Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:127/21.5BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:04/24/2024
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE DECISÃO ARBITRAL.
OBSCURIDADE.
Sumário:Incorre no vício de ininteligibilidade a decisão arbitral que, primeiro, assume a competência do tribunal para conhecer do pedido de anulação das liquidações em apreço, com base nos vícios relativos ao procedimento, e, depois, acaba por rejeitar tal competência, com base na invocação da falta de esgotamento dos meios impugnatórios dos actos inseridos em tal procedimento.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais: Subsecção Tributária Comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório
R……….. ………………. deduziu no Tribunal Central Administrativo Sul, ao abrigo do disposto no artigo 26.º e 27.º, do Decreto-Lei nº10/2011, de 20 de Janeiro [Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante apenas designado por RJAT], impugnação contra a decisão singular, proferida em 18/10/2021, no processo nº 313/2020-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa e Tributária, a qual julgou improcedente o pedido de anulação das liquidações oficiosas de IMI nºs ……………………903; ……………………703; …………….503; …………………793 e ………………503, dos anos de 2015 a 2018, bem como das liquidações de AIMI nºs ……………….144 de 2017; ………………145 de 2018 e ……………..636, dos anos de 2017 a 2018, emitidas pelo Serviço de Finanças de I............ e relativas às fracções A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S, do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …………. (S. Salvador), sob o artigo n.º ……….
A impugnante termina as alegações de impugnação, formulando as conclusões seguintes:
I. A ora Impugnante não se conforma com o conteúdo e sentido da decisão arbitral proferida pelo CAAD, o qual julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente, porquanto considera que a mesma enferma de inúmeros vícios formais, nos termos do artigo 28.º do RJAT.
Desde logo,
- Da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito
– artigo 28.º, n.º 1 al. a) do RJAT
II. Como é consabido a decisão arbitral deverá conter, obrigatoriamente, as razões de facto e de direito - os fundamentos – que a motivaram. Esta é uma regra que decorre, desde logo, do artigo 22.º, n.º 3 do RJAT.
III. Sendo que, no que diz respeito à matéria de facto, importa salientar, desde logo, que, ao abrigo do princípio estabelecido no artigo 16.º, al. e) do RJAT cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão, sendo que os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é, de facto, estabelecido em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito, tudo de acordo com o artigo 596.º do CPC, aplicável por intermédio do artigo 29.º, n.º 1 al. e) do RJAT.
IV. Ora a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos (contrariamente ao entendimento do Douto Tribunal arbitral (último parágrafo do ponto 18.), reporta-se a matéria de direito, mas também de facto, tanto assim é que a própria Requerida AT, na resposta apresentada, defende-se por exceção e por impugnação.
V. Assim, atentas às várias questões de Direito plausíveis no presente pleito, salvo melhor entendimento, a douta sentença não especifica parte da matéria de facto, a saber os factos constantes dos artigos 53.º, 54.º, 55.º, 59.º, 60.º, 62.º, 68.º, 69.º 82.º e 89.º constantes da petição inicial – e que a Requerente em sede de alegações voltou a enumerar como matéria de facto que não poderia deixar de ser dada como provada, quer pela prova documental junta aos autos, quer pelo depoimento credível da testemunha ouvida.
VI. A acrescer a esta falta de especificação de matéria de facto, a douta sentença arbitral também está inquinada pela omissão de fundamentos de direito que a motivaram.
VII. Se atentarmos o segmento decisório da douta sentença arbitral, verificamos que a mesma decidiu:
“Julgar improcedente a exceção de incompetência do tribunal arbitral;
Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado pela Requerente; Condenar a Requerente nas custas do processo.”
VIII. Todavia, quanto à alínea b) do referido segmento decisório, a douta sentença arbitral ingeriu o seu julgamento na resposta à questão por si formulada de: (sublinhado nosso)
“(..) A questão a decidir é a de saber, se considerada a matéria assente como provada, a Requerente tem a possibilidade de impugnar as liquidações de imposto com fundamento em vícios que imputa aos atos de avaliação e fixação do VPT, uma vez que não impugnou estes atos na altura própria, usando das garantias processuais legalmente previstas para o efeito” – (ponto 28. – último parágrafo da sentença arbitral)
IX. Respondendo à mesma, com a invocação do Acórdão arbitral proferido no processo n.º487/2020-T onde estava em causa:
“(..) saber se na determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios em causa, os quais serviram de base às liquidações de IMI impugnadas, a AT havia aplicado indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores de VPT”.
