoráveis;
d. o sócio-gerente da Recorrida reside habitualmente na ...; ou seja, a probabilidade de fugir para a ... e não voltar a Portugal é manifesta;
e. há um justo receio, pois as obras estão a terminar, dos imóveis serem vendidos e a Recorrida dissipar o seu património para não efetuar o pagamento da divida à Recorrente; e
f. Desde ../../2023 que a Recorrente solicitou o pagamento da fatura ...3, no valor de 20.500,00€ (vinte mil e quinhentos euros), à Recorrida e esta tem vindo a protelar o seu pagamento e, sem que nada o fizesse prever, em janeiro de 2024, cessou verbalmente o contrato com a Recorrente, e, mesmo depois de ser interpelada, a Recorrida não efetuou o pagamento de qualquer montante. O que vem demonstrar a intenção premeditada da Recorrida de não pagar qualquer montante à Recorrente.
XIII. Ora, isto demonstra um verdadeiro e justificado receio de perda da garantia patrimonial da Recorrida.
XIV. Pois, bem se percebe que uma vez vendidos os imóveis em causa, não haverá património que suporte o pagamento da divida sub judice, dado o capital social diminuto, a sede ser inexistente e o sócio-gerente ser residente no estrangeiro.
XV. Assim, a Recorrente tem um legítimo e justo receio de perder a sua garantia patrimonial e, assim, reaver os montantes em divida, o que se encontra devidamente demonstrado e encontra suporte no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26.04.2007, melhor identificado supra.
XVI. Pelo exposto, deve a Douta Sentença ser revogada e substituída por outra que decrete a providência cautelar de arresto contra a Recorrida, bem como contra o Recorrido sócio-gerente.
XVII. Pois, nos termos do art.º 72.º do CSC, o sócio-gerente também deve assumir a responsabilidade para com a Recorrente – vide Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.05.2013, melhor identificado supra – pois agiu com culpa.
Mesmo que se considere imperfeito o requerimento inicial,
XVIII. A jurisprudência tem entendido que deve haver um convite ao aperfeiçoamento e não um imediato indeferimento liminar – cfr. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 02.07.2009; Ac. Tribunal da Relação de Guimarães, de 22.09.2016; Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 13.01.2010; Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 04.05.2023; todos melhor identificados supra.
XIX. Nestes moldes, por mera cautela jurídica, mesmo que se entendesse que havia insuficiência na alegação dos factos ou que os mesmos fossem tidos com um cariz subjetivo, tal não justificava o imediato indeferimento liminar do requerimento inicial, mas sim, devia a Meritíssima Juiz a quo proferir despacho a convidar o Recorrente ao aperfeiçoamento do requerimento inicial.
XX. O mesmo se diz quanto à indicação dos bens para arrestar. Deveria ser o Recorrente convidado a trazer mais elementos aos autos, considerando o Douto Tribunal a quo que os dados indicados nos autos são insuficientes.
XXI. Ao indeferir liminarmente o requerimento inicial, a Douta Sentença recorrida viola, entre outras, as normas e os princípios constantes dos art.º 2.º, 391.º e 590.º, n.º 1, todos do CPC.
XXII. Pelo que, como não existe fundamento legal para o indeferimento liminar, deve a Douta Sentença ser revogada e substituída por outra que decrete o arresto ou, quanto muito, convide a Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial ou prossiga o processo com a inquirição das testemunhas.
Mesmo que assim não se entenda, sem prescindir,
XXIII. A Douta Sentença padece de nulidade, a qual desde já se argui, conforme tudo quanto foi explanado, por violação dos princípios da garantia da participação efetiva das partes no litígio, do contraditório e da gestão processual, nos termos dos arts. 2.º, 3.º, n.º 3, 6.º, n.º 2, e 590.º, todos do CPC, e da violação da garantia constitucional de acesso aos tribunais e à justiça, nos termos do art.º 20.º da CRP.