X. Argumentando, sempre com a invocação do referido Acórdão que: (sublinhados nossos)
“31. (…) Nessa medida, assiste razão à AT quando alega a improcedência do pedido arbitral por impossibilidade deste tribunal conhecer dos atos de fixação do VPT, que a Requerente não impugnou autonomamente usando as garantias processuais ao seu dispor (…)”
(…)
32. No caso específico dos autos, o tribunal arbitral não pode apreciar e corrigir o ato de fixação da matéria coletável, porquanto a não impugnação autónoma dos atos administrativos que fixaram o VPT e promoveram a sua inscrição na matriz, tem como consequência a consolidação do mesmo como pressuposto para a liquidação do imposto subsequente. A Requerente não pode, pela via da alegada ilegalidade transmissível aos atos de liquidação, obter a anulação da inscrição na matriz e a anulação do VPT fixado com a reposição a «zero», conforme peticionado. Como se disse já, por força do preceituado no artigo 15.º do CIMI, a avaliação dos prédios urbanos é direta e, por isso, suscetível de impugnação contenciosa direta, ao que acresce o disposto no nº 2 deste artigo 86º, do qual decorre que a impugnação da avaliação direta «depende do esgotamento dos meios administrativos previstos para a sua revisão.»
XI. Ora perante tal fundamentação de direito, não podemos deixar de concluir pela total falta de fundamentação de direito para a alínea b) do segmento decisório da sentença, uma vez que à única exceção de incompetência material invocada pela Requerida AT (e respondida pela Requerente) foi decidia pela alínea a) do segmento decisório.
E se tal não seja assim entendido, o que apenas se coloca com mera hipótese académica,
- a decisão arbitral é impugnável pela clara oposição dos fundamentos com a decisão -artigo 28.º, n.º 1 al. b) do RJAT
Na verdade,
XII. Decidindo como o fez, o iter constante da decisão arbitral, na sua motivação, está em contradição com a decisão proferida a final.
XIII. Dos factos dados como provados, encontra-se referido que:
“(…) q) A Requerente apresentou em 27.09.2019, junto do Serviço de Finanças de I............, Reclamação Graciosa onde peticionou «que fosse considerada ilegal a atualização na matriz realizada às fracções A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de I............ (S. Salvador), sob o artigo n.º 7211 e fossem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI referentes aos anos de 2015 a 2018 e ainda, a reposição dos VPT´s a zero das referidas fracções.»
(…)
t) Por ofícios datados de 07.01.2020, respetivamente, ofícios n.º 200 017 e n.º 200 016 foi a Requerente notificada, no âmbito de direito de audição prévia, do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
u) A Requerente interpôs dois recursos hierárquicos contra os indeferimentos das reclamações graciosas em 05.03.2020, junto da Direcção de Finanças de Aveiro, das decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa que havia deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IMI, referentes aos anos de 2015 a 2018 e de AIMI, referentes aos anos de 2017 a 2019.
v) Em 24-06-2020 a Requerentes apresentou o presente pedido arbitral, posteriormente ampliado passando a incluir, na sua globalidade, todas as liquidações (e respetivas prestações) de IMI e AIMI, referentes aos anos de 2015 a 2019, no valor global de €23,303,97€.”
XIV. Tendo, no ponto 25. referido que:
“25. Do que vem exposto resulta que, no caso dos presentes autos, estamos perante o indeferimento tácito de dois recursos hierárquicos, interpostos das decisões de indeferimento expresso dos pedidos de reclamação graciosa que os antecederam e que tiveram como objeto direto os atos de liquidação de IMI e de AIMI aqui impugnados. E assim sendo, é de considerar que o que está em causa no ato ficcionado é a legalidade de atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial ou o processo arbitral (meio alternativo).
Por tudo o que se deixa exposto, improcede a exceção de incompetência material invocada pela Requerida.”
XV. Porém, e em total oposição com o supra exposto vem julgar a seguinte questão de fundo: (ponto B.2 da decisão impugnada) saber se os actos de liquidação de IMI e de AIMI podem ter como fundamento de impugnação eventuais vícios dos atos de avaliação e fixação do valor patrimonial tributário atribuído a cada fração do prédio descrito nos autos.
XVI. Quando a ora Impugnante nunca invocou vícios de atos de avaliação e fixação do VPT, mas sim vícios que ocorreram na decisão e procedimentos que determinaram a “atualização na matriz realizada “às frações em apreço, isto é, que ocorreram previamente à própria avaliação e determinação do VPT realizada (conforme fundamentos do seu pedido).
XVII. Ademais, a douta decisão impugnada vai ainda mais longe e compara a alegada questão de fundo formulada na decisão impugnada no ponto B.2, à questão de direito analisada no já referido Acórdão do CAAD n.º 487/2020, no qual estava em causa “(…)saber se na determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios em causa, os quais serviram de base à liquidações de IMI impugnadas, a AT havia aplicado indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente, os coeficientes multiplicadores de VPT” (cfr. decisão ora impugnada).
XVIII. Concluindo, pois, que “(..)os alegados vícios dos atos de avaliação e fixação dos VPT das frações autónomas do prédio descrito nos autos invocados pela Requerente, e que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e de AIMI impugnadas no presente pedido arbitral que, em conseguem, tem de improceder. “
XIX. Pelo exposto não podemos deixar de concluir que o necessário silogismo judiciário que deve existir em qualquer decisão judicial não se encontra na decisão em apreço respeitado.
XX. Assim, atento ao discurso argumentativo constante da decisão impugnada e acima transcrito, existe clara oposição entre os fundamentos de facto e a decisão.
XXI. E também entre os fundamentos de direito e a decisão, na medida em que por um lado temos a improcedência da exceção de incompetência do tribunal arbitral (única alegada pela Requerida AT quer na sua resposta, quer nas suas alegações) e por outro temos como fundamento de direito para a improcedência total do pedido arbitral a seguinte argumentação:
Com as devidas adaptações, não resta dúvida que a questão de direito em apreciação nesse caso é idêntica à que agora nos ocupa, como bem alega a AT nas alegações escritas juntas aos autos.
(…) Nessa medida, assiste razão à AT quando alega a improcedência do pedido arbitral por impossibilidade deste tribunal conhecer dos atos de fixação do VPT, que a Requerente não impugnou autonomamente usando as garantias processuais ao seu dispor. (..)
Pelo exposto, os alegados vícios dos atos de avaliação e fixação dos VPT das frações autónomas do prédio descrito nos autos invocados pela Requerente, e que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e de AIMI impugnadas no presente pedido arbitral que, em consequência, tem de improceder.”
XXII. De facto, não podemos olvidar que de acordo com o artigo 615.º, n.º 1 al. c) do CPC, é nula a sentença quando os seus fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
XXIII. A decisão impugnada padece, assim, salvo melhor entendimento, de vício lógico na sua estrutura que tem por consequência a respetiva declaração de nulidade, nos termos dos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT e 28.º, n.º 1, al. b) do RJAT.
Sem prescindir, sempre se dirá ainda,
- Da Pronúncia indevida - artigo 28.º, n.º 1 al. c) do RJAT
XXIV. Não podemos deixar, igualmente, de invocar que houve uma pronúncia indevida de uma questão de fundo (formulada na decisão impugnada no ponto B.2 e acima já transcrita) que não foi arguida por nenhuma das partes, porquanto os atos/procedimentos cujos vícios foram invocados pela Requerente e respondidos pela Requerida AT, não dizem respeito a “actos de avaliação e fixação dos VPT”, excedendo o Tribunal arbitral os poderes cognitivos a que estava limitado, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório.
XXV. É manifestamente percetível que esta questão não foi levantada, pelo menos não nestes termos, pela Requerida AT - nem na sua resposta, nem nas suas Alegações - não tendo, igualmente, a própria Requerente/Impugnante se pronunciado ou sequer lhe foi dado esse direito ao contraditório, porque a mesma não foi precisamente, colocada nesses termos no âmbito desta contenda.
XXVI. Efetivamente, e olhando para a Resposta e as alegações apresentadas pela Requerida AT, aquela termina pedindo: ”(…) ser julgada procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral; ou caso assim não se entenda, b) Deve ser o presente pedido de pronúncia arbitral ser jugado improcedente por não provado, e consequentemente, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências. “
XXVII. Tendo sido com referência à exceção invocada pela Requerida AT que a Requerente exerceu o respectivo contraditório e que a douta sentença arbitral entendeu julgar (a exceção) a sua total improcedência.

Pugna pela procedência da impugnação e consequente anulação da decisão arbitral.


X
Admitida a Impugnação e notificada a Entidade Impugnada, foi por esta apresentada contra-alegações, onde formula as seguintes conclusões:
A. A decisão arbitral impugnada procedeu a um julgamento verdadeiramente exemplar da matéria em causa, devendo manter-se na ordem jurídica uma vez que não padece de nenhum vício que conduzam à sua nulidade. Vejamos,
B. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar apenas a que interessa para a decisão pelo que não se verifica no caso em apreço vício de falta de especificação
C. A matéria relativa às alterações matriciais foi suscitada pela Impugnante pelo que não se verifica qualquer pronuncia indevida da decisão impugnada quanto a esta matéria.