Sem prescindir,
XXIV. Da falta de fundamentação da Douta Sentença em apreço pois esta não expõe de forma cabal as razões de facto e de direito que levaram a proferir a decisão sub judice, sem audição do recorrente e sem proceder ao convite para que este retificasse e suprisse as insuficiências ora mencionadas na Douta Sentença recorrida.
XXV. Tal falta de fundamentação preenche o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC e resulta tal violação numa nulidade de sentença, devendo, por essa via, ser a mesma revogada e substituída por outra que cumpra com a legalidade imposta, com as demais consequências legais.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
a. Serem julgadas procedentes as nulidades invocadas; e
b. Seja revogada a Douta Sentença, sendo esta substituída por outra que decrete a providência cautelar de arresto, com as demais consequências legais;
ou, caso assim não se entenda,
c. Seja revogada a Douta Sentença e seja esta substituída por despacho que convide a Recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial ou que prossiga o processo com a inquirição das testemunhas.
Assim se fazendo a tão acostumada Justiça.
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A Exmª Juiz a quo proferiu despacho a admitir o interposto recurso, providenciando pela subida dos autos. Pronunciou-se sobre as arguidas nulidades, nos seguintes termos:
Proferida nos autos decisão de indeferimento liminar veio a requerente «EMP01... Unipessoal, Lda» interpor recurso da mesma.
No decurso das alegações afirma que a decisão padece de nulidade por violação dos princípios da garantia da participação efetiva das partes no litigio, do contraditório e da gestão processual nos termos dos arts. 2º, 3º, n.º3, 6º, n.º2, e 590º, todos do Cód. Proc. Civil e da violação da garantia constitucional de acesso aos tribunais e à justiça nos termos do art. 20º, da Constituição da República Portuguesa.
Mais invoca a falta de fundamentação da decisão uma vez que não expõe de forma cabal as razões de facto e de direito nos termos do art. 615º, n.º1, al. b), do Cód. Proc. Civil.
*
Nos termos do art. 615º, n.º1, al. b), do Cód. Proc. Civil, é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
A sentença deverá ser fundamentada através da exposição dos factos relevantes e das razões de direito em que se funda a decisão – cfr. art.s 205º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa e art. 154º, do Cód. Proc. Civil.
É, no entanto, entendimento pacifico da doutrina e da jurisprudência que só a absoluta falta de fundamentação que torne de todo incompreensível a decisão é que releva para efeitos da referida causa de nulidade.
«Como refere Teixeira de Sousa[1], “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.
No mesmo sentido se pronuncia Lebre de Freitas[2], dizendo que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/03/2021, proferido no Proc.844/18.7T8BNF.E1.S1 e disponível em www.dgsi.pt.
Analisando a decisão proferida constata-se que a mesma contém os fundamentos que levaram à prolação de uma decisão de indeferimento liminar, designadamente por se entender que da matéria de facto alegada pela recorrente, não se encontram reunidos os pressupostos que permitam o deferimento do procedimento cautelar de arresto requerido.
Sucede que, a recorrente, não concorda com os mesmos o que é matéria de recurso e não geradora de qualquer nulidade.
Não se verifica, portanto, qualquer omissão em sede de fundamentação, tendo sido respeitados os princípios constitucionais relevantes, mormente os ínsitos nos arts. 18º, 20º e 205º, da CRP, bem como o estatuído no art. 154º, nº 1, do CPC.
Notifique.  
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2 – QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pela apelante, esta entende não ter sido acertada a tese seguida na decisão recorrida, isto é, se o deduzido arresto podia ser, como foi, liminarmente indeferido.
Assim, a questão a decidir, para além das suscitadas nulidades da decisão, consiste em aferir se a decisão em causa deve ser revogada e substituída por outra, nos termos pedidos pela recorrente. 
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3 – OS FACTOS

Os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede, para os quais se remete, passando a transcrever-se na íntegra, a decisão recorrida:
Apreciando.
Dispõe o artigo 619.º, n.º 1, do Código Civil que o credor que tenha justo receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto dos bens do devedor, nos termos da lei de processo.
Por seu lado, o artigo 391º do Código de Processo Civil, preceitua que o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor, consistindo este na apreensão judicial de bens.
Ora, nestes termos, constata-se que o arresto, integrado na figura genérica de providência cautelar, depende da verificação de um duplo requisito:
a) por um lado, a aparência de um direito consubstanciado na existência de um crédito;
a) por outro lado, a demonstração do perigo de insatisfação desse direito consubstanciado na expressão «justificado receio de perda da garantia patrimonial».
Deste modo, e porque assim é, deve o requerente no seu requerimento alegar factos tendentes à formulação de um juízo de probabilidade da existência do crédito e justificativos do receio invocado, sendo certo que ambos os requisitos são cumulativos (pelo que, basta não se verificar a ocorrência de algum deles para que a providência requerida não possa ser decretada).
Assim, e quanto ao primeiro dos indicados requisitos, deve ter-se em conta que não é necessária a prova efetiva da existência do crédito, sendo suficiente a prova indiciária ou perfunctória do mesmo. Com efeito, quanto a essa prova, o legislador prescindiu da sua certeza, bastando-se com a mera verificação da probabilidade da existência do mesmo. Basta, pois, a simples aparência do direito, ou seja, um fumus boni iuris.
No que respeita, porém, ao segundo requisito, há que referir que, quer no âmbito do arresto, quer no de qualquer outro procedimento cautelar não especificado, o que determina e justifica o processo cautelar é o perigo da insatisfação do direito em consequência de mora na decisão definitiva, sendo certo que, no caso particular do arresto, o mesmo funciona como meio de obter a conservação dos bens.
Dessa forma, o justo receio de perder a garantia patrimonial do crédito envolve uma aceção de temor, acompanhada de incerteza e que constitui um facto consumado a produzir no futuro, posto que presumível. É o chamado periculum in mora. E, por essa razão, exige-se, quanto a este requisito, um juízo, senão de certeza absoluta, de uma probabilidade mais forte e convincente.
Com efeito, e conforme decidiu a Relação do Porto em acórdão de 15.07.99 (in internet, http://www.trp.pt), a alegação dos factos indiciadores do requisito do justo receio «não pode ser substituída pela hipotetização oficiosa da sua eventual ocorrência». O justo receio tem de ser analisado em termos objetivos, e não em termos subjetivos da perspetiva do credor, ou seja, deve consubstanciar-se em factos ou circunstâncias que, de acordo com as regras da experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, sob pena de perda da possibilidade de ver satisfeito o seu crédito.
Como igualmente se lê no Acórdão de Supremo Tribunal de Justiça, datado de 28.05.1997 (in internet, www.cidadevirtual.pt/STJ), «o receio para fundamentar o arresto há-de ser justo. Há-de ser apoiado em actos objectivos que convençam de que o requerido se pode colocar em situação de insolvência ou de causar prejuízos de difícil reparação». Assim, é necessário demonstrar que qualquer pessoa, em face do modo de agir da requerida, temeria vir a perder o seu crédito.
Desta feita, o justo receio de perda da garantia patrimonial do credor tem, pois, que assentar em factos reais, em índices apreensíveis pelo comum das pessoas, que mostrem que o alegado receio é objetivamente fundado. Para que o mesmo seja decretado é indispensável que o devedor tenha praticado actos ou assumido atitudes que inculquem a suspeita de que ele pretende subtrair os seus bens à acção dos credores.
Na situação dos autos, junta a requerente dois documentos que correspondem às faturas que remeteu à requerida no valor de 45.150,00 € referente aos trabalhos alegadamente executados e não pagos.
No que se refere ao invocado crédito de 5.000 € a título de indemnização por prejuízos causados nada é junto nem alegado no sentido de demonstrar a mera probabilidade da sua existência.
Deste modo entende-se que a probabilidade da existência do crédito tal como o configura a requerente não se apresenta como viável.
Mas mesmo que assim não se entendesse, afigura-se que os factos alegados pela requerente não consubstanciam o “justo receio” de perda da garantia patrimonial, consubstanciada no património do devedor, enquanto garantia geral das obrigações.