D. A decisão arbitral fez uma análise correta e devidamente fundamentada a qual foi perfeitamente apreendida pela Impugnante como se pode facilmente observar pelo expendido na presente Impugnação e cujo percurso lógico conduziu naturalmente à decisão proferida, não se verificando de igual modo o vício de contradição entre os fundamentos e a decisão ou de quaisquer outros.

Pugna pela improcedência da impugnação.

X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal foi notificado nos termos do artigo 146.º, n.º 1, do CPTA, aplicável ex vi artigo 27.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, não emitiu pronúncia, por entender “que não estão em causa direitos fundamentais dos cidadãos, interesses públicos especialmente relevantes ou de algum dos valores ou bens referidos no nº 2 do art. 9º do CPTA”.
X
II- Fundamentação
1. De Facto.
1.1. A decisão arbitral impugnada fixou a matéria de facto provada nos seguintes termos:
a) A Requerente é proprietária do prédio urbano, constituído em regime de propriedade horizontal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ………….., da freguesia de …………. – S. Salvador, em Í…………….
b) A Câmara Municipal de I............ têm impedido a emissão da licença de utilização das frações que integram o prédio, tendo notificado a Requerente do seguinte: “para efeitos de regularização do licenciamento em apreço, ou seja, da emissão do alvará de utilização abrangendo todas as frações do mesmo, deverá a requerente promover a apresentação do projeto de relocalização do corpo de anexos e a solução que permita resolver a questão da rampa de acesso à cave, proporcionando a sua inclinação de modo a cumprir o estabelecido no Regulamento Municipal de I............ (RMI), em vigor à época do licenciamento da obra (a inclinação da rampa não poderá ultrapassar 15%, em todos os setores).”
c) O prédio no seu todo está acabado, nele funciona uma Farmácia e algumas outras frações do prédio encontram-se em utilização, sendo que as frações mencionadas nas alíneas seguintes encontram-se com alguns acabamentos incompletos (colocação de portas, chão, cozinha e acabamentos elétricos) e ainda inabitadas por força da ausência de licenças de utilização, embora possam a qualquer momento ser finalizados para entrega a eventuais compradores.
d) No dia 28-03-2019 a Requerente foi notificada, na pessoa do seu Procurador, pelo Serviço de Finanças de I............ da cópia do ofício n.º 234, emitido por este serviço de finanças, referente à “AVALIAÇÃO – DETERMINAÇÃO DE VALOR PATRIMONIAL DE FRACÇÕES AUTÓNOMAS”.
e) Nesse mesmo ofício é referido que: “No âmbito de auditoria levada a efeito pela Direção de Serviços de Auditoria, foi detectado que várias fracções autónomas do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de I............ – S. Salvador sob o artigo n.º ………, das quais figura V. Exa., como proprietária, não estavam identificadas na matriz com o respectivo valor patrimonial. Nesse âmbito e após terem sido efectuadas as diligências necessárias com vista à sua determinação, foi por despacho de 25/01/2019 do Sr. Chefe deste Serviço (infra transcrito), determinado que se procedesse à sua avaliação, nos termos do disposto no art. 37.º do CIMI”. –
f) Do mesmo ofício resulta que por Despacho do Chefe de Finanças de I............, datado de 25.01.2019, foi emitida a Ordem de Serviço datada de 18.12.2018, da qual resulta que o Serviço de Finanças de I............ procedeu à inserção das declarações Mod. 1 do IMI, iniciando assim o procedimento de avaliação das frações A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de I............ (S. Salvador), sob o artigo n.º …………., para determinação do valor patrimonial tributário (VPT) de cada uma destas frações;
g) Do resultado das avaliações efetuadas àquelas frações, a requerente foi notificada em 20.3.2019, sendo que tanto a 1ª notificação como a 2ª foram devolvidas pelos CTT com a menção “Objeto não reclamado”;
h) Em 28.03.2019, a Requerente tomou conhecimento das fichas de avaliação, referentes a cada uma das mencionadas frações e, bem assim, do VPT atribuído a cada fração, através do seu Procurador;
i) A Requerente apresentou requerimento fundamentado, datado de 18.04.2019, no qual requereu o retorno à situação de VPT a “zero” das referidas frações.
j) Por correio enviado sob registo, foi a Requerente notificada em 17.06.2019 da demonstração da revisão oficiosa da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2018, datada de 07.06.2019.