Do cotejo do requerimento inicial constata-se que a requerente apenas aventa receios e suspeitas de natureza subjetiva, quer quanto ao património quer quanto à sua dissipação.
Alega que:
- ocorreu uma cessação verbal do contrato de empreitada por parte da requerida;
- a requerente interpelou a requerida para o pagamento de 45.150,00 €, o que não foi executado;
- a obra encontrava-se quase concluída;
- a requerente recusou outros trabalhos para levar a cabo a execução contratada com a requerente;
- a requerida tem um capital social diminuto (1.000,00 €).
- a sua sede é a residência do sócio gerente;
- o sócio gerente reside habitualmente na ...;
- ouvir dizer que os imóveis da requerente estão prestas a ser vendido;
- consta-se que os imóveis edificados serão vendidos no início de março de 2024.
Não alega qualquer comportamento da requerido suscetível de criar qualquer justo receio ou fortes suspeitas de que se pretende desfazer do seu património, fazendo apenas referências genéricas e vagas a que se consta ou que se ouve dizer.
Mais se diga que, no que se refere ao património da requerida afirma desconhecer o mesmo.
Porém, ao invés de obter junto das competências instâncias de natureza pública (Registo Predial e Registo Automóvel) tais informações, vem requerer que o tribunal efetue tais diligências.
O art. 392º, n.º1, do Cód. Proc. Civil atribui ao requerente do procedimento cautelar de arresto o ónus de relacionar os bens que devem ser apreendidos com todas as indicações necessárias à realização da diligência.
Desde logo, a requerente no seu requerimento inicial não deu cumprimento ao disposto neste normativo, e, em sede de pedido refere de modo genérico que seja decretado o arresto indicando imóveis sitos em ... mas desprovido de qualquer documento comprovativo da titularidade dos mesmos por parte do requerido.
A requerente limita-se a extrair conclusões da existência de “justo receio” de perda da garantia patrimonial, apenas porque a requerida cessou o contrato de empreitada e não liquidou os valores que alegadamente se encontram em divida.
Não indica qualquer comportamento concreto, qualquer facto individualizado do qual se possa inferir esse justo receio, ponderado objetivamente.
Nem sequer diligenciou, como se referiu, de apurar qual o património da requerida nem do seu sócio gerente, as diligências por esta realizadas com vista à venda dos bens e ainda, nem sequer foi alegado que, com o dinheiro obtido com a venda dos mesmos não iria proceder ao pagamento da dívida de que a requerente se arroga.
Aliás, nem sequer se encontra indiciado que o sócio gerente da requerida seria pessoalmente responsável pelo pagamento, atenta a inexistência de qualquer garantia pessoal do mesmo.
Assim sendo, entende-se que não se encontram verificados os requisitos para que a providência requerida possa ser decretada.
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Decisão.

Em face do exposto, por não se encontrarem preenchidos os requisitos para o seu decretamento, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar de arresto EMP01... Unipessoal, Lda, instaurou contra EMP02... Unipessoal, Lda e AA.
Valor – 50.150,00 €.
Custas pela requerente.
Registe e notifique.
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4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da nulidade da sentença, por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – art. 615º/1, b) do Código de Processo Civil
 
Assim o prescreve o art. 615°/1, b) do CPC, segundo o qual é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Alega a apelante ser nula a sentença por não expor de forma cabal as razões de facto e de direito que levaram a proferir a decisão sub judice, sem audição do recorrente e sem proceder ao convite para que este retificasse e suprisse as insuficiências ora mencionadas na Douta Sentença recorrida.
Como é sabido, constitui entendimento pacífico, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que, na arguição desta nulidade, importa distinguir entre a falta absoluta de motivação e a motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera causa de nulidade é a falta absoluta de motivação. A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser alterada ou revogada em recurso, mas não produz a nulidade.
Só enferma, pois, de nulidade a sentença em que se verifique a falta absoluta de fundamentos, seja de facto, seja de direito, que justifiquem a decisão e não aquela em que a motivação é deficiente.
Neste sentido, relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja deduzida a nulidade da sentença/acórdão.
Quanto à fundamentação de direito, “o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes: a fundamentação da sentença/acórdão contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador”[2].
No caso dos autos, analisando a decisão proferida, verifica-se que a mesma contém os fundamentos que levaram à prolacção de uma decisão de indeferimento liminar, designadamente por ter sido entendido que da matéria de facto alegada pela recorrente, não se encontram reunidos os pressupostos que permitam o deferimento do procedimento cautelar do arresto requerido. Objectivamente, o que se verifica é que a apelante invoca apenas a sua discordância da decisão, o que é matéria de recurso e não geradora de qualquer nulidade.
Improcede, pois, nesta parte o recurso, dado que, como já se disse, não se verifica a invocada nulidade que afectaria a decisão recorrida.
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Da nulidade da sentença, por violação dos princípios da garantia da participação efectiva das partes no litígio e do contraditório, nos termos dos arts. 2º e 3º/3 do CPC e da violação da garantia constitucional de acesso aos tribunais e à justiça nos termos do art. 20º da Constituição da República Portuguesa (vulgo CRP)
 
A sentença deverá ser fundamentada através da exposição dos factos relevantes e das razões de direito em que se funda a decisão – cfr. arts. 205º/1 da CRP e 154º do CPC.
Como já supra referido, a decisão proferida contém os fundamentos que levaram à prolacção de uma decisão de indeferimento liminar, designadamente por ter sido entendido que da matéria de facto alegada pela recorrente, não se encontram reunidos os pressupostos que permitam o deferimento do procedimento cautelar do arresto requerido. A discordância da apelante com a decisão e diferente interpretação do direito que não logrou acolhimento, é matéria de recurso e não geradora de qualquer nulidade. Logo, não se fez qualquer interpretação que violasse o disposto no art. 20º da CRP.
Como assim, porque em nenhum lado da sentença se negou qualquer direito da recorrente a usufruir de um processo equitativo e que as questões por ela suscitadas fossem todas avaliadas e decididas pelo tribunal, também aqui a decisão recorrida não merece qualquer reparo.
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Reapreciação do mérito da decisão

Entende a recorrente não ter sido acertada a tese seguida na decisão recorrida, já que se encontram verificados os requisitos para o decretamento da requerida providência cautelar de arresto.
Pede, pois, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que decrete a providência cautelar de arresto, com as demais consequências legais, ou, caso assim não se entenda, a sua revogação e substituição por despacho que convide a recorrente a aperfeiçoar o seu requerimento inicial ou que prossiga o processo com a inquirição das testemunhas.
Com efeito, instaurou a apelante o presente procedimento cautelar como sendo de arresto, que é um dos procedimentos cautelares especificados previstos no CPC.
Nos termos do preceituado no art. 391º/1 daquele código, “o credor que tenha justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito pode requerer o arresto de bens do devedor”.
Resulta, assim, de tal normativo legal que o procedimento cautelar (nominado) de arresto depende, essencialmente, da verificação cumulativa de dois requisitos: 1) da probabilidade da existência do crédito; 2) e da existência de justo receio de perda da garantia patrimonial.
O arresto, como providência cautelar que é, visa impedir que, “durante a pendência de qualquer acção declarativa ou executiva, a situação de facto se altere, de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável perca toda a eficácia ou parte dela. Pretende-se desse modo combater o periculum in mora (o prejuízo da demora inevitável do processo), a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica.[3]
Precisamente porque os procedimentos cautelares se destinam a prevenir o periculum in mora, o juiz, na prova dos requisitos do arresto, não pode exigir o mesmo grau de averiguação, de convicção e de certeza que se lhe impõe relativamente aos fundamentos da acção principal.
Na medida em que a decisão do arresto aparece sempre com feição provisória, o juiz tem de se limitar a uma averiguação perfunctória dos seus requisitos, sendo com base nesse conhecimento que decretará a providência.