k) Em 26.06.2019, a Requerente recebeu, por correio simples, a nota demonstrativa da liquidação correspondente ao ano 2017 e das liquidações do AIMI relativo aos anos 2017 e 2018, datadas de 15.06.2019, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de agosto de 2019.
l) Posteriormente, por correio enviado sob registo, foi a Requerente notificada em 10.07.2019 da correção da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2015, datada de 07.06.2019, no valor de €3.233,12, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de Julho de 2019 e, ainda, da correção da liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2016 e 2017, ambas datadas de 07.06.2019, no valor, respetivamente, de €3.3.031,06, cuja data limite de pagamento ocorreu no último dia do mês de Julho de 2019.
m) Em 18.07.2019, a Requerente foi notificada das notas demonstrativas das liquidações de IMI´s, referentes às frações mencionadas em f), relativamente aos anos de 2015, 2016, 2017, seguindo-se as liquidações referentes aos anos de 2018 e 2019, com a globalidade de todos os restantes prédios, a saber:
a. Liquidação nº ………………903 de 2015 (Serviço de Finanças de I............)
b. Liquidação nº ……………..703 de 2016 (Serviço de Finanças de I............)
c. Liquidação nº ……………..503 de 2017 (Serviço de Finanças de I............)
d. Liquidação nº …………….793 de 2018 (Serviço de Finanças de I............)
e. Liquidação nº ……………503 de 2019 (Serviço de Finanças de I............)
f. Liquidação nº ……………144 de 2017 (Serviço de Finanças de I............)
g. Liquidação nº ……………..145 de 2018 (Serviço de Finanças de I............)
h. Liquidação nº ……………636 de 2019 (Serviço de Finanças de I............)
n) Em 19.07.2019 a Requerente foi notificada, por carta registada, da 2ª prestação do Imposto Municipal sobre Imóveis do ano de 2018, datada de 07.06.2019.
o) Foi ainda notificada da 3ª prestação de IMI referente ao ano de 2018, da liquidação do AIMI relativo ao ano 2019;
p) Em 23.09.2019 a Requerente foi notificada da instauração do processo de execução fiscal n.º ………………662 pelo Serviço de Finanças de I............ para cobrança do valor das liquidações dos AIMI dos anos 2017 e 2018.
q) A Requerente apresentou em 27.09.2019, junto do Serviço de Finanças de I............, Reclamação Graciosa onde peticionou «que fosse considerada ilegal a atualização na matriz realizada às fracções A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S do prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de I............ (S. Salvador), sob o artigo n.º ………….. e fossem anuladas, por ilegais, as liquidações oficiosas de IMI referentes aos anos de 2015 a 2018 e ainda, a reposição dos VPT´s a zero das referidas fracções.»
r) Em 17-12-2019 a Requerente foi citada da instauração do processo de execução fiscal n.º …………………387 pelo Serviço de Finanças de I............ para cobrança do valor das liquidações do IMI do ano 2018 e da instauração do processo de execução fiscal n.º ……………..582 para cobrança do valor das liquidações do AIMI do ano 2019;
s) A Requerente foi notificada, por carta datada de 08.04.2020, do IMI correspondente ao ano de imposto de 2019, onde as frações (A D, E, F, G, L, M, N, O, P, Q, R e S foram também alvo de tributação:
t) Por ofícios datados de 07.01.2020, respetivamente, ofícios n.º 200 017 e n.º 200 016 foi a Requerente notificada, no âmbito de direito de audição prévia, do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada.
u) A Requerente interpôs dois recursos hierárquicos contra os indeferimentos das reclamações graciosas em 05.03.2020, junto da Direcção de Finanças de Aveiro, das decisões de indeferimento da Reclamação Graciosa que havia deduzido, relativamente às liquidações oficiosas de IMI, referentes aos anos de 2015 a 2018 e de AIMI, referentes aos anos de 2017 a 2019.
v) Em 24-06-2020 a Requerentes apresentou o presente pedido arbitral, posteriormente ampliado passando a incluir, na sua globalidade, todas as liquidações (e respetivas prestações) de IMI e AIMI, referentes aos anos de 2015 a 2019, no valor global de €23,303,97€.”
X
Consta ainda da decisão impugnada a título de “Factos dados como não provados” que: “17. Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.”

X

E, sob a epígrafe “Fundamentação da matéria de facto provada e não provada”, consignou-se que: “18- A matéria considerada comprovada tem por fundamento os factos reconhecidos como assentes pelas partes, bem assim como o suporte documental junto aos autos pelo Requerente e o constante do processo administrativo (PA) junto pela AT. Deste consta, concretamente, um conjunto de documentos que provam os factos assentes constantes das alíneas a), b) e d) a v), relativamente aos quais não se verifica divergência entre Requerente e Requerida.// O facto mencionado na alínea c) resulta provado pelo teor das fotos juntas aos autos pela Requerente, em anexo à resposta à exceção, apresentada em 05-11-2020, bem assim como do depoimento prestado pela testemunha inquirida. //Todos os factos mencionados, com exceção do constante da alínea c) da matéria assente, foram confirmados pelo teor da resposta da AT, bem assim como do PA que juntou aos autos. Em divergência está apenas a consequência jurídica a extrair dos mesmos. //Importa, ainda, referir que relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). Resulta, aliás, que a controvérsia que opõe as partes nos presentes autos não se reporta à matéria de facto, mas somente em relação à matéria de direito.”
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2. De Direito.
2.2.1. A presente pretensão anulatória centra-se sobre os alegados vícios da sentença arbitral seguintes:
i) Da falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, porquanto «atentas as várias questões de Direito plausíveis no presente pleito, a douta sentença não especifica parte da matéria de facto, a saber os factos constantes dos artigos 53.º, 54.º, 55.º, 59.º, 60.º, 62.º, 68.º, 69.º 82.º e 89.º constantes da petição inicial».
ii) Oposição entre os fundamentos e a decisão, porquanto «atento ao discurso argumentativo constante da decisão impugnada e acima transcrito, existe clara oposição entre os fundamentos de facto (e de direito) e a decisão. // na medida em que por um lado temos a improcedência da exceção de incompetência do tribunal arbitral (única alegada pela Requerida AT, quer na sua resposta, quer nas suas alegações) e por outro temos como fundamento de direito para a improcedência total do pedido arbitral a [argumentação de que] «os alegados vícios dos atos de avaliação e fixação dos VPT das frações autónomas do prédio descrito nos autos invocados pela Requerente, e que não foram objeto de impugnação tempestiva autónoma, não podem ser fundamento de anulação das liquidações de IMI e de AIMI impugnadas no presente pedido arbitral que, em consequência, tem de improceder».
iii) Da pronúncia indevida, dado que «houve uma pronúncia indevida de uma questão de fundo (formulada na decisão impugnada no ponto B.2 e acima já transcrita) que não foi arguida por nenhuma das partes, porquanto os atos/procedimentos cujos vícios foram invocados pela Requerente e respondidos pela Requerida AT, não dizem respeito a “actos de avaliação e fixação dos VPT”, excedendo o Tribunal arbitral os poderes cognitivos a que estava limitado, ultrapassando os limites do princípio do dispositivo a nível decisório».
A sentença arbitral julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral relativo ao pedido de anulação das liquidações IMI em causa nos autos.
Para tanto, considerou que a excepção de incompetência do tribunal arbitral para dirimir o litígio deduzida pela requerida não se comprova. Ponderou, a propósito e em síntese, o seguinte:
«a Requerente apresentou, primeiramente, duas reclamações graciosas, relativas a alegadas ilegalidades dos atos de liquidação de IMI e de AIMI com referência às frações do prédio urbano e aos anos em causa e já identificados supra. Estas reclamações foram indeferidas, por decisão expressa, e destes indeferimentos a Requerente interpôs os recursos hierárquicos aos quais não obteve decisão expressa, tendo, por isso, presumido o seu indeferimento tácito, nos termos previstos no artigo 57.º, n.º 5, da LGT. (…) // É de considerar que o que está em causa no ato ficcionado é a legalidade de atos de liquidação e, por isso, o meio processual adequado para a sua impugnação contenciosa é o processo de impugnação judicial ou o processo arbitral (meio alternativo). // Por tudo o que se deixa exposto, improcede a exceção de incompetência material invocada pela Requerida».