A apreciação da relação controvertida há-de fazer-se no processo principal, onde será proferida uma decisão definitiva, alicerçada no conhecimento profundo do objecto em litígio.
A lei não faz depender, por conseguinte, a decretação do arresto de uma prova cabal do direito que se pretende acautelar, contentando-se, antes, com a probabilidade séria da existência do crédito do requerente, o que se reconduz à mera aparência do respectivo direito.
Basta-se, assim, com um fumus boni iuris, obtido atrás de uma summaria cognitio.
Por outro lado, não é preciso que a perda de garantia patrimonial seja certa ou venha a tornar-se efectiva. Exige-se, tão-só, que haja um receio justificado dessa perda.
Importa realçar, no entanto, que não basta o receio subjectivo, porventura exagerado do credor, de ver insatisfeita a pretensão a que tem direito; sendo antes decisivo que o credor fique ameaçado de lesão por acto do devedor e seja razoável e compreensível o seu receio de ver frustrado o pagamento do seu crédito.
Numa palavra, o receio, para ser considerado justificado por exigência da lei “há-de assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma prudente apreciação.[4]
Tal como defende António Abrantes Geraldes[5]o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjetivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjeturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata, como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.”. “O justo receio da perda de garantia patrimonial está previsto no artº 406, nº 1, do CPC, e no artº 619 do Código Civil. Pressupõe a alegação e a prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo factual que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.
Este receio é o que no arresto preenche o periculum in mora que serve de fundamento à generalidade das providências cautelares. Se a probabilidade quanto à existência do direito é comum a todas as providências, o justo receio referente à perda de garantia patrimonial é o factor distintivo do arresto relativamente a outras formas de tutela cautelar de direito (...).
“Como é natural, o critério de avaliação deste requisito não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas, como refere Alberto dos Reis), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva”.
Também Antunes Varela refere que “para que se prove o justo receio (como quem diz o receio justificado e não apenas receio) da perda da garantia patrimonial, não basta a alegação de meras convicções, desconfianças, suspeições de caráter subjetivo. É preciso que haja razões objetivas, convincentes, capazes de explicar a pretensão drástica do requerente, que vai subtrair os bens ao poder de livre disposição do seu titular.[6]
No mesmo sentido, ao nível jurisprudencial, vai, entre outros, o Ac. Relação de Coimbra de 10-02-2009[7], esclarecendo-se ainda neste aresto que “a fim de indagar sobre o preenchimento, ou não, do requisito geral do “justificado receio de perda de garantia patrimonial”, haverá que atender, designadamente, à forma da actividade do devedor, à sua situação económica e financeira, à sua maior ou menor solvabilidade, à natureza do seu património, à dissipação ou extravio que faça dos seus bens (quer se tenha já iniciado, quer existam sérios indícios de que o pretende fazer em breve), à ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir a obrigação, ao montante do crédito que está em causa, e, por fim, à própria relação negocial estabelecida entre as partes.”.