Por seu turno, em sede de análise do fundo da causa, a sentença arbitral considerou, em síntese, o seguinte:
«Face ao que vem exposto, é evidente que os fundamentos de facto e de direito invocados no pedido arbitral para a anulação das liquidações de IMI e de AIMI em questão assentam em alegados vícios ocorridos no procedimento de avaliação e fixação dos VPT de cada uma das frações, até então inscritas na matriz com valor «zero». Por isso, formula o pedido arbitral nos termos sobreditos, requerendo que sejam anulados todos os atos praticados no procedimento de avaliação e fixação oficiosa dos VPT, voltando este a ser repostos em «zero». // Ou seja, a Requerente não pretende apenas a anulação das liquidações, pois que tal não seria solução para o problema, o qual só ficará verdadeiramente resolvido com a anulação dos atos de avaliação e fixação do VPT atribuído às ditas frações. // A questão a decidir é a de saber se, considerada a matéria assente como provada, a Requerente tem a possibilidade de impugnar as liquidações de imposto com fundamento em vícios que imputa aos atos de avaliação e fixação do VPT, uma vez que não impugnou estes atos na altura própria, usando das garantias processuais legalmente previstas para o efeito. (…) // Começando por analisar o recente Acórdão arbitral proferido no processo nº 487/2020 T, em que foi analisada a questão de saber se o tribunal arbitral pode ou não conhecer de pedidos arbitrais em que se impugnem atos de liquidação de IMI com fundamento em erros dos atos de fixação dos valores patrimoniais tributários (VPT) dos prédios sobre que incidiu o imposto. Estava em causa nesse processo saber se na determinação dos valores patrimoniais tributários dos prédios em causa, os quais serviram de base às Liquidações de IMI impugnadas, a AT havia aplicado indevidamente uma fórmula de cálculo ilegal na qual foram considerados, indevidamente. os coeficientes multiplicadores de VPT. // Com as devidas adaptações, não resta dúvida que a questão de direito em apreciação nesse caso é idêntica à que agora nos ocupa, como bem alega a AT nas alegações escritas juntas aos autos».

2.2.2. Quanto aos fundamentos da impugnação da decisão arbitral, constitui jurisprudência assente a de que os únicos admitidos, nos termos da lei, são os que constam, de forma taxativa, no artigo 28.º do RJAT(1): a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão; a pronúncia indevida ou a omissão de pronúncia e a violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes (2).
2.2.3. No que respeita ao fundamento de impugnação arbitral referido em i), cumpre referir que a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão é fundamento de anulação da decisão arbitral (artigo 28.º/1/a), do RJAT (3) e artigo 615.º/1/b), do CPC). Com efeito, o juiz deve declarar quais os factos provados e quais os não provados, analisando criticamente as provas, referindo as ilações tiradas dos factos instrumentais e os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Deve, bem assim, tomar em consideração os factos que estão admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, conciliando toda a matéria de facto e extraindo dos factos apurados as presunções que decorram da lei ou das regras de experiência (4). Na fundamentação de direito, a sentença deve expor as premissas do silogismo judiciário, ou seja, após identificar as questões solvendas, deve identificar o regime jurídico aplicável ao caso e proceder à integração dos factos ao direito em referência.
No caso em exame, a sentença contém a fundamentação da matéria de facto, no ponto II. A, e a fundamentação da matéria de direito, no ponto II.B. Da referida fundamentação resulta patente a um destinatário médio, colocado na posição da impugnante, quais os fundamentos em que se baseou o tribunal para decidir no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral. Em síntese, o tribunal considerou que o pedido impugnatório em apreço dependia da anulação dos actos de avaliação do vpt dos prédios cuja liquidação de IMI era objecto de contestação. Uma vez não accionados os meios administrativos e judiciais de tais actos avaliativos, ocorre, no entender do tribunal, a preclusão associada ao caso administrativo resolvido, incidente sobre tais actos avaliativos. O que determinou a improcedência do pedido de impugnação arbitral.
Do exposto se infere que as razões de facto e de direito inscritas na fundamentação da sentença tornam acessível ao destinatário médio, colocado na posição da impugnante, o segmento decisório da mesma, pelo que a alegada falta de especificação da matéria de facto e da matéria de direito não se comprova nos autos.
Motivo porque se impõe rejeitar a presente arguição.
2.2.4. No que respeita ao fundamento de impugnação arbitral referido em ii), cumpre referir que a oposição dos fundamentos com a decisão é motivo de anulação da decisão arbitral (artigo 28.º/1/b), do RJAT. Nos termos do artigo 615.º/1/c), do CPC, a sentença é nula se quando os «fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível». Esta oposição «só existe quando há contradição real entre os fundamentos e a decisão», não se aplicando «às hipóteses de contradição aparente», exigindo-se que «exista um vício real no raciocínio do julgador: a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente»(5). «[É] um vício que afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão». (6) «[S]e o julgador, seguindo uma determinada linha de raciocínio que aponta para uma determinada conclusão, em vez de a extrair decide noutro sentido (oposto ou divergente), há que julgar verificada a oposição prevista na primeira parte da alínea c) do artigo 615.º do CPC».(7)
No caso em exame, através do pedido de pronúncia arbitral, a impugnante pretendia obter a declaração de ilegalidade da actualização das matrizes e consequente anulação das liquidações contestadas, invocando, para tal e em síntese, a argumentação seguinte:
i) Vício de falta de fundamentação do despacho do Chefe do Serviço de Finanças de I............, datado de 25-01-2019 que determina que se proceda à avaliação, nos termos do art. 37.º do CIMI das frações em apreço.
ii) Vício de falta de fundamentação, quanto à fixação da data 1.1.2013 constante do referido Despacho.
iii) Vício relativo ao sistema de avaliações do IMI, dado que «as fracções em apreço não pode ser alvo de avaliação com vista à sua atualização da matriz – porquanto as mesmas, face ao dissídio existente junto da CML e a ora Recorrente, desde pelo menos 2013, não podem em bom rigor “entrar no mercado”, muito menos serem alvo de transacções as fracções».
iv) Violação dos princípios orientadores do procedimento da inspecção tributária, nomeadamente os vertidos no RCPIT, bem como o princípio da participação previsto no art. 60.º da LGT, violação que afeta a validade dos atos de liquidação subsequentes.
A impugnada invocou a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral para dirimir o litígio. Alegou, que «[n]o caso em concreto, a atualização da matriz e a inscrição das frações não se encontra entre as matérias cometidas à apreciação do tribunal arbitral» e, bem assim, que «o Tribunal Arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se estão ou não reunidas as condições para a inscrição matricial das frações e se os pressupostos de aplicação de tal mecanismo de inscrição/atualização matricial foram, ou não, bem aplicados pela AT».
A decisão arbitral, em exame, considerou ser de rejeitar a excepção de incompetência material do tribunal para dirimir o litígio, invocada pela impugnada, afirmando que os vícios invocados são passíveis de ser apreciados pelo tribunal arbitral e de justificar a anulação das liquidações sindicadas. Porém, num segundo momento, em sede de apreciação do fundo da causa, o tribunal arbitral entendeu que tais vícios estão sujeitos à preclusão do caso decidido administrativo, dado não terem sido esgotados os meios administrativos impugnatórios que considera adequados para o efeito. Tal significa que o tribunal arbitral, pese embora entenda que lhe assiste competência para dirimir o litígio no qual é pedida a anulação de liquidações de IMI, tendo por base os vícios do procedimento que antecede tais liquidações, acaba por declinar tal competência, invocando o pressuposto do prévio esgotamento dos meios impugnatórios administrativos e judiciais dos actos avaliativos que antecedem tais liquidações.
Na medida em que rejeita, por um lado, a preclusão da competência do tribunal arbitral, para apreciar do pedido de anulação das liquidações de IMI sob escrutínio, para, num segundo momento, reafirmar a mesma preclusão, que antes havia rejeitado, a decisão arbitral mostra-se ininteligível. Por outras palavras, perante a invocação de que o tribunal arbitral não tem competência para apreciar e decidir a questão de saber se estão ou não reunidas as condições para a inscrição matricial das fracções e perante a assunção pelo tribunal arbitral de que lhe assiste tal competência, não pode o mesmo, em sede de fundamentação da sentença, invocar a necessidade do prévio esgotamento dos meios impugnatórios, como condição cuja falta preclude o conhecimento do mérito do pedido de pronúncia arbitral, dado que o juízo positivo sobre a competência do tribunal arbitral incidiu, em concreto, sobre o pedido e a causa de pedir, tal como foram formulados pelo autor, na petição inicial. Tal juízo positivo de competência vincula o tribunal, não podendo o mesmo considerá-lo inexistente, em sede de apreciação do fundo da causa.
Constitui jurisprudência assente a de que «[a] ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar.” (8) É o que sucede com a decisão arbitral sob escrutínio, à qual falta um critério unívoco de decisão.
Motivo porque se impõe julgar procedente a impugnação, com a consequente anulação da decisão arbitral impugnada.
Fica prejudicado o conhecimento dos demais fundamentos da impugnação.

Dispositivo
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente a impugnação e anular a decisão arbitral.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.º Adjunta –Tânia Meireles da Cunha)

(2.ªAdjunta– Sara Diegas Loureiro)
(1) Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20.01.
(2) Acórdão do TCAS, de 13.11.2014, P. 07294/14.
(3) Regime jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, citado.
(4) Artigo 607.º/4, do CPC.
(5) Acórdão do STJ, de 06.05.2004, P. 04B1409.
(6) Acórdão do STA, de 18-01-2023 013/19.9BALSB
(7) Acórdão do STA, 29-06-2022, P. 0139/21.9BALSB
(8) Acórdão do STJ de 20-05-2021, 69/11.2TBPPS.C1.S1. No mesmo sentido, v. Acórdão do STJ de 08-10-2020, 1886/19.0T8LLE.E1.S1