Revertendo agora ao caso sub judice, como resulta do acima exarado (do confronto da decisão recorrida com as alegações e conclusões do recurso dela interposto), as questões aqui controvertidas, e que se impõe resolver, têm a ver, no que concerne ao primeiro requisito, com o invocado crédito de € 5.000 a título de indemnização por prejuízos causados, pois foi entendido que nada é junto nem alegado no sentido de demonstrar a mera probabilidade da sua existência, e quanto ao segundo requisito, ou seja, saber se a mesma alegou factos que justificam o receio invocado, foi considerado que a requerente apenas aventa receios e suspeitas de natureza subjetiva, quer quanto ao património quer quanto à sua dissipação. Tendo concluído a decisão recorrida pelo não preenchimento dos requisitos para que a providência requerida pudesse ser decretada. E isto porque se entendeu na decisão recorrida que a requerente não alegou qualquer comportamento da requerida suscetível de criar qualquer justo receio ou fortes suspeitas de que se pretende desfazer do seu património, fazendo apenas referências genéricas e vagas ao que se consta ou que se ouve dizer, sendo que relativamente ao património da requerida, a requerente afirma desconhecer o mesmo, e sem diligenciar por obter junto das competências instâncias de natureza pública (Registo Predial e Registo Automóvel) tais informações, vem requerer que o tribunal efetue tais diligências, quando o art. 392º, n.º1, do Cód. Proc. Civil atribui ao requerente do procedimento cautelar de arresto o ónus de relacionar os bens que devem ser apreendidos com todas as indicações necessárias à realização da diligência. Verificando que a requerente se limita a extrair conclusões da existência de “justo receio” de perda da garantia patrimonial, apenas porque a requerida cessou o contrato de empreitada e não liquidou os valores que alegadamente se encontram em divida, sem indicar qualquer comportamento concreto, qualquer facto individualizado do qual se possa inferir esse justo receio, ponderado objetivamente, nem diligenciar por apurar qual o património da requerida nem do seu sócio gerente, as diligências por esta realizadas com vista à venda dos bens e ainda, nem sequer foi alegado que, com o dinheiro obtido com a venda dos mesmos não iria proceder ao pagamento da divida de que a requerente se arroga. Aliás, nem sequer se encontra indiciado que o sócio gerente da requerida seria pessoalmente responsável pelo pagamento, atenta a inexistência de qualquer garantia pessoal do mesmo.
Ora, apesar da recorrente ter desvalorizado estas constatações, entendendo que se encontram verificados os requisitos para que a providência requerida possa ser decretada, subsidiariamente admite dever ser convidada a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, nos termos do art. 590º/2, b) do CPC, ou que prossiga o processo com a inquirição das testemunhas.
Quid iuris?

Antecipando desde já a decisão, podemos dizer que tem razão a recorrente, mas apenas no que concerne a dever ser convidada a aperfeiçoar o seu requerimento inicial, pois concorda-se com as críticas efectuadas na decisão recorrida a este, não se encontrando verificados os requisitos para que a providência possa ser decretada. Todavia, as apontadas deficiências e imprecisões na exposição são sanáveis, pelo que, ao abrigo dos princípios do contraditório e da gestão processual, nos termos dos arts. 3º/3, 6º/2 e 590º, todos do CPC, deveria ter o Tribunal a quo convidado a requerente a suprir a imprecisão na exposição, fixando prazo para a apresentação de novo articulado em que fosse corrigido o inicialmente produzido, tal como previsto no art. 590º/4 do CPC.
O convite ao suprimento das imprecisões na exposição é uma incumbência do juiz - rectius, um seu dever funcional -, tendo o tribunal o dever de exercer a sua função assistencial.
Consequentemente a omissão de cumprimento desse dever traduz-se numa nulidade processual, assertivamente arguida no recurso, porque o tribunal deixa de praticar um acto devido que não podia omitir (art. 195º/1 do CPC), de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado, e que, in casu, se revela particularmente patente.
Como assim, considerando que, in casu, se registou a inobservância do cumprimento do dever de cooperação (na sua vertente assistencial) que é imposto ao tribunal (art. 7º do CPC), tal implica, pois, a nulidade da decisão recorrida nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 195º, que deve ser revogada.

Procede, pois, nestes termos, a apelação.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela requerente «EMP01... Unipessoal, Lda», e consequentemente, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que convide a requerente a, em prazo, apresentar nova p.i. devidamente aperfeiçoada, suprindo as deficiências e imprecisões na exposição.
Sem custas.
Notifique.
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Guimarães, 24-04-2024

(José Cravo)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Afonso Cabral de Andrade)



[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real, V.Real - JC Cível - Juiz ...
[2] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, pág. 688.
[3] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, 2ª edição, pág. 23.
[4] Cfr. Jacinto Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, 3ª edição, pág. 268.
[5] In Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, Almedina, 2ª edição, pág. 187.
[6] Das Obrigações em Geral, Vol. II, Almedina, 7ª edição, pág. 465, nota (1).
[7] Prolatado no proc. n.º 390/08.7TBSRT.C1, relator Isaías Pádua, acessível em www.dgsi.pt.